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Abril - Inatel

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Furna, em vésperas de ser alagada, como tantas da<br />

região. Primeiro, o Estado, através dos serviços<br />

florestais, espoliou estes povos pastoris do espaço<br />

montanhês de que necessitavam para manter os<br />

rebanhos, de onde tiravam o melhor da alimentação<br />

- o leite, o queijo e a carne - e alicerçavam a<br />

economia -, a lã, as crias e as peles; depois o<br />

super-Estado, o capitalismo, transformou-lhe as<br />

várzeas de cultivo em albufeiras - ponto final das<br />

suas possibilidades de vida. E assim, progressivamente,<br />

foram riscados do mapa alguns dos últimos<br />

núcleos comunitários do país".<br />

Salvar as ruínas<br />

João Barroso estava entre esses antigos habitantes<br />

de Vilarinho da Furna que estiveram presentes, em<br />

1989, na inauguração do museu. Uma das casas<br />

transplantadas para integrar o espaço, a Casa dos<br />

Trigos, era do seu avô. Natural da aldeia, João<br />

Barroso tinha 9 anos quando se iniciaram as obras<br />

de construção da barragem e 14 quando teve que<br />

sair da aldeia. Recorda-se perfeitamente desse<br />

tempo em que a população de Vilarinho, constituída<br />

por 57 famílias, foi intimada, através de um<br />

edital, a abandonar casas e terras de lavoura no<br />

espaço de tempo de um ano, sem que tenha podido<br />

contar, da parte das autoridades administrati-<br />

vas e políticas de então, ou da Companhia<br />

Portuguesa de Electricidade, a construtora da<br />

barragem, com apoio ou indemnizações justas<br />

pelo abandono dos seus haveres. Ironicamente, a<br />

aldeia de Vilarinho da Furna, sacrificada pela<br />

construção de empreendimento hidroeléctrico,<br />

nunca chegou a ter outras formas de iluminação<br />

senão as de velas e candeeiros - e estava-se já,<br />

nessa altura, a chegar ao último quartel do século.<br />

A imagem de um povoado afogado em escuridão,<br />

apenas iluminado por uns quantos candeeiros a<br />

petróleo era também a imagem de um país que<br />

tinha perdido o comboio da história do século XX.<br />

As ruínas de Vilarinho vão-se agora apagando<br />

sob o efeito da erosão, para grande pena de João<br />

Barroso, que fala do interesse de um projecto que<br />

permitisse "fixar as ruínas". Esse seria um objectivo<br />

"tecnicamente possível", suportado pelo labor da<br />

memória: "Há gente que se lembra de como eram as<br />

casas, eu lembro-me de algumas". Seria um projecto<br />

que teria, também, a pertinência para o futuro:<br />

"Há descendentes de habitantes de Vilarinho,<br />

novas gerações, que têm interesse em visitar e co -<br />

nhecer, há cada vez mais pessoas a vir cá". Para este<br />

antigo habitante da aldeia desaparecida, "o espírito<br />

de Vilarinho da Furna continua vivo".n<br />

Humberto Lopes (texto e fotos)<br />

ABR 2012 | TempoLivre 43

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