O masoquismo e a relação com o feminino* - Escola Letra Freudiana
O masoquismo e a relação com o feminino* - Escola Letra Freudiana
O masoquismo e a relação com o feminino* - Escola Letra Freudiana
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O <strong>masoquismo</strong> e a <strong>relação</strong> <strong>com</strong> o feminino<br />
pronunciar certas palavras, a<strong>com</strong>panhando-as de gestos e movimentos particulares do<br />
corpo. Dizia esta frase romântica: "Este querido menino, tão impetuoso!" Mais tarde<br />
o enfermo descobriu, por si própio, a origem desta exclamação. Provinha de um dos<br />
livros de uma irmã adolescente. Neste livro as palavras eram pronunciadas por uma<br />
menina que pensava ternamente em um homem ausente. Ao fazer a exclamação<br />
virava-se para outro lado, tímida e ruborizada. O menino havia lido esta passagem do<br />
livr€f e mais tarde reproduzia a cena diante de um espelho, repetindo a frase em voz<br />
alta e a<strong>com</strong>panhando-a de gestos expressivos. Imaginava o esvoaçar da saia da menina<br />
ao virar-se recatadunente.<br />
Eis aqui, pois, mna nova cena frente ao espelho: Poderíamos afirmar justificadamente<br />
que o menino, que mais tarde se converteu em masoquista, revelava uma<br />
tendência feminina em sua atitude zombeteira? Certamente não. Nos atrevemos a<br />
conjeturar o motivo original deste jogo. O menino deve ter desejado que uma jovem<br />
formosa se <strong>com</strong>portasse deste modo ao pensar nele. Reconhecemos assim uma fantasia<br />
encenada em uma representação de dois papéis. Só mais tarde, depois que algo mudou<br />
na sua <strong>relação</strong> <strong>com</strong> as meninas, a cena adquiriu o matiz de farsa. A fantasia, que<br />
revelava primitivamente alguns dos desejos do menino, transformou-se logo em<br />
expressão de impulsos zombeteiros contra as meninas da idade da sua irmã. Sua<br />
timidez para aproximar-se do outro sexo torna explicável que, finalmente, adote a<br />
atitude da raposa da fábula -que recusa as uvas que não pode alcançar por serem ácidas<br />
demais.<br />
A conduta do masoquista reflete traços femininos, mas não sem desvirtuá-los; o<br />
feminino não é tanto representado quanto é desfigurado; não é tanto caracterizado<br />
quanto é deformado.<br />
A interpretação do significado original, secreto, da cena diante do espelho trouxenos<br />
algo mais acerca do elemento feminino do <strong>masoquismo</strong>, embora não o suficiente.<br />
Talvez ajude-nos aqui uma <strong>com</strong>paração: em certa oportunidade tive ocasião de<br />
observar um professor de dança rechonchudo, vivaz e calvo, enquanto dava lições a<br />
algumas senhorítas jovens. Depois de ensinar a suas discípulas os passos e figuras dá<br />
nova dança, tratava de dançar <strong>com</strong> cada uma delas. Naturalmente, as conduzia. Mas<br />
ocasionalmente, quando uma das moças se mostrava demasiado desajeitada, adotava<br />
o papel feminino para servir-lhe de modelo. Portanto, imitava intencionalmente o<br />
porte, passo e atitude que devia ter a <strong>com</strong>panheira de dança.<br />
Era um espetáculo bastante pitoresco, por certo, ver o corpulento e atarracado<br />
professor de dança retroceder uns passos, alçar <strong>com</strong> delicadeza as abas de seu paletó<br />
<strong>com</strong>o se fossem a cauda de um traje de noite, e avançar logo <strong>com</strong> passos miúdos em<br />
direção à sua <strong>com</strong>panheira. O homem estava tremendamente sério; evidentemente<br />
sentia-se fatigado, mas procurava manter fixo no rosto o sorriso estereotipado de seu<br />
papel, e levava a cabo seu trabalho, literalmente, <strong>com</strong> o suor de sua fronte. Como se<br />
explica que esta forçada representação produzisse uma impressão muito singular sobre<br />
a maior parte dos espectadores? Em grande parte pelo contraste de sua figura <strong>com</strong> a<br />
de uma mulher, mas depois de algumas repetições da mesma cena as pessoas torna-<br />
LETRA FREUDIANA - Ano XI - n B 10/11/12 157