Conto - Academia Brasileira de Letras
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De gados e homens<br />
– O dono do abatedouro.<br />
– Ah, sim, Seu Milo... nosso fornecedor – O homem faz uma pausa. – Então,<br />
em que posso ajudar?<br />
– Tenho uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cobrança.<br />
– Você é o contador <strong>de</strong>le? – pergunta <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso.<br />
– Não senhor. Eu sou o atordoador.<br />
Fe<strong>de</strong>rico é o nome do homem. Edgar Wilson consegue ler no crachá preso<br />
no bolso do paletó, à altura do peito.<br />
– Como? – franze o cenho.<br />
– O atordoador.<br />
Fe<strong>de</strong>rico acha melhor interromper a conversa. Imagina o trabalho que o<br />
homem diante <strong>de</strong>le faz e não gosta <strong>de</strong> pensar nisso. Olha para o resto do seu<br />
almoço sobre a mesa: um hambúrguer com molho barbecue levemente apimentado<br />
e picles.<br />
– Me dá aqui – diz acenando para a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cobrança na mão <strong>de</strong> Edgar.<br />
Ele verifica o documento. Liga para outro setor, fala baixo e somente algumas<br />
palavras soam inteligíveis. Desliga o telefone, ajeita a gravata e diz:<br />
– Vou lhe dar um cheque, tudo bem?<br />
Edgar acena positivamente.<br />
– Foi uma falha aqui. Peça <strong>de</strong>sculpas ao senhor Milo por esse pequeno<br />
atraso. E diga a ele que apreciamos muito a carne que ele produz. Siga pelo<br />
corredor, à esquerda. Você vai encontrar uma sala com uma placa escrita financeiro<br />
e é só entregar essa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> cobrança a uma mocinha que está lhe<br />
aguardando.<br />
– Sim senhor.<br />
Pelo caminho, Edgar Wilson cruza com homens vestidos em macacões<br />
brancos e em total assepsia. Nunca esteve num local tão limpo como este.<br />
Muito diferente do abatedouro on<strong>de</strong> trabalha e do alojamento on<strong>de</strong> mora,<br />
local em que permanece confinado com diversos trabalhadores. Ambos os<br />
confinamentos, <strong>de</strong> gados e <strong>de</strong> homens, estão lado a lado, e o cheiro, por vezes,<br />
os assemelham. Somente as vozes <strong>de</strong> um lado e os mugidos do outro é que<br />
distinguem homens e bestas.<br />
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