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um mártir do calvinismo tupiniquim: pedro poti - UTP

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RESUMO<br />

UM MÁRTIR DO CALVINISMO TUPINIQUIM: PEDRO POTI<br />

Maria Aparecida de Araújo Barreto Ribas<br />

A presença da Igreja Reformada no Brasil se institucionalizou, pela primeira vez, no século<br />

XVII, quan<strong>do</strong> da <strong>do</strong>minação neerlandesa (1630-1654) em parte das capitanias <strong>do</strong> norte,<br />

entre o Ceará e o Rio São Francisco. Tal presença esteve estreitamente relacionada às<br />

disputas coloniais pelo território português ou hispano-português na América. O catolicismo<br />

romano era, até então, a religião oficial e a única permitida nos <strong>do</strong>mínios da Coroa<br />

espanhola (era a época da União Ibérica). Sua estrutura contava já com cerca de <strong>um</strong> século<br />

de atividades na colônia hispano-portuguesa, através de suas ordens religiosas, suas<br />

práticas eclesiásticas e seus méto<strong>do</strong>s de catequese indígena. Neste contexto de <strong>do</strong>minação<br />

neerlandesa, <strong>um</strong>a significativa fração <strong>do</strong>s índios Potiguar aliou-se a eles no combate aos<br />

luso-brasileiros. Tal atitude, por parte <strong>do</strong>s naturais da terra, a essa altura era com<strong>um</strong> com<br />

relação a grupos europeus que se estabeleciam ou buscavam se estabelecer em solo da<br />

América Portuguesa. Por <strong>um</strong>a série de motivações, os autóctones, como as novas<br />

pesquisas vêm demonstran<strong>do</strong> 1 , aliançavam-se com este ou aquele grupo europeu conforme<br />

as circunstâncias. De mo<strong>do</strong> que, o conflito luso-holandês trava<strong>do</strong> na América hispanoportuguesa<br />

no século XVII, como já disse, levou os índios da nação Potiguar a se postarem<br />

de <strong>um</strong> ou de outro la<strong>do</strong>. Até aqui, nenh<strong>um</strong>a novidade, não fosse a questão religiosa — que<br />

cindia a cristandade ocidental desde a segunda década <strong>do</strong> século XVI — reproduzir-se, de<br />

forma institucionalizada, em meio aos embates e combates em terras coloniais. 2 É<br />

importante lembrar que to<strong>do</strong>s os índios aldea<strong>do</strong>s já vinham sofren<strong>do</strong> o processo de<br />

catequização pelas ordens religiosas da Igreja Católica. A escolha de <strong>um</strong> <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s —<br />

português ou neerlandês — pressupunha a escolha de <strong>um</strong>a ou de outra profissão de fé, pois<br />

não se lutava apenas em nome <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou <strong>do</strong> Rei, mas também — ou principalmente —,<br />

em nome de Deus. De mo<strong>do</strong> que, durante o conflito, a nação Potiguar viu-se cindida,<br />

também, por questões de fé ou de cre<strong>do</strong>: ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s portugueses, postavam-se como<br />

crentes e solda<strong>do</strong>s da Santa Madre Igreja Católica; ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s neerlandeses, perfilavam-se<br />

como crentes e solda<strong>do</strong>s da Igreja Cristã Reformada. Em 1625— pós tentativa frustrada<br />

<strong>do</strong>s neerlandeses tomaram a Bahia em 1624— Pedro Poti e deixou seu povo na Baía da<br />

Traição, na Paraíba, e r<strong>um</strong>ou para Amsterdã na frota <strong>do</strong> almirante Hendricks. Ao tomar tal<br />

decisão Pedro Poti dava os primeiros sinais <strong>do</strong> la<strong>do</strong> que em muito conscientemente<br />

preferiria estar na dinâmica <strong>do</strong>s conflitos coloniais. Partiu com cinco companheiros — assim<br />

como ele, filhos da nação Potiguar —, e por cerca de cinco anos viveu em Amsterdã, onde<br />

aprendeu a língua holandesa, a ler e a escrever, e onde foi <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong> na fé calvinista,<br />

conforme suas próprias palavras endereçadas ao primo Antonio Filipe camarão: “estive e<br />

me eduquei em seu país”. 3 Acredito que, ao deixar atrás de si aquelas partes <strong>do</strong> Brasil para<br />

singrar os mares r<strong>um</strong>o a <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong>, Pedro Poti tinha <strong>um</strong>a certeza: não queria<br />

viver sobre o jugo luso-católico que, enquanto índio aldea<strong>do</strong>, conhecia de perto. Não queria<br />

continuar como escravo naquele que acreditava ser seu mun<strong>do</strong>. Nas cartas trocadas entre<br />

Pedro Poti e seu primo Antonio Felipe, ao instaurar a insurreição pernambucana, desvelam-<br />

1 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: Identidade e cultura nas aldeias coloniais <strong>do</strong> Rio de Janeiro.<br />

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.<br />

2 A Religião Reformada já havia se feito presente na América Portuguesa no século XVI com os huguenotes, na invasão da<br />

Baía da Guanabara. Mas foi <strong>um</strong>a passagem curta e de forma não institucionalizada. Portanto, considero o perío<strong>do</strong> neerlandês<br />

como o primeiro grande momento da Igreja Reformada no Brasil.<br />

3 ALMEIDA. Op. Cit. p. 409.


se, como, diz Cristina Pompa, “as alianças e os conflitos que compõem as estratégias<br />

indígenas de sobrevivência e defesa de seus interesses políticos e territoriais”. 4 Tais cartas<br />

constituem, também, <strong>um</strong>a clara demonstração de que os regentes <strong>poti</strong>guaras utilizaram<br />

suas habilidades de mestiços culturais nas negociações entre seu povo e os representantes<br />

<strong>do</strong>s poderes europeus. 5 Com efeito, Poti procurava demonstrar ao primo que os benefícios<br />

recebi<strong>do</strong>s (e a receber) por aliarem-se aos neerlandeses eram (e seriam) melhores <strong>do</strong> que<br />

se manter “sob <strong>um</strong>a nação que nunca tratou de outra cousa senão de nos escravizar”. 6 A<br />

convicção de Poti, de que estar <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s neerlandeses era (e seria) melhor para a nação<br />

Potiguar transborda por to<strong>do</strong> o texto da carta: “Estou bem aqui e nada me falta; vivemos<br />

mais livremente <strong>do</strong> que qualquer de vós (..)” que por to<strong>do</strong> o “país se encontram (...)<br />

escraviza<strong>do</strong>s pelos perversos portugueses, e muitos ainda o estariam, si eu não os<br />

houvesse liberta<strong>do</strong>.” 7 Entre ameaças, convites e acusações de ambas as partes, as cartas<br />

trocadas deixam entrever a estreita ligação entre fé e nação, igreja e esta<strong>do</strong> também para<br />

estes índios. De mo<strong>do</strong> que Felipe Camarão lembrava a Poti: “não sabeis que sois cristão?<br />

por que vos quereis perverter? Sois <strong>um</strong> filho de nosso Deus, por que quereis estar sob o<br />

ímpio?” 8 Venha para o nosso la<strong>do</strong>, escrevia a Poti o seu primo católico, antes que “perca a<br />

alma e o corpo”. 9 Adertência temporal e espiritual, portanto. Poti, que convertera-se à fé<br />

reformada ainda em Amsterdã, entre os anos 1625 e 1630, respondeu-lhe: Sou cristão e<br />

melhor <strong>do</strong> que vós: “creio só em Cristo, sem macular a religião com i<strong>do</strong>latria, como fazeis<br />

com a vossa. Aprendi a Religião Cristã e a pratico diariamente”. 10 E concluía garanti<strong>do</strong> ao<br />

primo que, se ele também tivesse si<strong>do</strong> ensina<strong>do</strong> na fé reformada, também de corpo e alma<br />

tomaria o parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s holandeses. 11 Observa-se, aqui, a apreensão e o uso de conceitos<br />

cristãos por parte <strong>do</strong>s índios. Sobre esses mesmos <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entos, Pompa afirma que as<br />

cartas “são <strong>um</strong> testemunho precioso da inserção <strong>do</strong>s índios no mun<strong>do</strong> colonial, em<br />

condições de igualdade política”; 12 a meu ver, elas testemunham também a apreensão de<br />

senti<strong>do</strong> e a instr<strong>um</strong>entação, por partes destes índios acultura<strong>do</strong>s, de conceitos cristãos em<br />

suas mútuas tentativas de persuasão. Objetivo: historicizar, a partir da análise da trajetória<br />

de vida de Pedro Poti, índio da nação <strong>poti</strong>guar, a problemática conversão ao protestantismo<br />

por parte de índios no Brasil holandês. Através <strong>do</strong>s fragmentos que nos restaram dessa vida<br />

“exemplar”, várias questões podem ser colocadas e desenvolvidas: as motivações que os<br />

impulsionaram em direção ao <strong>calvinismo</strong>; as implicações, repercussões e desfechos de seu<br />

trânsito religioso no contexto mais envolvente da dinâmica <strong>do</strong>s conflitos coloniais.<br />

Resulta<strong>do</strong>s espera<strong>do</strong>s: Trazer a l<strong>um</strong>e os índios calvinistas no Brasil holandês; recuperar a<br />

imagem algo pálida <strong>do</strong>s índios calvinistas: quem eram eles? Eram crentes sinceros ou sua<br />

conversão representava apenas <strong>um</strong>a segunda demão de “verniz” religioso por sobre <strong>um</strong>a<br />

primeira mão aplicada pelos católicos? E qual o seu papel como media<strong>do</strong>res culturais?<br />

Atividades desenvolvidas: pesquisa <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental e bibliográfica.<br />

Palavras-chave: índios; Calvinismo; conflitos coloniais.<br />

4 POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Bauru: EDUSC, 2003.<br />

p. 208.<br />

5 MEUWESE, p. 195.<br />

6 MAIOR, Pedro Souto. Fastos Pernambucanos. In: RIHGB. Tomo LXXV. Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1913. Relatório<br />

de Gerritsz Resenlaer. In: ABNRJ v.XXIX, 1907. p. 407.<br />

7 ibid., p. 408.<br />

8 ibid., p. 403.<br />

9 ibid., p. 404.<br />

10 ibid., p. 409.<br />

11 ibid.<br />

12 POMPA, Religião como tradução, op. cit., p. 209.

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