revisitando a modernidade brasileira: nacionalismo e ... - Unimep
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ta. A política de valorização do café praticada pelo<br />
governo federal promovia a “socialização das perdas”,<br />
provocando a carestia dos preços e o descontentamento<br />
das camadas urbanas. 28 Na verdade,<br />
eram as políticas de valorização o sustentáculo do<br />
modelo primário exportador e da economia cafeeira,<br />
a tal ponto que, ao final da década de 20, o receio<br />
de que o novo presidente pudesse não sustentar a<br />
política cafeeira levou Washington Luiz a defender o<br />
nome de um paulista para a sua sucessão presidencial.<br />
Dessa forma, rompeu o pacto que mantivera o<br />
regime oligárquico federativo desde que o governo<br />
de Campos Salles promulgou a legislação eleitoral<br />
que ficou conhecida como a “política dos governadores”<br />
ou a “política do café com leite”. 29 Essa atitude<br />
acabou empurrando a oligarquia mineira a aderir<br />
à Aliança Liberal e à revolução varguista.<br />
À crise política veio somar-se a derrocada fatal<br />
do modelo primário-exportador com a crise de<br />
1929. A queda vertiginosa das exportações cafeeiras<br />
desnudava a vulnerabilidade de um modelo de desenvolvimento<br />
tão dependente do mercado externo,<br />
de uma economia tão voltada para fora, como<br />
era a <strong>brasileira</strong>. Foi nesse ambiente de dupla crise<br />
política e econômica que a Aliança Liberal conduziu<br />
Getúlio Vargas ao poder e esse clima abriu espaço<br />
para a difusão de um novo projeto de modernização<br />
para o Brasil, totalmente avesso ao ideário liberal<br />
que vigorara até então, em que pesem os protestos<br />
e insubordinações dos liberais paulistas. 30<br />
O novo projeto de <strong>modernidade</strong> então inaugurado<br />
produziu dois deslocamentos em relação ao<br />
período anterior. O primeiro diz respeito ao diagnóstico<br />
do “atraso” – cuja formulação mais conhecida<br />
encontra-se nos escritos de Oliveira Vianna –<br />
28 O processo de socialização das perdas, expressão cunhada por Celso<br />
Furtado, ocorria pelo fato de a política de valorização do café contar fundamentalmente<br />
com o mecanismo de ajuste cambial: ao desvalorizar a<br />
moeda nacional, para manter a lucratividade do setor exportador, encarecia-se<br />
as importações e, portanto, quem delas dependia arcava com os prejuízos.<br />
Cf. FURTADO, 1982.<br />
29 Sobre o governo Campos Salles e a política dos governadores, cf.<br />
FAORO (1995). Como é sabido, desde a sua edição, São Paulo e Minas<br />
Gerais se alteravam no governo federal, garantidos pela política dos governadores.<br />
Em 1929, seria a vez de Minas na sucessão presidencial.<br />
30 Cf. CAPELATO, 1989. Segundo a autora, a facção liberal paulista, que<br />
dera apoio ao golpe que conduziu Vargas ao poder não demorou a perceber<br />
que os seus anseios estariam ameaçados com a centralização do poder<br />
e a ditadura vindoura; pegou em armas e fez a sua revolução em 1932.<br />
identificado com o latifúndio e a escravidão presentes<br />
nas bases da sociabilidade <strong>brasileira</strong>, centrada na<br />
autoridade pessoal do grande proprietário. Tal estrutura<br />
social, por sua vez, deu origem ao “caudilhismo”<br />
e ao “coronelismo”, que dominavam a política<br />
<strong>brasileira</strong> e fizeram do Estado um verdadeiro cartório<br />
em defesa dos interesses privados dos grandes<br />
proprietários rurais. Segundo Oliveira Vianna, daí<br />
teria resultado a inviabilidade do liberalismo no Brasil:<br />
“para enfrentar a força do ‘caudilhismo’, que era<br />
sempre uma ameaça à desintegração territorial e social,<br />
só um poder centralizador forte - metropolitano<br />
ou nacional –, que agisse como promotor da paz<br />
e da ampla proteção dos cidadãos”. 31<br />
É o que justifica a modernização conservadora:<br />
a realidade <strong>brasileira</strong> teria conseguido tornar defensável<br />
o que, até então, teria sido indesejável; o<br />
poder central, absoluto e autoritário teria se transformado<br />
na única via de construção do Estado moderno<br />
no Brasil, capaz de se orientar por mecanismos<br />
racionais. 32 Essa formulação, levada às últimas<br />
conseqüências, produziu o ideário do Estado Novo,<br />
cuja atenção voltou-se especialmente para a questão<br />
social e a proposição de criar uma sociedade harmônica<br />
sob a tutela do Estado. 33 Já o segundo deslocamento<br />
advinha do novo padrão de acumulação sustentado<br />
por grupos industriais e agrícolas emergentes<br />
da expansão das atividades urbanas, promovidas<br />
pelo crescimento do complexo cafeeiro centrado no<br />
mercado interno – no desenvolvimento para dentro. 34<br />
Nesse novo modelo, a industrialização foi priorizada<br />
como forma de tornar o Brasil o menos dependente<br />
possível do comércio internacional.<br />
A euforia nacionalista e defensiva que se instaurou<br />
com a modernização conservadora não foi<br />
capaz, no entanto, de promover um intenso processo<br />
de substituição de importações de modo a possibilitar<br />
a diversificação do parque industrial brasileiro,<br />
nem mesmo de romper a estrutura agrário-exportadora<br />
centrada na monocultura e no latifúndio.<br />
A tão almejada independência econômica, e conse-<br />
31 GOMES, 1998, p. 509.<br />
32 Ibid.<br />
33 Ibid.<br />
34 SINGER, 1968.<br />
144 impulso nº 29