Edição (PDF) - Cândido
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como Virgínia Woolf, John dos Passos,<br />
William Faulkner, Samuel Beckett,<br />
Clarice Lispector e Guimarães Rosa,<br />
entre outros. Com isso quero dizer que,<br />
mais próxima do ponto de observação<br />
em que nos encontramos, é difícil estabelecer<br />
que obra poderia rivalizar, em<br />
importância, com Dom Quixote.<br />
No entanto, Ulisses é sem dúvida<br />
uma obra que realiza, em escala monumental,<br />
uma das propostas mais interessantes<br />
do projeto modernista: a<br />
discussão sobre os limites e possibilidades<br />
da linguagem e da representação do<br />
mundo por meio dela.<br />
Escrito entre os anos de 1914 e<br />
1921, Ulisses foi publicado em capítulos<br />
no ano de 1921, recebendo sua primeira<br />
edição em 1922. Com cerca de 900 páginas,<br />
ganhou reconhecimento por estratégias<br />
narrativas que, buscando representar<br />
a fragmentação do mundo e<br />
do sujeito, radicalizavam a tentativa de<br />
reproduzir os processos mentais pelo<br />
uso do fluxo de consciência, de trocadilhos,<br />
jogos de palavras, alusões e paródias,<br />
em um extraordinário exercício<br />
de transgressão da linguagem que, a um<br />
só tempo, multiplica suas possibilidades<br />
enquanto revela seus limites.<br />
Tendo por cenário a cidade de<br />
Dublin, na Irlanda, Ulisses narra os acontecimentos<br />
de um único dia na vida de<br />
Leopold Bloom: 16 de junho de 1904.<br />
Tarefas banais, como fazer a barba pela<br />
manhã, tomar uma xícara de chá, passear<br />
pela praia, ganham dimensão heroica,<br />
fazendo com que muitos afirmem que<br />
Ulisses é a epopeia do homem moderno.<br />
Além disso, qualquer tema da existência<br />
humana é tomado como matéria<br />
para reflexão: a filosofia, a política e<br />
a economia, e o barbear. A sociologia, a<br />
religião, a religiosidade, e o chá da tarde.<br />
A moral. A solidão. O inconsciente.<br />
O jornalismo e a publicidade. Caminhar<br />
na praia. As artes plásticas. A literatura.<br />
Ao fazer referências diretas à<br />
Odisseia, de Homero, Ulisses sem dúvida<br />
explicita seus próprios débitos, e os<br />
do romance moderno, para com as epo-<br />
JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ | CÂNDIDO 29<br />
Reprodução Gustave Doré<br />
peias gregas. Contudo, ao escolher como<br />
desafios para a grande aventura do protagonista,<br />
não tarefas sobre-humanas,<br />
mas as prosaicas situações enfrentadas<br />
pelo seu protagonista ao longo de um<br />
dia comum, paga tributo também a Dom<br />
Quixote. Com a diferença que Leopold<br />
Bloom, ao contrário do cavaleiro da triste<br />
figura, sabe-se perdido no cotidiano<br />
pequeno-burguês da cidade Dublin. E<br />
no fluxo incontrolável da linguagem. g<br />
Daniela Beccaccia Versiani é doutora em<br />
Letras, professora de teoria literária na PUC-<br />
Rio, escritora e tradutora. Publicou, pela editora<br />
7Letras, os livros de ficção A matemática da<br />
formiga e Três contos ilusionistas. Paulistana,<br />
mora na cidade do Rio de Janeiro (RJ).