Visões de Império nas Vésperas do “Ultimato”. - Centro de Estudos ...
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<strong>Visões</strong> <strong>de</strong> império <strong>nas</strong> vésperas <strong>do</strong> “ultimato”<br />
os “brancos” e não faziam i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> funcionamento<br />
das armas europeias. Assim, Ri<strong>de</strong>r Haggard retrata um Sitanda incapaz<br />
<strong>de</strong> saber o que é uma carabina (Mi<strong>nas</strong>, cap. 5), quan<strong>do</strong>, na realida<strong>de</strong>, o<br />
velho governante <strong>de</strong> Manica era frequentemente visita<strong>do</strong> por caça<strong>do</strong>res<br />
equipa<strong>do</strong>s com armas <strong>de</strong> fogo. Da mesma forma, os “selvagens”, encontra<strong>do</strong>s<br />
pelos expedicionários da novela, <strong>de</strong>pois da travessia <strong>do</strong> <strong>de</strong>serto,<br />
nunca tinham, segun<strong>do</strong> o autor, visto uma espingarda (cap. 5 e 7), mas,<br />
como estes imaginários autóctones constituíam equivalentes ficcionais<br />
<strong>do</strong>s Matabeles e, podíamos acrescentar, <strong>do</strong>s Macololos <strong>do</strong> Baroce (os<br />
quais viviam a norte <strong>do</strong> ermo atravessa<strong>do</strong> por Livingstone, quan<strong>do</strong> da<br />
“<strong>de</strong>scoberta” <strong>do</strong> lago Ngami), tal não parece nada verosímil. (22)<br />
De facto, to<strong>do</strong>s os grupos da África Central e Austral, por essa época,<br />
não só estavam familiariza<strong>do</strong>s com o uso <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> fogo, como também<br />
recorriam aos serviços <strong>de</strong> ferreiros autóctones especializa<strong>do</strong>s no fabrico<br />
e reparação das mesmas. Mais: o explora<strong>do</strong>r Montagu Kerr, quan<strong>do</strong> visitou<br />
a África Central, pô<strong>de</strong> verificar que os autóctones, além <strong>de</strong> usarem<br />
mosquetes, sabiam fabricar as respectivas munições. O que os habitantes<br />
da zona centro-africana, não estavam prepara<strong>do</strong>s, porém, era para<br />
o fabrico <strong>do</strong>s canos das espingardas <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>rneira, e muito menos para<br />
a produção <strong>de</strong> armas mo<strong>de</strong>r<strong>nas</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a problemas tecnológicos e aos<br />
custos envolvi<strong>do</strong>s. O mesmo se passava, aliás, com os Portugueses, que,<br />
no século XIX e também por razões que se prendiam com a economia,<br />
aban<strong>do</strong>naram o fabrico interno das chamadas “lazari<strong>nas</strong>” e começaram<br />
a comprá-las na Bélgica, para posterior revenda na África Central. (23) Do<br />
mesmo mo<strong>do</strong>, tiveram <strong>de</strong> encomendar à Inglaterra, França e Alemanha<br />
o armamento mo<strong>de</strong>rno usa<strong>do</strong> <strong>nas</strong> “expedições” da década <strong>de</strong> 1880.<br />
De resto, a razão por que as armas <strong>de</strong> fogo se estavam a modificar,<br />
no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ficarem cada vez mais mortíferas, prendia-se, em gran<strong>de</strong><br />
parte, com o imperialismo europeu em África. Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong>s na<br />
batalha <strong>de</strong> Isandlwana pelos Zulus, os Ingleses, até então equipa<strong>do</strong>s ape<strong>nas</strong><br />
com espingardas (aliás mo<strong>de</strong>r<strong>nas</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo Martini-Henry), resol-<br />
22 HAGGARD – As mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong> Salomão. Revista <strong>de</strong> Portugal. Vol. 1, n.º 5 (nov. 1889), p. 612-613; vol.<br />
2, n.º 7 (jan. 1890), p. 75-76; HIGGINS – Ri<strong>de</strong>r Haggard, p. 32, 74; PIETERSE – White on black, p. 34-35,<br />
64-65; SELOUS – A hunter’s wan<strong>de</strong>rings in Africa, p. 331-337.<br />
23 Cf. HENRIQUES, Isabel Castro – Os pilares da diferença. Casal <strong>de</strong> Cambra: Calei<strong>do</strong>scópio, 2004, p.<br />
381, 390-391; KERR – The far interior, vol. 1, p. 233.<br />
2008 E-BOOK CEAUP<br />
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