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ROSA, S. A. Primeiros tratados italianos do século XVII sobre baixo contínuo... Per Musi, Belo Horizonte, n.17, 2008, p. 41-47<br />

4 - Discussão e resultados<br />

Ao analisarmos as primeiras fontes italianas que trazem<br />

instruções para a realização <strong>de</strong> baixo contínuo, a primeira<br />

constatação a que chegamos é que Via<strong>da</strong>na, com seus<br />

Cento Concerti Eclesiastici, foi <strong>de</strong> fato um <strong>de</strong>sbravador,<br />

possuidor <strong>de</strong> uma idéia inovadora, num contexto em que<br />

<strong>de</strong>lineava-se a tendência <strong>de</strong> sistematizar os procedimentos<br />

<strong>de</strong> acompanhamento, surgi<strong>da</strong> <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compreensão e valorização do texto cantado.<br />

A prática <strong>de</strong> se tocar uma linha melódica acompanhando<br />

a voz mais grave <strong>da</strong> obra já era encontra<strong>da</strong> em fins do<br />

século XVI, como <strong>de</strong>monstrado, por exemplo, numa obra<br />

coral polifônica <strong>de</strong> Allessandro Striggio a 40 vozes 4 , <strong>de</strong><br />

1568, on<strong>de</strong> aparece a indicação Basso Cavato <strong>da</strong>lla parte più<br />

bassa [baixo extraído <strong>da</strong> voz mais grave] para uma 41ª voz.<br />

Assim, era trabalho do organista - ou do instrumentista que<br />

executasse a voz mais grave - extrair uma linha <strong>de</strong> baixo<br />

contínua 5 , pois numa obra polifônica esta não se encontrava<br />

numa única voz, po<strong>de</strong>ndo saltar <strong>de</strong> uma à outra, sendo<br />

possível haver muitas vozes <strong>de</strong> registro grave. Essa prática<br />

foi ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>scrita por Praetorius (apud ARNOLD, 1965, v.1,<br />

p.93) em sua enciclopédia Syntagma Musicum, publica<strong>da</strong><br />

em 1619, on<strong>de</strong> ele também nos dá uma <strong>de</strong>finição <strong>da</strong> técnica<br />

que sintetiza o pensamento dos que se preocuparam com o<br />

assunto na época: assim se chama porque segue do começo<br />

ao fim. Praetorius esclarece, assim, a razão <strong>da</strong> palavra<br />

continuo, no termo que <strong>de</strong>nomina a nova técnica, indicando<br />

que, ao contrário do que se praticava até então, a linha mais<br />

grave <strong>da</strong> música <strong>de</strong>veria ser ininterrupta.<br />

A gran<strong>de</strong> idéia <strong>de</strong> Via<strong>da</strong>na teria sido, então, a <strong>de</strong><br />

acrescentar essa linha ininterrupta à composição,<br />

<strong>de</strong>finindo funções diferentes para vozes e instrumentos.<br />

Seu baixo contínuo emerge como uma improvisação sobre<br />

uma linha <strong>de</strong> baixo, on<strong>de</strong> se anotavam os aci<strong>de</strong>ntes, mas<br />

não os números que representam as harmonias, numa<br />

textura ain<strong>da</strong> polifônica. O basso continuo <strong>de</strong> Via<strong>da</strong>na faz<br />

parte do todo, sem o qual o resto <strong>da</strong> composição não teria<br />

sentido (Arnold, 1965), um gran<strong>de</strong> avanço em relação<br />

aos baixos <strong>de</strong> órgão <strong>de</strong>scritos no parágrafo anterior, que<br />

serviam para unir segmentos <strong>da</strong> música, que estava, no<br />

entanto, completa sem essa linha do baixo.<br />

Segundo LANG (2007), a estrutura dos Concerti <strong>de</strong> Via<strong>da</strong>na<br />

ain<strong>da</strong> remete à tradição polifônica. Nesse sentido, <strong>de</strong><br />

acordo com o mesmo autor, sua inovação é comparável a<br />

uma reforma ortográfica que a<strong>da</strong>ptou a antiga maneira <strong>de</strong><br />

anotar e compor à nova prática <strong>de</strong> execução, escrevendo<br />

diretamente o que <strong>de</strong>veria ser tocado. Embora admitisse<br />

o uso <strong>da</strong> partitura, Via<strong>da</strong>na preferia claramente o sistema<br />

<strong>de</strong> intavolatura 6 , como expressado no sexto <strong>de</strong> seus doze<br />

conselhos para execução dos Concerti, o que o situa antes<br />

do completo estabelecimento do baixo contínuo. Alguns<br />

anos mais tar<strong>de</strong>, Agazzari enfatiza a não obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se fazer uma tablatura como uma <strong>da</strong>s vantagens do<br />

novo método, e assim como Bianciardi, abandona esse<br />

sistema, encontrando-se ambos, então, além <strong>da</strong> fronteira<br />

entre a polifonia e a melodia acompanha<strong>da</strong>.<br />

Por tratar-se <strong>de</strong> uma nova maneira <strong>de</strong> escrever<br />

música, Via<strong>da</strong>na consi<strong>de</strong>rou necessário acrescentar ao<br />

prefácio dos Concerti o que ele chamou <strong>de</strong> conselhos<br />

(Avertimenti). A preocupação com o estilo fica bem clara<br />

no primeiro item, que recomen<strong>da</strong> discrição na execução<br />

e parcimônia no uso dos ornamentos, e é evi<strong>de</strong>ntemente<br />

mais voltado aos cantores que ao organista, ou seja, não<br />

se refere à elaboração do baixo contínuo propriamente<br />

dita. Como já mencionado, Via<strong>da</strong>na admite que o<br />

organista toque simplesmente a Partitura 7 , enquanto<br />

Agazzari e Bianciardi iriam colaborar no gradual<br />

abandono <strong>da</strong> tablatura, embora ain<strong>da</strong> recomen<strong>da</strong>ndo<br />

domínio completo <strong>da</strong>s duas técnicas - a execução do<br />

baixo contínuo e a leitura <strong>de</strong> tablatura - indispensáveis<br />

para uma boa execução.<br />

Num conselho muito prático, Via<strong>da</strong>na comenta que não<br />

seria mal o organista <strong>da</strong>r uma olha<strong>da</strong> na música antes <strong>de</strong><br />

executá-la, para uma melhor compreensão <strong>da</strong> natureza<br />

<strong>de</strong>sta: “Sarà se non bene, che l’Organista habbia prima<br />

<strong>da</strong>ta un’occhiata à quel Concerto, che si ha <strong>da</strong> cantare,<br />

perche inten<strong>de</strong>ndo la natura di quella Musica, farà sempre<br />

meglio gli accompagnamenti”.<br />

Já Agazzari e Bianciardi são bem mais <strong>de</strong>talhistas quanto<br />

à preparação do instrumentista, e, tanto um quanto outro<br />

discorrem longamente sobre os conhecimentos musicais e<br />

as habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s necessárias para se tocar sobre um baixo.<br />

Ambos mencionam o domínio do contraponto, <strong>da</strong> harmonia,<br />

<strong>da</strong> leitura <strong>de</strong> partitura ou tablatura e apuro do ouvido.<br />

Na quarta recomen<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> Via<strong>da</strong>na encontramos<br />

um assunto algo polêmico e que não é abor<strong>da</strong>do<br />

especificamente por seus sucessores: ele nos diz que o<br />

organista <strong>de</strong>ve executar as cadências sempre à i lochi loro<br />

[no seu próprio lugar] (LANG, p. 2). Essa informação po<strong>de</strong><br />

ser interpreta<strong>da</strong> como uma referência simplesmente à<br />

altura, ou mais especificamente à voz on<strong>de</strong> acontecem<br />

as cadências. Contudo, <strong>de</strong>ve-se também consi<strong>de</strong>rar, como<br />

observado por LANG (2007) que a cadência que Via<strong>da</strong>na<br />

tinha em mente não era uma progressão harmônica no<br />

seu sentido mais recente conhecido pela teoria musical,<br />

mas uma típica progressão <strong>da</strong> voz que conduz a linha<br />

melódica, também chama<strong>da</strong> “cláusula” 8 , que acontece<br />

ao final <strong>de</strong> períodos ou frases musicais, e que serve para<br />

quebrar o fluxo contínuo <strong>da</strong> música <strong>da</strong>quele período. Os<br />

outros dois autores são menos específicos quanto à altura<br />

do acompanhamento, mencionando apenas o cui<strong>da</strong>do<br />

para não encobrir os cantores.<br />

Outro assunto abor<strong>da</strong>do por Via<strong>da</strong>na, e que não aparece<br />

nos outros textos, é a questão <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> do organista<br />

quando a música é “à maneira <strong>de</strong> fuga”. Ele recomen<strong>da</strong><br />

que o organista toque somente uma voz (Tasto solo) 9 , e<br />

que <strong>de</strong>pois, com a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais vozes, faça seu<br />

acompanhamento como quiser. Esse procedimento segue<br />

por todo o período do baixo contínuo, que se esten<strong>de</strong><br />

do início do século XVII até fins do século XVIII, e não<br />

encontramos menção a ele no trabalho <strong>de</strong> Agazzari.

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