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CORPOS ASSEADOS, A PESTE MORA AO LADO ... - Itaporanga.net

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<strong>CORPOS</strong> <strong>ASSEADOS</strong>, A <strong>PESTE</strong> <strong>MORA</strong> <strong>AO</strong> <strong>LADO</strong>: MULHERES COMBATEM<br />

A <strong>PESTE</strong> BUBÔNICA EM CAMPINA GRANDE (1912)<br />

Resumo<br />

Azemar dos Santos Soares Júnior<br />

Universidade Federal da Paraíba - UFPB<br />

Confirmada a existência da peste bubônica na cidade de<br />

Campina Grande, de freqüente communicação com esta<br />

capital e confirmo não existir o referido mal entre nós, será<br />

prudente convir que todos venham em auxilio às autoridades<br />

sanitárias observando rigorosamente suas prescrições.<br />

(A União, agosto de 1912)<br />

A peste bubônica que era uma moléstia que sempre estivera<br />

presente no imaginário do medo de todos os povos e épocas,<br />

ganhava foros de especificidade na Parahyba, pois ao que<br />

dizia, não existia em Campina Grande um serviço de higiene<br />

aparelhado que impedisse a saída da peste para a capital.<br />

(Lenilde Duarte Sá, 2001)<br />

Este trabalho tem por objetivo analisar as medidas de higiene publicadas pelos jornais<br />

da época e pela Repartição de Hygiene no combate a peste bubônica na cidade de<br />

Campina Grande. São medidas que compreendem desde a limpeza corporal, asseio de<br />

casas, ruas, bairros em especial as regiões consideradas insalubres e ameaçadoras. A<br />

peste bubônica foi uma moléstia que sempre esteve presente no imaginário do medo em<br />

todos os povos e épocas, em especial na Paraíba por não possuir um serviço de higiene<br />

eficiente que impedisse a sua chegada ao estado. O medo da “peste negra” dá-se em<br />

especial por ser uma moléstia infectuosa e epidêmica, na maioria dos casos com a<br />

presença de bubões produzidas por um bacilo especifico. Enquanto a Diretoria de<br />

Hygiene, por meio da polícia sanitária, assumia como meta impedir a “invasão do mal”,<br />

cabiam as mulheres, em especial as donas de casa a retirada de lixo dos quintais, a<br />

desinfecção das casas, prédios e objetos de uso diário, o asseio do corpo mantendo-o<br />

sempre limpo. São essas medidas repassadas pela polícia sanitária a população que<br />

problematizaremos neste trabalho. Para isso, utilizaremos notícias vinculadas nos<br />

jornais A Imprensa, A União e O Norte, além das inúmeras medidas solidificadas em<br />

leis e decretos criados para afastar a peste maligna.<br />

Palavras-chave: Higiene. Mulher. Peste.<br />

Introdução


Corpos asseados, a peste mora ao lado. O que fazer quando uma doença que<br />

causa tanto medo a uma população inteira começa a se alastrar numa cidade? Quais<br />

precauções tomar? Como higienizar se a cidade não dispõe de um serviço de higiene,<br />

bem como, de uma educação hígida? Seria a peste bubônica sinônimo de morte? Eram<br />

inúmeros os questionamentos que a população campinense deveria se fazer quando em<br />

1912 a cidade registra os primeiros casos de peste bubônica 1 .<br />

Assim, este artigo, está interessado em entender como por meio dos jornais A<br />

Imprensa e A União, a Repartição de Higiene Pública do Estado da Paraíba publicava<br />

normas de conduta para a população. Tais notícias faziam referência a o que fazer para<br />

evitar o contágio, apresentando cuidados básicos que em sua maioria eram realizados<br />

dentro das casas pelas mulheres.<br />

Portanto, nosso passeio em meio ao mundo das doenças, busca perceber a<br />

atuação das mulheres no combate a peste bubônica na cidade de Campina Grande. Para<br />

isso, buscamos discutir a proposta de “silencio rompido” proposto pela historiadora<br />

Michelle Perrot, onde foram as mulheres responsáveis por escrever sua própria história,<br />

por lutarem por sua sobrevivência e conquistar espaços antes indiferentes ao grupo.<br />

A peste chegou!<br />

Era através do porto que se escoavam para o restante do Brasil os principais<br />

produtos econômicos da Paraíba, por ele, também chegavam sinais de modernidade para<br />

o estado, mas também, era pelo porto que se entravam as tão temidas pestes. Fora assim<br />

em 1686 e em 1850 onde o doente “apresentava uma curiosa sintomatologia: o doente<br />

parecia mordido de cobra 2 , era a febre amarela” (CASTRO, 1945, p. 265), em 1856 e<br />

1862 com o cólera-morbus onde “a força epidêmica foi tão extraordinária que mobilizou<br />

médicos e religiosos e os que de boa vontade se apiedavam da situação dos vitimados<br />

1 A peste bubônica, chamada simplesmente de peste, é uma doença pulmonar ou septicêmica,<br />

infectocontagiosa, provocada por Bacillus pestis, que é transmitido ao homem pela pulga do rato. A<br />

pandemia mais conhecida da doença ocorreu no fim da Idade Média, ficando conhecida como Peste<br />

Negra, quando dizimou grande parte da população européia.<br />

2 A febre amarela também era conhecida popularmente como “bicha venosa”, pois o doente parecia ter<br />

sido picado de cobra, daí o nome de epidemia de bichas, ou ainda epidemia dos males.


pelo terrível mal” (CASTRO, 1945, p. 274-275), também fora assim peste bubônica em<br />

1912.<br />

Na manhã de nove de outubro de 1912 circulava pelas ruas da cidade da<br />

Parahyba o jornal A União informando a população dos casos de peste bubônica que<br />

havia assolado a cidade de Campina Grande. Em formato de artigo, a notícia tinha como<br />

título “<strong>PESTE</strong>”, em letras maiúsculas e em destaque. Era preciso informar a população<br />

sobre o que era a doença, era preciso pedir ajuda, era preciso impedir que o mal<br />

chegasse a capital.<br />

A edição chamava “a atenção do nosso leitor, visto que tratava-se de matéria que<br />

nos interessa agora que estamos infelizmente com a epidemia manifestada em Campina<br />

Grande” (A União, out. 1912). Logo abaixo, a notícia expões a definição, epidemiologia<br />

e a microbiologia da doença. Para melhor analisarmos, optamos por descrever a<br />

definição exposta pelo jornal:<br />

Definição: A peste é uma moléstia infectuosa e epidêmica<br />

caracterizada, na maioria dos casos, pela presença de bulbões e<br />

produzida por um bacilo específico – o bacilo Yersin-Kitasato. A<br />

peste é uma moléstia aguda e febril microbiana, essencialmente<br />

contagiosa transmitindo-se de individuo a individuo por intermédio<br />

dos insetos, dos animais, da poeira e dos alimentos. (A União, out.<br />

1912).<br />

A Paraíba não era o primeiro estado a sofrer com a moléstia, outras regiões já<br />

haviam registrado centenas de mortos pela doença, era o caso de Santos em 1889, de<br />

Recife em 1902, do Rio de Janeiro em 1905. Presente em vários estados, não seria<br />

muito difícil prevê sua chegada ao estado, em especial a Campina Grande que neste<br />

momento se destacava nacionalmente com a produção algodoeira.<br />

Sobre a chegada da peste bubônica a Campina Grande, Lenilde Duarte Sá e Ana<br />

Maria Canesqui (2001) afirmam que a bubônica, tão temida pela população poderia se<br />

alastrar para o restante do estado, em especial devido<br />

ao trafego diário do comboio Great Western entre a cidade da<br />

Borborema e o litoral. Campina Grande, situada entre o litoral e o<br />

sertão, limiava o destino do mal. De lá, a peste, segundo o discurso


daqueles que diariamente escreviam sobre o tema, poderia alastrar-se<br />

para os municípios do interior; ou então poderia marchar em direção<br />

a cidade da Parahyba (SÁ, 2001, p. 184).<br />

Embora a grande peste na cidade do Recife tenha registrada em 1902, nos<br />

primeiros anos de 1912 a capital pernambucana também registrou alguns casos da peste,<br />

fazendo com que possivelmente tenha vindo de lá, em especial devido ao constante<br />

fluxo econômico travado entre as duas cidades. Não se sabe ao certo se quem primeiro<br />

chegou a cidade para transmitir a doença fora o bacilo ou o rato, o que se sabe é que ele<br />

chegou de trem.<br />

A linha ferroviária que liga as cidades é cotidianamente movimentada devido as<br />

relações econômicas. Provavelmente, algum trabalhador ou comerciante infectado com<br />

a doença teria sido o condutor da peste, ou até mesmo os ratos que embarcavam<br />

escondidos nos vagões da Great Western e desembarcaram em Campina Grande. O que<br />

se sabe é: a peste chegou, e agora o que fazer?<br />

Foram vários os relatórios da Diretoria Geral de Higiene publicada nos jornais<br />

informando a população de como se prevenir da doença. Intitulado “Precauções contra a<br />

peste bubônica” a edição de oito de outubro de 1912 trouxe a descrição da doença<br />

contendo passo a passo as formas de evitar o contágio da doença. Ter o corpo hígido era<br />

mais que uma obrigação, era uma forma de evitar o contágio com a doença:<br />

1º Assear o corpo que deve ser mantido por meio de banhos gerais ou<br />

por meio de soluções feitas com líquidos anti-sépticos.<br />

2º Verdadeiro asseio das vestes, principalmente das roupas brancas<br />

que estão em contato com o corpo.<br />

3º Proteger o corpo, especialmente o ventre e os pés contra o frio e a<br />

humidade.<br />

4º Regularizar os hábitos de vida, manter um regime moderado,<br />

fazendo exclusão dos alimentos indigestos, irritantes, frutas verdes e<br />

de qualquer alimento não cozido.<br />

5º Ter cautela com a água potável que deve ser sempre fervida.<br />

6º Evitar as causas de esgotamento physico e depressões moraes, as<br />

vigílias prolongadas e os excessos de qualquer natureza.<br />

7º Evitar a aglomeração de indivíduos, assim como o contato com<br />

pessoas recém chegadas dos lugares contaminados ou suspeitos.<br />

8º Conservar resguardado e coberta qualquer solução de continuidade<br />

da pelle, o que se pode conseguir por meio de sparadrapo (sic.) e do<br />

collodio elástico.


9º Sair o menos possível à noite, afim de evitar o ar frio e muitas<br />

vezes humido.<br />

Ora, essas primeiras medidas estão relacionadas diretamente ao corpo, as normas<br />

de conduta dos indivíduos. Os primeiros cuidados diz respeito ao asseio do corpo, ele<br />

deve ser hígido, limpo. Tudo que seja associado a sujeira, a imundície deve ser afastado<br />

de si. É sem dúvida uma ação histórica que esteve presente no processo de higienização<br />

do corpo na Paraíba. Peter Burke (2008) afirma que a história do corpo surge a partir da<br />

história da medicina, portanto, é por meio das doenças que faz-se necessário expurgar a<br />

imundície, afastar de si todas as características que possam representar sinais propícios<br />

para as doenças.<br />

Achamos aqui importante fazer uma interrupção na narrativa para comentar<br />

sobre nosso outro conceito de discussão: o corpo. Há algumas décadas atrás, a história<br />

do corpo seria um “campo de estudo inconcebível, sendo destinada no máximo a<br />

amadores, ou seja, as raras contribuições feitas nesse campo antes de 1970 eram pouco<br />

conhecidas ou consideradas marginais” (PORTER, 1992, p. 94). Até pouco tempo a<br />

história do corpo era negligenciada. Hoje, esse objeto de estudo parece ter recebido<br />

sobre si um zoom, possibilitando uma infinidade de pesquisas nos mais variados<br />

enfoques.<br />

De acordo com Roy Porter (1992), o corpo passou, na última geração, por um<br />

processo desmistificador viabilizado pelas profundas mudanças culturais, que<br />

subverteram a sua puritana e platônica suspeição: a revolução sexual, o capitalismo<br />

consumista, as críticas acumuladas pela contra cultura dos anos 1960, quanto pelo<br />

feminismo de 1970, e assim por diante. O autor aponta “os componentes clássico e<br />

judaico-cristão de nossa herança cultural como o principal motivo para tal abandono,<br />

uma verdadeira visão dualista do homem, entendida como uma aliança muitas vezes<br />

ansiosa da mente e do corpo” (PORTER, 1992, p. 292).<br />

Embora o corpo tenha sido deixado de lado por um longo período, segundo<br />

Peter Burke, a partir da década de 1980,<br />

uma corrente cada vez maior de estudos concentrou-se nos corpos<br />

masculino e feminino, no corpo como experiência e como símbolo,


nos corpos desmembrados, anoréxicos, atléticos, dissecados, e nos<br />

corpos dos santos e dos pecadores. Os historiadores do corpo já<br />

dedicaram livros à história da limpeza dos corpos, da dança, dos<br />

exercícios, da tatuagem, do gesto (BURKE, 2008, p. 95).<br />

A história da medicina foi à precursora da história do corpo, já que os<br />

historiadores, ao discutirem doenças, por exemplo, tinham como um espaço de análise o<br />

corpo, pois é neste que a doença faz morada. Os historiadores da arte e da literatura,<br />

logo depois, passaram a reivindicar para si o corpo enquanto um campo frutífero, o<br />

mesmo ocorrendo com os antropólogos e sociólogos.<br />

Dessa forma, os historiadores da Nova História Cultural, como Mikhail Bakhtin<br />

e Norbert Elias, focalizaram o corpo em seus diversos trabalhos, fazendo com que essa<br />

temática apareça como um novo campo histórico de investigação. O primeiro, com a<br />

obra Rabelais and His World, de 1971, que apresenta modelos influentes do corpo<br />

encarado como um foco para a resistência e as críticas populares dos significados<br />

oficiais, “buscou linguagens próprias da antropologia cultural para a discussão dos<br />

significados simbólicos do corpo” (PORTER, 1992, p. 293). Já em Cultura popular na<br />

Idade Média e no Renascimento, obra publicada em 1965, o autor problematiza<br />

conceitos básicos empregados por Rabelais, como carnavalização, destronar, linguagem<br />

do mercado, realismo grotesco, dentre outros. Neste trabalho sobre o carnaval e os<br />

rituais de dessacralização, o autor busca entender como a expressão de muitas vozes<br />

diferentes, masculinas e femininas, altas e baixas, e os gestos corporais apresentam o<br />

corpo. A história escrita por Mikhail Bakhtin sugere uma “explicação mais profunda<br />

sobre a discussão de corpo, suas obras têm muito a dizer sobre os corpos grotescos e,<br />

especialmente, sobre o que o autor descreveu como o estrato do inferior” (BURKE,<br />

2008, p. 71).<br />

Norbert Elias, em O processo civilizador (1994), lançado em 1939, aborda a<br />

pressão social pelo autocontrole, onde as fronteiras entre a vergonha e a repugnância<br />

foram se estreitando de forma gradual nos séculos XVII E XVIII, excluindo da<br />

sociedade educada um número cada vez maior de comportamento. É sem dúvidas uma<br />

obra de temática gestual, enfatizando a corte e a mesa de jantar. Estes estudos podem


ser descritos como uma tentativa de reivindicar outros territórios para a história. No<br />

caso do Norbert Elias, o gesto é um exemplo claro desses novos espaços.<br />

Percebemos na análise de O processo civilizador (1994) que o corpo se<br />

comunica por meio da gestualidade, das atitudes, que denunciam em que momento<br />

histórico ele foi realizado, assim, também, a indumentária que cobre o corpo possui<br />

grande valor de comunicação. Na história que versa sobre o autocontrole de Norbert<br />

Elias observamos de forma implícita, se não explícita, uma preocupação com o corpo.<br />

Faz-se importante mencionar outro trabalho no campo dos gestos corporais, é o<br />

caso do estudo sobre o gesto na Idade Média realizado por Jacques Le Goff e Jean-<br />

Claude Schimitt. Este último, de posse de um corpus documental, composto por uma<br />

série de textos e imagens, viabilizou a reconstrução<br />

de gestos religiosos, como rezar, os gestos feudais, como armar um<br />

cavaleiro ou prestar homenagem a um senhor; ele argumenta que<br />

rezar com as mãos postas (e não com os braços abertos) e também se<br />

ajoelhar para rezar eram transferências para o domínio religioso do<br />

gesto feudal de homenagem, ajoelhar-se diante d senhor e colocar as<br />

mãos entre as dele (BURKE, 2008, p. 95).<br />

Diversos outros trabalhos também se empenharam em pesquisar o corpo 3 , não só<br />

na história, mas também em várias outras disciplinas. O próprio Roy Poter, ao<br />

discutir a história do corpo, afirma que a “rápida ascensão do interesse pela temática foi<br />

encorajada pela disseminação da aids e pela vulgarização do corpo moderno nos anos<br />

1980” (POTER, 1992, p. 292).<br />

Feita a ressalva, retomemos as medidas de indicação no combate a peste<br />

bubônica. Se em sua maioria o corpo deve ser protegido do invasor, são as mulheres que<br />

terão a maior responsabilidade por essa tarefa. Sabemos que nos primeiros anos do<br />

século XX, são elas, as donas de casa, que respondem pelos cuidados de seus maridos e<br />

filhos.<br />

3 Outros estudos sobre a história do corpo também desafiam suposições tradicionais, é o caso do livro de<br />

Peter Brawn The Bady and Society (1988), que ajudou a solapar a visão convencional do ódio cristão ao<br />

corpo. O mesmo foi feito por Holy Feast and Holy Fast (1987), de Caroline Bynum, como exemplo de<br />

história das mulheres, mas igualmente importante por sua discussão sobre o corpo e o alimento como<br />

meio de comunicação.


Nas famílias, por exemplo, a mulher pertence a seu marido, que com virilidade a<br />

toma, logo depois, passam a pertencer aos filhos que as absorvem. Por fim, a mulher<br />

passa a pertencer a suas casas, na cotidiana tarefa de limpar, cozinhar, passar, etc,<br />

conseqüentemente, embora as medidas profiláticas sejam repassadas a população de<br />

forma geral, são as mulheres que executam-nas.<br />

OS jornais se encarregavam se explicar todas as medidas para serem realizadas<br />

dentro das casas. A edição de nove de outubro de 1912 afirma que “quando existe a<br />

peste a destruição destes parasitas é de grande valor”, ou seja, não bastava travar uma<br />

luta contra a doença, mas em especial contra o seu transmissor: os ratos. Assim, “para<br />

destruir os ratos o melhor processo é apanhá-los por meio de ratoeiras, matando-os<br />

depois com água fervendo” (A União, out. 1912) como também os “cães rateiros e os<br />

gatos também podem ser empregados para caçá-los, mas é preciso ter cuidado com estes<br />

animais que podem adquirir a peste e tornarem-se fontes de contágio” (A União, out.<br />

1912). Outra medida que pode ser adotada é o envenenamento dos ratos por “meio de<br />

crassa phosphorada estendida entre duas fatias de pão e queijo, ou por meio de<br />

arsênico” (A União, out. 1912).<br />

A caçada começava. Parecia ser uma verdadeira corrida entre gatos e ratos.<br />

Porém era preciso ter sempre cuidado, mesmo morto o rato poderia “transmitir a<br />

doença, portanto, não deve-se tocar nos cadáveres senão depois de ter despejado água<br />

fervendo sobre elles, afim de destruir as pulgas que os infestam, um outro meio eficaz<br />

de destruir esses parasitas consiste em enssopar de querosene o cadáver do rato e atear<br />

fogo” (A União, out. 1912).<br />

Inúmeras outras medidas eram indicadas nos relatórios como isolar objetos,<br />

limpar salas e quartos, não deixar em hipótese alguma resto de alimentos, desinfetar<br />

diariamente os aparelhos sanitários, lavar tudo com água corrente e usando sulfato de<br />

cobre e de ferro com ácido carbônico, não acumular lixo, ter o maior cuidado na<br />

alimentação e nas bebidas dentre outras.<br />

Não só as casas passaram por um processo de higienização, mas também as ruas<br />

e os comboios. O jornal A Imprensa divulgou um pedido a Repartição de Higiene do


Estado da Paraíba por meio de seus médicos sanitaristas para higienizar o comboio<br />

Great Western, assim como as casas consideradas insalubres. A notícia revelava que<br />

Existe na rua 13 de maio um quarteirão chamado dos sete quartos<br />

pelas sete espeluncas lá existentes. Do quintal destes quartos sem<br />

aparelho nem outra sorte de acomodações sanitárias, desprendem um<br />

mal cheiro insuportável, toda sorte de detritos e porcarias<br />

acumuladas. É este um fato digno de visitas rigorosas da Hygiene<br />

pelo estado sanitário, de nossa cidade que não é dos melhores e pela<br />

vizinhança de terríveis pestes cujos micróbios não desdenharão de<br />

certo, a petisqueira da imundície como esta de que falamos (A<br />

Imprensa, 21 nov. 1912).<br />

O medo da peste bubônica se alastrava por toda parte. Como medida de<br />

precaução foi votada pelos deputados estaduais uma lei que culminou com a criação de<br />

um hospital para o isolamento de todos aqueles que contraíram a doença no Estado. A<br />

Lei de número 578 de 26 de outubro de 1912 determinava a criação de um hospital e<br />

com ele um forno de incineração para queimar todos os cadáveres resultados da peste<br />

bubônica. Era preciso eliminar todas as possibilidades de contágio.<br />

Com a atuação do Serviço Público de Higiene do Estado da Paraíba percebemos<br />

que este fora eficaz no discurso, em especial nas edições dos jornais lançando medidas<br />

possíveis de evitar a proliferação da doença. Na prática as coisas não funcionavam da<br />

mesma forma. Ainda era pequeno o numero de médicos sanitaristas, e os que possuíam,<br />

pareciam estar todos concentrados na capital, deixando as repartições de higiene das<br />

cidades em verdadeiros prédios fantasmas.<br />

Referências<br />

SÁ, Lenilde Duarte. Parahyba: uma cidade entre miasmas e micróbios – O serviço de<br />

higiene pública, 1895 a 1918. Ribeirão Preto, 1999, 291 p. Tese (Doutorado em<br />

Enfermagem), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.<br />

BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2008.<br />

CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos dezoito e<br />

dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.


PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. São Paulo: Edusc, 2005.<br />

PORTER, Roy. História do Corpo. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história:<br />

novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992.<br />

NORBERT, Elias. O processo civilizador: uma história dos costumes. v. 1. Rio de<br />

Janeiro: Jorge Zahar, 1994.<br />

Periódicos:<br />

Jornal A União (1912)<br />

Jornal A Imprensa (1912)

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