01.06.2013 Views

As várias artes poéticas contemporâneas Fabiano ... - Jornal O Lince

As várias artes poéticas contemporâneas Fabiano ... - Jornal O Lince

As várias artes poéticas contemporâneas Fabiano ... - Jornal O Lince

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>As</strong> <strong>várias</strong> <strong>artes</strong> <strong>poéticas</strong> <strong>contemporâneas</strong><br />

<strong>Fabiano</strong> Fernandes Garcez<br />

Discorrer sobre a produção poética contemporânea não é uma tarefa fácil. Dessa maneira, discorrer<br />

sobre a produção poética contemporânea, sem incorrer em erro, de qualquer espécie, é uma tarefa árdua.<br />

É quase impossível tentar “mapear” a poética contemporânea. Primeiro, devido ao grande número de<br />

poetas brasileiros, que, sobretudo após a internet, torna, a cada dia, a tarefa mais difícil; no entanto, alguns<br />

poetas ganham destaque nos meios de comunicação, na crítica ou na própria internet. Segundo, porque é<br />

extremamente difícil fazer uma análise de qualquer estrato do tempo em que estamos inseridos.<br />

Neste texto, tentarei apresentar os diversos tipos de <strong>poéticas</strong> existentes, mas não citarei nenhum poeta<br />

como representante, porque cada um carrega uma enorme palheta de diferentes influências, pois não é o<br />

objetivo do texto criar rótulos literários para a poesia contemporânea. <strong>As</strong>sim, prefiro fazer uma breve análise<br />

das <strong>várias</strong> tendências <strong>poéticas</strong> ou, como gostam alguns críticos, famílias <strong>poéticas</strong>, uma vez que essa<br />

separação, ou aglutinação de poeticidades, pode ser, no mínimo, enganosa, pois são raros os poetas que<br />

se mantêm em apenas um estilo de texto.<br />

Com isso, sem muitas idas e vindas, chamaremos de contemporânea toda a produção de poetas que<br />

publicaram após os anos de 1945 do século passado. Dessa forma, antes de apresentar esses estilos ou<br />

famílias <strong>poéticas</strong>, vejamos algumas definições do mais cultuado e conceituado crítico brasileiro, Antonio<br />

Cândido, que, em seu livro O estudo analítico do poema, define o emprego da palavra como imagem ou<br />

símbolo.<br />

A base de toda imagem, metáfora, alegoria ou símbolo é a analogia, isto é, a semelhança entre<br />

coisas diferentes. E aqui encontramos, no plano dos significados, um problema que já encontráramos no<br />

plano das sonoridades como sinestesia: o da correspondência. Com base na possibilidade de<br />

estabelecer analogias o poeta cria a sua linguagem, oscilando entre a afirmação direta e o símbolo<br />

hermético. Raramente o poema é feito apenas com um ou outro destes ingredientes polares, e na<br />

sequência dos versos somos capazes de notar a gradação que os separa. Muitas vezes, o elemento<br />

simbólico não está na peculiaridade das palavras, ou na seqüência de imagens, mas no efeito final do<br />

poema tomado em bloco. E em tudo observamos a capacidade peculiar de sentir e manipular palavras.<br />

(Cândido, 1993).<br />

<strong>As</strong>sim, tendo como base a figuração das palavras, Antonio Cândido aponta três tipos de poemas. Para o<br />

primeiro tipo, o poeta usa todas as palavras em seu sentido próprio, mas a combinação dessas palavras<br />

cria um conceito figurado.<br />

Pode, mesmo, dar-se o caso de o poeta não usar uma só palavra figurada, mas combinar de tal modo<br />

as palavras em sentido próprio, que elas se ordenam como um conceito figurado, uma realidade diversa<br />

do que as palavras exprimem em sentido próprio. [...] O sentido geral do poema é figurado, talvez um<br />

símbolo, enquanto o sentido de cada palavra é próprio. (Cândido, 1993).<br />

O segundo tipo é o que traz a maioria das palavras em sentido figurado, sendo usadas como imagens ou<br />

símbolos. Entretanto, mesmo as que estão em seu sentido próprio ganham valor de imagens simbólicas.<br />

<strong>As</strong>sim, todos esses símbolos são p<strong>artes</strong> de um todo no poema.<br />

Outro caso é o dos poemas em que praticamente todas as palavras são figuradas, embora umas se<br />

apresentem como tais, outras não. São usadas de modo que, mesmo sem parecerem imagens, sofrem<br />

uma alteração de significado, que vai resultar na alteração geral mencionada nos casos anteriores. […]<br />

Os demais apresentam realidades não figuradas, mas próprias. No entanto, a direção de mistério que<br />

orienta o poema faz com que cada palavra pareça figurada. O sentido figurado geral já esta prefigurado<br />

nestas palavras usadas como imagens sem o serem propriamente, pois todas são provavelmente<br />

símbolos. (Cândido, 1993).<br />

Logo, Cândido define a alegoria desta maneira:<br />

[...] alegoria, isto é, num tipo de linguagem figurada que, por meio da sequência das imagens, ou dos<br />

conceitos, resulta numa distorção geral do sentido. (Cândido, 1993).<br />

Além desses dois tipos de poemas, Antonio Cândido chama a atenção para um terceiro: aquele que traz<br />

em cada palavra, ou verso, um sentido figurado, mas o poema, como um todo, é claro e explícito.<br />

[...] temos um processo comum na poesia, que consiste em organizar logicamente, racionalmente, um<br />

pensamento poético que em si é ilógico, pois está baseado na alteração dos significados normais das


palavras. Resulta ao mesmo tempo, no fim do poema, um sentido geral claro e expressivo, e um sentido<br />

figurado em cada parte, ambos colaborando para o efeito poético total. (Cândido, 1993).<br />

Dessa maneira, nem é apenas de metáforas que se faz um poema. Com isso, Ezra Pound (1934-1972)<br />

indica três procedimentos básicos para sua criação:<br />

1) Melopeia: musicalidade dos versos a partir dos recursos sonoros e fonéticos, como o ritmo do poema,<br />

a aliteração, assonância, entre outros;<br />

2) Fanopeia: a criação de imagens por meio das palavras dos versos; é o apelo à imaginação visual do<br />

leitor;<br />

3) Logopoeia: é a criação da mensagem do poema; recursos lingüísticos intelectuais ou emocionais.<br />

Portanto, para a produção poética requer-se a manipulação da linguagem, e é por meio de recursos<br />

linguísticos do significante (palavra) e do significado (ideia) que o poeta cria, ou recria, o seu mundo,<br />

dialogando com ele. <strong>As</strong>sim, Décio Pignatari afirma que o poema é um ser de linguagem.<br />

O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e<br />

recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo, O<br />

poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz): ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo<br />

da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. É por isso que um poema<br />

parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele<br />

cria modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo um ser concreto de linguagem, parece o<br />

mais abstrato dos seres. É por isso que um poema é criação pura — por mais impura que seja. É como<br />

uma pessoa, ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É<br />

como uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas o que ela quer mesmo é ser amada.<br />

(Pignatari, 2004).<br />

Entretanto, esse diálogo nem sempre é harmônico. Sobre isso, Roman Jakobson afirma:<br />

A poesia vive em conflito com o tempo e o pensamento e manifesta essa tensão na linguagem,<br />

construção estética que dialoga com a história, pessoal e coletiva, ao mesmo tempo em que afirma sua<br />

própria identidade como artefato artístico [...] (Toledo, 1971).<br />

Dessa forma, é essa construção estética que interessa ao nosso estudo. Se a poesia vive em conflito<br />

com tempo e o pensamento, como afirma Jakobson, de que forma a poesia brasileira sobrevive em uma<br />

sociedade capitalista de consumo?<br />

Sociedade esta que torna o homem anônimo, mais um em uma grande massa de manobra do sistema<br />

de capital. E esse homem está sem voz. A poesia tenta restaurar, nesse homem, a sua individualidade.<br />

Talvez seja por isso o visível aumento das publicações de poesia, por pequenas ou médias editoras;<br />

edições financiadas pelo próprio autor; suplementos; periódicos; e até mesmo publicações em vários<br />

formatos nos meios virtuais.<br />

Sobre essa produção poética contemporânea, o crítico Manuel da Costa Pinto afirma haver duas<br />

vertentes:<br />

Existem duas ideias sobre a poesia brasileira que são consensuais, a ponto de terem virado lugarescomuns.<br />

A primeira diz que um de seus traços dominantes é o diálogo cerrado com a tradição. Mas não<br />

qualquer tradição. O marco zero, por assim dizer, seria a poesia que emergiu com a Semana de Arte<br />

Moderna de 22. A segunda ideia, decorrente da primeira, é que essa linhagem modernista se bifurca em<br />

dois eixos principais: uma vertente mais lírica, subjetiva, articulada em torno de Mário de Andrade,<br />

Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade; e outra mais objetiva, experimental, formalista,<br />

representada por Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto e a poesia concreta. (Pinto, 2004).<br />

O jornalista e poeta Rodrigo Garcia Lopes, em seu artigo “Muito além da academídia: Poesia brasileira<br />

hoje”, publicado na revista Coyote, fez severas críticas aos critérios adotados por Manuel da Costa Pinto:<br />

A presença de uma palavra como "consenso", logo na segunda linha de um livro que promete mostrar<br />

"a diversidade da nossa história poética e ficcional" (p. 10) é no mínimo perigosa. Como vimos com<br />

Noam Chomsky, o conceito de consenso, nas sociedades democráticas, é manufaturado, escamoteado,<br />

quase sempre para favorecer instituições (fundações, universidades, imprensa, academias, editoras) e<br />

os interesses dos grupos dominantes e hegemônicos da sociedade. A fabricação desse consenso se dá<br />

todos os dias, e a mídia é quem cuida disso, através de fórmulas prontas e muitas vezes subliminares. É<br />

a lógica do mercado interferindo na mente dos cidadãos. Ideias não são consensuais. São um campo de


atalha. A poesia não pode ser consensual, pois sua prática, idealmente, é ser não conformista. (Lopes,<br />

2005).<br />

Mais adiante, o doutor em literatura, Fábio Cavalcante de Andrade, estabelece quatro tendências:<br />

1. Poesia Marginal, surgida como resposta direta ao clima opressivo do regime militar, buscando<br />

espontaneidade e o retratismo do cotidiano político;<br />

2. Poesia Visual, herdeira e continuadora de determinados procedimentos do concretismo, bem<br />

como de outras vanguardas;<br />

3. Poesia de Renovação das formas tradicionais e do cotidiano, indicando obliquamente uma forte<br />

presença de <strong>poéticas</strong> como as de Drummond e Manuel Bandeira, mas onde também se pode encontrar<br />

certo classicismo;<br />

4. Poesia Hermética, acrescentando ao cânone brasileiro uma série de poetas difíceis, obscuros,<br />

apresentando ainda grande parentesco com valores da alta modernidade. (Andrade, 2008).<br />

Portanto, é sobre essas quatro tendências que tentarei discorrer, mesmo sabendo que toda e qualquer<br />

classificação é arbitrária e provisória, porém necessária para uma tentativa de mapear as <strong>várias</strong> linhas ou<br />

estilos da poética contemporânea.<br />

POESIA MARGINAL<br />

A poética denominada Marginal, também conhecida como geração mimeógrafo, nasceu nas décadas<br />

de 1970 e 1980, anos da ditadura militar. É uma poética engajada, rebelde e revolucionária, sem<br />

preocupações estéticas e de acentuada informalidade. Essa poética também é marcada pelos recortes do<br />

cotidiano. Heloísa Buarque de Hollanda, na antologia Esses Poetas, primeiro registro dessa poética, acaba<br />

inserindo a poética surrealista paulistana pautada pelo registro espontâneo às experiências com a escrita<br />

automática. Os poetas marginais participavam de todo o processo do livro, da criação, manufatura e venda.<br />

A este respeito, no prefácio da coletânea da segunda edição, Heloísa escreve:<br />

Frente ao bloqueio sistemático das editoras, um circuito paralelo de produção e distribuição<br />

independente vai se formando e conquistando um público jovem que não se confunde com o antigo leitor<br />

de poesia. Planejadas ou realizadas em colaboração direta com o autor, as edições apresentam uma<br />

face charmosa, afetiva e, portanto, particularmente funcional. Por outro lado, a participação do autor nas<br />

diversas etapas da produção e distribuição do livro determina, sem dúvida, um produto gráfico integrado,<br />

de imagem pessoalizada, o que sugere e ativa uma situação mais próxima do diálogo do que a oferecida<br />

comumente na relação de compra e venda, tal como se realiza no âmbito editorial. A esse propósito,<br />

convém lembrar a tão freqüente presença do autor no ato da venda o que de certa forma recupera para<br />

a literatura o sentido de relação humana. (Hollanda, 1998).<br />

POESIA VISUAL<br />

Essa poética é herdeira da vanguarda concretista, mais principalmente do poeta francês Mallarmé, e<br />

próxima das <strong>artes</strong> plásticas e dos meios tecnológicos. Faz a união entre a cultura pop, de massa, com a<br />

publicidade, a música, sobretudo o videoclipe. Poética que utiliza a escrita como elementos gráficos, além<br />

de outros recursos visuais, como as colagens, os grafismos e os diferentes alfabetos. Segundo o crítico e<br />

poeta Claudio Daniel, em seu artigo, “Pensando a Poesia Brasileira em Cinco Atos”, publicado na revista<br />

paranaense Coyote, é uma linguagem de futuro promissor, devido ao avanço tecnológico.<br />

É possível supor que, dentro de uma ou duas décadas, as novas gerações possam unir o<br />

conhecimento dos livros com o manejo tecnológico, tendo condições ideais para desenvolverem poemas<br />

interativos, aprofundando as propostas das vanguardas históricas. Será essa, porém, a única via para a<br />

experimentação poética? Ou é possível prosseguir com o ideal de invenção no poema-texto? (Daniel,<br />

2005).<br />

POESIA DE RENOVAÇÃO DAS FORMAS TRADICIONAIS E DO COTIDIANO<br />

Conforme descrito por Manuel da Costa Pinto, essa poesia está ligada ao cânone modernista,<br />

principalmente a dupla Bandeira e Drummond; é de uma vertente mais lírica e subjetiva da experiência da<br />

vida comum e cotidiana, também marcada por uma forte intertextualidade, e apresenta <strong>várias</strong> formas: a fixa<br />

(sonetos, odes etc.) ou a livre. É conhecida por geração 60, mesmo que alguns de seus representantes<br />

tenham publicado antes ou depois. Sobre essa vertente, Fábio Cavalcante afirma:


Na geração de 60 é possível reconhecê-los, aqueles que cultivaram o lirismo, através de formas fixas<br />

ou livres, ressaltando ou ocultando o sujeito lírico, e mantendo a experiência humana como fonte<br />

fundamental de suas inquietações e órbita incontornável do poema. Do ponto de vista técnico,<br />

apresentam diversidade e facilidade de locomoção entre registros formais diferentes. Do soneto a uma<br />

canção, dos versos livres à criação de novas formas fixas. Em todos, porém, sente-se a proximidade de<br />

uma experiência vital de vida, que não desaparece no formalismo de vanguarda nem na facilidade da<br />

expressão espontânea. Nem o fetiche da inovação nem a suposta liberdade do engajamento. São<br />

poetas responsáveis pela manutenção, ao longo de três décadas, do terreno literário, protegendo-o<br />

contra a infertilidade na qual muitos marginais caíram, e contra as experiências malogradas da<br />

vanguarda mais radical. (Andrade, 2008).<br />

POESIA HERMÉTICA<br />

Essa poética é chamada de hermética por apresentar uma linguagem elaborada, sem articulação léxica,<br />

por vezes obscura ou enigmática. Com isso, Fábio Cavalcante afirma:<br />

O Hermetismo poético é senão a principal, uma das principais formas da expressividade moderna,<br />

uma espécie de platonismo às avessas: quanto mais distante do retratismo, da mera cópia da realidade,<br />

mais verdadeiro aos olhos dos poetas. (Andrade, 2008).<br />

Essa poética ganha força a partir dos anos 1990. É herdeira de <strong>várias</strong> fases do Modernismo,<br />

principalmente das mais radicais e experimentais, como a poesia concreta; dos poetas João Cabral de Melo<br />

Neto e Murilo Mendes; dos poetas marginais; e também das culturas primitivas, orientais, bem como da<br />

cultura pop. Claudio Daniel, em seu artigo “Uma escritura na zona de sombra”, afirma:<br />

A diversidade de linhas de pesquisa e processos de criação, signo dinâmico da nova poesia, requer<br />

não o estático, mas o mutável, sem a hegemonia de uma única concepção, e aponta ainda em outras<br />

direções luminosas. O tempo exige <strong>poéticas</strong> em mandala, arco-íris, cauda de pavão, e desencasula<br />

formas e cores como um tapete marroquino [...].<br />

Os poetas atuais não comungam de um mesmo credo, mas têm como princípio básico a noção do<br />

poema como um elaborado artefato de linguagem — e não apenas isso. O meticuloso <strong>artes</strong>anato das<br />

palavras soma-se à investigação de novos repertórios simbólicos e culturais do Ocidente e do Oriente,<br />

da escritura e de outros códigos de expressão, de um passado remoto ou da atualidade — como<br />

resistência. (Daniel, 2000).<br />

O poeta e ensaísta continua sua afirmação e, em seu artigo “Geração 90: uma pluralidade de <strong>poéticas</strong><br />

possíveis”, divide essa poética em quatro grupos. São eles:<br />

NEOBARROCO – A POÉTICA DA “PÉROLA IRREGULAR”<br />

De elevado grau de elaboração de linguagem algumas similaridades formais, como o uso da<br />

metáfora, a riqueza imagética, as referências à pintura, à fotografia e ao cinema, o vocabulário erudito e<br />

a sintaxe fraturada, que não elimina o discurso, mas o redimensiona de maneira inventiva. São poemas<br />

que se afastam da espacialização gráfica e da fragmentação léxica do concretismo e também da<br />

linguagem coloquial e prosaica da “geração mimeógrafo”, aproximando-se de uma construção mais<br />

hermética ou barroquizante que exige do leitor uma cumplicidade de repertório e uma não menos árdua<br />

estratégia de leitura. O verso não é abolido, mas reconstruído para além da camisa-de-força da métrica e<br />

das facilidades oferecidas pelo verso livre, abrindo um campo de experimentação para a poesia<br />

enquanto elaboração verbal.<br />

MINIMALISMO – A POÉTICA DA ARQUITETURA CONCENTRADA<br />

A construção poética concisa, fragmentária, que condensa os recursos da linguagem e se choca com<br />

violência contra a sintaxe discursiva e a própria noção de verso define a tendência minimalista. O<br />

principal recurso estilístico utilizado por essa tendência é a metonímia, aliada à elipse, embora apareçam<br />

também metáforas de sabor surrealizante, que derivam dos tender buttons de Gertrude Stein. A esse<br />

respeito, Manuel da Costa Pinto fala em “justaposição de frases nominais, refratárias às correlações<br />

lógicas”, e ainda de uma “língua desconexa”.<br />

A POÉTICA DO FORMALISMO INFORMAL<br />

Incorpora elementos implícitos do cinema em suas próprias estruturas — cortes, fusões, sequências,<br />

closes, flashbacks, silêncios, ruídos (idem). A influência do cinema, da música popular, da filosofia


oriental, da mitologia beat e das histórias em quadrinhos é visível. São poetas que mesclam referências<br />

cultas às linguagens da comunicação de massa, explorando também o imaginário e as formas estéticas<br />

de culturas não ocidentais, como os mitos indígenas e a poesia chinesa e japonesa. O resultado desse<br />

sincretismo é uma poesia de dicção coloquial, melódica e fluente, com o uso eventual de rimas,<br />

aliterações e do verso longo, próximo à prosa, mas sem desprezar o uso espacial das linhas na página.<br />

A imagem é um elemento importante para a articulação do seu pensamento, com o uso de closes e<br />

cortes metonímicos para a descrição de cenários da natureza.<br />

ETNOPOESIA – A POÉTICA DA MISCIGENAÇÃO TRANSISTÓRICA<br />

A recriação de formas <strong>poéticas</strong> de culturas antigas e não ocidentais, como o oriki africano, o sijô<br />

coreano ou os cantos xamânicos de tribos esquimós corresponde a uma tendência conhecida como<br />

etnopoesia. (Daniel, 2008).<br />

Portanto, esta análise tem como propósito apresentar algumas das possibilidades <strong>poéticas</strong><br />

<strong>contemporâneas</strong>, porém sabendo de sua pluralidade criativa, e que essas possibilidades são e estão vivas,<br />

crescendo, metamorfoseando e frutificando-se, impossível de alocar-se em prateleiras estáticas<br />

reducionistas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ABAURRE, Maria Luiza Marques. “Como ler um poema?” In: ABAURRE, Maria Luiza Marques; PONTARA,<br />

Marcela. Literatura Brasileira: tempos, leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2006.<br />

ALEXANDRE, Alberto. Tentativa de Pôr Ordem na Casa. MASSI, Augusto (org.). Artes e Ofícios da Poesia.<br />

Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1991, pp. 24-25.<br />

ANDRADE, Fábio Cavalcante. A transparência impossível: lírica e hermetismo na poesia brasileira atual /<br />

Fábio Cavalcante de Andrade. – Recife: O Autor, 2008. 331 folhas: ilustrado, quadro.<br />

ANTUNES, Arnaldo. “Prefácio para o livro ‘Não’, de Augusto de Campos” In: CAMPOS, Augusto de. Não.<br />

São Paulo: Perspectiva.<br />

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1990.<br />

CÂNDIDO, Antônio. O estudo analítico do poema. São Paulo: FFLCH-USP, 1993. (Terceira leitura, 2).<br />

DANIEL, Claudio. “Geração 90: uma pluralidade de <strong>poéticas</strong> possíveis”. In: Protocolos críticos. São Paulo:<br />

Iluminuras / Itaú Cultural, 2008.<br />

DANIEL, Claudio. “Pensando a Poesia Brasileira em Cinco Atos”. Revista Coyote, Londrina, n° 13, pp. 48-<br />

51. 2005.<br />

DANIEL, Cláudio. “Uma escritura na zona de sombra”. Babel. Revista de poesia, tradução e crítica, nº 3,<br />

set.-dez. 2000.<br />

OLIVEIRA, Solange Ribeiro de. “Do poema ao vídeo e à instalação: o poético nas <strong>artes</strong> <strong>contemporâneas</strong>”.<br />

.<br />

Esses Poetas – uma antologia dos anos 90, (organização), p. 318. Aeroplano Editora, RJ, 1998.<br />

ESTEBAN, Claude. Critica da Tazfio poética. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. São Paulo: Martins<br />

Fontes, 1991.<br />

FERREIRA, Valéria Rosito. “Poesia contemporânea em Arnaldo Antunes: ventando as palavras, alforriando<br />

as coisas”. < www.unigran.br/revistas/interletras/.../poesia_contenporanea.pdf>.<br />

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. 26 Poetas Hoje, (organização, 2ª edição) RJ, Aeroplano Editora, p. 270.<br />

RJ, 1998.<br />

___________._______________. Esses Poetas – uma antologia dos anos 90, (organização), p. 318.<br />

Aeroplano Editora, RJ, 1998.<br />

JAKOBSON, R. e TYNIANOV, J. “Os problemas dos estudos literários e linguísticos”. In: TOLEDO, Dionísio<br />

de Oliveira. (org.). Teoria da literatura — formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1971.<br />

LOPES, Rodrigo Garcia. “Muito Além da Academídia: Poesia Brasileira Hoje”. Revista Coyote, Londrina, n°<br />

12, pp.48-51. 2005.<br />

PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004.<br />

PINTO, Manuel da Costa. Literatura brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2004.<br />

SISCAR, Marcos. “A cisma da poesia brasileira”. In: Sibila. ano 5: n° 8-9: 2005, pp. 41- 60. São Paulo.<br />

“Terça-Nada, Marcelo”. Livro Objeto/Poesia Objeto! .<br />

VASCONCELOS, Maurício Salles. “Poesia Contemporânea Nacional. Reincidências e passagens. Aletria”.<br />

Revista de estudos de literatura, 6. Poesia Brasileira Contemporânea. Faculdade de Letras da UFMG, CEL,<br />

1999, pp. 18-25.<br />

<strong>Fabiano</strong> Fernandes Garcez nasceu a 3 de abril de 1976, na cidade de São Paulo. Formou-se em Letras, é<br />

professor de língua portuguesa e redação, é autor dos livros: Poesia se é que há (2008) e Diálogos que


ainda restam (2010), participou das antologias: São Paulo Quatrocentona (2005) e Poemas que latem ao<br />

coração! (2009). Desenvolveu o Ateliê de poesia para a Casa de Cultura Tremembé. Palestra no I Fórum da<br />

Juventude: A ideologia do curinga – Um paralelo sobre a falta de ideologia da atual sociedade brasileira e o<br />

livro: O dia do curinga do autor norueguês Jöstein Gaarder; Palestra na Biblioteca Monteiro Lobato<br />

Guarulhos: A poesia contemporânea em debate. Jurado pela cidade de Guarulhos da fase municipal do<br />

Mapa Cultural Paulista – Edição 2009/2010 (Poesia).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!