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Porantim 265 - Cimi

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Junho - 2005 4<br />

Nordeste<br />

Assembléia da<br />

Apoinme decide<br />

fortalecer o<br />

movimento nas bases<br />

Priscila Carvalho<br />

Repórter<br />

“ O<br />

aumento assustador da violência<br />

contra os nossos povos, o crescente<br />

aumento da pistolagem,<br />

perseguição, criminalização e<br />

assassinato de nossas lideranças, o aumento<br />

da mortalidade infantil, de doenças<br />

infecto-contagiosas e endêmicas, a continuidade<br />

das invasões dos nossos territórios,<br />

a morosidade nas demarcações de terras,<br />

degradação do meio ambiente por madeireiros,<br />

garimpeiros, fazendeiros e até<br />

mesmo pelo governo federal, o desrespeito<br />

às nossas organizações, às nossas tradições.<br />

Enfim, a falta de uma política<br />

indigenista clara e precisa tem trazido, aos<br />

nossos povos, todo este quadro de desrespeito<br />

e violência generalizada”, é o que<br />

avaliam os mais de 250 indígenas reunidos<br />

na VI Assembléia da Articulação dos Povos<br />

Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito<br />

Santo (Apoinme), realizada entre 5 e<br />

10 de junho de 2005, na terra indígena<br />

Potiguara, município da Baía da Traição,<br />

Paraíba.<br />

O encontro serviu para planejar a atuação<br />

da entidade pelos próximos anos, focada<br />

na formação das lideranças, no fortalecimento<br />

do trabalho nas aldeias e na continuidade<br />

das articulações nacionais.<br />

Quando a Apoinme foi criada, em 1990,<br />

os indígenas lutavam contra o preconceito<br />

da sociedade envolvente e com as dificuldades<br />

de reconhecimento étnico. Quinze<br />

anos depois, a Assembléia ainda precisa<br />

posicionar-se contra os órgãos oficiais<br />

como a Fundação Nacional do Índio (Funai)<br />

e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa)<br />

que, baseados em “indícios de competência<br />

exclusiva da Funai” para o reconhecimento<br />

étnico, recusam-se a atender povos<br />

que não têm a situação fundiária regularizada<br />

ou não têm “reconhecimento étnico”<br />

da Funai. Para os indígenas, isto fere a<br />

Constituição Federal e a Convenção 169 da<br />

OIT (Organização Internacional do Trabalho),<br />

que preconiza a auto identificação dos<br />

povos indígenas.<br />

Hoje a Apoinme exige do poder público<br />

respeito aos povos resistentes, também<br />

conhecidos como ressurgidos, que durante<br />

anos foram obrigados a esconder suas iden-<br />

tidades étnicas, por serem vítimas de preconceito<br />

e de retaliações pelo fato de serem<br />

indígenas.<br />

Dentre os principais posicionamentos<br />

tomados está a decisão dos povos de lutar<br />

pela suspensão do projeto de transposição<br />

do rio São Francisco e a transferência dos<br />

recursos destinados a ele para a Revitalização<br />

do rio. Encaminharam também, ao<br />

Ministério Público Federal, uma solicitação<br />

para que este abra uma Ação Civil Pública<br />

para paralisar a transposição do rio, uma vez<br />

que isto causará graves danos ao meio ambiente<br />

na região e afetará pelo menos 25<br />

povos indígenas que vivem nas proximidades<br />

do rio e de seus afluentes.<br />

Conjuntura<br />

A inexistência de uma política<br />

indigenista clara que embase a atuação do<br />

Estado brasileiro em relação aos indígenas,<br />

e a ausência dos povos no planejamento<br />

destas políticas levam à existência de um<br />

órgão como a Funai, que não consegue fis-<br />

irleno Xokó foi uma das lideranças<br />

que participou do início da<br />

Apoinme, nos anos 1990. Hoje, com 53<br />

anos, conta histórias de tensão, de retomadas.<br />

Mas conta também muitos casos<br />

divertidos das diversas retomadas de que<br />

participou. Ou outra vez quando ele<br />

mesmo, que era militar e cacique do povo<br />

Xokó, participou de uma passeata em<br />

Maceió. Sem saber do itinerário, acabou<br />

passando na frente do quartel, em hora<br />

de expediente . “Eu trabalhava nos destacamentos<br />

do interior e consegui sensibilizar<br />

os meus superiores com as histórias<br />

do meu povo, com a necessidade que<br />

tinha de lutar”, afirma, explicando como<br />

achava jeito de viajar pela Apoinme.<br />

Depois de viajar dez horas de ônibus,<br />

Girleno participou da VI Assembléia<br />

da Apoinme. Lá, conversou com o<br />

<strong>Porantim</strong> sobre a história da Articulação,<br />

que estava completando 15 anos. Fundada<br />

em 1990 com o nome provisório<br />

de Comissão Leste/Nordeste, ela ganhou<br />

calizar a atuação de outros órgãos e<br />

tampouco está comprometida com a regularização<br />

das terras indígenas. Nos debates,<br />

fica clara a falta de legitimidade de um órgão<br />

indigenista oficial que se propõe a funcionar<br />

sem que suas linhas e prioridades<br />

sejam definidas com a participação dos povos<br />

indígenas, como prevê a legislação nacional<br />

e a Convenção 169. “A Funai está baseada<br />

na tutela, em conceitos herdados da<br />

ditadura militar e que caíram por terra com<br />

a Constituição de 1988”, afirmou o antropólogo<br />

Estêvão Palitot, da Universidade<br />

Federal da Paraíba.<br />

“O Mércio [Pereira Gomes, presidente<br />

da Funai] tem que respeitar este movimento.<br />

Estamos enfrentando esta política de<br />

não publicação dos trabalhos de identificação<br />

das terras. A Funai se aproveita dos<br />

atrasos dos relatórios, não dá atendimento<br />

dizendo que não tem relatório, que não<br />

tem recurso nesse ou naquele setor. E somos<br />

nós que estamos nas bases enfrentando<br />

pistoleiro, fazendeiro, garimpeiro e ma-<br />

o nome atual em 1995, quando institucionalizou-se.<br />

Desde sua criação, a Articulação<br />

apóia as retomadas de terra, principal<br />

instrumento dos povos indígenas para a<br />

reconquista de seus territórios durante as<br />

últimas décadas.<br />

deireiro”, afirmou a liderança Luiz Titiah,<br />

do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, que concluiu<br />

com a necessidade de fortalecimento do<br />

movimento indígena: “O que temos que<br />

fazer é fortalecer a nossa organização”,<br />

afirmou.<br />

Neste contexto, a Assembléia decidiu<br />

por uma moção de repúdio ao presidente<br />

da Funai, pela sua postura discriminatória<br />

em relação aos povos indígenas do Nordeste<br />

e Leste. Em uma moção, posicionam-se<br />

contra “a política adotada pela Funai de redução<br />

de Terras Indígenas”, contra “a política<br />

contrária à revisão de limites de Terras<br />

Indígenas no Brasil já identificadas e homologadas”.<br />

A Apoinme questiona a “decisão<br />

do presidente da Funai em não constituir o<br />

Conselho de Política Indigenista Nacional”,<br />

com o qual Gomes comprometeu-se durante<br />

o Abril Indígena.<br />

Os debates sobre a conjuntura nacional<br />

voltaram a abordar a difícil relação entre os<br />

povos indígenas e os poderes Executivo,<br />

Legislativo e Judiciário.<br />

“Nas retomadas, os povos chamavam a comissão e a<br />

G<br />

Fotos: Priscila Carvalho<br />

Sandro Tuxá (ao microfone) juntamente com outras lideranças do nordeste que<br />

repudiaram o projeto de transposição do Rio São Francisco<br />

Girleno Xokó<br />

Girleno falou também sobre suas impressões<br />

da Assembléia. “Hoje a gente tem<br />

mais gente e mais responsabilidade”, diz.<br />

Como você começou a participar da<br />

Apoinme?<br />

Eu fui convidado para uma reunião em<br />

Itabuna, as primeiras reuniões foram lá. A<br />

gente se reunia sentado no chão da casa paroquial.<br />

O convite foi feito pelo Nailton e pelo<br />

Manoelzinho Pataxó, com proposta de nos<br />

organizarmos, de juntar para articular. A gente<br />

precisava se comunicar melhor. De Sergipe<br />

fui eu, foi gente do Ceará, os Guarani do Espírito<br />

Santo. Os convites foram através do<br />

<strong>Cimi</strong> Nordeste e do <strong>Cimi</strong> Leste<br />

E para que vocês criaram a Apoinme?<br />

Tinha muita discriminação, muita falta<br />

de comunicação entre os povos. A gente se<br />

juntou para lutar para podermos ser pelo<br />

menos o que somos hoje, sermos povos<br />

conhecidos, termos voz. Nós do Nordeste<br />

éramos discriminados até pelos índios das<br />

outras regiões. Dizia-se que o Nordeste não<br />

tinha índio, não tinha cultura

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