O conceito do político em Carl Schmitt - Curso de Filosofia - UFC
O conceito do político em Carl Schmitt - Curso de Filosofia - UFC
O conceito do político em Carl Schmitt - Curso de Filosofia - UFC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Há, ainda, a partir <strong>do</strong> <strong>conceito</strong> <strong>de</strong> relação<br />
e oposição, outra característica: a ilimitabilida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>político</strong> porquanto se expressa<br />
<strong>em</strong> qualquer relação social que alcance o<br />
grau <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> <strong>em</strong> associação e dissociação,<br />
ou seja, potencialmente qualquer<br />
relação po<strong>de</strong> tornar-se política. O autor arr<strong>em</strong>ata<br />
<strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva a peculiarida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>político</strong> enquanto relação e conflito quan<strong>do</strong><br />
afirma que:<br />
[...] contraposições religiosas, morais,<br />
entre outras, intensificam-se como contraposições<br />
políticas e pod<strong>em</strong> provocar<br />
o agrupamento <strong>de</strong>cisivo <strong>do</strong> tipo amigoinimigo;<br />
porém, se ocorrer este agrupamento<br />
<strong>de</strong> combate, a contraposição que<br />
dá a medida passa a ser não mais puramente<br />
religiosa, moral ou econômica, mas<br />
sim política [...] Nada po<strong>de</strong> escapar <strong>de</strong>sta<br />
consequência <strong>do</strong> <strong>político</strong>. (SCHMITT,<br />
2002a, p.36).<br />
No seu <strong>conceito</strong> <strong>do</strong> <strong>político</strong>, <strong>Schmitt</strong><br />
elabora uma dialética da luta ou dialética <strong>do</strong><br />
agón: uma dialética conflitiva entre amigos<br />
e inimigos imposta por uma <strong>de</strong>cisão através<br />
da qual a distinção especificamente política<br />
(spezifisch politische Unterscheidung) dá unida<strong>de</strong><br />
e ord<strong>em</strong> a um agrupamento; porém, ao<br />
invés <strong>de</strong> solucionar a contraposição, <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>em</strong> tensão o antagonismo, pois tal antagonismo<br />
entre amigos e inimigos não possui<br />
senti<strong>do</strong> normativo, mas sim existencial,<br />
cuja <strong>de</strong>terminação se dá por uma realida<strong>de</strong><br />
concreta no conflito contra um inimigo para<br />
além <strong>de</strong> qualquer razão ética ou moral:<br />
Ele (o inimigo <strong>político</strong>) é precisamente o<br />
outro, o estrangeiro e, para sua essência,<br />
basta que ele seja, <strong>em</strong> um senti<strong>do</strong> especialmente<br />
intenso, existencialmente algo<br />
diferente e <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que,<br />
<strong>em</strong> caso extr<strong>em</strong>o, sejam possíveis conflitos<br />
com ele, os quais não pod<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s<br />
n<strong>em</strong> através <strong>de</strong> uma normalização<br />
geral <strong>em</strong>preendida antecipadamente,<br />
n<strong>em</strong> através da sentença <strong>de</strong> um terceiro<br />
“não envolvi<strong>do</strong>” e, <strong>de</strong>starte, “imparcial.”<br />
(SCHMITT, 2002a, p.27).<br />
Assim, <strong>Schmitt</strong> não se refere a qualquer<br />
relação, mas apenas a relações confitivas<br />
que alcanc<strong>em</strong> a intensida<strong>de</strong> existencial<br />
<strong>do</strong> conflito, ou seja, o caráter relacional <strong>do</strong><br />
<strong>político</strong> é marca<strong>do</strong> estruturalmente por rela-<br />
ções <strong>de</strong> oposições e dissenso, pois qualquer<br />
dissociação concreta, ou seja, dada a partir<br />
<strong>de</strong> uma configuração histórica <strong>de</strong> formas<br />
<strong>de</strong> vida transforma-se <strong>em</strong> uma dissociação<br />
política quan<strong>do</strong> discrimina entre amigos e<br />
inimigos, o que caracteriza <strong>em</strong> termos gerais<br />
seu existencialismo <strong>político</strong>. Entretanto,<br />
não se po<strong>de</strong> reduzir o critério <strong>do</strong> <strong>político</strong> ao<br />
seu la<strong>do</strong> da negativida<strong>de</strong> e afirmar simplesmente<br />
que o <strong>político</strong> é caracteriza<strong>do</strong> pela<br />
inimiza<strong>de</strong>. A dialética <strong>do</strong> <strong>político</strong> exige os<br />
<strong>do</strong>is pólos: amiza<strong>de</strong> e inimiza<strong>de</strong>. Não existe<br />
apenas inimigo e dissenso radical, mas também<br />
associação e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. A sutileza <strong>do</strong><br />
argumento schmittiano para compreen<strong>de</strong>r o<br />
que está <strong>em</strong> jogo, como afirma o autor num<br />
texto chave sobre Däubler, é que “o inimigo<br />
é a nossa própria pergunta enquanto forma<br />
e ele nos arrasta, e nós a ele, para o mesmo<br />
fim.” (SCHMITT, 1991, p. 213). Assim, <strong>Schmitt</strong><br />
busca na condição humana, o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>político</strong>, ou seja, o el<strong>em</strong>ento polêmico que<br />
une e separa os homens, seja pelo consenso<br />
seja pelo dissenso.<br />
Para <strong>Schmitt</strong>, é necessário lutar contra<br />
o inimigo, porém não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo<br />
como hors-<strong>de</strong>-la-loi ou hors-<strong>de</strong>-la-humanité,<br />
uma vez que, <strong>em</strong> última instância, o inimigo<br />
é ineliminável, pois não se po<strong>de</strong> perdê-lo<br />
ou <strong>de</strong>struí-lo s<strong>em</strong> per<strong>de</strong>r-se e <strong>de</strong>struir-se a<br />
si mesmo. A formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
“nós” se dá na medida <strong>do</strong> “eles”, ou seja,<br />
na diferença. O inimigo é existencialmente<br />
distinto e estranho, diferente à forma <strong>de</strong> vida<br />
e heterogêneo, contra qu<strong>em</strong> o conflito é possível.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a distinção fundamental<br />
da política marca o grau <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> da<br />
associação ou dissociação <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong><br />
a ponto tal que não é possível política s<strong>em</strong><br />
inimigo atual ou possível. É necessário lutar<br />
existencialmente contra um inimigo para encontrar<br />
a própria medida, <strong>em</strong> outras palavras,<br />
ao <strong>de</strong>scobrir a diferença <strong>do</strong> outro, nomeá-lo<br />
como estranho e <strong>de</strong>cidir pelo conflito contra<br />
o inimigo, <strong>de</strong>scobre-se a si mesmo <strong>em</strong> unicida<strong>de</strong><br />
e politicida<strong>de</strong>, o outro mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser<br />
contraposto ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong><br />
política, pois<br />
cada um <strong>de</strong>les só po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ele próprio<br />
se o caráter diferente <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong><br />
significa, no existente caso concreto<br />
<strong>de</strong> conflito, a negação <strong>do</strong> próprio tipo <strong>de</strong><br />
Ar g u m e n t o s , Ano 3, N°. 5 - 2011 167