DossiÊ - comumLAB - DOSSIE - Giseli Vasconcelos
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#Prólogo: Perigoso e divertido<br />
Arte _ hackeamento<br />
diferençA, dissenso e<br />
reProgrAmAbilidAde tecnolÓgicA<br />
DANIEL DE SOUzA NEVES HORA<br />
HAckeAmento e<br />
Produção dA diferençA<br />
1.1 cÓdigo e ruPturA<br />
As antigas sociedades de soberania manejavam<br />
máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios;<br />
mas as sociedades disciplinares recentes tinham<br />
por equipamento máquinas energéticas, com<br />
o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da<br />
sabotagem; as sociedades de controle operam por<br />
máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática<br />
e computadores, cujo perigo passivo é a<br />
interferência, e o ativo a pirataria e a introdução de<br />
vírus. GILLES DELEUZE, Conversações<br />
O ser / fala / sempre e em qualquer<br />
lugar / por meio de / toda / língua. 1<br />
JACQUES DERRIDA, Marges de la Philosophie<br />
1 São de nossa autoria as traduções para o português<br />
de citações de obras consultadas em outros idiomas.<br />
O hackeamento 2 é um conceito difundido a partir<br />
da informática, cujos sentidos diversos inspiram<br />
apropriações políticas e disputas sobre a sua legitimidade.<br />
Embora seja facilmente identificado com a invasão<br />
ilícita de computadores por meio de acesso remoto,<br />
via rede, o hackeamento significa basicamente<br />
a exploração dos limites daquilo que é previamente<br />
considerado possível ou admissível (STALLMAN,<br />
2002; RAYMOND, 2003). Para não ser confundida<br />
diretamente com o roubo ou corrupção de arquivos<br />
digitais, essa forma de experimentação costuma ser<br />
distinguida dos atos criminosos denominados como<br />
cracking, que envolvem o uso da tecnologia mas nem<br />
sempre são derivados de algum tipo de hackeamento.<br />
Essa desvinculação do hackeamento com o<br />
cracking se fundamenta em uma ética defendida pela<br />
comunidade hacker. Entre suas premissas estão a apologia<br />
do compartilhamento e da liberdade de informação<br />
(RAYMOND, 2003), que se aliam à aposta na<br />
descentralização do controle, à descrença nas autoridades,<br />
à confiança nas possibilidades de criação estética<br />
e de aprimoramento das condições de vida com<br />
ajuda da tecnologia e à disseminação desse conjunto<br />
de ideias para outras atividades culturais (LEVY, S.,<br />
2001).<br />
Apesar da adoção desses preceitos, a ética<br />
hacker, no entanto, não é suficiente para a absoluta<br />
separação entre hackeamento e cracking, sobretudo<br />
quando se colocam em discussão temas políticos<br />
como o acesso ao conhecimento, a privacidade e<br />
2 Os dicionários de língua portuguesa registram<br />
apenas o termo hacker, proveniente do inglês, que designa o<br />
“entusiasta de computador; aquele que é perito em programar<br />
e resolver problemas com o computador; pessoa que acessa<br />
sistemas computacionais ilegalmente” (HOUAISS, 2010). Na<br />
falta de aportuguesamento ou registro de derivações da palavra,<br />
adotamos a expressão hackeamento como tradução para<br />
os substantivos equivalentes à ação dos hackers (hacking) e ao<br />
seu resultado (hack). Traduzimos ainda a forma flexional to<br />
hack como hackear, verbo que teria conjugação semelhante à de<br />
recensear.