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A ciencia da microbiologia - UFSM

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CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – CCS<br />

Departamento de Microbiologia e Parasitologia<br />

Disciplina de Microbiologia Geral<br />

1) INTRODUÇÃO.<br />

A CIÊNCIA DA MICROBIOLOGIA. (1.1)<br />

Microbiologia: Mikros (= pequeno) + Bio (= vi<strong>da</strong>) + logos (= ciência)<br />

A Microbiologia é classicamente defini<strong>da</strong> como a área <strong>da</strong> ciência que dedica-se ao<br />

estudo de organismos, e suas ativi<strong>da</strong>des, que somente podem ser visualizados ao<br />

microscópio. Com base neste conceito, a <strong>microbiologia</strong> abor<strong>da</strong> um vasto e diverso grupo<br />

de organismos unicelulares de dimensões reduzi<strong>da</strong>s, que podem ser encontrados como<br />

células isola<strong>da</strong>s ou agrupados em diferentes arranjos. Assim, a <strong>microbiologia</strong> envolve o<br />

estudo de organismos procarióticos (bactérias, archaeas), eucarióticos (algas,<br />

protozoários, fungos) e também seres acelulares (vírus).<br />

Tendemos a associar estes pequenos organismos somente a doenças graves (Aids),<br />

as infecções desagradáveis (enterites), ou a fatos inconvenientes como a deterioração dos<br />

alimentos. Contudo, a maioria dos microorganismos contribui de modo essencial na<br />

manutenção e no equilíbrio dos organismos vivos (Quadro 01).<br />

Quadro 01 – Importância dos microorganismos para o homem, animais e para o<br />

planeta.<br />

GRUPO IMPORTÂNCIA<br />

Bactérias - Produtores de medicamentos e vacinas<br />

- Controle biológico e biorremediação<br />

- Produtores de alimentos: iogurte, fixação<br />

de nitrogênio<br />

- Produtores de ácidos e vitaminas<br />

- Auxílio na digestão dos alimentos<br />

- Aplicações comerciais (jeans)<br />

- Bioterrorismo<br />

Algas e microorganismos marinhos - Fotossintetizantes<br />

- Base <strong>da</strong> cadeia alimentar nos oceanos,<br />

rios e lagos<br />

Vírus - Controle biológico<br />

- Engenharia genética (vetores de terapia<br />

genética)<br />

Fungos - Produtores de alimentos: queijos, bebi<strong>da</strong>s<br />

alcoólicas, manteiga, picles, molho de soja<br />

- Produtores de antibióticos e antifúngicos<br />

- Maiores decompositores do planeta<br />

- Controle biológico<br />

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Apesar de uma minoria dos microorganismos ser patogênica, o<br />

conhecimento prático a respeito dos micróbios é necessário, principalmente para os<br />

profissionais <strong>da</strong> medicina e <strong>da</strong>s ciências relaciona<strong>da</strong>s à saúde.<br />

Atualmente sabemos que os microorganismos são encontrados em quase todos os<br />

lugares. Há pouco tempo atrás, antes <strong>da</strong> invenção do microscópio, os micróbios eram<br />

desconhecidos pelos homens. Milhares de pessoas morreram devido a epidemias<br />

devastadoras, cujas causas não eram conheci<strong>da</strong>s. Famílias inteiras pereceram, pois as<br />

vacinas e os antibióticos não estavam disponíveis para combater as infecções.<br />

Enfim, os microorganismos são diminutos, abun<strong>da</strong>ntes, a<strong>da</strong>ptáveis e necessários<br />

para a existência de outras formas de vi<strong>da</strong>, desempenhando um papel fun<strong>da</strong>mental na<br />

formação e na manutenção do planeta como o conhecemos.<br />

1.1. O QUE É UM MICRÓBIO?<br />

Tradicionalmente, os micróbios são descritos como organismos de vi<strong>da</strong> livre<br />

muito pequenos (menos de 100 micrômetros [µm]), sendo visíveis somente sob o<br />

microscópio, embora alguns micróbios possam ser suficientemente grandes para serem<br />

vistos a olho nu (ver quadro de conversão – Quadro 02).<br />

Quadro 02 – Escala de uni<strong>da</strong>des métricas e suas dimensões.<br />

UNIDADE MÉTRICA DIMENSÃO SÍMBOLO<br />

Micrômetro milésima parte do milímetro µm<br />

Nanômetro milésima parte do micrômetro nm<br />

Angstrom décima parte do nanômetro Å<br />

As menores bactérias têm apenas 0,2 µm de comprimento, mas bactérias gigantes<br />

e protozoários podem ter mais de 1 mm de comprimento. Os micróbios são procariotos<br />

(células desprovi<strong>da</strong>s de um núcleo ver<strong>da</strong>deiro) ou eucariotos (células com um núcleo<br />

ver<strong>da</strong>deiro). Os micróbios eucariotas, exceto as algas e os fungos, são coletivamente<br />

chamados de protista (seres unicelulares, microscópicos, com células eucarióticas,<br />

portanto com núcleo ver<strong>da</strong>deiro, semelhante às células dos animais e <strong>da</strong>s plantas. Ex.:<br />

protozoários e algas formadoras do plâncton marinho). Os protistas podem ain<strong>da</strong> ter<br />

a<strong>da</strong>ptações de forma e estrutura de acordo com o seu modo de vi<strong>da</strong>: parasita, ou de vi<strong>da</strong><br />

livre. Exemplo de alguns protozoários parasitas:<br />

- Leishmania braziliensis – causa a leishmaniose tegumentar.<br />

- Trypanosoma cruzi – causa a doença de Chagas.<br />

- Giardia lamblia – causa a giardíase (intestinal).<br />

- Trichomonas vaginalis – causa a tricomoníase (no aparelho genital).<br />

1.2. O HISTÓRICO DOS MICROORGANISMOS.<br />

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A vi<strong>da</strong> iniciou com os micróbios, e esses organismos unicelulares tiveram o<br />

planeta só para si por cerca de 80% do tempo de existência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na terra. Não se<br />

conhece a natureza ou a localização de onde a vi<strong>da</strong> começou, mas sabe-se que os<br />

microorganismos foram às primeiras formas de vi<strong>da</strong> celular que surgiram e prosperaram.<br />

Por serem tão antigos, os micróbios tiveram um tempo muito longo para evoluírem e<br />

desenvolverem mecanismos metabólicos básicos que possibilitaram to<strong>da</strong>s as outras<br />

formas de vi<strong>da</strong> na terra.<br />

Os procariotos estiveram sozinhos na terra por mais ou menos dois bilhões de<br />

anos (cerca de metade do tempo de existência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na terra), para após surgirem os<br />

eucariotos.<br />

Alguns microorganismos são as únicas formas de vi<strong>da</strong> que são auto-suficientes,<br />

isto é, podem existir indefini<strong>da</strong>mente sem quaisquer outros seres vivos.<br />

Os procariotos são os ancestrais de to<strong>da</strong>s as outras formas de vi<strong>da</strong>. Todos os<br />

eucariotos, <strong>da</strong>s leveduras e algas simples aos humanos, originaram-se de progenitores<br />

procarióticos.<br />

1.2.1. A DESCOBERTA DOS MICROORGANISMOS.<br />

A <strong>microbiologia</strong> iniciou-se em 1665, quando o inglês Robert Hooke, com aju<strong>da</strong> de<br />

seu microscópio improvisado, observou em uma fina fatia de cortiça a existência de<br />

pequenas uni<strong>da</strong>des vivas, chama<strong>da</strong>s por ele de “pequenas caixas” ou “células”. Com essa<br />

descoberta, deu-se inicio à teoria de que todos os seres vivos eram formados por células –<br />

teoria celular. Embora o microscópio de Hooke tivesse a capaci<strong>da</strong>de de mostrar células<br />

grandes, o mesmo não tinha resolução suficiente para mostrar claramente os micróbios. O<br />

primeiro a conseguir realizar esse feito foi o holandês Anton van Leeuwenhoek (1673 –<br />

1723), que observou bactérias e protozoários, chamando-os de “animálculos”. Após a<br />

descoberta de Leeuwenhoek houve o interesse <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de científica em descobrir a<br />

origem desses minúsculos organismos. Alguns cientistas acreditavam que alguns<br />

organismos surgiam espontaneamente de matérias mortas, a chama<strong>da</strong> “geração<br />

espontânea”. Pouco mais de 100 anos atrás, pessoas acreditavam que sapos, cobras e<br />

camundongos poderiam nascer do solo úmido, que moscas poderiam surgir do estrume, e<br />

que larvas de insetos poderiam surgir de corpos em decomposição. Mas, o físico italiano<br />

Francesco Redi (1668, antes <strong>da</strong> descoberta <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> microscópica por Leeuwenhoek) não<br />

concor<strong>da</strong>va com essa hipótese, ele demonstrou que as larvas de insetos não surgiam<br />

espontaneamente, mas somente após as moscas depositarem seus ovos sobre a matéria.<br />

Realizou essa demonstração utilizando dois frascos contendo matéria em decomposição,<br />

um era mantido aberto e o outro tampado.<br />

Mesmo com as experiências de Redi provando o contrario, seus opositores diziam<br />

que o ar era um importante “ingrediente” para a geração espontânea, mas novamente Redi<br />

provou que eles estavam errados, demonstrando que mesmo quando o frasco se<br />

encontrava coberto por uma fina película, por onde passasse o ar, as larvas não surgiam<br />

espontaneamente. Ain<strong>da</strong> sim, até 1745, alguns cientistas achavam que a “geração<br />

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espontânea” era possível para organismos pequenos – “animálculos”, no entanto, o<br />

italiano Lazzaro Spallanzani sugeriu que os organismos contidos no ar poderiam<br />

contaminar os fluídos. Até 1858 a questão não estava resolvi<strong>da</strong>, quando o cientista<br />

alemão Rudolf Virchow desafiou o conceito <strong>da</strong> geração espontânea com o conceito <strong>da</strong><br />

biogênese, que argumentava que células vivas poderiam surgir somente <strong>da</strong>s células vivas<br />

preexistentes. Os argumentos continuaram até que, em 1861, o cientista francês Louis<br />

Pasteur derrubou qualquer dúvi<strong>da</strong> sobre a “geração espontânea”, por meio de uma série<br />

de experimentos engenhosos e persuasivos. Ele provou a existência de microorganismos<br />

no ar, e que esses microorganismos eram responsáveis por gerar vi<strong>da</strong> onde aparentemente<br />

não existia vi<strong>da</strong> alguma. Pasteur mostrou que os microorganismos podem estar presentes<br />

em matérias não vivas como em sólidos, líquidos e no ar. Além disso, ele provou que era<br />

possível eliminar esses microorganismos através de calor e que se podiam elaborar<br />

métodos para bloquear o acesso dos microorganismos ao ambiente nutritivo. Essas<br />

descobertas formam a base <strong>da</strong>s técnicas de assepsia, que previnem a contaminação por<br />

microorganismos indesejáveis e que hoje em dia são práticas rotineiras para os<br />

procedimentos médicos e de laboratórios.<br />

Sendo assim, iniciou-se em 1857 um período importante na história <strong>da</strong><br />

<strong>microbiologia</strong>, onde essa foi estabeleci<strong>da</strong> como uma ciência. Nesse período houve<br />

descobertas (lidera<strong>da</strong>s principalmente por Pasteur e Robert Koch) de agentes<br />

responsáveis por doenças, sobre o sistema imunológico, assepsia, técnicas de estudo<br />

como colorações e meios de cultura, fermentação e pasteurização, etc. Durante a história<br />

<strong>da</strong> <strong>microbiologia</strong> muito avanço se fez como a descoberta dos antibióticos como a<br />

Penicilina, vacinas, agentes responsáveis por epidemias, medicamentos, a fermentação<br />

em alimentos e a divisão dos organismos.<br />

Os cientistas agora acreditam que provavelmente uma forma de geração<br />

espontânea ocorreu na terra primitiva, quando a primeira vi<strong>da</strong> surgiu, mas eles concor<strong>da</strong>m<br />

que isso não acontece sob as condições ambientais atuais.<br />

De acordo com a análise histórica dos estudos de importantes microbiologistas,<br />

pode-se dizer que, Robert Hooke e Anton van Leeuwenhoek, pelas suas descobertas no<br />

século 17, são considerados, hoje em dia, os “pais” <strong>da</strong> <strong>microbiologia</strong> moderna.<br />

1.2.2. MICROORGANISMOS E O MEIO AMBIENTE.<br />

Onde existe vi<strong>da</strong>, existem micróbios. Não há nenhum nicho na terra capaz de<br />

sustentar a vi<strong>da</strong> sem a presença dos micróbios, isso inclui ambientes considerados<br />

extremamente severos.<br />

As interações entre os microorganismos e o seu ambiente baseiam-se em três<br />

características fun<strong>da</strong>mentais dos micróbios: sua ubiqui<strong>da</strong>de – estão presentes em<br />

praticamente todos os lugares onde houver água líqui<strong>da</strong>; sua abundância – ocorrem em<br />

grande número; e seu poder metabólico – são extremamente ativos e de modo<br />

incrivelmente diverso.<br />

Os microorganismos podem ser pequenos, mas realizam coisas em escala global.<br />

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Eles têm um grande impacto na formação e no estabelecimento <strong>da</strong>s concentrações dos<br />

principais gases na atmosfera, como o oxigênio, o nitrogênio e o dióxido de carbono. Eles<br />

desempenham papéis fun<strong>da</strong>mentais na degra<strong>da</strong>ção dos restos de plantas e animais que, de<br />

outra forma, se acumulariam e, no final, seqüestrariam quanti<strong>da</strong>des suficientes de carbono<br />

e outros bioelementos que impossibilitaria a nossa existência.<br />

A diversi<strong>da</strong>de de populações microbianas indica que elas tiram proveito de<br />

qualquer nicho encontrado em seu ambiente. Determinados micróbios não apenas<br />

sobrevivem, mas de fato também crescem sob condições extremas, como temperaturas<br />

acima do ponto de ebulição, pH 1.0, pressões de milhares de atmosferas e salini<strong>da</strong>de<br />

típica de água salga<strong>da</strong> concentra<strong>da</strong>. Os microorganismos que vivem em condições<br />

extremas de temperatura, acidez, alcalini<strong>da</strong>de ou salini<strong>da</strong>de são denominados<br />

extremófilos (muitos são membros <strong>da</strong>s arquibactérias). As enzimas (extremozimas) que<br />

tornam o crescimento possível sob essas condições têm sido de grande interesse para as<br />

indústrias, porque toleram condições extremas que poderiam inativar outras enzimas.<br />

Bactérias que degra<strong>da</strong>m muitos poluentes estão presentes naturalmente no solo e<br />

na água, mas muitas vezes em números tão baixos que não conseguem li<strong>da</strong>r de maneira<br />

eficiente em contaminações de larga escala. Pesquisadores vêem trabalhando para<br />

melhorar a eficiência desses combatentes naturais <strong>da</strong> poluição. O uso de microorganismos<br />

para degra<strong>da</strong>r toxinas de poços subterrâneos, para desentupir bueiros sem a necessi<strong>da</strong>de<br />

de adicionar químicos nocivos ao meio ambiente e para a limpeza de derramamentos de<br />

poluentes químicos e óleos é denominado biorremediação. Ex.: uso de bactérias para a<br />

limpeza de vazamentos de petróleo nas praias e para a eliminação do mercúrio presente<br />

em substâncias comuns como tintas e lâmpa<strong>da</strong>s fluorescentes, que ao serem descarta<strong>da</strong>s<br />

podem passar para o solo e águas a partir dos depósitos de lixo.<br />

1.2.3. A INTER-RELAÇÃO DOS MICROORGANISMOS COM O HOMEM E<br />

OS ANIMAIS.<br />

Praticamente nenhum organismo vive isolado, isso afeta os fenômenos biológicos<br />

ligados a evolução, ecologia e ao bem estar dos indivíduos e <strong>da</strong>s espécies.<br />

A simbiose é uma associação fecha<strong>da</strong> de dois organismos diferentes vivendo<br />

juntos, na qual pelo menos um é dependente do outro. Na relação simbiótica denomina<strong>da</strong><br />

comensalismo, um dos organismos se beneficia, enquanto o outro não é afetado de forma<br />

alguma. Já no mutualismo, ocorrem benefícios para ambos os organismos simbiontes. Os<br />

mamíferos, por exemplo, não produzem enzimas que digerem a celulose. Em vez disso,<br />

os ruminantes abrigam micróbios que degra<strong>da</strong>m a celulose em uma grande câmara de<br />

fermentação chama<strong>da</strong> de rúmen. O animal proporciona um hábitat adequado para o<br />

crescimento dos microorganismos, sendo que os mesmos retribuem transformando a<br />

celulose em ácidos graxos voláteis (ácido acético, propiônico e butírico), que são usados<br />

pelo animal como uma importante fonte de energia. Além disso, quando o conteúdo do<br />

rúmen é conduzido para as próximas câmaras de digestão (omaso e abomaso), as<br />

bactérias são degra<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelas enzimas digestivas, fazendo com que os ruminantes<br />

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utilizem de forma efetiva seu alimento e seus simbiontes, transformando substratos brutos<br />

em produtos valiosos como carne e leite. Nos herbívoros não ruminantes, a degra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

celulose ocorre principalmente no ceco e os microorganismos são carreados junto com as<br />

fezes para o meio ambiente. Como a reciclagem não se torna tão eficiente como no caso<br />

dos ruminantes, alguns animais (coelhos e ratos) são coprofágicos, isto é, alimentam-se<br />

de suas próprias fezes ricas em nutrientes.<br />

As interações de microorganismos e seus hospedeiros podem variar do<br />

mutualismo benéfico para formas deletérias de parasitismo. Ratos infectados pelo<br />

protozoário Toxoplasma gondii perdem o medo de gatos. Isso pode fazer pouco sentido<br />

ao rato, mas faz muito sentido ao parasita. O entendimento do motivo pelo qual isso<br />

ocorre requer o conhecimento do ciclo biológico do parasito. Os hospedeiros definitivos<br />

são os gatos, ao passo que os ratos, outros roedores e as pessoas são hospedeiros<br />

acidentais. O contágio de ratos pelo T. gongii poderia ser um beco sem saí<strong>da</strong> para o<br />

parasito, uma vez que o mesmo necessita desenvolver-se no intestino do gato. Contudo,<br />

quando um rato infectado é ingerido por um gato, os parasitos reproduzem-se no intestino<br />

do felino e são, ao final, lançados junto com as fezes ao meio ambiente para o início de<br />

um novo ciclo infeccioso.<br />

Outro comportamento interessante é observado em certas formigas (e outros<br />

insetos) que vivem no chão de florestas. Essas formigas ao serem infecta<strong>da</strong>s por<br />

determinados fungos invasores apresentam o comportamento alterado, após certo período.<br />

Elas adquirem o ímpeto de subir nos talos <strong>da</strong>s vegetações e <strong>da</strong>s árvores, e ao atingirem<br />

certa altura, elas se fixam a planta com suas mandíbulas e permanecem empoleira<strong>da</strong>s no<br />

alto até o final de suas vi<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> depois disso. Em segui<strong>da</strong> os fungos crescem e<br />

desenvolvem-se nos corpos dos insetos, permitindo que os esporos possam ser dispersos a<br />

partir do alto, possibilitando a dispersão a grandes distâncias.<br />

A pre<strong>da</strong>ção microbiana tem sido difícil de ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong> em laboratório, pois 99%<br />

dos microorganismos não foram cultivados. Existe cerca de um milhão de bactérias por<br />

mililitro de água do mar, número este menor que o esperado levando em conta a<br />

disponibili<strong>da</strong>de de nutrientes disponível para os micróbios marinhos. Por que isso ocorre?<br />

Isso ocorre pelo fato de que os microorganismos são controlados pelos seus pre<strong>da</strong>dores.<br />

Os principais pre<strong>da</strong>dores <strong>da</strong>s bactérias são os protistas (ciliados e dinoflagelados),<br />

eucariotos unicelulares que vagam pelos oceanos. Existem ain<strong>da</strong> os vírus bacterianos ou<br />

fagos, que vivem às custas de bactérias marinhas.<br />

Vivemos do nascimento até a morte em um mundo cheio de micróbios, e todos<br />

temos uma varie<strong>da</strong>de de microorganismos dentro do nosso corpo. Esses microorganismos<br />

constituem a nossa microbiota ou flora normal (Quadro 03). A flora normal geralmente<br />

não nos faz mal algum, sendo benéfica em grande parte do tempo. Por exemplo, por<br />

competição, a microbiota normal previne o crescimento de microorganismos patogênicos<br />

em seus hospedeiros, outras produzem substâncias úteis como vitamina K e algumas<br />

vitaminas do complexo B. Infelizmente, sobre certas circunstâncias, a microbiota normal<br />

pode nos fazer adoecer ou infectar pessoas ou animais com os quais entramos em contato.<br />

Quando certa microbiota normal sai do seu nicho natural, ela pode causar doença.<br />

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Os recentes estudos <strong>da</strong> importância <strong>da</strong>s bactérias para a saúde humana e dos<br />

animais, levou ao estudo dos probióticos. Os probióticos são culturas de<br />

microorganismos vivos que devem ser aplica<strong>da</strong>s ou ingeri<strong>da</strong>s para que exerçam um efeito<br />

benéfico. Os probióticos podem ser administrados juntamente com os prebióticos,<br />

substâncias químicas capazes de prover seletivamente o crescimento de bactérias<br />

benéficas.<br />

Quadro 03 – Microbiota normal <strong>da</strong> cavi<strong>da</strong>de oral de eqüinos, coleta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> região<br />

periodontal e terço médio <strong>da</strong> língua.<br />

AGENTE GRUPO<br />

Staphylococcus spp. Gram-positivo<br />

Stretococcus spp. Gram-positivo<br />

Moraxella spp. Gram-positivo<br />

Nocardia spp. Gram-positivo<br />

Bacillus spp. Gram-negativo<br />

Vieira, C. A. et al, 2008.<br />

A distinção entre ter saúde ou estar doente, irá depender do equilíbrio entre as<br />

defesas naturais do corpo e as proprie<strong>da</strong>des dos microorganismos em produzir a doença.<br />

Se o nosso corpo irá ou não reagir às táticas ofensivas, dos microorganismos, depende <strong>da</strong><br />

nossa resistência, que é a habili<strong>da</strong>de de evitar as doenças. Importantes resistências<br />

naturais são forneci<strong>da</strong>s pela barreira <strong>da</strong> pele, <strong>da</strong>s membranas mucosas, pelo pH, cílios e<br />

compostos antimicrobianos (Quadro 04).<br />

Quadro 04 – Defesas naturais encontra<strong>da</strong>s no hospedeiro que evitam a invasão do<br />

organismo pelos micróbios.<br />

DEFESAS NATURAIS PROPRIEDADES<br />

Pele cama<strong>da</strong> de queratina, secreções<br />

Membranas mucosas<br />

bacterici<strong>da</strong>s ou bacteriostáticas<br />

microbiota normal e leucócitos<br />

Trato gastrointestinal pH ácido do estômago e peristaltismo<br />

Trato respiratório<br />

secreções antimicrobianas e cílios<br />

Leucócitos<br />

neutrófilos, macrófagos ou monócitos,<br />

linfócitos;<br />

Proteínas especializa<strong>da</strong>s imunoglobulinas<br />

Febre auxilia no extermínio <strong>da</strong>s infecções<br />

Na natureza, os microorganismos podem existir como células separa<strong>da</strong>s que<br />

flutuam ou na<strong>da</strong>m independentemente em um líquido, ou podem estar ligados um ao<br />

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outro ou mesmo em uma superfície sóli<strong>da</strong>. Esse último comportamento é chamado de<br />

biofilme, que expressa uma comuni<strong>da</strong>de funcional complexa de microorganismos. Essa<br />

comuni<strong>da</strong>de reside em uma matriz feita essencialmente de polissacarídeos, com presença<br />

de DNA e proteínas, frequentemente chama<strong>da</strong> de limo. Dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de do<br />

biofilme, as bactérias são capazes de compartilhar nutrientes e estão protegi<strong>da</strong>s de fatores<br />

<strong>da</strong>nosos do meio ambiente que se encontram como a dissecação, os antibióticos e o<br />

sistema imune corporal. Os biofilmes podem ser benéficos, como aqueles que protegem<br />

as membranas mucosas dos microorganismos patogênicos, ou aqueles encontrados em<br />

lagos, os quais são um alimento importante para os animais aquáticos. Contudo, os<br />

biofilmes também podem ser nocivos. Por exemplo, os microorganismos que estão no<br />

biofilme são 1.000 vezes mais resistentes aos antimicrobianos. A maioria <strong>da</strong>s infecções<br />

nosocomiais está relaciona<strong>da</strong> à presença de biofilmes nos cateteres médicos, e ain<strong>da</strong><br />

formando-se em quase todos os equipamentos médicos como em válvulas cardíacas. Os<br />

biofilmes podem ser formados por fungos (Candi<strong>da</strong> – infecções relaciona<strong>da</strong>s ao uso de<br />

lentes de contato, as cáries dentárias) ou bactérias (gênero Pseudomonas).<br />

As doenças infecciosas não causaram incontáveis mortes apenas no passado, pois<br />

elas ain<strong>da</strong> o fazem hoje em dia, em muitas partes do mundo. Possuímos três principais<br />

armas externas para o controle <strong>da</strong>s doenças infecciosas: o saneamento, a vacinação e os<br />

fármacos antimicrobianos, mas sem dúvi<strong>da</strong>, a arma mais potente é a que se encontra<br />

internamente, ou seja, o nosso sistema imune. Pode-se sustentar a seguinte estrutura<br />

conceitual: o desenvolvimento <strong>da</strong>s doenças infecciosas, seja de seres humanos, animais<br />

ou plantas prossegue através <strong>da</strong>s mesmas etapas.<br />

Para que se desenvolva uma doença infecciosa, deve ocorrer o encontro entre o<br />

agente infeccioso e o hospedeiro. Os sinais clínicos de uma de uma infecção são<br />

raramente percebidos imediatamente ao encontro do agente com o hospedeiro, geralmente<br />

são precedidos de um período de incubação que pode levar dias, meses ou anos.<br />

Invariavelmente, o estabelecimento de qualquer infecção requer alguma brecha nos<br />

mecanismos de defesa do hospedeiro.<br />

Para que a doença ocorra deve haver a invasão do agente infeccioso no seu<br />

hospedeiro. O agente pode penetrar no seu hospedeiro por uma <strong>da</strong>s cavi<strong>da</strong>des corporais,<br />

como o trato digestório, respiratório ou geniturinário.<br />

O estabelecimento no corpo significa que o agente agressor venceu certo<br />

conjunto de defesas do hospedeiro, iniciando uma série de interações complexas entre o<br />

invasor e o hospedeiro. O resultado determinará se haverá sinais clínicos <strong>da</strong> doença e se o<br />

agente persistirá nos tecidos. Três fatores estão geralmente envolvidos e determinam se<br />

um agente infeccioso irá se estabelecer e provocar a doença:<br />

• o tamanho do inócuo (o número de microorganismos invasores);<br />

• a capaci<strong>da</strong>de invasiva do agente infeccioso;<br />

• as condições <strong>da</strong>s defesas do hospedeiro.<br />

Esses fatores se inter-relacionam, por exemplo, se a capaci<strong>da</strong>de invasiva dos<br />

agentes for alta, um número menor poderá estabelecer a infecção do que um agente<br />

menos virulento. O tamanho do inócuo refere-se não apenas quantos organismos são<br />

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inalados ou ingeridos, mas também <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de que efetivamente alcança o tecido ou<br />

órgão alvo. Sabe-se ain<strong>da</strong> que quanto menor forem às defesas do hospedeiro, mais fácil<br />

será para um pequeno número de organismos invasores provocarem a doença, e viceversa.<br />

Por esses motivos, torna-se difícil classificar um microorganismo como patógeno,<br />

tendo em vista que microorganismos podem causar doenças em um indivíduo, mas não<br />

em outro. Pacientes cujas defesas estão muito baixas, podem ser infectados por quase<br />

todo o tipo de microorganismo, incluindo muitos comensais. Assim, a definição de o que<br />

é um patógeno é condicional. Ocorrendo uma chance, os agentes que são comensais<br />

inofensivos em um hospedeiro normal podem agir como patógenos e causar doenças em<br />

um hospedeiro imunodeprimido. Em certas ocasiões, algumas considerações anatômicas<br />

podem interferir entre a saúde e a doença, por exemplo: bactérias anaeróbicas que vivem<br />

inofensivas no cólon de seus hospedeiros podem desenvolver, se não trata<strong>da</strong>s, uma<br />

peritonite fatal, caso ocorra a ruptura <strong>da</strong> parede do intestino.<br />

Para compreender a abrangência total de uma doença, é necessário saber sobre sua<br />

ocorrência. A incidência de uma doença representa o número de indivíduos em uma<br />

população que desenvolve uma doença em um período específico, sendo um indicador <strong>da</strong><br />

disseminação <strong>da</strong> doença. A prevalência de uma doença representa o número de<br />

indivíduos em uma população que desenvolve uma doença em um tempo específico,<br />

independentemente de quando surgiu pela primeira vez. A prevalência leva em<br />

consideração tantos os casos antigos quanto os novos. É um indicador <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de e do<br />

tempo que uma doença afeta uma população. Ex.: a incidência de Aids nos EUA em 2007<br />

foi de 56.300 casos, enquanto que a prevalência <strong>da</strong> doença foi de 1.185.000 casos.<br />

A frequência com que ocorre é outro critério utilizado na classificação <strong>da</strong>s<br />

doenças. Se uma determina<strong>da</strong> doença acontece ocasionalmente, essa pode ser chama<strong>da</strong> de<br />

doença esporádica. Uma doença constantemente presente em uma população é chama<strong>da</strong><br />

de doença endêmica. Se muitos indivíduos em uma determina<strong>da</strong> região adquirem<br />

determina<strong>da</strong> doença em um período de tempo relativamente curto, a mesma é classifica<strong>da</strong><br />

como doença epidêmica. Uma doença epidêmica que atinge to<strong>da</strong> população mundial é<br />

chama<strong>da</strong> de doença pandêmica.<br />

Outros critérios úteis para definir a abrangência <strong>da</strong>s doenças são sua gravi<strong>da</strong>de e<br />

duração. A doença pode ser agu<strong>da</strong>, a qual se desenvolve rapi<strong>da</strong>mente, mas em um curto<br />

período. A doença crônica se desenvolve lentamente, com reações corporais de menor<br />

gravi<strong>da</strong>de, porém a doença poderá apresentar recorrências por longos períodos. A doença<br />

intermediária entre a agu<strong>da</strong> e crônica é descrita como doença subagu<strong>da</strong>. Uma doença<br />

latente é aquela na qual o agente causador permanece inativo por algum tempo, mas em<br />

determinado momento se torna ativo novamente, gerando os sinais clínicos <strong>da</strong> doença.<br />

As infecções podem ain<strong>da</strong> ser classifica<strong>da</strong>s de acordo com a extensão em que o<br />

organismo é afetado. Uma infecção local é aquela em que os microorganismos invasores<br />

se limitam a uma área relativamente pequena do corpo. Ex.: abscessos, úlceras e<br />

furúnculos. A infecção sistêmica (generaliza<strong>da</strong>), os microorganismos e seus produtos se<br />

dispersam por todo o corpo, por meio do sangue ou linfa. A multiplicação de patógenos<br />

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no sangue é conheci<strong>da</strong> por septicemia. A presença de bactérias no sangue é chama<strong>da</strong> de<br />

bacteremia, a presença de toxinas no sangue de toxemia e a presença de vírus de<br />

viremia.<br />

A infecção pode ser primária, a qual se apresenta de forma agu<strong>da</strong> e que causa a doença<br />

inicial, ou secundária, causa<strong>da</strong> por um agente oportunista, após a infecção primária ter<br />

fragilizado as defesas do organismo.<br />

Uma vez que o agente infeccioso supera as defesas do hospedeiro, o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> doença segue certa sequência, similar tanto em doenças agu<strong>da</strong>s<br />

quanto crônicas.<br />

O período de incubação é o intervalo entre a infecção e o surgimento dos<br />

primeiros sinais clínicos e sintomas. O período de incubação irá depender do tipo de<br />

microorganismo envolvido, de sua virulência (grau de patogenici<strong>da</strong>de), do número de<br />

microorganismos infectantes e <strong>da</strong> resistência do hospedeiro.<br />

O período prodômico consiste em um período relativamente curto que se segue<br />

ao período de incubação de algumas doenças. É caracterizado pelo surgimento de<br />

sintomas leves <strong>da</strong> doença, como a prostração.<br />

O período de doença é o mais intenso, o indivíduo exibe sinais clínicos evidentes<br />

<strong>da</strong> infecção. Se as defesas do hospedeiro suplantarem os patógenos, ocorrerá o fim do<br />

período de doença. Quando a infecção não é controla<strong>da</strong> com sucesso, o paciente morre<br />

durante esse período.<br />

Durante o período de declínio, os sinais clínicos e sintomas perdem a<br />

intensi<strong>da</strong>de. Nessa fase, que pode durar menos de 24 horas a vários dias, o hospedeiro<br />

encontra-se vulnerável as infecções secundárias.<br />

Por fim temos o período de convalescência, no qual o indivíduo recupera suas<br />

forças e o organismo retorna ao estado anterior <strong>da</strong> doença.<br />

É importante que se saiba que, durante o período de doença, o hospedeiro<br />

encontra-se como reservatório do agente infeccioso, podendo disseminar rapi<strong>da</strong>mente a<br />

doença para outros indivíduos. Entretanto, deve-se saber que existem doenças que além<br />

de ser transmiti<strong>da</strong>s durante o período de doença, podem ser dissemina<strong>da</strong>s durante os<br />

períodos de incubação e convalescência do paciente.<br />

1.2.4. PRINCÍPIOS DE EPIDEMIOLOGIA.<br />

No mundo atual, superpopuloso e com regiões de alta densi<strong>da</strong>de demográfica, em<br />

que viagens frequentes e a produção e distribuição em massa de alimentos e outros<br />

produtos fazem parte do cotidiano, doenças podem se disseminar rapi<strong>da</strong>mente. Uma fonte<br />

de água ou alimentos contaminados pode afetar muitos milhares de pessoas de forma<br />

rápi<strong>da</strong>. A precoce identificação do agente causador <strong>da</strong> doença é crucial, pois permite o<br />

rápido controle <strong>da</strong> doença, diminuindo o número de vítimas. Também é importante<br />

compreender o modo de transmissão e distribuição geográfica <strong>da</strong> doença. A ciência que<br />

estu<strong>da</strong> quando e onde as doenças ocorrem, e como elas transmiti<strong>da</strong>s nas populações é<br />

denomina<strong>da</strong> de epidemiologia.<br />

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Considera<strong>da</strong> como a principal “ciência básica” <strong>da</strong> saúde coletiva, a epidemiologia<br />

analisa a ocorrência de doenças em massa, ou seja, em socie<strong>da</strong>des, coletivi<strong>da</strong>des, classes<br />

socias, grupos específicos, dentre outros, levando em consideração causas dos geradores<br />

de eventos relacionados à saúde <strong>da</strong>s populações e suas aplicações no controle de<br />

problemas de saúde.<br />

Reservatório <strong>da</strong> infecção.<br />

Para que uma doença se perpetue, é necessária a existência de uma fonte contínua<br />

do organismo causador <strong>da</strong> doença. Essa fonte pode ser um organismo vivo ou um objeto<br />

inanimado que fornece ao patógeno condições adequa<strong>da</strong>s de sobrevivência e<br />

multiplicação, assim como a oportuni<strong>da</strong>de de ser transmitido. Essa fonte é denomina<strong>da</strong> de<br />

reservatório <strong>da</strong> infecção. Esses reservatórios podem ser humanos, animais ou<br />

inanimados.<br />

Reservatórios humanos – o principal reservatório vivo de doenças humanas é o<br />

próprio corpo humano. Muitas pessoas hospe<strong>da</strong>m patógenos e os transmitem direta e<br />

indiretamente para outros indivíduos. Pessoas que apresentam sinais e sintomas de uma<br />

doença podem transmití-la, além disso, algumas pessoas podem hospe<strong>da</strong>r e transmitir<br />

patógenos sem exibir qualquer sinal ou sintoma <strong>da</strong> doença. Essas pessoas são chama<strong>da</strong>s<br />

de carreadores (importantes reservatórios vivos de infecções). Outros podem carreiam a<br />

doença durante os estágios livres de sintomas, como durante o período de incubação ou<br />

durante o período de convalescência.<br />

Reservatórios animais – tanto os animais domésticos quanto os animais<br />

silvestres podem ser reservatórios vivos de microorganismos que causam doenças em<br />

seres humanos. Doenças que podem ser transmiti<strong>da</strong>s dos animais para o homem e do<br />

homem para os animais são chama<strong>da</strong>s de zoonoses.<br />

Reservatórios inanimados – os dois maiores reservatórios inanimados de<br />

doenças infecciosas são a água e o solo. Outra fonte importante de infecções são os<br />

alimentos preparados ou armazenados de forma inadequa<strong>da</strong>.<br />

Transmissão <strong>da</strong> doença.<br />

Há três métodos comuns de transmissão:<br />

Transmissão por contato - Pode ser: direto, contato físico com o animal infectado.<br />

Um exemplo clássico são as doenças venéreas. Indireto, contacto com fezes frescas,<br />

urina, saliva ou membranas fetais incluindo objetos recentemente contaminados como<br />

bebedouros e comedouros. Por gotículas, emana<strong>da</strong>s a curta distância no espirro e na tosse<br />

diretamente para as membranas mucosas de um animal hígido. As micro-gotículas<br />

formam aerossóis provenientes de animais infectados e podem ser leva<strong>da</strong>s a longas<br />

distancias no ar.<br />

Transmissão por veículo - Veículos são objetos ou substâncias inanima<strong>da</strong>s nos quais<br />

o agente é transportado, como os alimentos, água, ar, superfícies de caixas e sacos de<br />

alimentos, instrumentos cirúrgicos, soro, sangue e outros produtos biológicos. A<br />

transmissão veicular é a passagem dos agentes infecciosos entre animais através de<br />

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veículos.<br />

Transmissão por vetores - Vetores são transportadores vivos dos agentes. Os vetores<br />

mais importantes são artrópodes (moscas, mosquitos), mas também pequenos mamíferos<br />

(ratos) ou outros vertebrados (peixes e pássaros). Eles transportam o agente e garantem o<br />

contacto com hospedeiros específicos. Esta transmissão pode-se fazer por via mecânica<br />

direta, no qual o vetor transfere o agente infeccioso, por meio de uma pica<strong>da</strong>, de um<br />

animal doente para um saudável. Por via mecânica indireta, onde o vetor transfere o<br />

agente infeccioso a partir <strong>da</strong>s excreções de um animal infectado para o animal saudável,<br />

via alimento ou água. A transmissão biológica é um processo ativo e mais complexo,<br />

onde o vetor tem uma função biológica essencial, permitindo a multiplicação e o<br />

desenvolvimento do agente.<br />

Os epidemiologistas usam três tipos de básicos de investigação ao analisar a<br />

ocorrência de uma doença: a descritiva, a analítica e a experimental.<br />

Investigação descritiva – envolve a coleta de todos os <strong>da</strong>dos que descrevem a<br />

ocorrência de uma doença em estudo. Informações relevantes incluem <strong>da</strong>dos sobre os<br />

indivíduos afetados, assim como o local e o período no qual a doença ocorreu. Esses<br />

estudos são retrospectivos (analisando o período pregresso, depois que o episódio já se<br />

encerrou), em outras palavras, o epidemiologista busca no passado a causa e a origem <strong>da</strong><br />

doença.<br />

Epidemiologia analítica – estu<strong>da</strong> uma doença em particular para determinar sua<br />

causa mais provável, está usualmente subordina<strong>da</strong> a uma ou mais questões científicas<br />

(hipóteses). São estudos que procuram esclarecer uma <strong>da</strong><strong>da</strong> associação entre uma<br />

exposição, em particular, e um efeito específico. Esse estudo pode ser feito de duas<br />

formas: no método de caso controle, o investigador parte de indivíduos com e sem<br />

doença e busca no passado a presença/ausência do fator determinante (causa). Analisa os<br />

possíveis fatores associados à doença em questão. Ex. Um lote bovino com tristeza<br />

parasitária e um lote sem a doença são pareados por raça, sexo, i<strong>da</strong>de, localização e<br />

manejo. As estatísticas são compara<strong>da</strong>s para determinar quais os possíveis fatores<br />

(genéticos, ambientais, nutricionais ou sanitários) podem ser responsáveis pelo<br />

desencadeamento <strong>da</strong> doença.<br />

O método de coortes, O investigador parte do fator de exposição (causa) para<br />

descrever a incidência e analisar associações entre causas e doenças. Ex. Comparação de<br />

um grupo de pessoas que receberam transfusão sanguínea e outro grupo que não<br />

receberam transfusão pode revelar uma associação entre a transfusão de sangue e a<br />

incidência de hepatite B.<br />

EXPOSIÇÃO<br />

Estudo de caso controle<br />

Estudo de coortes<br />

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DOENÇA<br />

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Epidemiologia experimental – inicia com uma hipótese sobre determina<strong>da</strong> doença,<br />

experimentos para testar a hipótese são então conduzidos com um grupo de indivíduos.<br />

Ex. Uma hipótese atribuí<strong>da</strong> à eficiência de um medicamento. Um grupo de animais<br />

infectados é selecionado e dividido aleatoriamente, de forma que alguns indivíduos<br />

recebam o medicamento e outros recebam um placebo. Se todos os fatores de<br />

interferência (variáveis) forem constantes para ambos os grupos, e se os indivíduos que<br />

receberam o medicamento se recuperaram mais rapi<strong>da</strong>mente que aqueles que receberam o<br />

placebo, pode-se concluir que o medicamento foi o fator experimental (variável)<br />

responsável pela diferença entre os grupos.<br />

Notificação de casos:<br />

Um método efetivo de estabelecer a cadeia de transmissão é a notificação de casos,<br />

um procedimento que requer que os trabalhadores de saúde relatem a ocorrência de<br />

doenças específicas às autori<strong>da</strong>des de saúde locais, estaduais ou federais. Ex.<br />

Leishmaniose, febre aftosa, SIDA. A notificação de casos fornece aos epidemiologistas<br />

uma idéia aproxima<strong>da</strong> <strong>da</strong> incidência e <strong>da</strong> prevalência de uma doença, auxiliando as<br />

autori<strong>da</strong>des a decidir se é pertinente ou não investigar uma determina<strong>da</strong> doença. Uma vez<br />

que a cadeia de transmissão é descoberta, é possível aplicar medi<strong>da</strong>s de controle para<br />

interromper a disseminação <strong>da</strong> doença. Essas ações podem incluir a eliminação <strong>da</strong> fonte<br />

de infecção, o isolamento de indivíduos infectados, a aplicação de vacinas e a educação<br />

<strong>da</strong> população.<br />

Centro de controle de zoonoses (CCZ):<br />

Centro de Controle de Zoonoses são uni<strong>da</strong>des de saúde pública que têm como<br />

atribuição fun<strong>da</strong>mental prevenir e controlar as zoonoses (como raiva, dengue e doença de<br />

chagas), desenvolvendo sistemas de vigilância sanitária e epidemiológica. Os centros<br />

desempenham suas funções através do controle de populações de animais domésticos<br />

(cães, gatos e animais de grande porte) e controle de populações de animais sinantrópicos<br />

(morcegos, pombos, ratos, mosquitos, abelhas entre outros). Essa ação é basea<strong>da</strong> em<br />

trabalhos educativos, procurando esclarecer e contar com a colaboração e participação de<br />

to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, complementa<strong>da</strong> por ações legais e fiscais. Em nível local, nacional e<br />

internacional, os CCZ elaboram e organizam constantemente programas de treinamento,<br />

estágios, atualização e intercâmbio entre os profissionais que atuam nesta área específica.<br />

É permitido também aos Centros de Controle de Zoonoses, praticar a eutanásia em<br />

animais, desde que realiza<strong>da</strong> com métodos humanitários. Um serviço muito conhecido<br />

dos Centros de Controle de Zoonoses o de captura de animais errantes, diminuindo o<br />

risco de acidentes automobilísticos e doenças infectocontagiosas entre animais e para a<br />

população.<br />

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SUGESTÃO DE LEITURA:<br />

SCHAECHTER, M., INGRAHAM, J.L., NEIDHARDT, F.C. Micróbio: uma visão<br />

geral. Porto Alegre: Artmed, 2006. 547p.<br />

TORTORA, G.J., FUNKE, B.R., CASE, C.L. Microbiologia. 10ed. Porto Alegre:<br />

Artmed, 2012, 934P.<br />

VIEIRA, C.A., FERNANDO, F.S., VIGNOTO, V.C., WOSIACKI, S.R., RIBEIRO, M.G.<br />

Identificação <strong>da</strong> microbiota <strong>da</strong> cavi<strong>da</strong>de oral de eqüinos. Anais... Gramado: 35º<br />

Combravet, 2008. Acesso em 27.01.2012:<br />

http://www.sovergs.com.br/conbravet2008/anais/cd/lista_area_04.htm<br />

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