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seu lugar, não deve jamais ferir o orgulho <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> nem mostrar,<br />
fora de casa, que ela se considera igual ao mari<strong>do</strong>.” Ela também reprova<br />
nos africanos o fato de não reconhecerem a <strong>do</strong>r e os problemas<br />
provoca<strong>do</strong>s pela excisão. Aïssata relembra, ainda com surpresa,<br />
uma cena violenta, mas muito significativa de sua a<strong>do</strong>lescência, vivida<br />
durante umas férias passadas no Mali. Uma tarde, ela se surpreendeu:<br />
“É incrível que nos tenham tira<strong>do</strong> a sensibilidade” e, suas tias, desconcertadas<br />
por sua audácia e sua liberdade no tom de falar, a reprovaram<br />
por se tomar “por uma toubab”, 3 e uma vizinha ainda comentou,<br />
com inacreditável agressividade: “Se lhe tivessem deixa<strong>do</strong> a coisa,<br />
você se comportaria como uma cadela no cio”.<br />
Hoje, no momento em que sua filha acaba de entrar no ensino<br />
fundamental, Aïssata parece ter encontra<strong>do</strong>, finalmente, um equilíbrio,<br />
uma espécie de apaziguamento, após anos de sofrimento “morais e<br />
físicos”, como ela qualifica. Professora pública, vive no subúrbio de<br />
Paris. E, com força de vontade e determinação, conseguiu quebrar<br />
esse silêncio que a oprimia. Decidiu, para se libertar, fazer psicanálise.<br />
“Não é necessário acrescentar à <strong>do</strong>r o isolamento <strong>do</strong> silêncio.<br />
Quan<strong>do</strong> ninguém pode ajudar, há especialistas para isso.” Ela milita<br />
no seio <strong>do</strong> Gams pela abolição das mutilações genitais e não hesita<br />
em testemunhar quan<strong>do</strong> solicitada. Mas conserva deliberadamente o<br />
anonimato, pois, como professora no ensino fundamental, quer a to<strong>do</strong><br />
custo preservar a relação com seus alunos. Viveu muito tempo sua<br />
dupla cultura como um dilaceramento: “No começo, é difícil. Tem-se<br />
a impressão de não pertencer a lugar algum. Mas, com a maturidade,<br />
repudiei o que me parecia ruim na cultura maliana e guardei o resto”.<br />
Atualmente ela se considera tão francesa quanto maliana.<br />
3. Denominação que os africanos dão aos brancos (N. da T.).<br />
21 | o corpo reencontra<strong>do</strong>