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Porantim 265 - Cimi

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Junho - 2005 8<br />

Tratados como agressores,<br />

Guajajara convivem com<br />

terror e morte anunciada<br />

Cristiano Navarro<br />

Editor do <strong>Porantim</strong><br />

E<br />

m 1979, durante a conclusão dos<br />

estudos antropológicos para demarcação<br />

da terra Bacurizinho do<br />

povo Guajajara, políticos e fazendeiros<br />

do município de Grajaú, interior<br />

do Maranhão, utilizaram-se<br />

de todos os recursos para impedir que o Estado<br />

não reconhecesse o direito dos índios.<br />

Inúmeras foram as vezes que aldeias inteiras<br />

foram incendiadas a mando de fazendeiros<br />

procurando forçar a expulsão dos<br />

Guajajara de suas terras. No mesmo ano em<br />

que o trabalho antropológico para a demarcação<br />

da terra Guajajara foi concluído, a face<br />

mais cruel desta oligarquia foi revelada nos<br />

assassinatos dos caciques Antônio Leão<br />

Guajajara, esquartejado e atirado em um rio,<br />

e Valdomiro Guajajara, carbonizado para dificultar<br />

a identificação de seu corpo. Até hoje<br />

ambos os crimes permanecem sem solução.<br />

Ainda hoje, a violência é utilizada por<br />

grupos que exploram de forma irregular carvão,<br />

eucalipto e soja nas terras Cana Brava e<br />

Bacurizinho, do povo Guajajara.<br />

As ameaças têm o intuito de forçar os indígenas<br />

a desistirem do processo de revisão<br />

dos limites da área, homologada na década<br />

de 80.<br />

Depois de muita luta veio a primeira vitória<br />

para os Guajajara, em 1984. Durante o<br />

governo do presidente José Sarney, a terra<br />

indígena foi finalmente homologada. No en-<br />

tanto, as pressões da elite local deram resultados.<br />

Dos 145.000 hectares da terra<br />

Bacurizinho, somente 82.432 hectares foram<br />

reconhecidos. Assim, aldeias centenárias localizadas<br />

nos 62.568 hectares não reconhecidos<br />

pelo Estado ficaram de fora dos limites<br />

da terra do povo Guajajara do<br />

Bacurizinho.<br />

A exclusão desta terra abriu espaço para<br />

ação de invasores, principalmente para o corte<br />

ilegal de madeira, carvoeiros, plantio irregular<br />

de soja, eucalipto e arroz, que devastam<br />

uma das últimas áreas preservadas do<br />

cerrado maranhense.<br />

Mesmas práticas, da mesma<br />

oligarquia<br />

Vinte e seis anos depois, em 2001, a partir<br />

do início dos trabalhos de revisão de limites<br />

da terra indígena, as práticas de violências<br />

utilizadas pela oligarquia maranhense para<br />

intimidar a luta do povo Guajajara por sua<br />

terra foram retomadas.<br />

Morte anunciada<br />

No último dia 18 de maio, três dias antes<br />

de morrer, o cacique da aldeia Kamihaw (uma<br />

das aldeias que ficou fora dos limites da terra<br />

Bacurizinho), João Araújo Guajajara, de 70<br />

anos, registrou ocorrência na delegacia da<br />

Polícia Civil de Grajaú, denunciando constantes<br />

ameaças de morte feitas pelo pistoleiro<br />

Milton Alves, conhecido como Milton “Careca”.<br />

O pistoleiro dava até o fim do mês de<br />

maio para que os moradores de Kamihaw dei-<br />

Carvoeiras<br />

avançam<br />

pela terra<br />

Bacurizinho<br />

enquanto<br />

famílias são<br />

ameaçadas<br />

de morte<br />

por<br />

pistoleiros<br />

xassem a aldeia, antes de serem mortos. Nos<br />

dois dias que se seguiram o cacique e seu<br />

povo insistiam na denúncia, porém nenhuma<br />

providência foi tomada.<br />

No dia 21 de maio, dez dias antes de terminar<br />

o prazo, um grupo formado por oito<br />

homens fortemente armados comandados<br />

por “Careca” invadiu a aldeia Kamihaw e assassinou<br />

o cacique João Araújo Guajajara com<br />

dois tiros na altura do peito, à queima roupa.<br />

Além de assassinar o cacique, o grupo<br />

queimou uma casa, estuprou a jovem indígena<br />

D. S., de 16 anos, e feriu Wilson Araújo<br />

Guajajara com um tiro na cabeça. Ambas as<br />

vítimas são filhos de Araújo. Ainda houve<br />

outro Guajajara que, ao fugir dos pistoleiros,<br />

foi alvejado com um tiro na perna direita.<br />

Os filhos de Milton “Careca”, Gilson Silva<br />

Rocha e Wilton Rocha, são apontados pelas<br />

vítimas como os executores do crime de estupro.<br />

Dos acusados, somente “Careca” foi<br />

preso. Os outros continuam livres.<br />

A violência ocorrida no mês passado não<br />

é um fato isolado. Em outubro de 2003, o<br />

cacique Zequinha Mendes Guajajara foi morto<br />

por atropelamento. Em 2004, um grupo<br />

armado invadiu a aldeia Bacurizinho e incendiou<br />

sete casas, fazendo ameaças e levando<br />

pânico a toda comunidade.<br />

Marcados para morrer<br />

Depois do assassinato do cacique João<br />

Araújo Guajajara, segundo moradores de<br />

Grajaú, outras 10 lideranças deste povo ainda<br />

fazem parte de uma lista de jurados de<br />

Fotos: Navarro<br />

morte pelo mesmo grupo de pistoleiros que<br />

assassinou o cacique.<br />

Além das lideranças Guajajara,<br />

missionárias do Conselho Indigenista Missionário<br />

(<strong>Cimi</strong>), que trabalham em Grajaú, também<br />

foram perseguidas e ameaçadas pelos<br />

homens que atentaram contra a vida dos indígenas.<br />

“Um dos criminosos identificado<br />

pelos índios nos perseguiu com um carro fazendo<br />

uma conversão de trânsito irregular”,<br />

diz a missionária Maria de Jesus Fernandes.<br />

Neste momento, os mais expostos à ação<br />

dos pistoleiros são os familiares de João Araújo.<br />

Quinze dias depois do assassinato do cacique<br />

encontramos as famílias da aldeia Kamihaw<br />

vivendo em malocas improvisadas a 200 metros<br />

da rodovia que liga o município de Grajaú a<br />

Balsas. “Os pistoleiros passam de carro por aqui<br />

e dizem que se a gente voltar para nossa terra<br />

vão matar todos nós”, afirma o genro do cacique<br />

Araújo, Antônio Guajajara, um dos que<br />

estariam na lista dos jurados de morte.

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