N.º 187 - Novembro 2007 - 2,00 euros - Inatel
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N.<strong>º</strong> <strong>187</strong> - <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> - 2,<strong>00</strong> <strong>euros</strong>
NA CAPA<br />
Foto: José Frade<br />
TEATRO DA TRINDADE:<br />
TRADIÇÃO E FUTURO<br />
o Teatro da Trindade – o INATEL-<br />
Trindade, desde 1962 – celebra, no<br />
próximo dia 30 de <strong>Novembro</strong>, 140<br />
anos ao serviço do Teatro, Ópera,<br />
Música, Canto, Cinema, Etnografia e<br />
Folclore.<br />
Destacável<br />
de 24 páginas<br />
FÉRIAS 2<strong>00</strong>8<br />
4<br />
EDITORIAL<br />
7<br />
CARTAS E COLUNA<br />
DO PROVEDOR<br />
8<br />
NOTÍCIAS<br />
12<br />
CONCURSO<br />
DE FOTOGRAFIA<br />
14<br />
TERRA NOSSA<br />
BELMONTE,<br />
O ÚLTIMO<br />
REFÚGIO<br />
DOS JUDEUS<br />
As ruas de Belmonte<br />
deslizam contorcidas<br />
em direcção ao Vale<br />
do Zêzere. O casario<br />
de paredes de pedra<br />
predomina numa<br />
paisagem urbana<br />
pontuada, aqui e ali,<br />
de fachadas coloridas<br />
e varandas de ferro<br />
forjado. É na zona<br />
baixa da vila, um<br />
bairro vincado de<br />
ruelas e casinhas de<br />
piso térreo chamado<br />
Marrocos, que<br />
emergem os vestígios<br />
mais visíveis da<br />
presença secular da<br />
comunidade judaica.<br />
18<br />
PORTUGAL<br />
NA EUROPA<br />
Em todo o mundo,<br />
milhões de crentes o<br />
invocam — ou como<br />
Santo António de<br />
Pádua ou como Santo<br />
António de Lisboa.<br />
Foi (é) as duas coisas;<br />
mas, para nós, foi<br />
acima de tudo o<br />
primeiro português a<br />
colocar a sua «marca»<br />
na Europa.<br />
20<br />
TERMAS EM<br />
PORTUGAL:<br />
OS BONS<br />
ARES DE<br />
CARVALHELHOS<br />
Envoltas pelo<br />
conjunto montanhoso<br />
do Barroso, as Caldas<br />
Santas de<br />
Carvalhelhos<br />
propiciam ao visitante<br />
quietude e bons ares,<br />
a que não é alheio o<br />
notável parque,<br />
recanto de frescura,<br />
cor, som e perfumes<br />
característicos de um<br />
lugar pleno de<br />
tranquilidade.<br />
Sumário<br />
22<br />
PAIXÕES António José<br />
de Almeida: mãos de<br />
ouro para a madeira<br />
26<br />
OLHO VIVO<br />
28<br />
A CASA NA ÁRVORE<br />
30<br />
PORTUGAL<br />
E A LUSOFONIA<br />
31<br />
O TEMPO E O<br />
MUNDO<br />
32<br />
VIAGENS<br />
NA HISTÓRIA<br />
33<br />
BOA VIDA<br />
50<br />
CLUBE TEMPO LIVRE<br />
56<br />
CHEFE SUGERE<br />
INATEL Entre-os-Rios:<br />
Cabrito assado à Padeiro<br />
57<br />
O TEMPO E AS<br />
PALAVRAS<br />
Maria Alice Vila<br />
Fabião<br />
58<br />
CRÓNICA<br />
Álvaro Belo Marques<br />
Revista Mensal: e-mail: tl@inatel.pt - Propriedade do INATEL (Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores) Presidente: José Alarcão Troni Vice-<br />
Presidentes: Luís Ressano Garcia Lamas e Vítor Ventura Sede do INATEL: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 21<strong>00</strong>27<strong>00</strong>0 Fax 21<strong>00</strong>27061, N<strong>º</strong> Pessoa Colectiva:<br />
5<strong>00</strong>122237 Director: José Alarcão Troni Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: Ana Santos, André Letria,<br />
Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Eduardo Raposo, Francisca Rigaud, Gil Montalverne, Helena Aleixo, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Durão, José Jorge<br />
Letria, Lurdes Féria, Maria Augusta Drago, Marta Martins, Paula Silva, Pedro Barrocas, Pedro Soares, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Tharuga Lattas, Vítor Ribeiro<br />
Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Duarte Ivo Cruz, Maria Alice Vila Fabião, Fernando Dacosta, João Aguiar, Luís Miguel<br />
Pereira, Pedro Cid.. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA Telef. 21<strong>00</strong>27<strong>00</strong>0 Fax: 21<strong>00</strong>27061 E-Mail tl@inatel.pt Publicidade: Tel. 21<strong>00</strong>27<strong>187</strong> Préimpressão<br />
e impressão – Lisgráfica, Impressão e Artes Gráficas, SA. Casal Stª Leopoldina, 2730-052 Queluz de Baixo. Telef. 2143454<strong>00</strong> Dep. Legal: 41725/90. Registo<br />
de propriedade na D.G.C.S. n<strong>º</strong> 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. n<strong>º</strong> 214483. Preço: 2,<strong>00</strong> <strong>euros</strong> Tiragem deste número: 169.307 exemplares
Editorial<br />
Acapa da Tempo Livre do corrente<br />
mês reproduz o interior,<br />
oitocentista e romântico, do<br />
Teatro da Trindade – o INATEL-<br />
Trindade, desde 1962 – que, no próximo dia<br />
30 de <strong>Novembro</strong>, celebra 140 anos ao<br />
serviço do Teatro, Ópera, Música, Canto,<br />
Cinema, Etnografia e Folclore, na emble-<br />
4 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Teatro da Trindade<br />
140 anos<br />
mática colina do Bairro Alto e zona lisboeta da Baixa-<br />
Chiado, candidata a património mundial da UNESCO.<br />
TRINDADE – 140 ANOS_<br />
A 30 de <strong>Novembro</strong> de 1867, o Teatro da Trindade abriu<br />
as suas portas ao público de Lisboa, em estreia de gala,<br />
com a presença da Família Real, representando o drama<br />
“A Mãe dos Pobres”, de Ernesto Biester, interpretada<br />
pela nata dos actores da época.<br />
Pelo Teatro do Bairro Alto passaram, em 140 anos, os<br />
melhores autores, compositores,<br />
maestros, encenadores e actores portugueses,<br />
com especial destaque<br />
para o Teatro e a Ópera.<br />
Em 1887, ainda pela mão do pai-fundador,<br />
o empresário e mecenas Francisco<br />
Palha, o Trindade apresentou a<br />
opereta francesa O Barba Azul, de<br />
Jacques Offenbach, cujo êxito estrondoso<br />
inspirou a frase inicial da Tragédia<br />
da Rua das Flores, de Eça de Queiroz: “Era no Teatro da<br />
Trindade, representava-se o Barba Azul”.<br />
O Trindade sempre teve vocação de Teatro-Escola.<br />
Escola de autores, de actores, de encenadores e de cantores.<br />
Pela sua direcção e palco passaram os empresários<br />
Sousa Bastos e sua mulher Palmira Bastos e Robles<br />
Monteiro e sua mulher Amélia Rey Colaço.<br />
Em <strong>187</strong>9, Serpa Pinto escolheu o Trindade para relatar<br />
à comunidade científica e aos cidadãos comuns a sua<br />
travessia de África.<br />
JOSÉ ALARCÃO<br />
TRONI<br />
O Trindade sempre<br />
teve vocação de<br />
Teatro-Escola. Escola<br />
de autores, de actores,<br />
de encenadores e de<br />
cantores<br />
Em 140 anos, pisaram o palco do Trindade,<br />
entre muitos outros, Adelina Abranches,<br />
Lucília Simões, Amélia Rey Colaço, Chaby<br />
Pinheiro, Aura Abranches, Nascimento<br />
Fernandes, Erico Braga, Palmira Bastos,<br />
Alves da Cunha, Robles Monteiro, Maria<br />
Matos, Álvaro Benamar, Eunice Muñoz,<br />
Carmen Dolores, Raul Solnado, Rui de<br />
Carvalho, Rui Mendes ou Victor de Sousa.<br />
Viana da Mota deu o seu primeiro concerto no Teatro<br />
da Trindade, aos 12 anos de idade.<br />
Adquirido, em 1962, pela FNAT – antecessora do INA-<br />
TEL – o Trindade, com gestão pública, vem constituindo,<br />
há 45 anos, oferta cultural permanente da grande<br />
Lisboa, nos domínios do Teatro, Ópera, Opereta,<br />
Zarzuela, Cinema, Canto, Dança, Fado, Revista, Etnografia<br />
e Folclore, tendo sedeado a Companhia Portuguesa<br />
de Ópera, criada em 1966, por Serra Formigal e<br />
extinta nos idos de 1975. A Companhia Portuguesa de<br />
Ópera era uma escola de canto lírico,<br />
por onde passaram Hugo Casais,<br />
Zuleica e Elsa Saque, Álvaro Malta,<br />
Luís França ou Fernando Serafim.<br />
Na terça-feira, 27 de <strong>Novembro</strong>, no<br />
salão nobre, pelas 18 horas, evocaremos<br />
os 140 anos do Trindade, na<br />
dupla vertente do Teatro e da Ópera.<br />
Na sexta-feira, dia 30, pelas 21h30,<br />
inauguraremos o ano comemorativo<br />
dos 140 anos – 30 de <strong>Novembro</strong> de <strong>2<strong>00</strong>7</strong> a 29 de<br />
<strong>Novembro</strong> de 2<strong>00</strong>8 – com um concerto, pela Orquestra<br />
do Algarve, dirigida pelo maestro Cesário Costa, onde<br />
serão interpretadas obras de Francisco António de<br />
Almeida, Rossini e Mozart.<br />
Convidaremos para o Concerto dos 140 anos as mais<br />
altas figuras do Estado, da Universidade, da Cultura,<br />
das Artes e do Espectáculo, assim como os nossos associados,<br />
dos quais cerca de 1<strong>00</strong> mil constituem o público<br />
fiel do Trindade e das suas itinerâncias.
Em <strong>2<strong>00</strong>7</strong>/2<strong>00</strong>8 passarão pelo Trindade diversos projectos<br />
teatrais, operáticos e de investigação – dos quais<br />
destaco o Trindade com Música, de Manuel Ivo Cruz - o<br />
Concerto de Ano Novo, dedicado à memória operática<br />
da velha sala do Bairro Alto, bem como, principalmente,<br />
a reactivação da Companhia Portuguesa de Ópera,<br />
como marca do INATEL, sedeada no Trindade.<br />
Falando de números e excluindo orçamento de investimento<br />
de um edifício classificado e candidato a<br />
património cultural da humanidade, o Trindade custa<br />
ao INATEL cerca de 1,3 milhões de <strong>euros</strong> anuais, com a<br />
expressiva taxa de retorno de bilheteira de mais de 30%,<br />
o que demonstra a qualidade da sua programação e a<br />
fidelidade de 1<strong>00</strong> mil associados.<br />
Considerando a desejável urgência de obras de<br />
grande reabilitação do Trindade – na fachada e no interior<br />
–, no âmbito do plano de reabilitação da Baixa -<br />
Chiado e sua candidatura à UNESCO, arrisco a previsão,<br />
no próximo ano de 2<strong>00</strong>8, das obras na fachada, e,<br />
no subsequente de 2<strong>00</strong>9, do início da recuperação global<br />
do interior.<br />
Como presidente do INATEL e director do Trindade,<br />
considero correcta, para 2<strong>00</strong>8 e 2<strong>00</strong>9, uma programação<br />
matricial que inclua uma peça de teatro, de grande qua-<br />
lidade, se possível, de autor português, e uma ópera,<br />
igualmente de referência.<br />
Entre estes dois eixos programáticos anuais, o conteúdo<br />
respeitará a tradição do Trindade, como teatro das<br />
classes média e popular, privilegiando a exibição de<br />
operetas, zarzuelas, comédias, revistas, fados, cinema,<br />
etnografia e folclore, afirmando-se o palco da sala principal<br />
e o salão nobre como a montra cultural e a sala de<br />
exposições do INATEL, em Lisboa.<br />
As representações serão, sempre que possível, acompanhadas<br />
de exposições temáticas e tertúlias no teatrobar<br />
e nos espaços não cénicos, com especial destaque<br />
para o salão nobre.<br />
Com excepção dos convites institucionais, as estreias<br />
do Trindade terão um preço simbólico de bilheteira, destinado<br />
a ligar, mais profundamente, o INATEL às causas<br />
sociais do quotidiano do nosso país, como seja, na<br />
quadra do Natal, precisamente o NATAL das nossas crianças<br />
doentes ou carenciadas.<br />
FESTINATEL_<br />
No sábado, dia 1 de Dezembro, pelas 17 horas, integrada<br />
nas comemorações do dia da Restauração, realizar-<br />
Outubro <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 5
Editorial<br />
Editorial<br />
se-á, no Trindade, o III FESTINATEL, em recinto fechado,<br />
o qual pretende, por um lado, encerrar, simbolicamente,<br />
a agenda cultural do INATEL em <strong>2<strong>00</strong>7</strong>, e, por<br />
outro, constituir a mostra da oferta cultural dos nossos<br />
CCD – Centros de Cultura e Desporto – no domínio da<br />
Cultura Tradicional Portuguesa – festimúsica, folcloríada<br />
e teatrália – e da Cultura Tradicional de Língua<br />
Portuguesa, com a participação de grupos provenientes<br />
dos países e regiões da Lusofonia.<br />
FUNDAÇÃO_<br />
No rigoroso cumprimento do calendário do Governo – que<br />
pretende que a externalização do INATEL constitua “case<br />
study” de sucesso da Reforma Administrativa – S. Exa. o<br />
Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, em entrevista<br />
ao Jornal de Negócios, de 15 de Outubro, anunciou<br />
que a Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2<strong>00</strong>8<br />
incluirá o pedido de autorização legislativa para a transformação<br />
do INATEL em fundação de utilidade pública – concretizando-se<br />
o regresso à cultura fundacional do binómio<br />
FNAT – INATEL – bem como para a definição do respectivo<br />
estatuto de isenções e benefícios fiscais.<br />
Considerando a necessidade, constitucional e estatutária,<br />
da audição, no âmbito do processo legislativo da<br />
futura fundação, das Regiões Autónomas, Movimento<br />
Sindical e órgãos próprios do INATEL, prevejo que o<br />
próximo Estatuto esteja promulgado e publicado no<br />
decurso do primeiro semestre do próximo ano de 2<strong>00</strong>8.<br />
IVA - REEMBOLSO_<br />
O INATEL entregou à Administração Fiscal o pedido de<br />
reembolso de 7 milhões de <strong>euros</strong> de IVA, o que, na última<br />
década, um sistema informático anacrónico nunca<br />
havia permitido.<br />
Espero, agora, que os serviços de fiscalização do IVA<br />
desencadeiem o subsequente procedimento de auditoria<br />
e certificação do pedido de reembolso, destinado à<br />
óbvia clarificação da situação fiscal do INATEL a 31 de<br />
Dezembro de <strong>2<strong>00</strong>7</strong>, no seu último ano de existência<br />
como instituto público.<br />
SISTEMA SAP_<br />
Com a consultadoria do INESC – Instituto Nacional de<br />
Engenharia de Sistemas e Computação, da Univer-<br />
6 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
sidade Técnica de Lisboa - e do INA – Instituto Nacional<br />
de Administração, da Presidência do Conselho de<br />
Ministros - e a participação activa dos respectivos presidentes<br />
- Prof. Doutor José Tribolet e eng<strong>º</strong> Afonso Lucas –<br />
o INATEL vem refundando o seu sistema de organização<br />
e informática, com introdução de uma cultura<br />
empresarial, tendente, em poucos anos, à desejável “no<br />
paper administration”, ou seja, à gestão com o mínimo<br />
possível de recurso à burocracia e ao suporte de papel.<br />
Este enorme salto tecnológico e de mentalidade pressupõe<br />
o paralelo investimento e esforço na formação e<br />
reciclagem massiva da comunidade de trabalho, cujo<br />
programa, para 2<strong>00</strong>8, se encontra na recta final de negociação<br />
com o INA.<br />
TRATADO DE LISBOA_<br />
Está de parabéns a terceira e, previsivelmente, última<br />
Presidência Portuguesa da União Europeia e a nossa<br />
Diplomacia pela grande competência, dignidade e<br />
sucesso com que decorreu a negociação do Tratado de<br />
Lisboa, o novo Tratado Constitucional ou Reformador.<br />
Portugal prova, mais uma vez, que o mais velho<br />
Estado-nação da Europa Ocidental pode constituir o<br />
interlocutor adequado à obtenção do consenso generalizado<br />
dos 27 para a definição da estrutura orgânica e<br />
competências da União Europeia alargada e em<br />
vésperas de novos alargamentos.<br />
Parece encerrada a crise constitucional da União<br />
Europeia, subsequente à rejeição, pelos referendos da<br />
França e da Holanda, do projecto de Tratado<br />
Constitucional de Valery Giscard d’ Estaing.<br />
Pessoalmente, penso que Portugal – como país desenvolvido<br />
– não tem qualquer futuro fora da União<br />
Europeia. A onze anos de distância, recordo e saúdo a<br />
coragem política e o sentido estratégico de Mário Soares,<br />
quando, em 1986, integrou Portugal, como membro de<br />
pleno direito, na então CEE – Comunidade Económica<br />
Europeia – contra o parecer da fina flor dos economistas<br />
e empresários do tempo.<br />
Considero, ainda, como cidadão, que a Europa constitui<br />
matéria essencial e incontornável do quotidiano e<br />
futuro dos portugueses - no, ainda muito jovem, século<br />
XXI – pelo que a agenda europeia – incluindo o Tratado<br />
de Lisboa – deve ser explicada, discutida e referendada<br />
pela Nação Portuguesa, na qual reside a soberania de<br />
Portugal. ■
Mouraria<br />
Cartas<br />
Sou utente assíduo há já alguns anos do Ginásio da<br />
Mouraria na modalidade de Ginástica de Manutenção<br />
(…), onde os professores são realmente muito competentes<br />
e as aulas muito bem orientadas, animadas e diversificadas.<br />
Também o responsável das Instalações revela ser muito<br />
zeloso por tudo quanto é património, burilando tudo<br />
com mil carinhos e saberes. É nesta vertente da imagem,<br />
que me é particularmente grato, realçar o quanto aquele<br />
funcionário se mostra exímio no arranjo e manutenção de<br />
todo o espaço e vegetação, resultando desse esforço um<br />
local aprazível de cor e arranjos, de facto bem conseguidos,<br />
para quem, como eu, o visita pelo menos duas vezes<br />
por semana. Não resisti e recolhi algumas imagens<br />
fotográficas para partilhar com todo o <strong>Inatel</strong>.<br />
Por último: é pena este espaço lindo, bem no coração de<br />
Lisboa, não tenha mais divulgação e adeptos.<br />
João Rosado, Lisboa<br />
Sócios há 50 anos<br />
Completaram, este mês, 50 anos de ligação ao <strong>Inatel</strong>, os<br />
associados: Alcibiades Rodrigues Silva, Porto; Vitor<br />
Manuel Raposo Filipe, Alcabideche; Francisco Santos<br />
Barbara, Queluz.<br />
A correspondência para estas secções deve ser enviada para<br />
a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-<br />
062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt<br />
[ Kalidás Barreto ]<br />
COLUNA DO PROVEDOR<br />
Estamos em <strong>Novembro</strong> e embora todos os dias devam ser de<br />
solidariedade para com os que são excluídos, para os que<br />
procuram os contentores para se manterem vivos, para os que<br />
querem ser gente e não os deixam ser, numa onda de entontecedor<br />
consumismo, a verdade é que se aproxima o Dezembro e<br />
a volúpia luxuriante da compra que faz esquecer os que têm a<br />
consoada do lixo. Não vos darei conselhos, mas creio que vale<br />
a pena parar para pensar. Para onde caminhamos? A sociedade<br />
egoísta passa ao lado dos sentimentos de fraternidade festejando<br />
natais sem amor. É pois com prazer que ouço os comentários<br />
dos nossos associados, elogiando o INATEL e a peça que<br />
desde Outubro enobrece o palco do Teatro da Trindade.<br />
Com efeito valorizar a atitude cívica e histórica de Aristides<br />
de Sousa Mendes, cônsul português em Bordéus que em<br />
Junho de 1940, contrariando as ordens do Governo português,<br />
permitiu a fuga de milhares de judeus salvando-os da<br />
perseguição nazi é algo de nobre, notável e heróico.<br />
Transcrevo do último número da revista: “As palavras de<br />
Aristides de Sousa Mendes na sua defesa perante as<br />
acusações de desobediência que lhe foram dirigidas pelo<br />
regime de Salazar são um dos momentos altos da peça, sublinha<br />
Rui Mendes. “Todos eles - lembrou, então, o cônsul ao<br />
referir-se aos milhares de perseguidos que ajudou - são seres<br />
humanos, e o seu estatuto na vida, religião ou cor são totalmente<br />
irrelevantes para mim. Além disso as cláusulas da<br />
Constituição do meu país relativas a casos como o presente<br />
dizem que em nenhuma circunstância a religião ou as convicções<br />
políticas de um estrangeiro, o impediriam de procurar<br />
refúgio no território português. Eu sou cristão, e como tal<br />
acredito que não devo deixar esses refugiados sucumbir. E,<br />
assim contra ordens que, em meu entender, são vis e injustas,<br />
declaro que darei, sem encargos, um visto a quem quer que o<br />
peça”. Condenado à inactividade, impedido de trabalhar,<br />
Sousa Mendes ficou arruinado e acabou os seus dias vivendo<br />
da caridade alheia. Morreu em 1954 e só foi reabilitado pelo<br />
Estado Português em 1987. É por estes exemplos que digo<br />
que vale a pena ser português; é por isso que continuo a<br />
acreditar que vale a pena lutar por um mundo mais justo,<br />
certo de que não haverá paz social enquanto não houver<br />
justiça social. ■<br />
Tel: 21<strong>00</strong>27197 Fax: 21<strong>00</strong>27179<br />
e-mail: provedor@inatel.pt<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 7
Notícias<br />
Turismo Social: desafio e oportunidade<br />
● Realizou-se, entre 2 a 5 de<br />
Outubro, em Riva del Garda, no<br />
norte de Itália, o Fórum Europeu do<br />
Turismo Social, organizado pelo<br />
BITS (Bureau Internacional du<br />
Tourisme Social) de cujo conselho de<br />
administração o INATEL é membro.<br />
Subordinado ao tema “O turismo<br />
social: protagonista do<br />
desenvolvimento económico e social<br />
na Europa”, o referido Fórum partiu<br />
da constatação que o turismo, na<br />
Europa, constitui, ao mesmo tempo,<br />
um desafio e uma oportunidade.<br />
Um desafio porque quase 40% dos<br />
8 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
cidadãos europeus não vão de férias,<br />
principalmente por razões<br />
económicas. Uma oportunidade,<br />
porque o turismo social pode<br />
contribuir para uma melhor coesão<br />
social e para uma igualização de<br />
oportunidades e, também, para o<br />
desenvolvimento económico das<br />
regiões através da ocupação da<br />
indústria turística bem como para o<br />
desenvolvimento económico-social<br />
sustentado no interior da União<br />
Europeia.<br />
Presente no encontro com uma<br />
delegação chefiada pelo seu vicepresidente,<br />
Vítor Ventura, o INATEL<br />
participou no painel sobre “O<br />
Turismo Social face à construção<br />
europeia”, com um trabalho sobre a<br />
experiência portuguesa na<br />
organização dos programas sociais<br />
de Turismo Sénior e de Saúde e<br />
Termalismo Sénior, cujo lançamento<br />
e gestão o governo português, desde<br />
sempre, tem confiado ao Instituto.<br />
A Assembleia Geral da CSIT (Confederação Internacional de Desporto para<br />
Trabalhadores) aprovou em Riga (Letónia), no passado mês de Outubro, o calendário<br />
de actividades para 2<strong>00</strong>8, que prevê a realização do Festival CSIT em<br />
Rimini, Itália, no próximo Verão.<br />
“Eça agora”<br />
● Na apresentação do<br />
colectivo e divertido livro, “O<br />
Código D’Avintes”, (“ o prazer<br />
de escrever a catorze<br />
mãos…”), Alice Vieira, Luísa<br />
Beltrão, João Aguiar, José<br />
Jorge Letria, José Fanha,<br />
Mário Zambujal e Rosa<br />
Lobato Faria, foram<br />
confrontados com o bem<br />
humorado desafio de Solnado<br />
que esperava, daí a um ano,<br />
assistir ao lançamento de “Os<br />
Naias”. Os sete, mais a<br />
editora, levaram a coisa a sério<br />
e aí está “Eça agora” que, num<br />
registo entre o queirosiano e a<br />
telenovela, e inspirado no<br />
enredo de “Os Maias”, nos dá<br />
um retrato vivo, irónico e<br />
singular da sociedade<br />
portuguesa neste início do<br />
século XXI. Modestos, mas<br />
arrasadores, os sete<br />
confessam: “certamente o Eça<br />
escreveria melhor mas não<br />
diria pior…”
Gala Sénior<br />
<strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
● Cerca de nove centenas seniores<br />
estiveram presentes, no Salão Preto e<br />
Prata do Casino Estoril, em mais uma<br />
edição da Gala Sénior, iniciativa que<br />
assinala o encerramento dos<br />
programas Turismo Sénior, Saúde e<br />
Termalismo Sénior e “Portugal no<br />
Coração” de <strong>2<strong>00</strong>7</strong>.<br />
Alarcão Troni, Presidente do <strong>Inatel</strong>,<br />
deu as boas vindas os seniores,<br />
representantes de vários recantos do<br />
país, e evocou a primeira década de<br />
programas, realçando os objectivos<br />
que estão na génese da criação destes<br />
programas, nomeadamente o<br />
combate à solidão, desemprego e<br />
assimetrias regionais e a promoção da<br />
hotelaria, estâncias termais e<br />
património cultural e arquitectónico<br />
do país.<br />
A anteceder o jantar e o espectáculo<br />
“Four” em cena no Casino, foram<br />
ainda distinguidos os melhores<br />
prestadores de serviço dos programas<br />
Turismo Sénior e Saúde e Termalismo<br />
Sénior, casos do <strong>Inatel</strong> um lugar ao Sol<br />
(Caparica) e do Grande Hotel Lisboa<br />
(S. Pedro do Sul) na categoria de<br />
melhor hotel; Termas de Monfortinho;<br />
o restaurante regional “Café Luso”; os<br />
agrupamentos Gisela Duarte, Duo<br />
Exclusivo, Casa do Povo de Corroios,<br />
Rancho Folclórico Pindelo dos<br />
Milagres, Rancho Folclórico de Porto<br />
Santo e Tuna Regional de Orgens; as<br />
palestras de Bruno Gato (alimentação<br />
saudável) e Carlos Paredes (Termas);<br />
as animadoras Rosicler Araújo e Ana<br />
Maciel.<br />
Foram, ainda, entregues, na Gala, os<br />
prémios aos vencedores do concurso<br />
de texto e fotografia dos programas<br />
seniores. Na categoria de Texto, o 1<strong>º</strong><br />
lugar coube a Maria Luísa Coutinho, o<br />
2<strong>º</strong> a João José Silva e 3<strong>º</strong> a Maria Amélia<br />
Amaro Almeida.<br />
Na categoria fotografia, o vencedor foi<br />
José Manuel Sampaio. O 2<strong>º</strong> e 3<strong>º</strong> e<br />
premiados foram, respectivamente,<br />
Maria Helena Santos e Álvaro Soares<br />
Monteiro.<br />
Maria Luísa<br />
Coutinho,<br />
vencedora do<br />
concurso de texto,<br />
e João Paulo<br />
Duarte, das Termas<br />
de Monfortinho,<br />
recebem os<br />
respectivos<br />
galardões<br />
<strong>Novembro</strong> Abril 2<strong>00</strong>6 <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 9
Notícias<br />
Dia da retina<br />
● A Associação de Retinopatia de<br />
Portugal (ARP) assinalou o Dia da<br />
Retina, no passado dia 30 de<br />
Setembro, com inúmeras iniciativas<br />
de sensibilização e rastreios à<br />
Degenerescência Macular da Idade<br />
(DMI). Cinha Jardim e Luís<br />
Represas apadrinharam o evento<br />
que contou com Workshops de<br />
esclarecimento sobre a doença,<br />
aulas de ginástica e alguns<br />
momentos lúdicos.<br />
Recorde-se que a Degenerescência<br />
Macular da Idade (DMI) é a<br />
primeira causa de cegueira na<br />
“Évora, cidade do Automóvel Antigo”<br />
● O Diário do Sul e a Rádio<br />
Telefonia do Alentejo promovem nos<br />
próximos dias 17 e 18 de <strong>Novembro</strong><br />
a maior concentração de Motos e<br />
Automóveis Clássicos e Antigos da<br />
Península Ibérica e o “Circuito das<br />
Humor contra a discriminação<br />
● A exposição europeia de cartoon<br />
“Desigualdades, Discriminações e<br />
Preconceitos”, inaugurada em<br />
Outubro último pelo Ministro do<br />
Trabalho e da Solidariedade Social,<br />
Vieira da Silva, continua patente ao<br />
público, no átrio da Estação do<br />
Vieira da Silva entrega prémio a Ludo Goderis<br />
10 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
população acima dos 55 anos de<br />
idade e atinge, em Portugal, cerca<br />
de 3<strong>00</strong> mil pessoas, com mais de<br />
três mil novos doentes/ano.<br />
Muralhas”. A concentração irá reunir<br />
um grande número de viaturas que<br />
ficarão expostas em parque fechado<br />
e de forma a poderem ser apreciadas<br />
pelo público em geral, no Rossio de<br />
São Brás em Évora.<br />
Rossio, até 21 do corrente.<br />
Promovido pelo Instituto Nacional<br />
para a Reabilitação (INR) e Museu<br />
Nacional da Imprensa, no âmbito<br />
do “Ano Europeu da Igualdade de<br />
Oportunidades para Todos – Por<br />
uma Sociedade Justa”, o concurso e<br />
dirigiu-se exclusivamente a<br />
cartunistas europeus.<br />
Composta por cerca de 2<strong>00</strong><br />
desenhos, a mostra apresenta os<br />
premiados, as menções honrosas e<br />
os melhores trabalhos do Concurso<br />
Europeu de Cartoon sobre aquele<br />
tema. O vencedor foi Ludo Goderis<br />
(Bélgica), seguido de NAPO<br />
(França) e Musa Gumus (Turquia).<br />
“Coimbra vista<br />
por Miguel Torga”<br />
O Salão Teatro do INATEL em<br />
Coimbra vai ser palco, no<br />
próximo dia 24 de <strong>Novembro</strong><br />
de um espectáculo de<br />
homenagem a um dos<br />
grandes escritores<br />
portugueses de sempre. Sob o<br />
título “Coimbra vista por<br />
Miguel Torga”, o espectáculo -<br />
inserido nas comemorações<br />
do centenário do nascimento<br />
de Torga – terá a participação<br />
do grupo Quatro Elementos<br />
(José Santos Paulo – Tenor;<br />
Álvaro Aroso - Guitarra<br />
Portuguesa; Eduardo Aroso -<br />
Viola de Acompanhamento;<br />
José Carlos Teixeira - Baixo<br />
Acústico, do Choral<br />
Poliphónico de Coimbra<br />
dirigido pelo maestro Paulo<br />
Moniz, de um momento de<br />
dança contemporânea por<br />
Cláudia Afonso e<br />
Andreia Morado, além da<br />
participação de Teresa Ferreira<br />
e Augusto França na narração<br />
e declamação.
«A Desobediência» no Trindade<br />
● Na sala principal do Trindade continua em cena, até<br />
25 do corrente, a peça “A Desobediência”, de Luiz<br />
Francisco Rebello. A estreia da peça, encenada por Rui<br />
Mendes, sobre a figura do heróico diplomata português<br />
Aristides de Sousa Mendes, durante a ocupação de<br />
França pelo exército nazi, contou com a presença de<br />
numerosas individualidades e gente do teatro, casos,<br />
entre outros de, de Maria Barroso, José Miguel Júdice,<br />
Ruy Seabra, Serra Formigal, Maria Elisa, José Ruy,<br />
Augusto Portela, Carlos Fragateiro, José Manuel<br />
Castanheira, Luís Esparteiro, Vítor de Sousa, Joel<br />
Branco e familiares do ex-cônsul de Bordéus.<br />
III Congresso Ibérico de Termalismo<br />
● Turismo de saúde e bem-estar, saúde e medicina termal,<br />
boas práticas dos balneários termais, gestão e protecção da<br />
água mineral natural, foram alguns dos temas em foco no<br />
III Congresso Ibérico de Termalismo, que decorreu no<br />
Hotel Palácio do Estoril, em Outubro último.<br />
Organizado pela Associação das Termas de Portugal,<br />
com o apoio do <strong>Inatel</strong>, o congresso reuniu vários<br />
especialistas nacionais e estrangeiros, e muitas<br />
individualidades ligadas ao turismo e à exploração de<br />
balneários termais em Portugal, Espanha e Alemanha.<br />
No congresso para além das questões relacionadas com<br />
saúde, tratamentos, alimentação e beleza foi,<br />
igualmente abordado a importância da qualidade e<br />
certificação das estâncias termais por especialistas<br />
espanhóis e alemães, que apresentaram casos concretos<br />
sobre esta prática nos seus países.<br />
José Alarcão Troni, presidente de honra do congresso,<br />
salientou na sua comunicação “Turismo e Termalismo<br />
Social”, a importância do termalismo como “nova forma de<br />
encarar o lazer, respeitando o património ambiental e<br />
cultural”. O presidente do <strong>Inatel</strong> lembrou, a propósito, o<br />
Maria Barroso,<br />
presidente da<br />
Fundação Pro<br />
Dignitate, e Luiz<br />
Francisco Rebello,<br />
autor da peça, não<br />
faltaram à estreia<br />
de “A Desobediência”<br />
êxito dos programas seniores geridos pelo Instituto,<br />
encarados por franceses e italianos como casos de sucesso<br />
a ter em conta para os respectivos países. Alarcão Troni<br />
deu conta ainda do alargamento ao termalismo do<br />
protocolo luso-espanhol de turismo sénior. A futura<br />
instalação de spas nos centros de férias de Albufeira, S.<br />
Pedro do Sul e Caparica foi outra das novidades avançadas<br />
pelo presidente do <strong>Inatel</strong>.<br />
Abril 2<strong>00</strong>6 TempoLivre 11
[ 1 ]<br />
[ 1 ] Gracília Correia,<br />
Senhora da Hora<br />
Sócio n.<strong>º</strong> 122180<br />
[ 2 ] Paulo Amado,<br />
S. João da Madeira<br />
Sócio n.<strong>º</strong> 393614<br />
[ 3 ] Fernando Ledo,<br />
Viana do Castelo<br />
Sócio n.<strong>º</strong> 349141<br />
Menções Honrosas<br />
[ a ] João Vasco,<br />
Massamá<br />
Sócio n.<strong>º</strong> 434109<br />
[ b ] Mário Pereira,<br />
Granjas Novas<br />
Sócio n.<strong>º</strong> 278204<br />
[ c ] Fernando<br />
Máximo, Avis<br />
Sócio n.<strong>º</strong> 435473<br />
[ a ] [ b ]<br />
[ c ]
[2]<br />
[3]<br />
REGULAMENTO<br />
1. Concurso Nacional de Fotografia da<br />
revista Tempo Livre. Periodicidade<br />
mensal. Podem participar todos os<br />
sócios do <strong>Inatel</strong>, excluindo os seus funcionários<br />
e os elementos da redacção e<br />
colaboradores da revista Tempo Livre.<br />
2. Enviar as fotos para: Revista Tempo<br />
Livre - Concurso de Fotografia, Calçada<br />
de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa.<br />
3. A data limite para a recepção dos trabalhos<br />
é o dia 10 de cada mês.<br />
4. O tema é livre e cada concorrente<br />
pode enviar, mensalmente, um máximo<br />
de 3 fotografias de formato mínimo de<br />
10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em<br />
papel, cor ou preto e branco, sem qualquer<br />
suporte.<br />
5. Não são aceites diapositivos e as<br />
fotos concorrentes não serão devolvidas.<br />
6. O concurso é limitado aos sócios do<br />
<strong>Inatel</strong>. Todas as fotos devem ser assinaladas<br />
no verso com o nome do autor,<br />
direcção, telefone e número de associado<br />
do <strong>Inatel</strong>.<br />
7. A Tempo Livre publicará, em cada<br />
mês, as seis melhores fotos (três premiadas<br />
e três menções honrosas), seleccionadas<br />
entre as enviadas no prazo<br />
previsto.<br />
8. Não serão seleccionadas, no mesmo<br />
ano, as fotos de um concorrente premiado<br />
nesse ano<br />
9. Prémios: cada uma das três fotos<br />
seleccionadas terá como prémio um fim<br />
de semana (duas noites) para duas pessoas<br />
num dos Centros de Férias do<br />
<strong>Inatel</strong>, durante a época baixa, em<br />
regime APA (alojamento e pequeno<br />
almoço). O premiado(a) deve contactar<br />
a redacção da «TL»<br />
10. Grande Prémio Anual: uma viagem<br />
a escolher na Brochura <strong>Inatel</strong> Turismo<br />
Social até ao montante de 1750 Euros. A<br />
este prémio, a publicar na revista<br />
Tempo Livre de Setembro de 2<strong>00</strong>8, concorrem<br />
todas as fotos premiadas e publicadas<br />
nos meses em que decorre o<br />
concurso.<br />
11. O júri será composto por dois<br />
responsáveis da revista Tempo Livre e<br />
por um fotógrafo de reconhecido<br />
prestígio.
TERRA NOSSA<br />
BELMONTE<br />
O último refúgio dos Judeus<br />
Do terraço do castelo medieval, varanda privilegiada para sentir<br />
o ambiente local, Belmonte parece uma mancha de casas<br />
de pedra aninhada como uma concha ao longo da encosta<br />
do Monte da Esperança.<br />
A PAISAGEM é surpreendente:<br />
aos pés da fortaleza, emerge uma<br />
atmosfera de outro tempo evocada<br />
pela pequenez e simplicidade das<br />
capelas de São Tiago, Santo António<br />
e Calvário e do Panteão dos<br />
Cabrais, onde repousa o túmulo de<br />
Pedro Álvares Cabral; ao fundo, já<br />
no limite do perímetro da vila, vislumbram-se<br />
as casinhas de piso<br />
térreo da Antiga Judiaria, sinais da<br />
presença secular dos judeus; a noroeste<br />
sobressai a muralha natural<br />
da Serra da Estrela, com o vale do<br />
Vista do Vale do Zêzere<br />
14 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Zêzere alongando-se repleto de<br />
sementeiras; e a leste, em direcção a<br />
Espanha, espraia-se uma interminável<br />
terra acidentada e deserta,<br />
outrora palco de guerras com Leão<br />
e Castela.<br />
Belmonte deriva da palavra latina<br />
belli-monti, que significa montes de<br />
guerra. O castelo, com a sua impressionante<br />
Torre de Menagem e<br />
as suas altas muralhas, é ainda hoje<br />
um símbolo da política de contenção<br />
dos invasores e repovoamento<br />
da linha fronteiriça desen-<br />
volvida nos reinados de D. Afonso<br />
III, D. Dinis e D. João I. Com uma<br />
localização privilegiada para a vigilância<br />
do território, esta fortificação<br />
acabou por ser uma peça<br />
avançada da defesa do território,<br />
residência e centro da organização<br />
administrativa, político e judicial.<br />
Fernão Cabral I, primeiro alcaidemor<br />
do castelo e pai de Pedro<br />
Álvares Cabral, foi o mentor da<br />
adaptação do castelo em área residencial,<br />
uma inovação que ficaria<br />
conhecida como o Paço dos Cabrais<br />
e do qual não restam praticamente<br />
vestígios. No exterior do castelo,<br />
uma cruz de madeira de Pau Santo<br />
cravada na rocha, réplica daquela<br />
que Pedro Álvares Cabral mandou<br />
levantar na primeira missa celebrada<br />
no Brasil, evoca a descoberta do<br />
Brasil, em 15<strong>00</strong>.<br />
Como não podia deixar de ser,<br />
Belmonte tem também uma estátua<br />
de Pedro Álvares Cabral, nascido<br />
nesta terra em 1467, mas este não é o<br />
sinal mais visível do antigo poder da<br />
família Cabral. Em pleno centro da<br />
vila, sobressai a imponência de dois<br />
edifícios dos Cabrais: o Solar, cujo<br />
brazão em mármore se destaca entre<br />
as obras de remodelação para aqui
Pormenor do centro de Belmonte e, em baixo, vista do castelo e da sua impressionante torre de menagem
TERRA NOSSA<br />
Em cima: Tulha dos Cabrais e o Panteão dos Cabrais. Em baixo: vista da antiga judiaria e da nova sinagoga, estátua de Pedro Álvares<br />
Cabral e igrejas de Sto. António e Calvário vistas do castelo<br />
GUIA<br />
A NÃO PERDER<br />
Zona do Castelo<br />
Em escassas centenas de<br />
metros, concentram-se<br />
alguns dos monumentos<br />
mais importantes de<br />
Belmonte: castelo, Igreja de<br />
São Tiago, do século XIII,<br />
Panteão dos Cabrais e<br />
Capela de Santo António,<br />
ambos do século XV, e<br />
Capela do Calvário, do<br />
século XIX.<br />
Tulha<br />
O antigo armazém dos pro-<br />
16 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
dutos agrícolas e rendas<br />
rurais da família Cabral<br />
acolhe hoje o Ecomuseu do<br />
Zêzere. No interior deste<br />
edifício maciço, construído<br />
no século XVIII, faz-se uma<br />
viagem pelo rio Zêzere na<br />
perspectiva do património<br />
natural e cultural, privilegiando-se<br />
a fauna, flora,<br />
uso do solo e povoamento.<br />
Museu Judaico<br />
Inaugurado em 2<strong>00</strong>5, ilustra<br />
a história da comunidade<br />
judaica na região. É<br />
o primeiro museu do<br />
género em Portugal. E tem<br />
mais de uma centena de<br />
peças originais da Idade<br />
Média até ao século XX.<br />
COMER<br />
● Pousada do Convento,<br />
Tel.: 275 910 3<strong>00</strong><br />
● Restaurante Hotel Belsol,<br />
Quinta do Rio, Tel.: 275 912<br />
206<br />
DORMIR<br />
● Hotel Belsol, Quinta do<br />
Rio, Tel.: 275.912.206,<br />
www.hotelbelsol.com<br />
● Pousada do Convento<br />
de Belmonte,<br />
Tel.: 75.910.3<strong>00</strong><br />
CONTACTOS<br />
● Posto de Turismo, Praça<br />
da República, Tef./Fax.: 275<br />
911 488<br />
● Museu Judaico, Rua da<br />
Portela, n<strong>º</strong>4, Tel.: 275 913<br />
505 (Encerra: segundafeira,<br />
1<strong>º</strong> de Maio, 25 de<br />
Dezembro e 1 de Janeiro)
Edifício da Biblioteca Municipal,<br />
antiga Câmara Municipal,<br />
e vista da rua principal de Belmonte<br />
instalar o Museu dos Descobrimentos,<br />
e a Tulha, uma casa maciça<br />
onde eram guardadas as rendas<br />
anuais dos produtos agrícolas.<br />
As ruas de Belmonte deslizam<br />
contorcidas em direcção ao Vale do<br />
Zêzere. O casario de paredes de<br />
pedra predomina numa paisagem<br />
urbana pontuada, aqui e ali, de<br />
fachadas coloridas e varandas de<br />
ferro forjado. É na zona baixa da<br />
vila, um bairro vincado de ruelas e<br />
casinhas de piso térreo chamado<br />
Marrocos, que emergem os vestígios<br />
mais visíveis da presença secular<br />
da comunidade judaica. Era<br />
aqui a Antiga Judiaria.<br />
Ao longo das ruas da Fonte da<br />
Rosa, onde foi construída a Nova<br />
Sinagoga, do Olival e do Inverno as<br />
ombreiras das portas conservam<br />
ainda cruzes gravadas na pedra,<br />
indicação de que estas casas acolheram<br />
Cristãos-Novos. Quando D.<br />
Manuel I impôs aos judeus portugueses,<br />
em 1496, a conversão forçada<br />
ao cristianismo ou o exílio, Belmonte<br />
tornou-se um refúgio para a<br />
comunidade judaica. Por causa da<br />
perseguição da Inquisição, instituída<br />
em 1536, os Cristãos-Novos,<br />
como não podiam professar a sua<br />
religião publicamente, praticaram<br />
em segredo as tradições e costumes<br />
judaicos.<br />
O segredo desta comunidade<br />
criptojudaica só foi revelado em<br />
1925, com a publicação do estudo<br />
“Os Cristãos-Novos em Portugal no<br />
Século XX”, da autoria do judeu<br />
polaco Samuel Schwarz. Hoje, mais<br />
de 5<strong>00</strong> anos após a conversão forçada<br />
ao cristianismo, a comunidade<br />
judaica de Belmonte reúne ainda<br />
cerca de 150 pessoas, tem constituição<br />
legal desde 1988, conta com um<br />
rabi para as cerimónias principais, e<br />
dispõe de uma Nova Sinagoga,<br />
inaugurada em 1996, de um cemitério<br />
e de um museu próprios. E o<br />
museu, apesar de ter apenas dois<br />
anos de existência, é já uma das principais<br />
atracções turísticas da vila: por<br />
ano, recebe em média 15 mil visitantes,<br />
em especial americanos, canadianos<br />
e israelitas. ■<br />
António Sérgio Azenha [texto e fotos]<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 17
PORTUGAL NA EUROPA<br />
A primeira voz portuguesa<br />
Os relatos de milagres e as lendas tecidas à sua volta quase ocultam,<br />
aos olhos do grande público, a figura e a estatura de Santo António de<br />
Lisboa — que é também, como se sabe, Santo António de Pádua:<br />
aquele que pregava aos peixes perto de Rimini e os peixes vinham à<br />
tona de água para o ouvir; o santinho casamenteiro e que nos ajuda a<br />
encontrar objectos perdidos se lhe rezarmos o responso apropriado.<br />
O MESMO que, cerca de quinhentos<br />
anos após a sua morte, assentou<br />
praça no Regimento de Infantaria 19<br />
(Cascais), no Regimento de Infantaria<br />
2 (Lagos), no Regimento de<br />
Infantaria 13 (Peniche), no corpo de<br />
fuzileiros de Moçambique e também<br />
na Índia e ainda nas milícias de<br />
Pernambuco, Brasil, sendo que passou<br />
por vários postos: de soldado a<br />
tenente-coronel em Portugal e a general<br />
no Brasil. Enfim, o mesmo que<br />
anda com o Menino Jesus ao colo.<br />
Tudo isso é tradicional, simpático,<br />
e, em muitos casos, mesmo, enternecedor.<br />
Mas, como referimos,<br />
toda essa «carga» quase esconde a<br />
verdadeira estatura do homem que<br />
é ainda hoje o segundo nome mais<br />
ilustre da ordem franciscana, logo a<br />
seguir ao próprio São Francisco de<br />
Assis; o homem que foi um dos<br />
maiores pregadores europeus e,<br />
verdadeiramente, a primeira voz<br />
portuguesa a fazer-se ouvir nos púlpitos<br />
da Europa e em escolas como<br />
as de Toulouse, Montpellier e Bolonha;<br />
o homem que a Santa Sé canonizou<br />
menos de um ano depois da<br />
sua morte, o que é — passe o termo<br />
— um verdadeiro recorde.<br />
Santo António nasceu em Lisboa,<br />
bem perto da Sé, por volta de 1190,<br />
18 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
em pleno reinado de D. Sancho I:<br />
Portugal, como reino independente,<br />
estava, portanto, no início, sob o<br />
governo do seu segundo rei. O<br />
nome que recebeu no baptismo foi<br />
Fernando de Bulhões — a lenda<br />
apressar-se-á a arranjar-lhe antepassados<br />
ilustres, uma casa real pelo<br />
lado da mãe e Godofredo de Bouillon<br />
pelo do pai… coisa de somenos:<br />
ele próprio virá a ter importância<br />
suficiente para dispensar pergaminhos<br />
nebulosos.<br />
A Sé tinha uma escola, onde<br />
Fernando aprendeu as primeiras<br />
letras e estudou Gramática e Artes.<br />
A vocação religiosa manifestou-se<br />
muito cedo: pelos quinze anos,<br />
entrou na comunidade dos cónegos<br />
regrantes de Santo Agostinho, em<br />
São Vicente de Fora. Mas o jovem<br />
Fernando não era apenas um devoto<br />
e um místico, também tinha sede<br />
de leituras e de saber, por isso não<br />
tardou a transferir-se para o mosteiro<br />
de Santa Cruz de Coimbra.<br />
MÍSTICA E ACÇÃO<br />
É importante, para nós, compreender<br />
que Santa Cruz, com a sua riquíssima<br />
biblioteca, foi a grande escola<br />
de Fernando de Bulhões, onde<br />
ele recebeu a maior parte da sua formação.<br />
Segundo parece, terá sido<br />
ordenado sacerdote em 1220, ainda<br />
naquele mosteiro; mas já então<br />
entrara nele aquilo a que poderemos<br />
chamar de «febre apostólica».<br />
De facto, este homem tem um carácter<br />
contraditório: místico, dado à<br />
oração e à meditação, é também um<br />
verdadeiro activista, ansioso por<br />
lutar, realizar, converter. Ora, três<br />
anos antes de ser ordenado, em<br />
1217, começam a passar por Santa<br />
Cruz grupos de franciscanos lançados<br />
na senda da pregação e da conversão<br />
de gentios… Fernando sente-se<br />
atraído e impressionado; sobretudo,<br />
com um grupo que em<br />
1219 se dirige a Marrocos, pronto a<br />
converter os muçulmanos à fé
Igreja de Sto. António, em Lisboa<br />
cristã. Menos de um ano depois,<br />
voltam ao mosteiro os entusiastas<br />
missionários — melhor, os seus<br />
ossos: são os santos mártires de<br />
Marrocos.<br />
Era um desafio ao seu ardor apostólico.<br />
No ano seguinte, Fernando<br />
pedia admissão na ordem franciscana,<br />
tomava o nome de António e,<br />
à primeira oportunidade, embarcava<br />
para o norte de África. Mas,<br />
pouco após a chegada, as febres<br />
atacaram-no. Teve de render-se,<br />
tomou um navio de regresso à<br />
pátria. Só que uma tempestade<br />
levou a embarcação até à Itália — e<br />
essa tempestade foi providencial,<br />
pois assim começou a «carreira<br />
europeia» do futuro santo. Em 1221,<br />
assistiu ao Capítulo Geral da Ordem,<br />
convocado por São Francisco<br />
de Assis no regresso da sua viagem<br />
ao Egipto; e o ambiente ali vivido<br />
impressionou-o profundamente.<br />
Foi esse, talvez, o motivo pelo qual<br />
se recolheu ao eremitério de<br />
Montepaolo, para se entregar à<br />
meditação.<br />
No entanto, o retiro não vai durar<br />
muito tempo: em breve um grupo<br />
de noviços se desloca a Forli para<br />
receber a ordenação. Frei António<br />
acompanha-os e calha que seja ele a<br />
fazer-lhes a homilia…<br />
O PODER DO VERBO<br />
Essa pregação é decisiva, porque<br />
toda a assistência fica maravilhada,<br />
empolgada, com o poder oratório<br />
de Frei António. Não tarda que São<br />
Francisco lhe confie a missão de<br />
ensinar Teologia aos outros irmãos.<br />
Em Bolonha, São Francisco ouve-o<br />
e fica impressionado com os seus<br />
conhecimentos e a força do seu<br />
verbo. António passa a França; ensina,<br />
como já foi referido, em Toulouse<br />
e Montpellier, mas também<br />
em Limoges. Ataca as heresias; contesta,<br />
sobretudo, os cátaros. Dãolhe<br />
as missões mais difíceis. Mais<br />
uma vez, afirma a sua vocação de<br />
«místico activo», de meditante e<br />
lutador.<br />
São Francisco de Assis morre em<br />
1226; António volta a Itália, para<br />
participar no Capítulo Geral que<br />
elege o sucessor. Este, Frei João<br />
Parente — que, segundo a tradição,<br />
lhe vestira o hábito franciscano,<br />
anos antes, em Portugal —, mandao<br />
para a Lombardia, como dirigente<br />
e pregador.<br />
E assim passam os derradeiros<br />
anos de António, que acaba a sua<br />
vida em Pádua, a 13 de Junho de<br />
1231. Cerca de onze meses mais<br />
tarde, o Papa Gregório IX assinará a<br />
bula de canonização. Resta ainda<br />
lembrar que, em 1946, Pio XII<br />
proclamou Santo António Doutor<br />
da Igreja.<br />
Resta, também, recordar que a<br />
veneração de que ele é alvo não se<br />
limita, obviamente, à Europa cristã.<br />
Em todo o mundo, milhões de<br />
crentes o invocam — ou como Santo<br />
António de Pádua ou como<br />
Santo António de Lisboa. Foi (é) as<br />
duas coisas; mas, para nós, foi<br />
acima de tudo o primeiro português<br />
a colocar a sua «marca» na<br />
Europa — e da melhor forma, já<br />
que (aceitemo-lo para além das<br />
nossas convicções pessoais) o fez no<br />
domínio da cultura e do espírito. ■<br />
João Aguiar<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 19
TERMAS EM PORTUGAL [7]<br />
Os bons ares de<br />
CARVALHELHOS<br />
No sopé de um castro pré-romano classificado e envoltas pelo<br />
conjunto montanhoso do Barroso, as Caldas Santas de Carvalhelhos<br />
propiciam ao visitante quietude e bons ares, a que não é alheio o<br />
notável parque, recanto de frescura, cor, som e perfumes característicos<br />
de um lugar pleno de tranquilidade.<br />
20 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong>
EM CARVALHELHOS, abundam os<br />
indícios da presença Celta, o que nos<br />
leva a crer que as propriedades<br />
destas águas já seriam conhecidas<br />
destes povos. Em 1830, este local era<br />
frequentado por um grande número<br />
de pessoas, que o apelidaram de<br />
«Caldas Santas». Em 1915, foi dado o<br />
Alvará para a exploração oficial das<br />
nascentes, e as águas engarrafadas e<br />
«engarrafonadas» por processos<br />
primitivos começaram a vender-se<br />
no país e a ser exportadas para o<br />
antigo Ultramar, Brasil e para a<br />
Venezuela, tal como foram enviadas<br />
para o Corpo Expedicionário Português<br />
durante a Grande Guerra. Em<br />
1941, constituiu-se a Empresa<br />
Caldas Santas de<br />
Carvalhelhos, que adquiriu<br />
os direitos da concessão,<br />
iniciando-se o<br />
processo de modernização<br />
das instalações de<br />
engarrafamento, sendo<br />
que, em 1961, as primeiras<br />
máquinas manuais<br />
foram substituídas<br />
por uma linha automática<br />
e, no ano seguinte, foi<br />
remodelada a primeira<br />
unidade de oficina. Entre<br />
1967 e 1972, entraram em<br />
funcionamento, respectivamente,<br />
uma segunda e terceira linhas<br />
de engarrafamento e de gaseificação.<br />
Este avanço nos processos de<br />
engarrafamento e comercialização<br />
da água foi acompanhado pela modernização<br />
das instalações balneares,<br />
a partir dos anos 70. Alguns projectos<br />
não tiveram concretização em<br />
obra, mas a construção do actual balneário<br />
permitiu melhorar as condições<br />
de tratamento das doenças da<br />
pele e dos aparelhos digestivo e circulatório,<br />
graças aos elementos hiposalinos<br />
e hipotérmicos das águas, o<br />
Pormenor do Balneário<br />
bicarbonato, o sódio, o flúor e a sílica.<br />
Se as águas do seu balneário são<br />
pródigas em fazer bem, ao serem<br />
administradas, à semelhança de um<br />
medicamento, numa aplicação íntima<br />
que afecta directamente a concepção<br />
e experiência dos corpos,<br />
também os sentidos são activados<br />
pela ambiência natural, que evoca<br />
sensações. Os aquistas usufruem de<br />
um parque frondoso de grande<br />
interesse botânico e paisagístico,<br />
onde predominam as espécies autóctones<br />
– como o Carvalho Roble, o<br />
Carvalho Negral e o Castanheiro –<br />
dispostas nas plataformas do terreno,<br />
serpenteadas por levadas de<br />
água que refrescam o ambiente e<br />
estimulam os sentidos de quem está<br />
e de quem passa.<br />
É um local de virtudes, tendo os<br />
ingredientes necessários e complementares<br />
aos efeitos objectivos medicinais<br />
da água. Este recurso natural<br />
é, aliás, uma das imagens de marca<br />
do concelho de Boticas.<br />
Para além das termas, existe um<br />
número considerável de moinhos:<br />
uns, azenhas de roda vertical de<br />
propulsão superior e rodízios; outros,<br />
moinhos de roda horizontal.<br />
Ambos foram fundamentais para<br />
uma economia associada à moagem<br />
intensiva do centeio das casas rurais.<br />
Numa região em que ainda predomina<br />
a actividade de carácter agropastoril<br />
e o autoconsumo, a implantação<br />
da propriedade e do investimento<br />
industrial deu-se muito escassamente.<br />
Na zona de Carvalhelhos,<br />
de pequena altitude e mais povoada,<br />
os moinhos existem em grande<br />
número e dispersos ao longo das linhas<br />
de água que asseguram os caudais<br />
necessários ao seu funcionamento<br />
e são, presentemente, um<br />
bom motivo de contacto do turista<br />
com um património cada vez mais<br />
raro em Portugal, mas que neste concelho<br />
existe em quantidade<br />
apreciável.<br />
Para além deste valor<br />
cultural, o aquista pode<br />
apreciar os produtos<br />
gastronómicos da região.<br />
Se, nesta altura do<br />
ano, está a pensar em<br />
deslocar-se a Carvalhelhos,<br />
não perca a Feira<br />
do Mel de Barroso e da<br />
Carne Barrosã, onde<br />
estes dois produtos, de<br />
qualidade genuína e de<br />
Origem Protegida, estão<br />
em particular destaque.<br />
Descubra ainda a singular<br />
Rede de Tabernas do Alto<br />
Tâmega, onde se come e bebe junto<br />
das tradições mais ricas. Bem características<br />
são a Cozinha da Eugénia<br />
e a Taberna do Tio João, ambas em<br />
Carvalhelhos. Aqui, não se trata das<br />
águas que curam, mas há uma qualquer<br />
semelhança entre o repasto e a<br />
espiritualidade das «águas santas»,<br />
porque em ambas existem energias<br />
benéficas com efeitos positivos,<br />
desde que tomados com considerada<br />
moderação. ■<br />
Jorge Mangorrinha<br />
Helena Gonçalves Pinto<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 21
A CASA NA ÁRVORE | SUSANA NEVES<br />
A árvore do totem<br />
No Parque da Pena, em Sintra, há uma árvore que ninguém resiste fotografar:<br />
é uma Thuja Plicata gigante, cujas pernadas da base do tronco invadem o chão<br />
e depois fazendo cotovelo elevam-se vários metros no ar.<br />
Importada da costa oeste da América do Norte,<br />
por volta de <strong>187</strong>0, esta conífera centenária – à<br />
semelhança de outros espécimes exóticos, distribuídos<br />
pelos oitenta e cinco hectares do Parque<br />
– foi trazida para Portugal por desejo de D. Fernando II<br />
(1819-1885) e sua segunda esposa, a jovem cantora lírica<br />
Elise Hensler, Condessa D`Edla (1836-1929).<br />
Sobrevivente do violento ciclone de Fevereiro de<br />
1941, tal como o majestoso Eucalyptus Obliqua (plantado<br />
no dia do controverso casamento, a 10 de Junho de<br />
1869), esta Thuja Plicata não perdeu os ramos inferiores,<br />
como aconteceria no seu habitat natural, nem foi<br />
podada de forma a garantir o protagonismo do tronco<br />
central. Na realidade, graças a esta circunstância – bastante<br />
criticada nos anos 60, por Mário Azevedo Gomes,<br />
neto da Condessa e professor catedrático jubilado de<br />
silvicultura do Instituto Superior de Agronomia – a<br />
árvore ganhou em aparato o que perderia na sua<br />
“forma específica”, próxima dos estudos dendrológicos.<br />
Dir-se-ia que as árvores, tal como as pessoas, quanto<br />
mais excêntricas melhor.<br />
Apesar dos cerca de 137 anos e das suas admiráveis<br />
proporções, a Thuja Plicata – localizada junto à Feteira<br />
da Condessa, com vista sobre a Fonte dos Passarinhos –<br />
é ainda relativamente pequena, comparada com os<br />
exemplares que Thomas Pakenham fotografou, no<br />
Lago Quinault e em Kalaloch, no Estado de<br />
Washington. Segundo o autor de “A Volta ao Mundo em<br />
80 Árvores” (Le Tour du Monde en 80 Arbres, Éditions<br />
du Chêne, 2<strong>00</strong>2), se o primeiro espécime americano<br />
pesa cerca de 5<strong>00</strong> toneladas, no tronco do segundo é<br />
possível entrarem várias pessoas.<br />
Não tendo qualquer fissura, a Thuja Plicata do<br />
Parque da Pena (com uma altura superior a 30 metros)<br />
apresenta, no entanto, um aspecto igualmente possante,<br />
benéfico, alienígena e associativo, ou não fosse<br />
ela potencialmente um totem.<br />
Conhecida entre os índios da costa ocidental da<br />
América do Norte, de onde é nativa, por Western Red<br />
Cedar ou Arbore vitae (assim a designam os<br />
Kakawaka`wakw) esta árvore é a matéria prima na qual<br />
28 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
os totens são esculpidos, veículo da comunicação com os<br />
espíritos dos antepassados e os animais que os protegeram.<br />
Emblema de grupo, colorido ou não, o totem<br />
atrai a comunidade festivamente, podendo a sua elevação<br />
ser acompanhada de um potlach, ou seja a cerimónia<br />
de dádiva e desperdício de bens acumulados.<br />
Segundo a sabedoria dos índios da América do Norte,<br />
mesmo sem ser transformada em totem, a Thuja Plicata<br />
emana um poder espiritual tão forte que é transmissível<br />
desde que alguém a ela se encoste. A designação de<br />
Arbore vitae ou árvore da vida tem ainda um significa-
do iminentemente prático, uma vez que era o pilar da<br />
sobrevivência tribal. Com a sua madeira construíam-se<br />
cabanas, canoas, máscaras e lanças, com a sua casca<br />
faziam-se adornos cerimoniais para o cabelo, vestuário<br />
e utensílios domésticos, com as suas folhas e raízes e<br />
sementes fabricavam-se remédios contra a tuberculose,<br />
doenças de fígado, escorbuto e febre.<br />
Por estas razões, o respeito e a conservação dos<br />
gigantes arbóreos da floresta exigiam todas as diligências:<br />
por exemplo, nenhuma mulher subiria a uma<br />
Thuja Plicata para a colheita da casca, sem antes<br />
D. Fernando II<br />
(1819-1885) e sua<br />
segunda esposa, a<br />
jovem cantora lírica<br />
Elise Hensler,<br />
Condessa D`Edla<br />
(1836-1929)<br />
realizar uma cerimónia propiciadora, e caso fossem<br />
necessárias apenas algumas tábuas para fazer uma casa<br />
seriam retiradas do tronco sem abater a árvore.<br />
À plantação das várias thujas em Sintra – em 1886, há<br />
notícia de “dúzias”, pertencentes às espécies aurea,<br />
dumosa, plicata, occidentalis, etc – não deve ter sido<br />
alheia a influência do cunhado da Condessa D`Edla, o<br />
silvicultor americano John Slade, casado com a sua irmã<br />
Mina Louise.<br />
As particularidades do longo namoro entre D.<br />
Fernando II e a futura Condessa D`Edla (o<br />
título é-lhe conferido no casamento) faziam<br />
adivinhar a expansão do projecto florestal de<br />
Sintra, iniciado pelo rei consorte, no tempo de D. Maria<br />
II. É que, no jardim da sua casa de solteira – onde ainda<br />
hoje, a partir da rua se avista uma árvore de grande<br />
porte – ela e o rei-artista (é reconhecido o seu talento de<br />
barítono e gravador, além de ter sido também coleccionador<br />
e mecenas de arte) já se dedicavam a várias<br />
experiências botânicas. “Muitos annos residiu a amante<br />
de D. Fernando no prédio, n<strong>º</strong> 68, da Rua dos Remédios,<br />
à Lapa (...) Depois do casamento dos infantes, o viúvo<br />
rei passava dias e noites inteiras com Madame Hensler.<br />
Cuidavam ambos do jardim, onde se cultivavam plantas<br />
exóticas e raras (...)”, relata Maximo Estrella, na obra<br />
“O Perfil da Condessa D`Edla – Madrasta D`El Rei D.<br />
Luís I”, Lisboa, 1886.<br />
Numa cidade avessa às árvores, como bem observou<br />
Baudelaire de visita pela Capital, que felicidade para D.<br />
Fernando II (de origem austríaca) encontrar uma<br />
estrangeira cosmopolita (nascera na Suíça mas iniciara<br />
a carreira artística nos Estados Unidos) que além de<br />
artista partilhasse a mesma paixão pela natureza.<br />
Que lhe importavam as más línguas, ou a censura do<br />
filho rei, D. Pedro V, quando este lhe abria a porta de<br />
madrugada, não fossem os criados perceber as horas a<br />
que recolhia sua majestade. Do Paço das Necessidades<br />
até à Lapa todos caminhos iam dar à Rua dos<br />
Remédios. E sem a teimosia destes encontros, o Parque<br />
da Pena seria certamente bem diferente do que é. ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 29
PORTUGAL E A LUSOFONIA | PEDRO CID<br />
Contra a pena de morte<br />
A abolição de pena de morte em todo o mundo é um dos objectivos do Governo<br />
de Portugal, neste segundo semestre de <strong>2<strong>00</strong>7</strong>, em que desempenha a Presidência<br />
da União Europeia.<br />
Inscrever essa meta nos objectivos da<br />
presidência portuguesa tem uma forte carga<br />
simbólica, que importa salientar, ou não<br />
tenha sido Portugal o primeiro país da<br />
Europa, e um dos primeiros do mundo a abolir a<br />
pena capital, no último período do séc. XIX, já lá<br />
vai mais de um século.<br />
Adicionalmente, vale a pena referir que em<br />
todos os países de expressão portuguesa, nunca<br />
vigorou a pena de morte o que também é motivo<br />
de orgulho para todos os cidadãos lusófonos.<br />
Em pleno século XXI, que é muito mais do que<br />
do que o ciclo de luzes (que os nossos antepassados<br />
históricos vislumbraram há trezentos anos),<br />
graças aos avassaladores progressos das novas<br />
Tecnologias, em todas as áreas do conhecimento<br />
humano, fazer uma campanha contra a pena de<br />
morte, parece uma ideia bizarra e uma postura<br />
desadequada. Só o não é pela crueza dos factos: A<br />
pena de morte existe e é ainda uma prática habitual,<br />
quer em países onde há um défice em relação<br />
aos direitos humanos, como em países que são<br />
democracias estabilizadas e onde se defende, no<br />
discurso político e com toda a veemência, a liberdade<br />
e o progresso.<br />
A aplicação e administração da Justiça é uma<br />
obrigação dos Estados organizados, sendo dever<br />
dos cidadãos cumprir as leis. Uma justiça célere,<br />
atempada e acessível a todos os cidadãos, e não<br />
apenas àqueles com maior poder económico, é<br />
igualmente um imperativo das sociedades e constitui,<br />
aliás, um calcanhar de Aquiles em Estados<br />
onde ela é lenta, cara e muitas vezes inacessível a<br />
todos.<br />
A aplicação da justiça é um tema decisivo nas<br />
sociedade contemporânea, e por isso mesmo no<br />
espaço que tem na língua portuguesa o principal<br />
instrumento comum de comunicação. O direito<br />
penal vive em constante evolução, num debate<br />
nunca acabado em relação aos direitos e garantias,<br />
quer daqueles que são vítimas, quer dos prevaricadores,<br />
cuja inocência se presume até ao trânsito<br />
30 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
em julgado de uma condenação. Muitos defendem<br />
que há excessos de garantias para os presumíveis<br />
criminosos e criticam as malhas largas<br />
que as leis lhes facultam, para fugir às suas responsabilidades.<br />
Acriminalidade assumiu, a nível global – e<br />
vivemos um tempo cada vez mais intenso<br />
da globalização - uma dimensão<br />
nunca antes vista, com implicações<br />
gravosas para os Estados e para os cidadãos. É por<br />
isso, ou também por isso, que a aplicação da pena<br />
de morte ainda persiste e contra a qual se torna<br />
imperativo continuar a lutar para que ela deixe de<br />
figurar como último recurso na aplicação da<br />
justiça. Na desorientação em que por muito lado<br />
anda a aplicação da justiça, é tentador pensar que<br />
a pena de morte é um poderoso meio preventivo<br />
contra a criminalidade. Mas é incontroverso que<br />
temos de unir esforços para fazer com que ela seja<br />
abolida em todo o mundo. Por isso andou bem a<br />
Presidência portuguesa ao inscrever nos seus<br />
propósitos a abolição da pena de morte. ■
O TEMPO E O MUNDO | DUARTE IVO CRUZ<br />
Três temas da UE.PT<br />
Trata-se da Presidência Portuguesa da União Europeia. Nesta época de novos<br />
e maravilhosos meios de comunicação escrita, a sigla tem razão de ser...<br />
Eos temas são o boicote da Polónia à iniciativa contra<br />
a pena de morte, a cimeira Portugal - África e o já<br />
chamado Tratado de Lisboa. Relativamente aos dois<br />
últimos, vale a imponderabilidade da própria periodicidade<br />
da revista. E constata-se que retomamos aqui assuntos<br />
e matérias que já têm sido versados em artigos próprios ou<br />
alheios, nas páginas da TL. Não perdem actualidade, tenham<br />
ou não ocorrido já.<br />
Ocorreu já, a comemoração, digamos assim, da política<br />
1. concertada de abolição da pena de morte. Mas como<br />
sabemos, houve que a deslocar do âmbito da UE para o<br />
âmbito do Conselho da Europa por “imposição” da Polónia.<br />
Mau sinal, mas sobretudo sinal insólito de uma política de<br />
desconfiança do actual Governo de Varsóvia face ao contexto<br />
comunitário. Reconhece-se a situação histórica e a conjuntura<br />
política da Polónia, que tem razões seculares para desconfiar<br />
dos vizinhos, tem razões, as mais honrosas, para afirmar<br />
a sua soberania e actua no estrito plano da legalidade comunitária<br />
- mas a verdade é que são cada vez mais difíceis as<br />
relações no âmbito de uma politica comunitária comum livremente<br />
aceite por Varsóvia, que aderiu espontaneamente e<br />
obviamente não vai sair...<br />
Diga-se que o problema é de somenos, mas não deixa de<br />
constituir, repita-se, mais uma sinalização de dificuldades que<br />
poderão surgir em assuntos substanciais. Cabe evidentemente<br />
a cada Estado Membro definir a sua política, mas o<br />
compromisso europeu implica adequações à política comum.<br />
Até parece ridículo escrevê-lo! Mas é assunto que será, à<br />
frente, retomado e em planos mais complexos e mais institucionais.<br />
Ainda por cima, e tal como João Aguiar recorda na<br />
ultima edição da TL, Portugal tem o formidável mérito<br />
histórico da primazia europeia na abolição da pena de morte:<br />
O que valeu o elogio de Vitor Hugo: “A Europa imitará<br />
Portugal”. A Polónia que tanto sofreu ao longo dos séculos e<br />
não aplica a pena de morte, precisaria de criar este pequeno<br />
mas altamente simbólico entrave?<br />
O PM português, no exercício da Presidência da UE, o<br />
2. Presidente da Comissão Europeia, que como sabemos é<br />
antigo PM português, e o Alto Comissário das Nações Unidas<br />
para os Refugiados, que como sabemos, é também antigo PM<br />
Português, manifestam-se categoricamente no sentido da con-<br />
veniência da realização da Cimeira UE - África prevista para<br />
Lisboa em Dezembro próximo. A referência, perfeitamente<br />
redundante, a nacionalidades, cargos e currículos, acima<br />
feita, serve para enfatizar o altíssimo nível e o prestígio pessoal,<br />
mas também nacional, da politica externa portuguesa.<br />
E o assunto assume maior destaque no plano das relações<br />
com África. Curiosamente, o trauma de termos sido o ultimo<br />
país a descolonizar, nas condições que se sabem e na sequencia<br />
de uma guerra que bem se conhece, não prejudica o papel<br />
histórico e politico da diplomacia portuguesa em muito mais<br />
países do que os cinco PALOPS: em parte porque, sobretudo<br />
na África a Sul do Sahará, a presença histórica e efectiva de<br />
Portugal e de portugueses, comerciantes, agricultores ou<br />
quadros superiores, é ainda hoje muito significativa.<br />
Ora bem: dos 27 Estados membros da UE, destaca-se neste<br />
contexto o Reino Unido, pelo seu contencioso directo e bilateral<br />
com o Zimbabwe, país com o qual, aliás, Portugal mantém<br />
relações diplomáticas a nível de Embaixador residente,<br />
justificadas inclusive pela presença de uma importante comunidade<br />
portuguesa. Ninguém de bom senso dirá que a<br />
posição do Governo de Londres é despicienda, ou que lhe faltam<br />
razões, que as tem e profundas. Mas se a UE for” seleccionar”<br />
os seus interlocutores africanos, ou de outras partes do<br />
mundo, em termos de abordagem global, teria muito que<br />
fazer... inclusive o Reino Unido, que mantém relações politicas<br />
e económicas com Países também muito pouco<br />
recomendáveis. É muito incómoda a presença de certos dirigentes,<br />
e é lamentável a ausência de outros, mas a UE tem<br />
uma politica própria e global, que Portugal, na Presidência terá<br />
de gerir em termos diplomáticos. E, tal como escreveu Pedro<br />
Cid na última edição da TL, a cimeira não pode ser uma oportunidade<br />
perdida.<br />
E finalmente o Tratado de Lisboa. Neste momento, nada<br />
3. podemos acrescentar par além das boas perspectivas da<br />
sua celebração no quadro da Presidência Portuguesa e, novamente,<br />
haverá que ponderar as razões de alguns Estados<br />
membros, nos quais se inclui novamente a Polónia, que de<br />
facto tem sido um parceiro agitado! É prematuro acrescentar<br />
nesta fase seja o que for, mas torna-se cada vez mais óbvia a<br />
necessidade de bom senso e sentido comunitário europeu, o<br />
que representa cedências de cada um dos Estados Membros,<br />
mas também respeito pela soberania de cada um deles.■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 31
VIAGENS NA HISTÓRIA | JOÃO AGUIAR<br />
A teimosia<br />
Desta vez, para realizarmos convenientemente a nossa viagem na História,<br />
seria preciso seguir o exemplo de Santo António ao produzir o milagre<br />
da ubiquidade — difícil, porque nenhum de nós é santo.<br />
Ou seja, teríamos de fazer várias viagens<br />
ao mesmo tempo. Para simplificar, proponho<br />
somente três incursões no passado,<br />
a primeira das quais a Massangano,<br />
no século XVII.<br />
Massangano fica na margem direita do rio Cuanza,<br />
em Angola. Tem uma inegável importância na história<br />
colonial, porque foi palco de vários combates. Mas o<br />
que interessa, aqui, é o período que vai de 1641 a 1648.<br />
Durante esses sete anos,<br />
Luanda esteve em poder dos<br />
holandeses, que passaram,<br />
na prática, a dominar Angola<br />
— mas não a totalidade do<br />
território: as autoridades portuguesas<br />
foram entrincheirar-se<br />
em Massangano, que<br />
se tornou a capital portuguesa<br />
de Angola. Em 1648, Salvador<br />
Correia de Sá expulsou<br />
os holandeses de Luanda e<br />
os portugueses de Massangano<br />
foram finalmente socorridos.<br />
Esta crónica não é um hino de louvor ao colonialismo<br />
(português ou holandês); mas a História não é<br />
alterável. O que quero salientar, aqui, é a furiosa persistência<br />
(a teimosia!) com que os portugueses se<br />
agarraram àquela praça empoleirada sobre o Cuanza.<br />
No princípio dos anos 70 (século XX, claro), visitei<br />
Massangano; e, mesmo então, a vista das ruínas —<br />
igreja, fortaleza, tribunal, enfim, os edifícios de uma<br />
administração reduzida mas decida a funcionar —<br />
era impressionante. Como puderam resistir naquela<br />
solidão, militarmente acossados de todas as partes e<br />
sujeitos às febres que levaram muitos deles? Que<br />
teimosia foi aquela?<br />
Segunda viagem: será breve, porque já me referi ao<br />
assunto em crónica anterior: o segundo cerco de Diu,<br />
em 1546. Durou seis meses e quando D. João de<br />
Castro pôde finalmente intervir e libertar a praça, já<br />
esta não era muito mais que uma grande ruína, mas<br />
32 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
onde ainda se combatia. De fins de Abril a <strong>Novembro</strong><br />
de 1546, os sitiados, homens e mulheres, combateram<br />
com raiva. Recusaram as propostas de rendição com<br />
honra, que lhes permitiriam partir levando os seus<br />
haveres. Não podemos, hoje, imaginar o que terão<br />
sido aqueles seis meses na fortaleza de Diu. Uma vez<br />
mais: teimosia!<br />
E a terceira viagem vai mais longe no tempo e é mais<br />
vasta no espaço: refiro-me a toda a história da implantação<br />
portuguesa no<br />
Oriente. Um historiador inglês<br />
bem conhecido, o Prof.<br />
Charles Boxer, dá-nos uma<br />
perspectiva de estrangeiro,<br />
que é sempre bom ter em<br />
conta quando é honesta (como<br />
é o caso), mesmo se por<br />
vezes algo incorrecta ou<br />
injusta. No seu livro «O<br />
Império Marítimo Português»,<br />
Boxer faz notar, com<br />
justeza, que se fala muito<br />
das conquistas portuguesas no Oriente, mas que fala<br />
pouco das várias tentativas falhadas que antecederam<br />
essas conquistas. E comenta, em substância, que os<br />
portugueses mostraram uma enorme tenacidade, uma<br />
enorme determinação (uma enorme teimosia!) na<br />
construção do seu império marítimo.<br />
Como o leitor compreendeu, era à teimosia<br />
que eu queria chegar com estas viagens.<br />
Ponhamos de lado as possíveis motivações<br />
e as explicações — bravura, força espiritual,<br />
sede de riquezas e de poder, ardor religioso,<br />
ganância, tudo isso esteve presente em proporções<br />
diversas, mas não é, aqui, o meu tema. O meu tema é<br />
a persistência, a coragem da teimosia que os portugueses<br />
mostraram em vários momentos da sua<br />
história, e não só nestes que acabo de referir. Como<br />
país e como povo, somos um caso de teimosia.<br />
E que falta ela nos faz, hoje…! ■
BOAVIDA<br />
CONSUMO<br />
Até que ponto os<br />
produtos biológicos vão<br />
de encontro às<br />
expectativas e<br />
preocupações dos<br />
consumidores?<br />
Pág. 34<br />
MÚSICAS<br />
Dois cd’s a reter: as<br />
melhores<br />
interpretações de Maria<br />
Callas e a banda<br />
original de “Fados”, de<br />
Carlos Saura.<br />
Pág. 39<br />
FILMES MEMÓRIA<br />
Saudavelmente<br />
polémico, o filme Fados<br />
é um mergulho<br />
apetecível na nossa<br />
secular e enevoada<br />
identidade<br />
Pág. 43<br />
INFORMÁTICA<br />
Tal como as<br />
capacidades trazidas<br />
pelo digital, os<br />
elementos à nossa<br />
disposição não param<br />
de se aperfeiçoar para<br />
melhoria da foto digital.<br />
Pág. 46<br />
LIVRO ABERTO<br />
Dois livros sobressaem:<br />
“Ler Como um<br />
Escritor”, de Francine<br />
Rose, e “Manual de<br />
Escrita Criativa II”, de<br />
Luís Carmelo.<br />
Pág. 36<br />
NO PALCO<br />
Em destaque: “Contos<br />
da Emigração”, na<br />
Barraca, e “Sweeney<br />
Todd”, no Teatro Aberto,<br />
em co-produção com o<br />
Teatro Nacional<br />
D.Maria II.<br />
Pág. 40<br />
À MESA<br />
São muitos os milhares<br />
de Portugueses com<br />
dificuldade em juntar<br />
dinheiro para preparar<br />
uma refeição de<br />
qualidade.<br />
Pág. 44<br />
AO VOLANTE<br />
Construtor envolvido na<br />
defesa do ambiente, a<br />
Peugeot fez a redução<br />
das emissões de gases<br />
com efeito estufa uma<br />
prioridade.<br />
Pág. 47<br />
ARTES<br />
Atenção, até 20 de<br />
<strong>Novembro</strong>, na Valbom,<br />
a uma exposição de<br />
João Vieira, uma<br />
referência da pintura<br />
portuguesa<br />
contemporânea<br />
Pág. 38<br />
CINEMA EM CASA<br />
Propostas para<br />
<strong>Novembro</strong>: “Ocean´s<br />
13” e “Zodiac”, para o<br />
grande público, e<br />
“Ararat” e “Para<br />
Sempre Mozart”, para<br />
cinéfilos mais atentos.<br />
Pág. 42<br />
SAÚDE<br />
De todas as<br />
localizações da zona,<br />
as que de longe podem<br />
ser mais perigosas são<br />
as que afectam a pele<br />
da face, junto aos olhos<br />
e ouvidos.<br />
Pág. 45<br />
PALAVRAS DA LEI<br />
A lei não atribui a<br />
natureza de parte<br />
comum apenas ao que,<br />
imperativamente, é<br />
descrito no artigo 1421<strong>º</strong><br />
do Código Civil.<br />
Pág. 48<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 33
BOAVIDA<br />
Consumo<br />
Produtos biológicos<br />
Um número crescente de consumidores opta pelos produtos de agricultura biológica. Questões de<br />
saúde, ambientais e alimentares estão na base desta preferência, mas até que ponto estes produtos vão<br />
de encontro às expectativas e preocupações dos consumidores?<br />
Carlos Barbosa de Oliveira<br />
Asegurança alimentar é<br />
uma das questões que,<br />
nesta primeira década do<br />
século XXI, coloca mais<br />
questões e levanta maiores problemas<br />
aos consumidores.<br />
Compreende-se que assim seja,<br />
porque a alimentação é a base da<br />
saúde e a indústria alimentar esconde<br />
ainda uma série de práticas, segredos<br />
e detalhes, cujos efeitos na<br />
saúde dos consumidores se desconhecem.<br />
O registo de alguns “incidentes” na<br />
cadeia alimentar ocorridos durante<br />
as duas últimas décadas tem também<br />
contribuído para agravar o sentimento<br />
da insegurança dos consumidores<br />
em relação ao que comem, o que<br />
resulta numa maior sensibilização<br />
das pessoas para as questões nutricionais.<br />
Simultaneamente, tem-se<br />
assistido a uma crescente procura,<br />
por parte dos consumidores, de produtos<br />
biológicos, considerados mais<br />
saudáveis e amigos do ambiente.<br />
A agricultura biológica distinguese<br />
de outros métodos de produção<br />
agrícola por manter – e até melhorar<br />
- a fertilidade e a actividade biológica<br />
dos solos através de práticas não<br />
poluentes. Uma vez que respeita os<br />
mecanismos ambientais de controlo<br />
de pragas e doenças e evita o uso de<br />
pesticidas sintéticos, herbicidas e fertilizantes<br />
químicos, hormonas de<br />
crescimento, antibióticos e manipulações<br />
genéticas, os seus efeitos estendem-se<br />
à pecuária, onde é dada<br />
particular atenção ao bem estar dos<br />
animais e à sua alimentação, que é<br />
feita na maioria das situações, essen-<br />
cialmente à base de produtos da<br />
própria exploração agrícola.<br />
Continuam a existir, porém, alguns<br />
obstáculos à comercialização e fidelização<br />
dos consumidores a estes produtos,<br />
que passo a enunciar.<br />
Ao contrário do que já acontece em<br />
muitos países europeus, a venda de<br />
produtos de origem biológica, nas<br />
grandes superfícies, tem uma dimensão<br />
quase irrisória em Portugal, não<br />
indo, aparentemente, ao encontro<br />
dos desejos e preocupações de quem<br />
os pretende adquirir. Os locais onde<br />
é possível encontrar maior variedade<br />
de produtos de venda são normalmente<br />
pouco convidativos para a<br />
maioria dos consumidores, que prefere<br />
fazer as suas compras naquelas<br />
catedrais do consumo cheias de<br />
arrebiques modernaços, onde as pessoas<br />
se acotovelam em amplas<br />
artérias com nomes soando a paraísos<br />
tropicais, ornamentadas de<br />
árvores cheirando a plástico, onde<br />
repousam pássaros de cântico electrónico,<br />
ao desafio com o rumorejar<br />
de fontes virtuais. Os consumidores<br />
não estão, na generalidade, abertos<br />
a fazer o esforço adicional de se<br />
deslocarem às lojas especializadas<br />
ou às cooperativas de produtores<br />
para aí comprarem os produtos<br />
biológicos, nem habituados<br />
a deslocar-se a mercados<br />
regulares em espaço aberto –<br />
como é o caso do que regularmente<br />
se realiza no Príncipe Real em Lisboa.<br />
Frequentemente, os consumidores<br />
declaram não optar pelos produtos<br />
biológicos por serem caros. O preço<br />
34 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> ilustração: André Letria
dos produtos biológicos (por vezes<br />
elevado se o compararmos, por<br />
exemplo, com refeições preparadas,<br />
alimentos précozinhados ou congelados)<br />
resulta do próprio modo de<br />
produção - custos com a certificação<br />
e mãodeobra adicional - e da extensão<br />
do circuito de distribuição, uma<br />
vez que os produtos biológicos passam<br />
por vários intermediários,<br />
desde os produtores até aos retalhistas,<br />
já que existe uma considerável<br />
dispersão geográfica dos produtores<br />
e é reduzida a expressão da quantidade<br />
produzida/transformada de<br />
produtos biológicos. Neste contexto,<br />
a implementação de circuitos de distribuição<br />
mais curtos (do produtor<br />
ao retalhista ou do produtor à central<br />
de compras do retalhista), permitirá<br />
reduzir, e muito, os preços dos<br />
produtos biológicos junto do consumidor<br />
final.<br />
Existe ainda outro obstáculo a<br />
ultrapassar, que se prende com o<br />
processo de certificação dos produtores.<br />
O problema tem sido ultrapassado<br />
através da venda directa a particulares<br />
de produtos ainda não certificados,<br />
mas cuja qualidade é assegurada<br />
por um técnico que acompanha<br />
a actividade dos produtores<br />
que estão em fase de conversão.<br />
Torna-se fundamental estimular os<br />
produtores, derrubando as barreiras<br />
do processo moroso de certificação e<br />
ajudá-los a escoar os seus produtos.<br />
Finalmente, a utilização abusiva<br />
por parte de várias marcas de produtos<br />
alimentares de termos como “<br />
bio”, ou “eco”, na denominação dos<br />
seus produtos - que não correspondi-<br />
am a qualquer propriedade biológica,<br />
mas eram apenas um engodo comercial<br />
- gerou grande confusão junto<br />
dos consumidores. A legislação<br />
europeia, aprovada em Julho, veio<br />
pôr alguma ordem e ajudar os consumidores<br />
a reconhecer este tipo de<br />
alimentos com mais fiabilidade, ao<br />
impor regras mais claras e transparentes<br />
na rotulagem e publicidade dos<br />
produtos provenientes da agricultura<br />
biológica. Para além de determinar<br />
que só os produtos que contenham,<br />
no mínimo, 95% de ingredientes<br />
biológicos poderão exibir o logotipo<br />
comunitário que os avaliza como<br />
sendo de facto biológicos, a legislação<br />
impõe a obrigatoriedade de indicação<br />
do local de produção e proíbe a utilização<br />
de organismo geneticamente<br />
modificados (OGM). ■
BOAVIDA<br />
Livro aberto<br />
Escrita Criativa, Shakespeare,<br />
Garcia Marquez e Aquilino<br />
É cada vez maior o número de pessoas que se interessam pelo universo da escrita criativa, por certo<br />
com o propósito de virem a tornar-se elas próprias escritoras e, em, muitos casos, de fazerem dessa<br />
actividade um modo de vida.<br />
José Jorge Letria<br />
Pessoalmente, nunca acreditei<br />
que estes cursos<br />
dessem talento a quem o<br />
não tem ou que transformassem<br />
em escritores pessoas com<br />
muito mais jeito para a agricultura<br />
ou para a enfermagem. No entanto,<br />
deve ser reconhecido que existem<br />
regras, princípios e métodos que,<br />
sendo ensinados por quem sabe e<br />
ilustrados com os exemplos certos,<br />
podem contribuir para que os interessados<br />
passem a escrever melhor<br />
e, sobretudo, a respeitar regras basilares<br />
e estruturantes. Quanto ao<br />
estilo, isso depois passa a ser assunto<br />
de cada um, já que mal andará<br />
quem na escrita criativa pretender<br />
moldar o estilo de quem ali está<br />
para aprender.<br />
Vêm estas considerações a propósito<br />
da edição recente de dois<br />
livros de qualidade para quem se<br />
interessa por esta matéria: “Ler<br />
Como um Escritor”, de Francine<br />
Rose, com a chancela da Casa das<br />
Letras, e “Manual de Escrita Criativa<br />
II”, de Luís Carmelo, com a<br />
chancela de Publicações Europa-<br />
América. No primeiro, uma professora<br />
da Universidade de Harvard<br />
familiariza-nos com os os truques e<br />
os tiques de estilo de alguns dos<br />
maiores escritores de sempre, fornecendo<br />
pistas fundamentais e elementos<br />
de referência para os atentos<br />
aprendizes da escrita criativa.<br />
36 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
No segundo, estamos perante o<br />
segundo volume de uma obra de<br />
grande fôlego e rigor académico<br />
assinada por um escritor com obra<br />
narrativa de qualidade e com um<br />
assinalável percurso de docência<br />
universitária. Portanto, para quem<br />
está interessado em saber como se<br />
escreve, para quem se escreve e de<br />
que modo se escreve, aqui ficam<br />
duas sugestões a ter em conta.<br />
“ATLAS DAS NUVENS”, de David<br />
Mitchell, da Dom Quixote, é um<br />
dos grandes livros de ficção publicados<br />
nos últimos anos a nível<br />
mundial. O autor viveu no Japão e<br />
reside agora na Irlanda, tendo este<br />
sido o seu quarto romance. Já muito<br />
premiado, citado e discutido, “Atlas<br />
das Nuvens” foi integrado na lista<br />
dos 1<strong>00</strong>1 melhores livros de todos<br />
os tempos, tendo sido finalista do<br />
prestigiante Booker Prize.<br />
APOSTA FORTE e de grande qualidade<br />
da Teorema é “Shakespeare –<br />
A Biografia”, do consgrado biógrafo<br />
Peter Akroyd. Estamos em presença<br />
de uma obra biográfica luminosa e<br />
de grande fôlego, que nos faz<br />
acreditar que Shakespeare existiu<br />
mesmo e que foi tão genial como<br />
reconhecemos que foi. Um livro<br />
que se lê como se de uma grande<br />
obra romanesca se tratasse, pois é<br />
escrito com um estilo brilhante e<br />
uma pujança narrativa inultrapassáveis.<br />
A não perder. Da mesma<br />
editora é o delicioso “Novas Aventuras<br />
do Menino Nicolau”, volume<br />
três, da dupla Goscinny e Sempé.<br />
Ainda com a chancela da Teorema e<br />
a reter pela qualidade são os seguintes<br />
títulos: “Angus – o Deus<br />
Celta do Amor e dos Sonhos”, de<br />
Alexander MacCall Smith, apeça de<br />
teatro “Pedro I”, de Manuel Poppe<br />
e o surpreendente e cativante exercício<br />
sobre a literatura que dá pelo<br />
título de “O Último Leitor”, obra de<br />
Ricardo Piglia, um argentino nascido<br />
em 1940 e há muito com créditos<br />
firmados.<br />
A Campo das Letras acaba de editar<br />
a obra-prima de Ruben Fonseca<br />
“A Grande Arte”, obra de referência<br />
da ficção brasileira das últimas<br />
décadas, e o ensaio “A Minha TV É<br />
um Mundo”, de Sara Pereira, sobre
a programação para crianças na era<br />
do ecrã global. Por seu turno, a Dom<br />
Quixote acaba de lançar “A Revoada”,<br />
o primeiro romance de Gabriel<br />
Garcia Marques, texto que evidencia<br />
as qualidades únicas que viriam<br />
a consagrar e a universalizar o grande<br />
escritor colombiano.<br />
Fernão Mendes Pinto é, sem dúvida,<br />
uma das figuras mais fascinantes<br />
da História e da literatura<br />
portuguesas, pela forma como deu<br />
testemunho do que foi o lado antiheróico<br />
da gesta descobridora e<br />
imperial. Por isso, deverá dizer-se<br />
que o livro “Fernão Mendes Pinto –<br />
um Aventureiro Português no Extremo<br />
Oriente”, do jornalista e<br />
investigador Fernando António<br />
Almeida, com a chancela da Câmara<br />
Municipal de Almada, é, pelo seu<br />
rigor analítico e narrativo, uma obra<br />
de leitura obrigatória para quem<br />
quiser, com o detalhe possível e não<br />
especulativo, conhecer o homem e o<br />
autor que escreveu “Peregrinação”<br />
no Pragal, mesmo do outro lado de<br />
Lisboa, numa quinta em que encontrou<br />
recolhimento e sossego para<br />
pensar e escrever. A não perder.<br />
No ano da comemoração do centenário<br />
do nascimento de Miguel<br />
Torga, mais dois oportunos lançamentos,<br />
com a chancela da Dom<br />
Quixote: “Vindima” e “O Senhor<br />
Ventura”, obras marcantes na bibliografia<br />
do escritor, tendo a segundo<br />
sido já adaptada ao cinema.<br />
“O RESTO É SILÊNCIO”, da Oficina<br />
do Livro, representa a oportunidade<br />
de o leitor português conhecer um<br />
dos maiores escritores latino-americanos<br />
do século XX. Refiro-me a<br />
Augusto Monterroso, distinguido<br />
com os prestigiados prémios Juan<br />
Rulfo e Príncipe das Astúrias. Nascido<br />
na Guatemala em 1921, Monterroso<br />
foi considerado o mestre<br />
absoluto do conto mínimo, por<br />
dominar com inexcedível mestria a<br />
técnica dos relatos breves. Este livro,<br />
no entanto, contém uma narrativa<br />
de maior fôlego. Nele se conta,<br />
através de testemunhos vários, a<br />
história de Eduardo Blas, cidadão<br />
de San Blas. Estamos em presença<br />
de uma verdadeira obra-prima da<br />
narrativa contemporânea. Merecedora,<br />
por todas as razões, da atenção<br />
e do interesse dos estudantes de<br />
escrita criativa e de todos os restantes<br />
leitores. A não perder.<br />
Também da Oficina do Livro e na<br />
onda das séries de televisão sobre<br />
médicos e hospitais, é “Serviço e<br />
Urgência”, de Conceição Queiroz, um<br />
conseguido trabalho de reportagem<br />
sobre esse mundo em que a cada hora<br />
se vive a experiência dos limites.<br />
ENTRE AS OBRAS de ficção narrativa<br />
portuguesas e estrangeiras<br />
recentemente lançadas contam-se:<br />
“Castelos de Cartão”(Dom Quixote),<br />
da espanhola Almudena Grande,<br />
“Em Silêncio Amor”, de Luís Soares,<br />
e “A Imperfeição do Mestre”, de<br />
Joaquim Mestre, ambos da Oficina<br />
do Livro, “Canário”, do mediático<br />
Rodrigo Guedes de Carvalho, pivot<br />
dos telejornais da SIC, “Ressurreição<br />
– O Evangelho Perdido”, de<br />
Tucker Malarkey, de Publicações<br />
Europa-América, e o breve e excelente<br />
“Requiem Por um Camponês<br />
Espanhol”, do espanhol Ramón J.<br />
Sender, um dos grandes narradores<br />
da Espanha contemporânea. Para<br />
quem gosta de livros sobre cães,<br />
recomenda-se “Copper-uma Vida<br />
de Cão”, de Annabel Goldsmith, em<br />
que um cão de sociedade narra na<br />
primeira pessoa as suas deliciosas e<br />
assombrosas aventuras assentes na<br />
relação com o mundo dos humanos.<br />
“Onde Fica o Sítio que nos Faz<br />
Falta?”, de Mário Bruno Cruz, é a<br />
mais recente aposta da Teorema na<br />
área da poesia.<br />
Chama-se “Aquilino Ribeiro – Um<br />
Genial Escritor Português”o livro de<br />
homenagem ao grande escritor<br />
cujos restos mortais foram agora<br />
trasladados para o Panteão Nacional.<br />
Neste livro editado pela AVIS –<br />
Associação para o Debate de Ideias<br />
e Concretizações Culturais em<br />
Viseu juntam-se testemunhos e depoimentos<br />
de destacados nomes da<br />
cultura, da política e da sociedade,<br />
todos eles destacando a importância<br />
do legado do autor de “A Casa<br />
Grande Romarigães”. ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 37
Rodrigues Vaz<br />
BOAVIDA<br />
Artes<br />
Expressionismos de João Vieira<br />
abrem nova temporada artística<br />
A abrir a nova temporada, a Galeria Valbom está a apresentar, até ao próximo dia 20, a exposição<br />
“Expressionismus”, de João Vieira, artista que se tornou numa referência fundamental<br />
na pintura portuguesa contemporânea.<br />
De novo, «O modo peculiar<br />
que João Vieira utiliza<br />
para construir narrativas,<br />
articuladas com outras<br />
práticas culturais e sociais, adquire<br />
sempre um festivo carácter performativo»,<br />
como escreveu Raquel Henriques<br />
da Silva a propósito da sua última<br />
exposição neste mesmo espaço.<br />
A exposição encontra-se estruturada<br />
em três núcleos: o primeiro<br />
apresenta “Os Quatro Elementos”,<br />
de reminiscências maçónicas, com o<br />
subtítulo “La Danse”, retoma depois<br />
as suas caligrafias sob o lema celebratório<br />
da “obra de arte na era da<br />
sua reprodutibilidade técnica”, com<br />
“Repetições”, e termina com a nova<br />
série “Caretos”, apresentando máscaras<br />
em três dimensões.<br />
O catálogo abre com um texto do<br />
artista que vale por todo um programa<br />
interventivo, e que é, antes de<br />
mais, uma atitude face ao actual<br />
panorama das nossas Artes Plásticas.<br />
OBRAS RECENTES<br />
DE PEDRO CABRITA REIS<br />
A Galeria Fernando Santos, Porto,<br />
apresenta, por seu lado, até ao próximo<br />
dia 10, uma exposição de obras<br />
recentes de pintura e escultura de<br />
Pedro Cabrita Reis, um dos nomes<br />
mais sonantes da arte portuguesa<br />
actual.<br />
Pedro Cabrita Reis iniciou o seu<br />
percurso artístico nos primeiros anos<br />
38 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Composição de João Vieira<br />
da década de oitenta. Como assinala<br />
João Pinharanda, este artista «Tem no<br />
desenho um referente técnico dominante<br />
– no sentido em que é no<br />
traçado das linhas que define a composição,<br />
as formas e os espaços das<br />
suas obras. E tem a pintura como território<br />
de afirmação – porque usa o<br />
tema da construção (construção-<br />
/desconstrução do mundo) como a<br />
sua base discursiva».<br />
A partir do final daquela década a<br />
sua carreira entra numa nova fase<br />
em que a escultura e a instalação se<br />
lhe apresentam como destino inevitávele<br />
o ajudam a entrar no mercado<br />
internacional ao mesmo tempo<br />
que se ia impondo a nível interno,<br />
para o que muito contribuiu a sua<br />
aposta decidida numa criação artística<br />
que foi sempre ousada a nível<br />
de formas.<br />
“THE CITY”, DE ALLEN JONES<br />
Conhecido como um dos principais<br />
representantes da Pop Art inglesa,<br />
ao lado de Peter Blake, David<br />
Hockney e Richard Hamilton, Allen<br />
Jones, cujas obras mais recentes<br />
podem ser vistas, até dia 8, na<br />
Galeria Antóno Prates, Lisboa,<br />
soube como eles evitar deliberadamente<br />
as severas críticas de algumas<br />
manifestações do modernismo, em<br />
prol de uma arte que era tanto visual<br />
como verbal, figurativa e abstracta,<br />
criação e apropriação, arte manual<br />
e produção em massa. Recorrendo<br />
a processos subtis e provocatórios,<br />
com muito sarcasmo e ironia<br />
à mistura, nas suas pinturas<br />
Allen Jones utiliza manequins femininos<br />
para denunciar a condição de<br />
mulher-objecto.<br />
FÉNIX (RE)NASCE NO ALENTEJO<br />
Entretanto, pintura de José Grazina<br />
e escultura de Carlos Ramos apresentam-se<br />
até dia 19, na Galeria<br />
Fénix, sita no Parque Industrial de<br />
Vendas Novas, apoiada por uma loja<br />
de artigos de restauração artística.<br />
José Grazina, natural de Redondo,<br />
é já senhor de um vasto curriculum<br />
apesar dos seus apenas 43 anos.<br />
Nesta mostra, continuam a observar-se<br />
as fisionomias, mais ou<br />
menos tímidas, características da<br />
obra deste autor, que se revelam por<br />
entre a atmosfera amena da sua pintura<br />
diáfana, cheia de leveza e<br />
encantamento. Carlos Ramos, por<br />
seu turno, continua a jogar com<br />
diferentes materiais de uma maneira<br />
tão lúdica como eficiente,<br />
apresentando uma escultura quase<br />
desprovida de volumes onde os<br />
“grafismos” são uma constante. ■
Vítor Ribeiro<br />
O fado segundo<br />
Carlos Saura<br />
”Fados” é o título do mais recente filme de Carlos Saura e é,<br />
simultaneamente, o título do CD entretanto editado, no qual se<br />
integra a banda sonora da fita.<br />
Um belo trabalho<br />
sobre o fado, em<br />
particular, e um<br />
importante contributo<br />
para o estudo da<br />
diáspora daquele género<br />
musical.<br />
Apaixonado pelos estilos<br />
musicais mais genuínos, o<br />
realizador espanhol concebeu<br />
anteriormente trabalhos<br />
sobre o flamenco e o<br />
tango. Faltava-lhe o fado,<br />
sobre o qual diz: “Cresci<br />
com ele, com a voz e a presença<br />
de Amália”. No que se<br />
refere ao filme explica: “Tratei de<br />
abrir novas perspectivas, aprofundar<br />
o espaço onde o fado se abre<br />
para o futuro”.<br />
De Portugal até ao Brasil, passando<br />
por Cabo Verde e pela Andaluzia,<br />
Carlos Saura cruza sonoridades,<br />
estabelece comparações, ora<br />
a solo, ora através de duetos surpreendentes,<br />
obrigando-nos a redescobrir<br />
o fado, muito para além<br />
dos limites que ancestralmente formatam<br />
o nosso imaginário musical<br />
colectivo.<br />
A lista de intérpretes escolhidos<br />
pelo cineasta evidencia o percurso<br />
destes “Fados”: Carlos do Carmo,<br />
Kola San Jon, Ricardo Rocha e<br />
Jaime Santos, Mariza, Toni Garrido,<br />
Camané, Catarina Moura, Cuca Roseta,<br />
Alfredo Marceneiro, Lila<br />
Downs, Argentina Santos, Brigada<br />
Victor Jara, Lura, Caetano Veloso,<br />
Chico Buarque de Holanda, Miguel<br />
Poveda, Vicente da Câmara, Maria<br />
da Nazaré, Ana Sofia Varela, Carminho,<br />
Ricardo Ribeiro e Pedro<br />
Moutinho.<br />
A propósito, Carlos do Carmo salienta:<br />
“A obra deste grande cineasta,<br />
que passa pela sua visão sobre<br />
o tango e o flamenco, seria incompleta<br />
se não passasse pelo fado; é<br />
um projecto de dimensão mundial”.<br />
Carlos Saura pretendia “ir mais<br />
além”. E conseguiu.<br />
A “ÚNICA” MARIA CALLAS<br />
Maria Callas morreu há 30 anos,<br />
ficando até hoje sem sucessora.<br />
“Única” é o título genérico do duplo<br />
CD recentemente editado entre<br />
BOAVIDA<br />
Músicas<br />
nós e no qual se integram 33 fantásticas<br />
interpretações da maior soprano<br />
de todos os tempos.<br />
Após a sua primeira apresentação<br />
no La Scala de Milão, em 1950, Maria<br />
Callas não mais deixou de impressionar<br />
multidões um pouco por<br />
todo o mundo, até 1965, ano em<br />
que abandonou os palcos.<br />
A vida de Maria Callas ficou também<br />
marcada por uma atribulada<br />
relação com o armador<br />
grego Aristóteles Onassis, que<br />
acabou por ser determinante<br />
na carreira da cantora.<br />
Na colectânea agora publicada,<br />
apresentam-se alguns<br />
dos principais desempenhos<br />
de Callas, designadamente<br />
em a “Tosca” e “Madame Butterfly”,<br />
assim como uma interpretação<br />
de “Casta Diva”,<br />
que a cantora representou<br />
cerca de 90 vezes ao longo da<br />
sua carreira.<br />
Além de obras de Verdi,<br />
Bizet e Rossini surgem-nos<br />
ainda actuações de Callas na<br />
Ópera de Paris, cidade onde<br />
morreu aos 53 anos, em Setembro<br />
de 1977. ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 39
BOAVIDA<br />
No Palco<br />
40 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Contos da Emigração<br />
Baseado em textos de vários autores portugueses, este espectáculo musical encenado<br />
pela Barraca, retrata várias das imensas histórias sobre a emigração portuguesa, ao longo<br />
de várias décadas, até 18 de <strong>Novembro</strong>.<br />
Maria Mesquita<br />
Os textos são de vários<br />
autores nacionais, entre<br />
eles João de Melo, Dias<br />
Melo, Ferreira de Castro,<br />
entre outros. Todos eles têm em<br />
comum o facto de falarem sobre<br />
uma das maiores características do<br />
nosso país, a emigração que sempre<br />
nos fez procurar uma nova vida<br />
noutro lugar.<br />
Nesta encenação em forma de<br />
musical “personagens reconhecíveis<br />
destes autores cruzam-se numa<br />
espécie de rede feita dos mais<br />
belos itinerários de emigrantes da<br />
nossa ficção. O espectáculo fala das<br />
aspirações, dos sacrifícios, das alterações<br />
de vida, das frustrações e<br />
dos triunfos, dos gostos, daquele<br />
grupo social que tanta riqueza económica<br />
trouxe ao nosso país.<br />
Da irrisão à emoção, actores e<br />
Contos da emigração<br />
público vão viajando de camioneta,<br />
de barco, de comboio e até num<br />
pau-de-arara sertanejo, experimentando<br />
sentimentos que certamente<br />
vão ajudar a conhecer melhor aquela<br />
gente que continua a ser os “outros”<br />
portugueses.” Falar desses<br />
“outros” portugueses era, desde há<br />
muito, projecto da Barraca.<br />
Como diz Maria do Céu Guerra,<br />
“Lá fomos, enganados, de camioneta<br />
com Olga Gonçalves e com ela rumámos<br />
de comboio para a Alemanha;<br />
fomos à guerra com João de Melo;<br />
fomos para a América com um clandestino<br />
a bordo, pela mão de<br />
Rodrigues Miguéis e com ele embarcamos<br />
num sonho americano; fomos<br />
à baleia com Dias de Melo à boleia de<br />
Melville; entrámos numa história<br />
negra com Manuela Degerine, num<br />
pesadelo xenófobo falado em<br />
francês. Por fim regalámo-nos a contrariar<br />
a “tragédia” da emigração com<br />
o texto mais engraçado do espectáculo.<br />
De como falar nunca tive dúvidas.<br />
Em primeiro lugar queria fazê-lo a<br />
várias vozes. Escolher histórias boas,<br />
que para mim são histórias onde há<br />
poesia, crueldade, verdade e contradição.<br />
Depois, olhar para elas com<br />
o meu olhar. O meu, aquele onde se<br />
caldeia o que sou com o que vi, aquele<br />
que não é de mais ninguém e isso<br />
basta para ser original.”<br />
SWEENEY TODD<br />
Mito urbano, história de terror<br />
macabra, realidade dos factos. Algo<br />
é certo, Sweeney Todd continua a<br />
assustar as pessoas, mesmo em<br />
forma de musical cómico, trazido<br />
outra vez aos palcos nacionais por<br />
João Lourenço e a sua equipa do<br />
Teatro Aberto, até dia 30 de<br />
Dezembro.<br />
Em co-produção com o Teatro<br />
Nacional D.Maria II, João Lourenço,<br />
Vera San Payo de Lemos, José Fanha<br />
e agora, com o apoio do Maestro<br />
João Paulo Santos, trazem 10 anos<br />
depois, com uma nova abordagem e<br />
encenação de palco o musical<br />
Sweeney Todd, segundo a versão<br />
de 1979 de Stephen Sondheim.<br />
Não se sabe ao certo se o tal barbeiro<br />
assassino existiu ou não, mas<br />
pensa-se que a sua lenda remonte ao<br />
século XV, com origem numa balada<br />
medieval francesa: um homem chamado<br />
Sweeney Todd, barbeiro de<br />
profissão que matava os seus clientes<br />
e que, com a ajuda de uma mulher,<br />
sua cúmplice, utilizaria os seus corpos<br />
para o recheio de empadas.
Sweeney Todd (Contra)Tempo<br />
Esta história foi transmitida de<br />
geração em geração, tomando principal<br />
relevância na então moralista<br />
sociedade britânica dos séculos<br />
XVIII e XIX, onde pôde ser comparada<br />
a Drácula de Bram Stoker,<br />
cujo principal objectivo, era, tal<br />
como com a lenda do barbeiro,<br />
retratar a sociedade da época, com<br />
toda a sua corrupção moral e capital.<br />
Sweeney Todd é, afinal mais uma<br />
vítima da violência que toma as ruas<br />
e as cidades, acabando por ele<br />
mesmo contar com a pena dos<br />
espectadores, devido às circunstâncias<br />
que o levam a matar – a injustiça<br />
e uma pena que o levam a afastar-se<br />
da mulher e da filha. A pergunta<br />
que se faz é se existe regeneração<br />
moral na sua “persona”, uma vez<br />
que atinge um estatuto de herói<br />
trágico. Contar a sua vida num<br />
musical não evita contudo os<br />
momentos mais bizarros, negros,<br />
cómicos e dramáticos que a mesma<br />
acarreta, o suspense e a surpresa<br />
estão lá, e nesta nova encenação, a<br />
contenção das interpretações e a caracterização<br />
expressionista, dão o<br />
tom duro que é necessário.<br />
A transposição para o século XX,<br />
tornou esta bizarria num dos muitos<br />
mitos urbanos, histórias que sendo<br />
impensáveis de ocorrerem, não são<br />
totalmente desprovidas de algum<br />
sentido, nem tão pouco são impossíveis<br />
de existir. Segundo João<br />
Lourenço, a história de Sweeney<br />
Todd permanece actual: “as diversas<br />
motivações para o exercício da justiça<br />
pelas próprias mãos, o poder, o di-<br />
FICHAS TÉCNICAS<br />
CONTOS DA EMIGRAÇÃO<br />
A partir de textos de Ferreira de<br />
Castro, José Rodrigues Miguéis,<br />
Dias de Melo, João de Melo,<br />
Manuela Degerine, Olga Gonçalves;<br />
Dramaturgia, Encenação e Espaço<br />
Cénico: Maria do Céu Guerra;<br />
SWEENEY TODD<br />
Ficha Técnica: de Stephen<br />
Sondheim; Libreto: Hugh Wheeler;<br />
baseado numa peça de Christopher<br />
Bond; Versão: João Lourenço | José<br />
Fanha | Vera San Payo Lemos;<br />
Dramaturgia: Vera San Payo De<br />
Lemos; Encenação: João Lourenço;<br />
Direcção Musical: João Paulo Santos;<br />
Cenografia: Jochen Finke; Figurinos:<br />
Renée Hendrix; Coreografia: Carlos<br />
Prado; Desenho de Luz: João<br />
Lourenço | Melim Teixeira; Solistas:<br />
Mário Redondo (Sweeney Todd) |<br />
Ana Ester Neves (Sra. Lovett) | Carla<br />
Simões (Johanna) | Carlos<br />
Guilherme (Bedel) | Henrique Feist<br />
(Tobias) | José Corvelo (Juiz Turpin)<br />
| Marco Alves Dos Santos (Anthony)<br />
| Sílvia Filipe (Mendiga) | Tiago<br />
Sepúlveda (Pirelli)<br />
(CONTRA)TEMPO<br />
De David Ives; Encenação: Paula<br />
Sousa; Tradução: Paulo Oom;<br />
Intérpretes: Maria d’Aires, Patrícia<br />
Bull, Paula Sousa, Paulo B., Rogério<br />
Jacques, Teresa Faria, Vítor Oliveira.<br />
nheiro, a vingança passional, temas<br />
que, infelizmente continuam na<br />
ordem do dia”, afirmando também,<br />
em jeito de conclusão: “Existe em<br />
Sweeney Todd aquela fórmula mágica<br />
que determinados espectáculos,<br />
de cinema, teatro ou música, têm:<br />
quem o viu, nunca mais o esquece!”<br />
(CONTRA)TEMPO<br />
A Teatroesfera volta à acção teatral<br />
este mês com a peça (contra)Tempo,<br />
do autor americano David Ives, numa<br />
série de curtas interpretações apostando<br />
no humor sobre a nossa vida quotidiana<br />
e sobre o mundo em que vivemos.<br />
O Teatroesfera foi tão feliz com<br />
David Ives, com o espectáculo Uma<br />
Questão de Timing (2<strong>00</strong>4) que o encena<br />
pela segunda vez revelando ao<br />
público novas peças curtas do que<br />
será talvez “o escritor mais engraçado<br />
da América de hoje”. O mundo,<br />
segundo David Ives, é um local muito<br />
estranho, e as suas peças constituem<br />
um teste virtual de stress à linguagem<br />
– e à capacidade de desorientação e<br />
prazer do público. “Teatro que põe o<br />
cérebro a fazer aeróbica e faz cócegas<br />
ao coração...”. Não há ninguém que<br />
escreva hoje e nos revele com tanta<br />
consistência e claridade o modo como<br />
vivemos e representamos as nossas<br />
pretensões. David Ives recebeu em<br />
1994 o prestigioso Outer Critics Circle<br />
Palyright Award por “All in the<br />
Timing”. Foi eleito – pelo New York<br />
Magazine – um dos 1<strong>00</strong> americanos<br />
mais inteligentes. Ives é um cómico<br />
mordaz que voltou a pôr teatra na<br />
escrita teatral.”. ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 41
BOAVIDA<br />
Cinema em casa<br />
Sérgio Alves<br />
OCEAN`S 13<br />
> Danny Ocean e o seu<br />
grupo só têm uma razão para<br />
mais um ambicioso e arriscado<br />
golpe – defender um dos<br />
seus. Quando<br />
Willy Bank, o<br />
implacável<br />
dono de um<br />
casino em<br />
Las Vegas,<br />
engana um dos membros<br />
originais da equipa (Reuben<br />
Tishkoff), Danny e os outros<br />
juntam-se uma vez mais,<br />
desta feita com o objectivo de<br />
esvaziar os cofres a Bank. Na<br />
noite de abertura da torre do<br />
novo casino, Ocean e o seu<br />
grupo vão magoar o orgulho<br />
de Bank, procurando que a<br />
torre não receba o prémio<br />
Cinco Diamantes.<br />
TÍTULO ORIGINAL: Ocean`s<br />
Thirteen REALIZAÇÃO: Steven<br />
Soderbergh COM: George<br />
Clooney, Brad Pitt, Matt<br />
Damon, Andy Garcia, Don<br />
Cheadle, Bernie Mac, Al<br />
Pacino, Ellen Barkin; EUA, cor,<br />
<strong>2<strong>00</strong>7</strong>,122m<br />
ZODIAC<br />
> Baseado em factos verídicos<br />
que marcaram a área da<br />
Baía de São Francisco,<br />
Zodíaco é um dos grandes<br />
filmes do ano. Enquanto um<br />
42 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Comercial e alternativo<br />
Dois filmes para o grande público e outros tantos<br />
para um circuito alternativo, são as novidades<br />
de agrado certo para o vasto universo<br />
cinéfilo. “Ocean´s 13” e “Zodiac”, películas<br />
assassino em série aterroriza<br />
a baía de São Francisco e<br />
ilude a polícia com as suas<br />
cifras e cartas, investigadores<br />
em quatro jurisdições procuram<br />
o homicida. O caso<br />
tornar-se-á uma obsessão<br />
para quatro homens à medida<br />
que as suas vidas e carreiras<br />
são construídas e<br />
destruídas pelo trilho interminável<br />
de pistas: um tímido<br />
cartoonista, Robert<br />
Graysmith; um jornalista<br />
cínico e experiente Paul<br />
Avery; um ambicioso inspector<br />
de homicídios,<br />
David<br />
Toschi e o seu<br />
parceiro, discreto<br />
e meticuloso,<br />
o<br />
Inspector<br />
William Armstrong.<br />
TÍTULO ORIGINAL: Zodiac<br />
REALIZAÇÃO: David Fincher<br />
COM: Jake Gyllenhaal, Mark<br />
Ruffalo, Robert Downey Jr.,<br />
Anthony Edwards, Chloë<br />
Sevigny, Brian Cox,<br />
EUA,cor,, <strong>2<strong>00</strong>7</strong>,158m<br />
ARARAT<br />
> O canadiano Atom<br />
Egoyan propõe-se filmar as<br />
memórias das suas raízes<br />
arménias e em particular a<br />
destruição do povo arménio<br />
pelo império turco durante a<br />
de registo assumidamente comercial foram êxito global,<br />
mas “Ararat” e “Para Sempre Mozart”, com menos êxito<br />
de bilheteira, são propostas de elevado mérito e qualidade<br />
para os amantes de um outro cinema.<br />
1<strong>º</strong>guerra mundial. Arshile<br />
Gorky pinta o retrato da<br />
mãe. O filme da vida de um<br />
realizador. Um adolescente<br />
de ascendência arménia<br />
tenta passar a fronteira e<br />
tenta também perceber os<br />
ideais que levaram o pai à<br />
morte. Uma rapariga está<br />
disposta a tudo para esclarecer<br />
a morte do pai. Uma<br />
professora de<br />
História<br />
serve-se da<br />
história de<br />
Gorky e do<br />
genocídio dos<br />
arménios para esquecer a<br />
sua própria história. Um<br />
actor interpreta um papel,<br />
sem medir as consequências.<br />
Há apenas uma história que<br />
têm em comum: a da<br />
Arménia… Em suma, um<br />
manifesto politico de cariz<br />
assumidamente pessoal e<br />
autobiográfico.<br />
TÍTULO ORIGINAL: Ararat;<br />
REALIZAÇÃO: Atom Egoyan<br />
COM: Arsinée Khanjian, Christ.<br />
Plummer, David Alpay, Elias<br />
Koteas, C. Aznavour, Marie-<br />
Josée Croze, Eric Bogosian,<br />
Bruce Grenwood.Canadá<br />
/França 2<strong>00</strong>2, 111m, cor<br />
PARA SEMPRE MOZART<br />
Jovens actores planeiam<br />
encenar uma peça em<br />
Sarajevo, local que a guerra<br />
transformou num inferno.<br />
Para além desta, há uma<br />
outra história onde um<br />
velho realizador faz um casting<br />
para um filme, com<br />
imensas dificuldades no<br />
meio de uma zona tão dilacerada…Quatro<br />
filmes que<br />
não formam forçosamente<br />
um, tal como os muros de<br />
uma casa tomados individualmente.<br />
De um filme ao<br />
outro, não encontramos<br />
mais que um<br />
realizador -<br />
melhor dizendo,<br />
um autor<br />
que explora<br />
ou que é<br />
explorado. O filme da<br />
intranquilidade, em que a<br />
guerra - o teatro das operações<br />
- persegue o teatro. E<br />
o cinema persegue a guerra,<br />
e tanto num como noutro,<br />
não se ligará importância<br />
aos actores que deverão,<br />
portanto, resgatar-se. Ficará<br />
a música. Mais uma vez é<br />
preciso saber virar a página<br />
da partitura - da vida.<br />
E marcar o compasso.<br />
TÍTULO ORIGINAL: Forever<br />
Mozart REALIZAÇÃO: Jean Luc-<br />
Godard COM: Madeleine Assas,<br />
Frédéric Pierrot, Ghalia Lacroix,<br />
Vicky Messica, Harry Cleven,<br />
França, cor, 80m,1996
Fernando Dacosta<br />
Uma canção portuguesa<br />
Saudavelmente polémico, o filme Fados é um mergulho apetecível na nossa secular<br />
e enevoada identidade<br />
Aideia revela-se excelente:<br />
fazer uma obra cinematográfica<br />
sobre a expressão<br />
musical que criámos,<br />
a partir da melancolia interior e<br />
errância exterior que nos caracterizam.<br />
Única no mundo, essa expressão<br />
musical acabou por receber<br />
o nome de fado, cantado nas tabernas<br />
de Lisboa por rufiões e prostitutas,<br />
e no bojo das naus por marujos<br />
e aventureiros; depois, a aristocracia<br />
seduziu-se por ele (a paixão do<br />
Conde do Vimioso e da Severa ganhou,<br />
no imaginário nacional, contornos<br />
mitológicos), o mesmo acontecendo<br />
com os estrangeiros de passagem<br />
e os turistas de veraneio.<br />
No fim da primeira metade do<br />
século XX uma jovem surgida dos<br />
bairros populares da capital imprimiu-lhe<br />
uma ascensão inimaginável<br />
que o universalizou, prestigiou,<br />
endeusou, através da sua voz,<br />
do seu magnetismo, da sua genialidade.<br />
Cineasta de excepção, o espanhol<br />
Carlos Saura teve o desejo de fixar<br />
(como fizera, na Argentina, com o<br />
Tango) a génese do fado no filme<br />
Fados – intitulado no plural.<br />
Sem adoptar um modelo cinematográfico<br />
rígido, o realizador misturou<br />
ficção com documentário, personagens<br />
reais com figuras encenadas,<br />
linguagens da sétima arte<br />
com narrativas do pequeno écran.<br />
Nomes angulares são, ao longo<br />
dos tempos, evocados e recortados<br />
fazendo sobressair os que se tornaram,<br />
vão tornando referências no<br />
Carlos Saura<br />
seu universo. Mariza, Carlos do<br />
Carmo, Argentina Santos, Ana Sofia<br />
Varela, a que se juntam os brasileiros<br />
Caetano Veloso e Chico Buarque<br />
fazem-se rostos desses fados –<br />
maneira subtil de unir, alargar<br />
espaços em elos de espirais intermináveis.<br />
O papel dos jovens intérpretes<br />
mostra-o com irreversibilidade.<br />
Do passado recente, alguns<br />
recebem a luz, a energia. Mariza<br />
repete de Amália (presente-ausente<br />
na obra de Saura) reportórios,<br />
roteiros (Carnegie Hall, Disney<br />
Concert Hall), vestidos (sedas pretas<br />
rodadas), reportórios, palmas,<br />
delírios, melancolias.<br />
Ser de excepção, Amália foi uma<br />
das pessoas mais (intuitivamente)<br />
inteligentes que tivemos na preservação<br />
da intocabilidade que a<br />
habitava. Consciente do poder da<br />
sua voz (Maria Callas, Edite Piaff e<br />
ela foram as maiores cantoras do<br />
século XX), cedo percebeu que<br />
necessitava de criar uma expressão<br />
própria para se impor. A facilidade<br />
BOAVIDA<br />
Filmes com memória<br />
com que, criança ainda, dominou o<br />
fado dos tugúrios gordurosos de<br />
Lisboa fê-la ambicionar mais. Compreendendo<br />
- lhe a excepcionalidade<br />
(nada existia de parecido na<br />
música internacional), sentindo-lhe<br />
a hipnose (o fascínio dos que o<br />
ouviam era flagrante), Amália comete<br />
a ousadia de reincarná-lo com<br />
outras (novas) vestes, espaços, conteúdos,<br />
expressividades, sonoridades,<br />
grandezas.<br />
Dominando-o com mestria dálhe,<br />
pela postura (altiva) do corpo e<br />
pela palavra (superior) que lhe<br />
imprime, “alturas de incenso”.<br />
A dolente «canção de Lisboa»<br />
tem, vislumbra-a e assume-a, uma<br />
originalíssima arquitectura de centelha<br />
operática.<br />
Duas pessoas tornam-se-lhe decisivas<br />
na metamorfose que enceta: Ilda<br />
Aleixo, estilista que criará, durante 30<br />
anos, os espantosos paramentos que<br />
lhe imprimem movimentos sacerdotais<br />
únicos (fulgurados por diamantes<br />
de divindade pagã), e Alain<br />
Oulman, compositor aristocrata que<br />
a põe a cantar Camões (e outros<br />
grandes poetas) ante a estupefacção<br />
de uma inteligentsia escandalizada e<br />
chã. O mundo inteiro, de Tóquio a<br />
Nova Iorque, venera-a. É uma diva.<br />
Faz-se a figura mais universal da<br />
nossa cultura, da nossa língua (com<br />
Pessoa e Saramago) no século XX.<br />
O filme de Saura, que não vai<br />
directamente por esse caminho,<br />
acaba, no entanto, por arquear-se<br />
ao peso da sua omissão – precisamente<br />
o mais visível do que tudo o<br />
que nele se vislumbra e lhe dá<br />
memória. ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 43
Pedro Soares<br />
BOAVIDA<br />
À mesa<br />
Contudo, é possível fazer<br />
refeições de grande qualidade<br />
nutricional, a<br />
baixo custo e apetecíveis<br />
para toda a família. Basta para tal<br />
juntar os alimentos correctos e nas<br />
devidas proporções. O objectivo é<br />
encontrar fontes baratas de proteína,<br />
qualidade no fornecimento<br />
energético e um balanço na ingestão<br />
de fibra, vitaminas e minerais. Para<br />
que tal aconteça é importante delinear<br />
quatro estratégias essenciais<br />
primeiro lugar, teremos<br />
que encontrar fornecedores<br />
de energia de<br />
1.Em<br />
qualidade que permitam<br />
o trabalho braçal e intelectual ao<br />
longo do dia e, ao mesmo tempo,<br />
sejam fornecedores adequados de<br />
substâncias protectoras. Esses produtos<br />
são relativamente baratos e<br />
fáceis de encontrar. São as leguminosas<br />
(feijão, grão, lentilha, ervilha<br />
que devem engrossar sopas e acompanhar<br />
os pratos), o pão integral ou<br />
de mistura (nas pequenas refeições<br />
ou mesmo a acompanhar o almoço<br />
e jantar), a batata mais a massa e o<br />
arroz pouco polido ou até integral.<br />
Existem hoje no mercado diversas<br />
variedades de pão mais escuro, de<br />
leguminosas, de massas e arrozes<br />
que permitem confeccionar pratos<br />
saborosos, com aromas variados<br />
ao longo da semana e<br />
a muito baixo custo. O<br />
consumo regular destes<br />
alimentos, permite ao<br />
organismo, e de forma fácil,<br />
44 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Poupar à mesa<br />
Os números divergem, mas são muitos os milhares de Portugueses que diariamente têm<br />
dificuldade em juntar dinheiro para preparar uma refeição de qualidade.<br />
obter glicose a qual é<br />
imprescindível para<br />
o funcionamento do<br />
sistema nervoso central,<br />
algumas células do<br />
rim e glóbulos vermelhos. Entre<br />
outras funções, o amido e a fibra<br />
presentes nestes produtos alimentares<br />
servem de alimento à flora<br />
intestinal prevenindo o aparecimento<br />
de diversos cancros do aparelho<br />
digestivo e trazendo benefícios<br />
consideráveis ao aparelho circulatório.<br />
segundo objectivo<br />
é encontrar fontes baratas<br />
de proteína da<br />
2.O<br />
mais alta qualidade<br />
que fazem crescer os mais pequenos,<br />
construir músculo de qualidade<br />
e lutar contra a doença. Estas<br />
encontram-se em dois grupos de<br />
alimentos baratos, o leite e seus<br />
derivados e os ovos. Sem leite…<br />
muito dificilmente existem ossos e<br />
dentes saudáveis. O leite é bom<br />
fornecedor de cálcio e vitaminas,<br />
em especial a Vit. A. Os ovos têm<br />
um equilíbrio extraordinário de<br />
aminoácidos essenciais. Por exemplo,<br />
um adulto que bebe 2 copos de<br />
leite por dia e ingere 1 ovo, apenas<br />
necessita de fazer uma pequena<br />
refeição de peixe ou carne (1<strong>00</strong>-<br />
125g) para obter a sua dose diária<br />
de proteínas de origem animal.<br />
terceiro objectivo é<br />
ingerir gordura de<br />
qualidade. Aqui entra<br />
3.O<br />
o azeite, um dos alimentos<br />
em que não vale a pena<br />
poupar na qualidade mas sim na<br />
quantidade. O azeite virgem deve<br />
ser utilizado para as sopas, saladas e<br />
para temperar e cozinhar. Os ácidos<br />
gordos e vitaminas presentes no<br />
azeite são muito importantes para<br />
as membranas das células e regulam<br />
diversos processos metabólicos no<br />
nosso organismo. Poupe-se<br />
na gordura perigosa dos<br />
folhados, pastéis e croissants<br />
e invista-se na gordura<br />
saudável do azeite…mas<br />
com parcimónia.<br />
quarto objectivo é o<br />
de encontrar (a preços<br />
reduzidos) e introdu-<br />
4.O<br />
zir na alimentação<br />
diária a maior quantidade possível<br />
de hortícolas e frutos. Na sopa, a<br />
acompanhar refeições e na sobremesa,<br />
de forma a se consumirem<br />
cerca de 4<strong>00</strong>g por dia<br />
destes alimentos, decisivos<br />
no controlo do<br />
peso e na prevenção<br />
das doenças oncológicas<br />
e vasculares que tanto nos<br />
afligem. Para encontrar a melhor relação<br />
preço /qualidade é importante<br />
consumir os vegetais da época e se<br />
possível não perder de vista tudo o<br />
que um quintal ou pequena horta<br />
de família ou vizinhança pode produzir.<br />
Depois é cortar o supérfluo alimentar,<br />
caro e de má qualidade nutricional<br />
(doces, refrigerantes excessivamente<br />
açucarados, bolos, folhados…)<br />
e investir na culinária saudável,<br />
inventiva e saborosa. Bom apetite<br />
e muito prazer a baixo custo. ■
M. Augusta Drago<br />
Oestado de má nutrição e<br />
tristeza em que vive diminui<br />
a sua imunidade<br />
e, leva a que tenha<br />
maior risco de contrair infecções.<br />
Uma tarde destas a Sra. B. pediu<br />
uma consulta com urgência e quando<br />
entrou no meu gabinete vi que<br />
estava pálida e mais combalida do<br />
que de costume. Contou que nos<br />
três dias que antecederam a consulta,<br />
tinha estado de cama, com febre,<br />
arrepios de frio, mal-estar geral e<br />
que naquele dia lhe aparecera uma<br />
dor nas costas, que mal conseguiu<br />
caracterizar, localizada num dos<br />
lados e com um “formigueiro” que<br />
vinha até à parte anterior do tórax.<br />
Na observação que fiz da doente<br />
verifiquei que no local onde dizia<br />
doer era visível uma zona avermelhada,<br />
com pequenas bolhas centrais<br />
cheias de líquido. A história da<br />
doente e esta observação são características<br />
da infecção pelo vírus herpes<br />
zóster.<br />
O vírus herpes zóster que, nas crianças,<br />
causa a varicela, fica depois<br />
da doença a residir no corpo<br />
humano (nos gânglios dos nervos<br />
espinais ou cranianos) e pode aí<br />
permanecer toda a vida, sem causar<br />
sintomas. Mas se, por qualquer<br />
razão, a imunidade diminui, (como<br />
no caso da Sra. B.) ele volta a manifestar-se<br />
e as lesões podem aparecer<br />
Herpes zóster:<br />
da varicela à zona<br />
com várias localizações, sempre nas<br />
zonas de influência dos nervos afectados.<br />
Estas apresentações são vulgarmente<br />
conhecidas por “zona”.<br />
Tal como a varicela das crianças,<br />
também a zona é muito contagiosa<br />
durante o período em que as vesículas<br />
(bolhas) estiverem com líquido.<br />
Só depois de todas as vesículas<br />
estarem “secas” é que deixa de ser<br />
contagiosa. Durante esse<br />
período, o doente não<br />
deve partilhar a roupa<br />
ou limpar-se com outras<br />
toalhas que não<br />
sejam as suas.<br />
De todas as localizações<br />
da zona, as<br />
que de longe podem<br />
ser mais perigosas são<br />
as que afectam a pele<br />
da face, junto aos olhos<br />
e ouvidos, porque se o<br />
nervo auditivo for afectado<br />
pode provocar a surdez<br />
permanente. Do mesmo modo se,<br />
por extensão da lesão, o vírus afectar<br />
os olhos, a córnea (parte anterior<br />
do olho) pode ulcerar e as estruturas<br />
subjacentes inflamarem. O<br />
resultado deste processo é o<br />
aparecimento de cicatrizes permanentes<br />
com consequente perda de<br />
visão.<br />
Para evitar estas situações extremas<br />
é preciso tratar o mais precocemente<br />
possível as lesões herpéticas<br />
da face, para o que existem medica-<br />
BOAVIDA<br />
Saúde<br />
A Sra. B. tem 68 anos e uma longa lista de problemas de saúde e não só. Aquele que mais a faz sofrer<br />
é viver sozinha. O marido morreu há mais de dez anos e os filhos, dois “rapazes”,<br />
moram longe e só raramente a vêm visitar. Uma das consequências do seu abandono é não se<br />
alimentar convenientemente. Habitualmente come bolos e bebe chá na pastelaria do bairro.<br />
mentos anti-virais eficazes, mas que<br />
só o médico deve receitar. Quando<br />
estão em perigo os órgãos da visão e<br />
da audição, é obrigatório consultar<br />
quer o otorrinolaringologista, quer<br />
o oftalmologista.<br />
A dor herpética é uma nevralgia,<br />
isto é, dói o nervo e a região onde<br />
ele se situa. Tem a característica<br />
de ser<br />
mal definida: O doente<br />
tem dificuldade<br />
em dizer como é<br />
esta dor. Dói ao mais<br />
leve toque na região<br />
afectada – se for na<br />
cabeça o doente não<br />
se consegue pentear.<br />
Esta dor causa frustração<br />
a médicos e doentes,<br />
porque não responde ao<br />
tratamento convencional da<br />
dor. Mesmo com uma abordagem<br />
específica, pode ser difícil<br />
debelar.<br />
A nevralgia herpética pode, por<br />
vezes, preceder a lesão ou não<br />
chegar a ser dor, o doente refere<br />
uma sensação de formigueiro na<br />
zona afectada. Há casos em que a<br />
dor se torna crónica, depois de<br />
terem sarado as lesões.<br />
Está provado que a melhor maneira<br />
de prevenir a nevralgia herpética<br />
é iniciar administração de<br />
medicamentos anti-virais na fase<br />
mais precoce da doença. ■<br />
medicofamilia@clix.pt<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 45
BOAVIDA<br />
Tempo informático<br />
Tal como as capacidades trazidas pelo digital, os elementos à nossa<br />
disposição não param de se aperfeiçoar para nos dar melhores<br />
fotografias digitais. As câmaras estão por aí, cada vez com maior<br />
qualidade e preços mais acessíveis. Melhorar as que tirámos<br />
eventualmente em férias torna-se cada vez mais fácil.<br />
Gil Montalverne<br />
Temos sempre referido<br />
aqui as novas<br />
versões do<br />
Adobe Photoshop,<br />
o software de edição de<br />
imagem mais utilizado pelos<br />
profissionais. Mas mesmo para esses e<br />
para os utilizadores mais exigentes<br />
porque não utilizar o Photoshop<br />
Lightroom que simplifica todas as<br />
operações essenciais para melhorar as<br />
fotografias? Pois é isso precisamente<br />
que ele faz. Até agora em versão Mac,<br />
a Adobe acaba de colocá-lo para<br />
Windows. O Software não substitui o<br />
Photoshop mas dá ao utilizador todas<br />
as ferramentas essenciais para efectuar<br />
uma enorme série de processos desde<br />
a importação, catalogação, manipulação<br />
e de tal modo que o ficheiro original<br />
é aquele que fica sempre arqui-<br />
As molduras<br />
digitais estão<br />
cada vez mais<br />
baratas<br />
Fotografia digital<br />
46 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
vado. As transformações são<br />
instruções que ficam guardadas<br />
podendo sempre aceder-se<br />
às múltiplas hipóteses<br />
criadas. E isto é extremamente<br />
importante e só possível<br />
com o Lightroom.<br />
“UMA FOTOGRAFIA jamais estará<br />
acabada no momento em que se pressiona<br />
o disparador da máquina”.<br />
Estas são palavras do fotógrafo<br />
Joel Santos no seu<br />
recente livro Fotografia<br />
Digital com Adobe Photoshop<br />
Lightroom editado<br />
pela Centro Atlântico. E<br />
de facto, tanto para amadores<br />
como profissionais,<br />
isto é verdade. Sempre assim foi na<br />
fotografia e mais ainda na digital. Joel<br />
Santos explica-nos neste livro que<br />
aconselhamos como se consegue<br />
neste novo software da Adobe chegar<br />
ao momento em que a imagem é<br />
de facto a que nos agrada, quer reproduza<br />
com exactidão aquilo que vimos<br />
ou melhoremos determinados aspectos<br />
que as condições ambientais não<br />
permitiam. Com exemplos práticos,<br />
seguidos passo a passo, Joel Santos<br />
explica, ensina e ajuda-nos a alcançar<br />
os nossos próprios objectivos. O<br />
Lightroom torna-se a ferramenta<br />
ideal para quem faz fotografia digital.<br />
EXISTEM muitas maneiras de mostrar<br />
as fotografias. E se antigamente<br />
se utilizavam em casa álbuns e as velhas<br />
molduras de família, hoje enviamo-las<br />
pela Net, fazemos slide-show<br />
no PC ou visionamos no televisor.<br />
Mas há mais. Já aqui falámos nas<br />
molduras digitais. Estão cada vez<br />
mais na moda e mais baratas. A marca<br />
AGFA, bem conhecida do<br />
tempo da fotografia clássica,<br />
apresenta pela mão da<br />
NetBit uma série de modelos<br />
que vão de 2 simples<br />
frontais intermutáveis,<br />
a slides-shows de<br />
álbuns em JPG, vídeo,<br />
leitor de cartões, MP3, comando<br />
remoto, etc. Consulte www.netbit.pt<br />
(Tel: 213 616 310). ■<br />
ajuda@gil.com.pt
Novo Peugeot 308<br />
Qualidade e eficácia<br />
Primeiro modelo de série da marca a inaugurar uma designação<br />
que termina com o algarismo 8, o 308 fez a sua entrada no mercado<br />
no passado mês de Setembro.<br />
Carlos Blanco<br />
OPeugeot 308 capitaliza<br />
sobre os pontos fortes do<br />
seu predecessor, do qual<br />
se venderam em seis<br />
anos mais de três milhões de<br />
unidades, graças ao seu conceito<br />
baseado numa arquitectura semi-elevada,<br />
a uma estética, uma habitabilidade,<br />
uma luminosidade e um comportamento<br />
unanimemente reconhecidos.<br />
Viatura de uma nova geração,<br />
o 308 cultiva os conhecimentos<br />
e desenvolve novos argumentos com<br />
benefício, nomeadamente, para<br />
eficácia ambiental e para a qualidade.<br />
Construtor envolvido na defesa do<br />
ambiente, a Peugeot fez a redução<br />
das emissões de gases com efeito estufa<br />
uma prioridade. Tal como acontece<br />
com os últimos modelos da<br />
marca, o 308 integrou, desde a sua<br />
concepção, todos os aspectos rela-<br />
cionados com a protecção do ambiente.<br />
Nesta perspectiva, foi dada<br />
uma atenção muito importante à<br />
aerodinâmica, de modo a optimizar<br />
as performances. O 308 apresenta<br />
uma resistência ao ar limitada (Scx de<br />
0,67 e Cx de 0,29), garantia de uma<br />
redução do consumo de combustível<br />
e das emissões de CO2.<br />
O 308 recebe seis motorizações,<br />
entre as quais três a gasolina de consumo<br />
moderado desenvolvidas em<br />
parceria com o BMW Group, e três<br />
diesel Hdi, uma das quais com um<br />
nível de emissões de 120g de CO2<br />
por quilómetro em ciclo misto.<br />
Para além das motorizações, os<br />
responsáveis pela concepção do 308<br />
utilizaram diferentes alavancas orientadas<br />
para uma acção eficaz a<br />
favor do ambiente. Assim, o 308 dispõe<br />
de uma caixa de velocidades<br />
manual assistida, de uma direcção<br />
assistida electro-hidráulica e, ainda,<br />
BOAVIDA<br />
Ao volante<br />
de pneus inéditos Michelin Energy<br />
Saver, que contribuem para uma<br />
redução significativa dos consumos<br />
e, em consequência, das emissões<br />
poluentes. Finalmente, a aplicação da<br />
directiva europeia relativa ao tratamento<br />
dos veículos em fim de vida<br />
traduziu-se por uma escolha de<br />
materiais que permitem a reciclagem<br />
ou a valorização de 99% do 308.<br />
A qualidade ocupou também uma<br />
posição central no dispositivo industrial<br />
implementado para a fabricação<br />
do 308, dando lugar a uma estratégia<br />
de lançamento em duas fases. Assim,<br />
a sua subida em cadência envolverá,<br />
num primeiro tempo, o coração de<br />
gama constituído pela versão de<br />
cinco portas e por quatro motorizações,<br />
antes de avançar, numa segunda<br />
fase, para a versão de três portas e<br />
para outras motorizações.<br />
Os preços deste novo modelo da<br />
marca do Leão, que vem substituir a<br />
série 307, situa-se entre os 19.630 e<br />
os 36.670 <strong>euros</strong>.<br />
O CARRO DO MÊS<br />
Este mês, o destaque vai para o modelo<br />
CEE’D da Kia, distinguido com<br />
5 estrelas nos testes de segurança do<br />
Euro NCAP. O CEE’D, com sete anos<br />
de garantia, é um carro que desafia<br />
todas as nossas expectativas. Com<br />
preços a partir dos 16.595 <strong>euros</strong>, o<br />
CEE’D, no seu modelo CRDi de<br />
1,6cc, 115 cavalos e velocidade máxima<br />
de 188 km/hora, tem um consumo<br />
médio de 4,7 litros. ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 47
BOAVIDA<br />
Palavras da lei<br />
Infiltração<br />
de água<br />
em Logradouro<br />
? Moro<br />
num condomínio com seis fracções para habitação.<br />
De acordo com a escritura de propriedade horizontal, os<br />
logradouros afectos às fracções do rés-do-chão são da propriedade<br />
exclusiva dos condóminos que aí moram. Esses<br />
logradouros têm uma parte de área que serve de cobertura a<br />
garagens na cave. Através do logradouro pertencente a um dos<br />
condóminos, que serve de terraço de cobertura na garagem, verificaram-se<br />
infiltrações de água das chuvas, sem que, no entanto,<br />
tenha havido qualquer negligência do proprietário da fracção<br />
do rés-do-chão. Alguns condóminos dizem que a reparação dos<br />
estragos devem ser imputados ao condómino proprietário do logradouro;<br />
também dizem que este último é quem tem o acesso<br />
exclusivo ao logradouro, o que não o caracteriza como sendo<br />
parte comum. Quem deve ser responsável pelas obras?<br />
Fernando Francisco Lopes, Sócio n.<strong>º</strong> 47229<br />
Pedro Baptista-Bastos<br />
Alei atribui a natureza de<br />
parte comum não só ao<br />
que, imperativamente, é<br />
descrito no artigo 1421<strong>º</strong> do<br />
Código Civil como tal, assim como,<br />
por outro lado, a tudo o que não esteja<br />
descrito na escritura de propriedade<br />
horizontal como pertença exclusiva<br />
de um condómino.<br />
Um logradouro ou um quintal são<br />
partes comuns de um edifício, de<br />
acordo com a al. a) do n.<strong>º</strong> 1 do art.<br />
1421<strong>º</strong> do C. Civil; no entanto, na escritura<br />
de propriedade horizontal pode<br />
afectar-se essa parte comum ao uso<br />
exclusivo de um condómino, que resida<br />
num rés-do-chão, como é o caso.<br />
Essa afectação é permitida de acordo<br />
com o artigo 1421<strong>º</strong>, n<strong>º</strong> 3 do C. Civil.<br />
Quem tenha a si afectada uma<br />
parte comum, um logradouro, para<br />
seu uso exclusivo está obrigado a<br />
mantê-lo e conservá-lo em bom estado.<br />
Assim, concluímos que a lei pode<br />
afectar ao uso exclusivo de um condómino<br />
uma parte comum do edifício,<br />
um logradouro, e que há uma<br />
obrigação, a cargo do condómino, de<br />
manutenção e conservação dessa<br />
parte comum.<br />
É imprescindível examinarmos<br />
sempre o título constitutivo da propriedade<br />
horizontal, de modo a termos<br />
a noção do seguinte: apesar do<br />
logradouro estar afectado a este<br />
condómino, ainda assim pode estar<br />
definido nesse mesmo documento<br />
como parte comum? Isto serve-nos<br />
para definirmos a imputação da responsabilidade<br />
por danos decorrentes<br />
de infiltrações ou ao condómino ou à<br />
administração. Desde já agradeço a<br />
este sócio o ter enviado o documento<br />
de propriedade horizontal.<br />
Da análise do mesmo, verificamos<br />
que o logradouro em causa é pertença<br />
para uso exclusivo do condómino<br />
residente do rés-do-chão, não<br />
estando definido como parte comum<br />
do edifício na escritura de propriedade<br />
horizontal.<br />
O condómino será o responsável<br />
pelas reparações das infiltrações, se<br />
lhe forem imputáveis, por negligência<br />
ou culpa na conservação do bom<br />
estado do logradouro.<br />
No entanto, não há qualquer culpa<br />
ou negligência imputáveis a este<br />
condómino, não violando, assim, a<br />
obrigação de manutenção do logradouro.<br />
Essas infiltrações podem ter<br />
ocorrido apesar da boa manutenção<br />
do logradouro feita pelo condómino<br />
residente no rés-do-chão, o que é natural;<br />
assim, tem que ser a administração<br />
a fazer as reparações de impermeabilização<br />
na garagem. ■<br />
48 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> ilustração: André Letria
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
11<br />
12<br />
13<br />
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15<br />
SOLUÇÕES<br />
1-QUIMERA; AMURADA. 2-ITEM; UNS; RENO. 3-AVES; ALOTA;<br />
SOTA. 4-DOM; TRATAIS; SEM. 5-ES; CR; SAS; IA; SA. 6-M; ORAI; S;<br />
ABRA; S. 7-PLAINO; PREDIZ. 8-P; ATRO; B; AROS; V. 9-EL; OE; ARU;<br />
IR; SE. 10-SIM; MALÁSIA; CAL. 11-EGAS; SISAL; CUBO. 12-ACOR;<br />
SAI; TIRO. 13-TREMULA; SAUDARA.<br />
Xadrez > por Joaquim Durão<br />
Do argentino Arnoldo Ellerman, com dezenas de prémios nos<br />
concursos de problemas de variadíssimos países, foi dos compositores<br />
mais brilhantes e super-activos no século passado. O que<br />
segue ganhou o 1<strong>º</strong>. Prémio do W. Morning and D. Gazette, 1934.<br />
AS BRANCAS JOGAM E DÃO MATE EM 2 LANCES<br />
Harry Nelson Pillsbury (5.12.<strong>187</strong>2 – 17.06.1906), depois de Paul<br />
Morphy e com Frank James Marshall, foi uma primeira grande<br />
figura do xadrez norte-americano no dealbar do século passado. A<br />
partida que segue ilustra um tema conhecido (o assalto ao roque<br />
através do sacrifício B x PTR+), mas com uma continuação menos<br />
corrente.<br />
Pillsbury-Judd, Saint Louis, 1899. Gambito de dama 1. d4 d5 2. c4<br />
e6 3. Cc3 b6 4. Cf3 Bb7 5. Bf4 Bd6 6.Bxd6 Dxd6 7.cxd5 Bxd5<br />
(Obviamente é sempre um risco entregar o centro. Melhor seria<br />
7….exd5) 8. e4 Bb7 9. Tc1 a6 10. Bd3 Ce7 11.0-0 0-0 (Parece tudo<br />
calmo e controlado, apenas com a supremacia branca no centro. E<br />
este vai ser o factor suficiente.) 12.e5 Dd8 (12…. Dc6?? 13. Be4 Cd5<br />
14. Cxd5 etc.) 13. Bxh7+ (O clássico assalto ao roque) Rxh7 (Se não<br />
tomar, Cg5 igualmente) 14. Cg5+ Rh6 (Se 14…. Rg8 15. Dh5 Te8 16.<br />
Dxf7+ Rh8 17. Dh5+ Rg8 18. Dh7+ etc.) 15. Dd2 Rg6 16. Ce2 !<br />
Cd5 (A exposição do rei preto é fatal e acabará rendido forçadamente)<br />
17. Dd3+! Rxg5 18. f4+ Rh6 19. Dh3+ Rg6 20. f5+ exf5 21.<br />
Txf5 Th8 22. Dg4+ Rh7 23. Txf7 e as pretas rendem-se pois o mate<br />
é impossível de parar. 23. Dg8 ou 23. Tg8 24. Dh5++.<br />
50 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
PASSATEMPOS CLUBE TEMPO LIVRE<br />
Palavras Cruzadas > por Tharuga Lattas<br />
Horizontais: 1-Ilusão; Parte interior da borda que serve de parapeito<br />
ao navio. 2-O mesmo; Certos; Rio da Europa norte-ocidental. 3-Uma<br />
das divisões dos vertebrados; Lota; Dama. 4-Aptidão; Cuidais;<br />
Excepto. 5-Pertences; Cromo (s.q.); Senhoras; Caminhava; Sua. 6-<br />
Rezai; Angra. 7-Planície; Vaticina. 8-Escuro; Argolas. 9-0; Símbolo de<br />
unidade electromagnética; Sapo do Amazonas; Sair; Igreja episcopal.<br />
10-Anuência; País do sudeste-asiático; Óxido de cálcio. 11-Nome<br />
pessoal masculino; Nome de uma planta vulgar, própria das regiões<br />
quentes, muito utilizada na indústria de tecidos grosseiros;<br />
Hexaedro regular. 12-Azedume; Ausenta-se; Detonação. 13-Que<br />
treme; Cumprimentara.<br />
Verticais: l-Paro-real; Avalie. 2-Avoz do lobo e de outras feras; Atar. 3-<br />
O mesmo; Remoinho de água; Enfade (fig.). 4-Período de tempo;<br />
Vila portuguesa do distrito de Portalegre; Ruído. 5-Prep. de “lugar”;<br />
Atraiçoarem; Ruténio (s.q.). 6-Aspecto; Filha de Cadmo e de<br />
Harmónia e mulher de Atamas, rei de Tebas; Carta de jogar de uma<br />
só pinta. 7-Liçoes; Aplana. 8-Apontamentos; Carvão incandescente.<br />
9-Hastes; Trajais, 10-Nesse lugar; Lavra; Suf. nom. de origem latina,<br />
designativo, sobretudo, do “lugar onde os animais se recolhem”. 11-<br />
Antiga cidade da Caldeia, pátria de Abraão; O maior território da<br />
Ásia setentrional; Tratamento familiar. 12-Velhaco; Paixão; Guerreiro<br />
valente (fig.). 13-Aniversário; Lamentos; Pároco. 14-Marecimentos<br />
(fig.); Paladar. 15-Patroas; Pele de cordeiro com a sua lã.<br />
SOLUÇÕES<br />
Interessantíssima chave de sacrifício singelo 1.<br />
Db4 ameaçando 2. Db8 mate; se 1…. Bxb4, 2.<br />
Bg3++; se 1…. Cxe6 2. Cd7++; se 1…. Cb5<br />
2.Df4++
Este cupão só é válido na compra<br />
de 1 livro constante da nossa secção<br />
“ Novos livros ”, onde está incluído<br />
o preço de venda ao público<br />
(PVP) e respectiva Editora<br />
Clube<br />
TempoLivre<br />
Este cupão só é válido na compra<br />
de 1 livro constante da nossa secção<br />
“ Novos livros ”, onde está incluído<br />
o preço de venda ao público<br />
(PVP) e respectiva Editora<br />
Clube<br />
TempoLivre<br />
NOTA: os cupões para aquisição de Livros são válidos até ao final do ano de <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
DESCONTO<br />
2,74<br />
Euros<br />
VALIDADE<br />
31de Dezembro/<strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
DESCONTO<br />
2,74<br />
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VALIDADE<br />
31de Dezembro/<strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
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de 1 livro constante da nossa secção<br />
“ Novos livros ”, onde está incluído<br />
o preço de venda ao público<br />
(PVP) e respectiva Editora<br />
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de 1 livro constante da nossa secção<br />
“ Novos livros ”, onde está incluído<br />
o preço de venda ao público<br />
(PVP) e respectiva Editora<br />
CUPÕES CLUBE TEMPO LIVRE<br />
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31de Dezembro/<strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
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31de Dezembro/<strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
Remeter para<br />
Clube Tempo Livre –<br />
LIVROS, Calçada de<br />
Sant’Ana n<strong>º</strong> 180 –<br />
1169-062 Lisboa, o<br />
seguinte:<br />
● Pedido, referenciando<br />
a editora e o título<br />
da obra pretendida;<br />
● Cheque ou Vale dos<br />
Correios, correspondente<br />
ao valor (PVP)<br />
do livro, deduzindo<br />
2,74 <strong>euros</strong> de desconto<br />
do cupão.<br />
● Portes dos Correios<br />
referente ao envio da<br />
encomenda, com<br />
excepção do<br />
estrangeiro, serão<br />
suportados pelo Clube<br />
Tempo Livre. Em caso<br />
de devolução da<br />
encomenda, os custos<br />
de reenvio deverão ser<br />
suportados pelo<br />
associado.
CLUBE TEMPO LIVRE NOVOS LIVROS<br />
EDITORA ULISSEIA<br />
A MARCA DO DIABO<br />
Rennie Airth<br />
344 pg. | 21,49 (PVP)<br />
Um brilhante inspector da<br />
Scotland Yard está<br />
reformado e desfruta de<br />
uma pacata existência no<br />
campo. Mas é subitamente<br />
perturbado por uma<br />
descoberta macabra: nos<br />
campos que cercam a sua<br />
casa jaz o corpo destroçado<br />
de uma menina da aldeia,<br />
brutalmente assassinada.<br />
Convencido que não se<br />
trata de um crime isolado,<br />
as evidências apontam para<br />
um suspeito ligado às redes<br />
de espionagem<br />
internacional.<br />
EDITORIAL PRESENÇA<br />
OS GUARDIÃES DO<br />
CREPÚSCULO<br />
Serguei Lukiánenko<br />
352 pg. | 20 (PVP)<br />
Anton, Guardião da Noite,<br />
regressa sozinho a Moscovo<br />
para passar calmamente o<br />
último dia férias, quando<br />
recebe um telefonema do<br />
chefe, Guesser. Uma carta<br />
anónima denunciara que<br />
um Ser Diferente revelou a<br />
um humano a existência da<br />
sua espécie e se prepara<br />
para pôr em prática o até aí<br />
impensável acto de<br />
transformar um humano<br />
num Ser Diferente, o que<br />
ameaça todos os reinos da<br />
Penumbra. Agora Anton<br />
tem pela frente um delicado<br />
trabalho de detective, para<br />
investigar todos os<br />
possíveis suspeitos,<br />
humanos ou não<br />
UMA ESCOLHA POR<br />
AMOR<br />
Nicholas Sparks<br />
256 pg. | 18 (PVP)<br />
Passado na costa da<br />
Carolina do Norte, o livro<br />
aborda as consequências<br />
de diversas escolhas feitas<br />
por Travis Parker, um<br />
veterinário, e pela sua<br />
vizinha Gabrielle Holland,<br />
assistente médica. Travis<br />
levava uma vida tranquila<br />
até Gaby fazer parte dela. E<br />
o mesmo se poderá dizer de<br />
Gaby que mantinha uma<br />
relação de longa data com o<br />
namorado até se apaixonar<br />
perdidamente por Travis.<br />
A MORTE DE THEO VAN<br />
GOGH<br />
Ian Buruma<br />
208 pg. | 15 (PVP)<br />
O cineasta holandês Theo<br />
van Gogh foi surpreendido<br />
por um jovem muçulmano<br />
que disparou sobre ele em<br />
plena luz do dia numa rua<br />
de Amesterdão, em 2<strong>00</strong>4. O<br />
motivo mais óbvio, o filme<br />
Submission, considerado<br />
uma ofensa ao Islão. Ian<br />
Buruma rumou então ao<br />
país que se orgulhava de<br />
ser o modelo da tolerância e<br />
do multiculturalismo e<br />
apresenta um retrato<br />
recheado de contradições,<br />
um microcosmos dos<br />
grandes desafios que se<br />
apresentam às sociedades<br />
do século XXI.<br />
EUROPA-AMÉRICA<br />
A BELA DIETA DA<br />
INFIDELIDADE<br />
Lou Harry e Eric<br />
Pfeffinger<br />
296 pg. | 19,99 (PVP)<br />
Três casais partilham o<br />
mesmo problema: os<br />
maridos pesam mais de 130<br />
quilos e nem tudo é uma<br />
questão de músculos.<br />
Preocupadas, as esposas<br />
congeminam um plano para<br />
os pôr na linha. Se<br />
conseguirem emagrecer<br />
uns bons quilos poderão<br />
passar a noite com uma<br />
prostituta de luxo. É claro<br />
que é pura invenção, mas,<br />
à medida que os maridos<br />
começam a perder os<br />
quilos, as mulheres iniciam<br />
uma busca frenética para<br />
encontrar a prostituta ideal.<br />
COPPER – UMA VIDA DE<br />
CÃO<br />
Annabel Goldsmith<br />
2<strong>00</strong> pg. | 15,50 (PVP)<br />
Uma divertida história de<br />
um herói canino que conta<br />
suas assombrosas<br />
aventuras, amores e, claro,<br />
a vida na alta sociedade.<br />
Copper não era um cão<br />
vulgar. Por vezes descarado<br />
mas sempre encantador,<br />
carismático e com uma<br />
propensão para arranjar<br />
sarilhos, este sábio rafeiro<br />
— ou cruzado, como ele<br />
preferia — teve uma vida<br />
impressionante.<br />
RESSUREIÇÃO – O<br />
EVANGELHO PERDIDO<br />
Tucker Malarkey<br />
348 pg. | 23,90 (PVP)<br />
A obra baseia-se em<br />
acontecimentos actuais<br />
envolvendo os Evangelhos<br />
Perdidos de Nag Hammadi.<br />
Suprimidos por oficiais da<br />
Igreja, estes textos<br />
sagrados desapareceram há<br />
quase dois mil anos e foram<br />
redescobertos<br />
inesperadamente no<br />
deserto a sul do Cairo, nos<br />
anos de 1940. À volta<br />
destes decorreram notáveis<br />
acontecimentos e a autora<br />
teceu um emocionante e
excitante conto de amor e<br />
guerra, religião e<br />
assassinatos.<br />
O MANUAL PERDIDO DE<br />
INSTRUÇÕES PARA A<br />
VIDA<br />
Joe Vitale<br />
2<strong>00</strong> pg. | 18,98 (PVP)<br />
Repleto de lições de vida, o<br />
autor usa o humor e<br />
pequenos episódios<br />
divertidos para apresentar<br />
passos práticos que os<br />
leitores podem dar para<br />
tomar o controlo das suas<br />
vidas, vencer todos os<br />
obstáculos e encontrar a<br />
realização plena.<br />
ROMA EDITORA<br />
NOVO MEMORIAL DO<br />
ESTADO APOSTÓLICO –<br />
PRIMEIRA CRÓNICA DOS<br />
LÓIOS<br />
Paulo de Portalegre<br />
240 pg. |15 (PVP)<br />
É uma narrativa<br />
memorialista sobre os<br />
primórdios de uma das<br />
congregações religiosas<br />
mais inovadoras e<br />
importantes do séc. XV: a<br />
Congregação de São João<br />
Evangelista, cujos membros<br />
eram vulgarmente<br />
conhecidos por Lóios. Uma<br />
fonte de grande importância<br />
histórica e cultural, até<br />
agora inédita, que contribui<br />
para os conhecimentos de<br />
reforma eclesiástica do séc.<br />
XV, nos quais os Lóios<br />
surgem como uma original<br />
família religiosa que<br />
estabelece relações<br />
culturais e institucionais<br />
com os reformistas italianos.<br />
GRAMÁTICA HISTÓRICA<br />
Liberto Cruz<br />
140 pg. | 10 (PVP)<br />
Não é uma gramática no<br />
sentido exacto do termo. É<br />
mais um inteligente -<br />
porque acutilante num<br />
tempo em que a repressão<br />
e a censura reinavam - jogo<br />
de palavras fonético,<br />
morfológico, sintáctico e<br />
semântico. Que dá gosto<br />
jogar, também nos dias de<br />
hoje, quer pelo seu fino<br />
recorte irónico, quer pelo<br />
seu lado intemporal.<br />
A obra publicada em 1971,<br />
assinada por Álvaro Neto, é<br />
o retrato do país e a sua<br />
leitura distrai e faz pensar.<br />
TEXTO EDITORA<br />
A MINHA DOR TEM O TEU<br />
NOME<br />
Hanife Gashi<br />
272 pg. | 16.99 (PVP)<br />
Hanife Gashi cresce feliz no<br />
Kosovo e conhece o destino<br />
de muitas mulheres<br />
muçulmanas: um<br />
casamento arranjado pelos<br />
pais que representa o fim<br />
dos seus sonhos. Após fuga<br />
por questões politicas para<br />
a Alemanha tira a carta de<br />
condução e um curso de<br />
alemão, actos que lhe<br />
valem abusos físicos por<br />
parte do marido.<br />
Entretanto, a oposição feroz<br />
do marido ao namoro da<br />
filha de 16 anos traz<br />
consequências ainda mais<br />
trágicas.<br />
O PINÁCULO<br />
William Golding<br />
208 pg. | 16,99 (PVP)<br />
O Deão Jocelin tem uma<br />
visão: Deus escolheu-o para<br />
erigir um magnificente<br />
pináculo na sua catedral. O<br />
pedreiro encarregado da<br />
obra desaconselha-o<br />
fortemente, pois a velha<br />
catedral foi construída sem<br />
fundações. Mesmo assim, o<br />
pináculo ergue-se, octógono<br />
sobre octógono, cume sobre<br />
cume, até os pilares<br />
começarem a estremecer e<br />
o solo a afundar.<br />
OSSOS PERDIDOS<br />
Kathy Reichs<br />
288 pg. | 19,99 (PVP)<br />
Nos sombrios dias de<br />
Dezembro, Temperance<br />
Brennan viaja até Montreal<br />
para testemunhar como<br />
perita num julgamento por<br />
homicídio. Devia estar a<br />
rever os seus<br />
apontamentos, mas, em vez<br />
disso, está a escavar na<br />
cave de uma pizaria. E<br />
agora, os restos mortais de<br />
três jovens mulheres são<br />
postos a descoberto. Como<br />
vieram aqui parar? Quando<br />
morreram?<br />
SINAIS DE FOGO<br />
TOP 1<strong>00</strong> REMÉDIOS<br />
CASEIROS<br />
Sarah Merson<br />
128 pg. | 14,45 (PVP)<br />
Um valioso compêndio de<br />
sabedoria e conhecimentos<br />
tradicionais que revela<br />
como remédios<br />
consagrados pelo tempo<br />
podem melhorar o nosso<br />
bem-estar.<br />
Propriedades curativas de<br />
1<strong>00</strong> tratamentos naturais<br />
experimentados e testados<br />
ao longo dos séculos com<br />
receitas fáceis e baratas de<br />
chás, emplastros e de<br />
tratamentos alimentares.<br />
Venha descobrir como o chá<br />
de mirtilo pode aliviar a<br />
tosse e a guacamole<br />
controlar o nível de<br />
colesterol.
CLUBE TEMPO LIVRE ROTEIRO<br />
BEJA<br />
Cultura<br />
FEIRA: dias 1 a 4 – feira dos<br />
Santos em Alvito; dias 9 a<br />
11 - RuralBeja no Parque de<br />
Feiras e Exposições, em<br />
Beja.<br />
BRAGA<br />
Cultura<br />
ESPECTÁCULOS: dia 10 às<br />
21h – Festival de Folclore do<br />
R. Folclórico da Casa do<br />
Povo de Calendário, em<br />
Famalicão; dia 10 às 22h -<br />
O Conjunto Típico “Estrelas<br />
de S. Vicente” de Fafe, em<br />
Escudeiros; dia 17 às 21h45<br />
- Conjunto de Guitarras de<br />
Manuel Lima na Grande<br />
Noite do Fado, no Parque de<br />
Exposições de Braga.<br />
CINEMA: dia 9 às 21h na<br />
Casa do Povo de Apúlia; dia<br />
13 às 15h na Casa do Povo<br />
de Fermentões; dia 16 às<br />
21h no Centro Cultural de<br />
Moreira Cónegos; dia 23 às<br />
21h Centro Rec. Cult.<br />
Campelos; dia 29 ás 21h na<br />
Assoc. Cult. Valdosende;<br />
dia 30 às 21h na Casa do<br />
Povo de Apúlia.<br />
CURSOS: Danças de Salão e<br />
Latino Americanas, Artes<br />
Decorativas, Bordados<br />
Regionais, Tapeçarias de<br />
Arraiolos, Canto, Teatro,<br />
Reciclagem Artística e<br />
Costura, Pintura e Viola<br />
Clássica na Delegação.<br />
Desporto<br />
FUTEBOL: sáb. e dom. -<br />
várias Jornadas<br />
ATLETISMO: dia 5 e 11 às<br />
10h – provas de Corta-<br />
Mato, em Guimarães; dia 25<br />
- Provas Especiais de<br />
Estrada, 27<strong>º</strong> G.P. Candoso S.<br />
Tiago em Guimarães.<br />
ANDEBOL: dia 9 – Torneio<br />
de Outono em Guimarães.<br />
54 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
DAMAS: dia 28 –<br />
Campeonato Nacional<br />
Equipas, informações na<br />
Delegação<br />
GINÁSTICA: Classes na<br />
Delegação de Braga e<br />
Pavilhão de Guimarães.<br />
JUDO: Classes de Infantis,<br />
Juvenis e Adultos na<br />
Delegação.<br />
COIMBRA<br />
<br />
Roteiro <strong>Inatel</strong> de actividades culturais e desportivas<br />
Cultura<br />
MÚSICA: dia 3 às 21h30 -<br />
Tuna Mouronhense no<br />
Centro Comunitário Dr.<br />
Jaime Ramos em Miranda<br />
do Corvo e Coro dos<br />
Pequenos Cantores de<br />
Coimbra no Seminário<br />
Maior de Coimbra; dia 4 às<br />
16h - Jazz pelos Dixie<br />
Gringos Jazz Band no<br />
Centro Comunitário Dr.<br />
Jaime Ramos em Miranda<br />
do Corvo; dia 21 às 21h30 -<br />
Coro dos Professores de<br />
Coimbra na Casa<br />
Municipal da Cultura de<br />
Coimbra.<br />
EXPOSIÇÃO: até ao dia 16 -<br />
Fotografias do “Concurso<br />
de Fotografia a Monsenhor<br />
Nunes Pereira” na Casa<br />
Municipal da Cultura de<br />
Coimbra; dia 28 às 17h -<br />
Inauguração da Exposição<br />
bio-bibliográfica e iconográfica<br />
em homenagem a<br />
Monsenhor Nunes Pereira<br />
em Côja.<br />
MESA REDONDA: dia 3 -<br />
Apreciação crítica da obra<br />
do artista Nunes Pereira na<br />
Galeria Almedina em<br />
Coimbra<br />
TEATRO: 22<strong>º</strong> Ciclo de Teatro<br />
de Outono, Projecto<br />
Tchéckov em um Acto,<br />
informações na Delegação<br />
CURSOS: Viola/Violino,<br />
Bandolim/Cavaquinho,<br />
Acordeão/Concertina,<br />
Órgão/Piano, Sopros (diver-<br />
sos) e Formação Musical, na<br />
Delegação.<br />
GUARDA<br />
Cultura<br />
WORKSHOP: dia 3 às 15h -<br />
Workshop “Novas Formas<br />
de Espectáculo na<br />
Etnografia”, no Auditório do<br />
Centro de Interpretação da<br />
Serra da Estrela, Seia.<br />
Desporto<br />
ATLETISMO: dia 18 às 10h -<br />
8ª Subida Vale de Sameiro,<br />
Manteigas;<br />
BTT: dia 10 às 9h - Passeio<br />
de S. Martinho, na Guarda;<br />
dia 18 às 10h - 8ª Subida<br />
Vale de Sameiro,<br />
Manteigas; dia 25 às 9h -<br />
Invernal de Btt “ Cidade da<br />
Guarda”.<br />
DAMAS: dia 11 às 14h -<br />
Torneio Damas de Melo em<br />
Gouveia.<br />
MARCHA: dia 11 às 9h -<br />
Marcha Regional e<br />
Magusto, na Guarda; dia<br />
18 às 9h - Subida ao Vale de<br />
Sameiro, Manteigas.<br />
TIRO: dia 17 às 14h -<br />
Torneio em Figueira Castelo<br />
Rodrigo.<br />
LEIRIA<br />
Cultura<br />
WORKSHOP: dia 17 às 15h –<br />
Workshop “Manutenção e<br />
Preservação do Traje”, no<br />
Auditório do Centro<br />
Associativo e Municipal de<br />
Leiria.<br />
LISBOA<br />
Cultura<br />
CONCERTO: dia 17 às 17h30<br />
– Concerto pela Sociedade<br />
Filarmónica Incrível Aldeia<br />
Grandense, na Associação<br />
de Moradores, Cultura e<br />
Recreio de Fonte Grada,<br />
Torres Vedras.<br />
T EATRO DA T RINDADE<br />
Sala Principal:<br />
A DESOBEDIÊNCIA – até ao<br />
dia 25 (4ª-f a Sáb. às 21h30<br />
e Dom. às 16h)<br />
ANTES DE COMEÇAR – até<br />
ao dia 22 de Dez. (Sáb. às<br />
16h, 3ª a 6ª<strong>º</strong>feira às 14h30)<br />
CONCERTOS: dia 28 às<br />
21h30 - Pedro Jóia; dia 29<br />
às 21h30 - Nancy Veira; dia<br />
30 às 21h30 - Orquestra do<br />
Algarve (Concerto<br />
Comemorativo 140 Anos do<br />
Trindade)<br />
Sala Estúdio:<br />
2 PERDIDOS NUMA NOITE<br />
SUJA – até ao dia 18 ( 4ª-f. a<br />
Sáb. às 22h e Dom. às 17h)<br />
LIBRAÇÃO – de 23 a 2 de<br />
Dez. ( 4ª-f. a Sáb. às 22h e<br />
Dom. às 17h)<br />
Teatro-Bar:<br />
VINHO VADIO – de 8 a 24<br />
(5ª-f a Sáb. às 23h)<br />
SANTARÉM<br />
Cultura<br />
TEATRO: dia 4 às 16h – “O
Gato das Botas” pelo Grupo<br />
“Teatrinho” no Centro<br />
Recreativo e Cultural da<br />
Freguesia de Carregueiros.<br />
Desporto<br />
ACTIVIDADES BÁSICAS:<br />
Classes de Ginástica (2ª e<br />
5ª feiras às 17h30),<br />
Aeróbica (3ª e 5ª feiras às<br />
17h30 e 18h30),<br />
Hidroginástica (2ª e 4ª<br />
feiras às 10h15, 3ª e 5ª<br />
feiras às 09h15, 19h15 e<br />
20h).<br />
SETÚBAL<br />
Cultura<br />
FADOS: dia 9 às 21h30 - “<br />
Noite de Fados” no<br />
Auditório da Delegação; dia<br />
10 às 21h - Noite de Fados<br />
em Palmela.<br />
BAILE: dia 16 e 30 às 14h30-<br />
Baile Sénior na Delegação.<br />
VIANA DO CASTELO<br />
Cultura<br />
ESPECTÁCULOS: dia 3 às<br />
21h30 - “Carreço<br />
Fashion” Danças de<br />
Salão, Desfile de Moda e<br />
Música na Sociedade<br />
Instrução Recreio de<br />
Carreço; dia 11 às 15h –<br />
“Associmusica” na<br />
Associação Juvenil de<br />
Deão; dia 16, 17, 18 de<br />
<strong>Novembro</strong> – “X Serão e<br />
XII Encontro Nacional de<br />
Tocadores de Concertina<br />
e Cantadores ao Desafio”,<br />
em Valença; dia 24 às 22h<br />
- Homenagem “Tributo a<br />
Manuel de Samonde”,<br />
Tocador de Concertina, no<br />
Teatro Sá de Miranda.<br />
Desporto<br />
PEDESTRIANISMO: dia 13 às<br />
9h - “Romeiros de S. João<br />
de Arga” na Serra D`Arga<br />
VISEU<br />
Cultura<br />
MAGUSTO: dia 10 às 19h –<br />
Magusto de São Martinho,<br />
em São Martinho de<br />
Orgens.<br />
Desporto<br />
TÉNIS DE MESA: dia 3 às<br />
14h30 - Torneio de<br />
Regularidade no Pavilhão<br />
Municipal em Carregal do Sal.<br />
MALHA: dia 4 às 14h – II<br />
Torneio Núcleo<br />
Sportinguista Santa Comba<br />
Dão, no Campo de Futebol<br />
Dr. Esteves Faria.<br />
TIRO AO ALVO: dia 17 às 14h<br />
- Torneio no Pavilhão<br />
Gimnodesportivo do <strong>Inatel</strong><br />
em Viseu<br />
MALHA E DAMAS: dia 17 às<br />
14h - Torneio no Pavilhão<br />
Gimnodesportivo do <strong>Inatel</strong><br />
em Viseu
A CHEFE SUGERE<br />
LUZIA AZEVEDO| INATEL ENTRE-OS-RIOS<br />
Cabrito assado à Padeiro<br />
É sabido que cabrito assado com batatas assadas é<br />
um prato bem Português, servido em várias regiões<br />
de Norte a Sul, geralmente associado a dias festivos.<br />
A designação “à padeiro” surge da tradição de assar<br />
o cabrito e as batatas no forno tradicional do pão. Na<br />
zona de Entre-os-Rios o cabrito assa-se depois de ter<br />
estado numa rica marinada de vinho, alho, louro,<br />
banha de porco, entre outros ingredientes, que<br />
conferem ao cabrito a tenrura e apuram o sabor.<br />
INGREDIENTES PARA 4 PESSOAS:<br />
14<strong>00</strong> g de cabrito; 250 g de cebola, 4 dentes de alho,<br />
80 ml de vinho branco maduro, banha de porco q.b.,<br />
12<strong>00</strong> g de batatas, 1 ramo de salsa, 1 limão, louro q.b.,<br />
sal q.b., piri-piri q.b., colorau q.b..<br />
PREPARA-SE ASSIM:<br />
Prepara-se o cabrito de véspera (parte-se, lava-se e<br />
escorre-se). Faz-se uma pasta com um pouco de<br />
banha, a cebola cortada em meia-lua, o alho, o louro,<br />
o vinho branco, o sal, o piri-piri, o sumo de limão, a<br />
salsa e o colorau.<br />
Unta-se o cabrito com esta pasta e guarda-se no<br />
frigorífico, deixando marinar durante 24 horas. No<br />
dia seguinte, coloca-se o cabrito a assar durante cerca<br />
56 TempoLivre <strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong><br />
de 2 horas, em forno médio (cerca de 2<strong>00</strong><strong>º</strong>C).<br />
Enquanto assa, adiciona-se um pouco de vinho<br />
branco e mexe-se regularmente.<br />
As batatas para assar são cortadas aos gomos.<br />
Colocam-se em água e sal e escorrem-se antes de<br />
serem postas a assar. Deverá reservar-se uma parte<br />
da pasta que serviu para untar o cabrito, para que as<br />
batatas assem nesse molho. Junta-se um pouco de<br />
vinho branco para que não se agarrem ao fundo e<br />
vai-se mexendo. Rectifica-se o tempero.<br />
Serve-se o cabrito com as batatas e arroz branco,<br />
preferencialmente acompanhado de legumes<br />
cozidos.<br />
COMPOSIÇÃO NUTRICIONAL POR PESSOA:<br />
• 43,2 g de proteínas; • 28,1 g de gordura; • 70 g de<br />
hidratos de carbono; • 7,1 g de fibra; • 676 kcal<br />
INFORMAÇÕES E RESERVAS:<br />
INATEL ENTRE-OS-RIOS<br />
Torre, 4575-416 Portela - Penafiel<br />
Tel: 255 616059 - Fax: 255 615170<br />
Email: cf.erios@inatel.pt
O TEMPO E AS PALAVRAS | MARIA ALICE VILA FABIÃO<br />
São vidas...<br />
Das figuras amadas fica o eco / da sua refulgência de figuras./ São quase mágoa de sítio / em que, havendo-se já apagado a lua,<br />
brilhasse ainda o vácuo / duma presença para sempre nula./ E, contudo, o firmamento / se ilumina das máculas nocturnas / desses<br />
ecos amados entre lágrimas / na sua refulgência de figuras.<br />
Fernando Echevarría, in: Sobre os Mortos, Ed. Afrontamento, Porto, 1991<br />
Oprimeiro a regressar foi o Isaak, o droguista da<br />
esquina – disse-me, falando de um tempo passado,<br />
em que eu não sabia o que era a guerra. –<br />
Contaram-me que chegou ao anoitecer –<br />
prosseguiu. – Vinha esquelético e andrajoso e arrastava-se<br />
com dificuldade por entre as casas que ainda se mantinham<br />
de pé. Ao chegar à esquina, parou. Parecia perdido.<br />
Subitamente, pôs-se a cantar com voz roufenha e a fazer<br />
vénias diante da porta, que, como muitas outras da rua,<br />
tinha sido fechada com tábuas e pregos. Todos pensaram<br />
tratar-se de um louco, porque, com aquela barba e aquela<br />
grenha, ninguém imaginava que fosse o Isaak. Afinal,<br />
acabaram por compreender que ele não estava a cantar, mas<br />
sim a entoar, em hebraico, uma oração, uma espécie de<br />
lamento que, antes da guerra, se ouvia na antiga Sinagoga,<br />
em véspera do Sabath. Só o reconheceram quando se sentou,<br />
apático, na soleira da porta da casa que tinha sido a<br />
dele. Algumas pessoas tentaram ajudá-lo; outras aproximaram-se<br />
apenas para verificar se era realmente verdade<br />
haver sobreviventes. Escondido atrás daquela juba nojenta,<br />
porém, ele parecia cego e surdo a tudo o que o rodeava.<br />
Uma mulher pôs-lhe na frente uma tigela com duas batatas.<br />
Nem lhes tocou. Tinha sido o primeiro a chegar, segundo<br />
diziam. E veio só, é claro. Contava-se que, durante muito<br />
tempo, todos os dias à tardinha ia à estação: “A minha mulher<br />
chega hoje”, dizia. E ali ficava, no cais, à espera, com um<br />
sorriso nos lábios. Até que um dia, deixou de ir à estação.<br />
Quatro ou cinco dias mais tarde regressou o segundo, um<br />
velho que morava um pouco mais abaixo e foi trazido numa<br />
carroça de feno por um lavrador das imediações, que o<br />
tinha ajudado a sobreviver, escondendo-o num palheiro.<br />
Extremamente fraco, deitou-se no chão, ao comprido, a<br />
beijar a soleira da porta e a agradecer a Deus o ter-lhe<br />
permitido viver em liberdade.<br />
Durante uma semana não regressou mais ninguém.<br />
Era Maio, e havia muito que os salgueiros-chorões do<br />
parque se tinham coberto do verde-lagarta explosivo das<br />
Primaveras holandesas. Era a primeira Primavera em<br />
liberdade.<br />
- A seguir – continuou –, chegaram dois jovens – os dois<br />
irmãos que ainda lhe vendem o peixe, na Lange Visstraat.<br />
Consta que dormiram durante três dias seguidos e que os<br />
vizinhos os ouviam chorar alto durante o sono. Aliás, diziase,<br />
só acordaram com o choro da primeira mulher que<br />
regressara e em quem só eles reconheceram a irmã<br />
adolescente que, três anos antes, os Alemães tinham levado<br />
com o resto da família. Tinha sido uma das vítimas do Dr.<br />
Mengele, dizia-se, à boca pequena.<br />
(Quando a conheci, na peixaria, teria os seus quarenta,<br />
continuava a silenciar sobre o assunto, mas havia muito já<br />
que tinha deixado de ocultar com a manga aquele número<br />
misterioso tatuado a negro na face interior do braço. De<br />
quando em vez, deixava de ser vista. Enlouquecia, dizia-se.)<br />
Ameia dúzia de Judeus do bairro que sobreviveram<br />
nos campos de concentração alemães ou<br />
escondidos algures regressou logo após o fim da<br />
guerra, ao longo das últimas semanas de Maio.<br />
- Nessa altura, ainda eu estava no campo de concentração<br />
japonês de Tjideng – acrescentou, com voz<br />
pensativa. Fugi dos nazis, para Batávia – do espeto para a<br />
sertã! Durante mais de três anos, nada soube do meu<br />
marido, que andava num petroleiro, nas linhas do<br />
Oriente. Nem ele de mim. (“Entre duas palavras, a<br />
voz/perde o equilíbrio/ escorrega no próprio reflexo”.) De<br />
súbito, os olhos iluminam-se-lhe: - Foi com os “Japs” que<br />
aprendi as primeiras palavras portuguesas: Pan (pão) e<br />
Kappa (capa). Garpo, mantêga, bandera e mesja, aprendi<br />
com os Indonésios. Sorri.<br />
Para ela, a salvação chegara apenas em Agosto, com<br />
Hiroshima e Nagazaki. Doía-lhe, disse, dever a vida à<br />
bomba atómica, que tantas vidas e sofrimento custara. Mas<br />
era a verdade.<br />
Ela e o marido tinham sido os últimos a regressar, quase<br />
um ano mais tarde. Olho-a, na fotografia amarelada: - “A<br />
caminho de Priok – 11.2 .42. A nossa última hora”.<br />
Onde, agora, todos?<br />
Mais uma vez, os crisântemos florescem aqui por toda a<br />
parte. Impossível esquecer que, para os que partiram, não<br />
haverá mais regresso. Inútil ir à estação.<br />
O texto escreve-se - exilada dele ou exilada nele, reconto.<br />
Lá fora, alguém suspira: - São vidas!... ■<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2<strong>00</strong>7</strong> TempoLivre 57
O tigre da Malásia<br />
Andávamos a preparar há um mês o primeiro<br />
folhetim radiofónico da Rádio Moçambique.<br />
Várias sugestões foram consideradas, ponderadas,<br />
relidas. A nossa memória foi buscar<br />
ao sótão, entre poeiras e teias de aranha, logo à entrada,<br />
Ponson du Terrail, Victor Hugo, o pai e o filho<br />
Dumas, Jules Verne, além de outros. No meio ou entretanto,<br />
vinham achegas de todos os lados, sugestões,<br />
pareceres, e perguntas. Muitas. Tema moderno ou antigo?<br />
Político ou aventuroso? Com muitos beijos à mistura<br />
como nos filmes de aventuras ou não?<br />
Finalmente, fizemos uma ampla lista que apresentámos<br />
vaidosos à consideração superior. Tendo ela decidido, e<br />
bem, por uma obra e autor não citados na longa e estafante<br />
lista: Sandokan, o Tigre da Malásia, de Emílio Salgari.<br />
Toda a equipa ficou tão contente com esta escolha<br />
como se tivesse de novo descoberto a penicilina.<br />
Possuía tudo o que era necessário; todos os ingredientes<br />
clássicos e imortais: amor, intriga, ciúme, traição,<br />
morte, luta contra os poderosos, combates marítimos,<br />
tiros, beijos, arrebatamentos patrióticos e amorosos,<br />
tendo até um toque de cultura ocidental com a Pérola<br />
de Labuan, uma menina inglesa de alta estirpe e estonteante<br />
beleza, a estudar o Fur Elise, de Beethoven, no<br />
piano que havia na mansão do governador inglês.<br />
Querem melhor?<br />
Reuniu-se então uma equipa para fazer a adaptação,<br />
nela figurando o poeta e jornalista Leite Vasconcelos<br />
que, com muito humor, dizia que pertencia à Frelima, a<br />
Frente de Libertação da Malásia. Por esta sua graça, foilhe<br />
atribuído o papel de Lord Brooks, que desempenhou<br />
com muita elegância e, obviamente, “british style”.<br />
Muitas e interessantes situações ocorreram durante as<br />
gravações mas uma das mais relevantes foi a fuga pela<br />
floresta de Sandokan, seguido de perto, se bem me lembro,<br />
por Tremal-Naik. Ele, para conseguir correr, tinha<br />
de abrir caminho à catanada à direita e à esquerda, vigorosamente.<br />
Fomos então gravar, comandados pelo<br />
sonoplasta Carlos Silva, para a zona de eucaliptos nos<br />
terrenos da Feira Internacional. Aliás, do outro lado da<br />
rua. Então, o que é que o povo viu, parado, espantado,<br />
confuso e boquiaberto? Um respeitável senhor de cabelo<br />
branco, à frente, com um ferro na mão a dar pancada<br />
nas árvores à direita e à esquerda, um técnico de som a<br />
captar com um gravador portátil, um ajudante e, a<br />
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CRÓNICA |ÁLVARO BELO MARQUES<br />
fechar, o realizador. Todos berravam, arfavam, corriam<br />
às voltas das árvores e suavam… As pessoas assistiam e<br />
por certo pensavam que éramos doidos ou que se tratava<br />
do ritual de uma nova seita contra a natureza, pois<br />
pancada nas árvores não faltava.<br />
Um menino dos seus dez anos que vinha pelo trilho<br />
dos eucaliptos com uma gaiola de pássaros na mão,<br />
estava estático, sem saber se deveria agachar-se para<br />
não ser visto ou atirar a gaiola fora e desatar a fugir<br />
com quanta força tivesse. E os olhos dele por certo já<br />
tinham visto muita coisa ruim.<br />
Conseguimos fazer a gravação antes da chegada da<br />
polícia.<br />
Contudo, a mais “significativa” situação passou-se no<br />
último andar da Rádio Moçambique: no enorme salão<br />
de festas, que permitiu a gravação de um som<br />
necessário ao longo de vários episódios, principalmente<br />
nas abordagens e no final das reuniões com<br />
Sandokan. Como se necessitava de muitas vozes (não<br />
sabíamos ao certo quantas pessoas levava um parau), o<br />
mesmo sonoplasta já referido foi buscar todo o pessoal<br />
masculino da discoteca, mais os companheiros que foi<br />
encontrando pelo caminho. No final eram cerca de 30<br />
ou mais os tigres que, bem-dispostos, fizeram a abordagem<br />
ao salão de festas.<br />
Estes candidatos a lugar-tenente de Sandokan,<br />
tinham de berrar várias vezes, a plenos pulmões,<br />
“Morte aos Ingleses”, com mais gana e<br />
força que o povo português nas ruas, em 1891,<br />
aquando do ultimato.<br />
E começou-se a gravação, com várias repetições, como<br />
sempre acontece. Estava tudo a ir bem quando alguém<br />
se lembrou de que tínhamos as janelas todas abertas,<br />
para não haver eco, e do outro lado da rua estavam os<br />
Ingleses, por certo a tomar chá gelado na sua<br />
Embaixada, rodeada de jardins copiados de Kensington.<br />
Parámos precisamente quando à porta surgiu a cabeça<br />
de um segurança, com a arma na mão, a olhar espantado<br />
e ofegante para nós. Tinha ouvido, no piso térreo, os<br />
nossos berros e subido as escadas a correr.<br />
Explicámos o que se passava e o porquê daquela gritaria.<br />
Compreendeu perfeitamente, mas afastou-se a<br />
abanar a cabeça e a murmurar: “Morte aos Ingleses?<br />
Porquê?” ■