As bases neurais da memória e da aprendizagem
As bases neurais da memória e da aprendizagem
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<strong>As</strong> <strong>bases</strong> <strong>neurais</strong> <strong>da</strong> <strong>memória</strong> e <strong>da</strong> <strong>aprendizagem</strong>.<br />
A <strong>memória</strong> é a capaci<strong>da</strong>de que têm o homem e os animais de armazenar informações que possam ser recupera<strong>da</strong>s e<br />
utiliza<strong>da</strong>s posteriormente. Difere <strong>da</strong> <strong>aprendizagem</strong>, pois esta é apenas o processo de aquisição <strong>da</strong>s informações.<br />
- aquisição Entra<strong>da</strong> de um evento qualquer nos sistemas <strong>neurais</strong> ligados à <strong>memória</strong>.<br />
- seleção Como os eventos são geralmente múltiplos e complexos, os sistemas de <strong>memória</strong> só permitem a<br />
aquisição de alguns aspectos mais relevantes para a cognição, mais marcantes para a emoção, mais focalizados pela<br />
nossa atenção, mais fortes sensorialmente, ou simplesmente priorizados por critérios desconhecidos.<br />
- retenção Armazenamento dos eventos selecionados, que ficam disponíveis para serem lembrados. Fortemente<br />
influencia<strong>da</strong> pela presença de elementos distratores. Tendemos a reter melhor as informações que estão no início e<br />
no fim de uma série, e esquecemos aqueles situados no meio.<br />
- esquecimento Desaparecimento dos eventos selecionados que foram armazenados. O esquecimento é uma<br />
proprie<strong>da</strong>de normal <strong>da</strong> <strong>memória</strong>, desempenhando um mecanismo de prevenção de sobrecarga e filtragem <strong>da</strong><br />
<strong>memória</strong>.<br />
- consoli<strong>da</strong>ção Quando o evento é memorizado durante um tempo prolongado, às vezes permanentemente.<br />
- evocação (lembrança) Processo através do qual temos acesso à informação armazena<strong>da</strong> para utiliza-la<br />
mentalmente na cognição, na emoção ou no comportamento.<br />
Thiago M. Zago medUnicampXLVI 1
- ultra-rápi<strong>da</strong><br />
- tempo - curta-duração<br />
- longa duração<br />
- tipos{ <strong>memória</strong> - explícita/ declarativa<br />
(pode ser descrita por palavras)<br />
- frações de segundo – alguns segundos<br />
- <strong>memória</strong> sensorial<br />
- minutos - horas<br />
- sentido{ continui<strong>da</strong>de{ presente<br />
- horas - anos<br />
- registro{ passado autobiográfico/ conhecimento<br />
- episódica fatos<br />
- semântica conceitos<br />
- representação perceptual<br />
- natureza - procedimentos hábitos, regras<br />
- implícita/ não-declarativa<br />
(não pode ser descrita por palavras) - associativa condicionamento<br />
- não-associativa habituação, sensibilização<br />
- operacional permite{ raciocínio/ planejamento{ comportamento<br />
Aprendizagem: aquisição de <strong>da</strong>dos para pensar e agir. O processo de aquisição de novas<br />
informações que vão ser reti<strong>da</strong>s na <strong>memória</strong> é chamado <strong>aprendizagem</strong>. Memória, diferentemente é o processo de<br />
arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou<br />
inconscientemente. De certo modo, a <strong>memória</strong> pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e<br />
neuropsicológicos que permitem a <strong>aprendizagem</strong>.<br />
A capaci<strong>da</strong>de de <strong>aprendizagem</strong> pode ser de dois tipos:<br />
1- <strong>As</strong>sociativa Condicionamento clássico e operante;<br />
2- Não-associativa Habituação e sensibilização.<br />
A amnésia retrógra<strong>da</strong> é a incapaci<strong>da</strong>de de se lembrar do passado. A amnésia anterógra<strong>da</strong> é a per<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
habili<strong>da</strong>de de criar novas <strong>memória</strong>s e absorver novas informações. A amnésia anterógra<strong>da</strong>, a mais comum <strong>da</strong>s<br />
duas, está associa<strong>da</strong> à lesão no hipocampo. Com ela, não é possível transformar novas informações sensitivas em<br />
<strong>memória</strong>s de longo prazo. Por exemplo, a per<strong>da</strong> de consciência induzi<strong>da</strong> pelo álcool é um tipo de amnésia<br />
anterógra<strong>da</strong> neurológica. O excesso de álcool impede que as vias <strong>neurais</strong> no cérebro formem novas <strong>memória</strong>s<br />
enquanto estão intoxica<strong>da</strong>s. <strong>As</strong> pessoas que sofrem de per<strong>da</strong> de consciência podem falar e interagir normalmente,<br />
mas na manhã seguinte não se lembrarão de na<strong>da</strong>.<br />
Thiago M. Zago medUnicampXLVI 2
Hipocampo Está envolvido especificamente com os processos de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>memória</strong> explícita.<br />
Memória sensorial. Como os eventos externos incidem sobre o SNC através dos sentidos, pode-se supor<br />
que os primeiros processos mnemônicos devem ocorrer nos sistemas sensoriais. É a chama<strong>da</strong> <strong>memória</strong> sensorial. O<br />
que essa forma de <strong>memória</strong> tem de característico é que é pré-consciente, isto é, não alcança a consciência. Essa<br />
<strong>memória</strong> pode ser de dois tipos:<br />
1- Arquivo icônico Eventos visuais;<br />
2- Arquivo ecóico Eventos auditivos.<br />
Fala-se em decaimento <strong>da</strong> <strong>memória</strong> ultra-rápi<strong>da</strong> para descrever o seu desaparecimento com o tempo. Não é<br />
adequado dizer esquecimento, neste caso, uma vez que se trata de uma <strong>memória</strong> pré-consciente.<br />
Memória operacional. A <strong>memória</strong> operacional destina-se a fornecer ao indivíduo a capaci<strong>da</strong>de de reter<br />
informações durante um tempo mínimo necessário para a realização <strong>da</strong>s operações do dia-a-dia: compreensão dos<br />
fatos, raciocínio, resolução de problemas, ação comportamental etc. Tendo em vista essa função, a <strong>memória</strong><br />
operacional li<strong>da</strong> com <strong>da</strong>dos provenientes <strong>da</strong> <strong>memória</strong> ultra-rápi<strong>da</strong>, mas não unicamente dela: utiliza também<br />
informações armazena<strong>da</strong>s na <strong>memória</strong> de longa duração. A <strong>memória</strong> operacional e a <strong>memória</strong> explícita de longa<br />
duração são dissocia<strong>da</strong>s e independentes.<br />
A <strong>memória</strong> operacional é constituí<strong>da</strong> por:<br />
1- Componente executivo central Concebido como coordenador dos componentes de apoio (visuoespacial<br />
e fonológico). É ele que controla quais informações devem entrar para os componentes de<br />
apoio: seria quase um filtro atencional. Tal componente executivo é exercido pelo córtex pré-frontal.<br />
2- Componentes de apoio visuo-espacial e fonológico.<br />
Sabe-se hoje que um conjunto de regiões cerebrais participa dos mecanismos de <strong>memória</strong> operacional, destinados a<br />
fornecer-nos <strong>da</strong>dos para raciocinar e agir, armazenando por alguns segundos ou minutos algumas <strong>da</strong>s informações<br />
que continuamente chegam ao SNC através dos sentidos ou através dos nossos próprios pensamentos.<br />
Memória explícita. A <strong>memória</strong> explícita faz parte <strong>da</strong> <strong>memória</strong> de longa duração cujo “objetivo” é prover a<br />
nossa mente com um enorme arquivo de <strong>da</strong>dos que possam ser evocados a qualquer momento, sempre que<br />
necessário. O hipocampo é a principal estrutura envolvi<strong>da</strong> com essa função. Entretanto, o hipocampo não é o lugar<br />
onde estão armazena<strong>da</strong>s as <strong>memória</strong>s explícitas, mas a estrutura coordenadora do processo de consoli<strong>da</strong>ção dessas<br />
<strong>memória</strong>s. A consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>memória</strong> envolve o fortalecimento <strong>da</strong>s associações entre as novas <strong>memória</strong>s que<br />
chegam e a informação previamente existente, um processo que pode durar alguns anos no homem.<br />
Já a hipótese mais provável sobre o lugar de armazenamento <strong>da</strong>s <strong>memória</strong>s é a de que ca<strong>da</strong> região cerebral de<br />
processamento complexo armazena informações sob comando hipocampal. <strong>As</strong>sim, é provável que os arquivos<br />
icônicos duradouros sejam armazenados nas diferentes áreas do córtex ínfero-temporal que realizam a percepção<br />
de objetos; os arquivos léxicos e fonéticos sejam armazenados na área de Wernicke e assim por diante.<br />
Lembrar sem saber. Nem to<strong>da</strong> <strong>memória</strong> é consciente. Memorizamos muito mais coisas do que nos <strong>da</strong>mos<br />
conta a ca<strong>da</strong> momento. Essa <strong>memória</strong> “latente”, pré-consciente, é uma <strong>memória</strong> implícita.<br />
Memória de representação perceptual. Trata-se de uma identificação com base na forma e na<br />
estrutura do objeto, sem que seja necessário saber seu nome e sua função como, por exemplo, associar alguns<br />
traços de um desenho a um objeto real. Tal <strong>memória</strong> consiste em uma <strong>memória</strong> pré-consciente. Duas características<br />
são típicas <strong>da</strong> <strong>memória</strong> de representação perceptual:<br />
1- Repetição Fun<strong>da</strong>mental para sua consoli<strong>da</strong>ção;<br />
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2- Pré-ativação Necessária para a evocação e corresponde à utilização de partes do objeto original,<br />
possivelmente provocando a ativação apenas parcial dos circuitos <strong>neurais</strong> envolvidos.<br />
Memória de Procedimentos. Trata-se de uma <strong>memória</strong> implícita que se relaciona com hábitos,<br />
habili<strong>da</strong>des e regras, algo que muitas vezes memorizamos sem sentir e utilizamos sem tomar consciência como, por<br />
exemplo, an<strong>da</strong>r de bicicleta. Depois de consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>, a <strong>memória</strong> de procedimentos é muito sóli<strong>da</strong>.<br />
A <strong>memória</strong> de procedimentos é primariamente inconsciente, embora possamos reconstruir <strong>da</strong>s ações memoriza<strong>da</strong>s<br />
posteriormente uma lógica coerente que nos faça adquirir uma <strong>memória</strong> explícita delas. Ou seja, inicialmente<br />
sabemos realizar determina<strong>da</strong> tarefa sem saber explicá-la, depois de inúmeras repetições adquirimos a <strong>memória</strong><br />
explícita de tal ativi<strong>da</strong>de e conseguimos explicá-las.<br />
A <strong>memória</strong> de procedimentos fica armazena<strong>da</strong> nas próprias regiões motoras que coordenam os atos<br />
correspondentes.<br />
Modulação <strong>da</strong> Memória. A <strong>memória</strong> pode ser modula<strong>da</strong>, isto é, pode ser “fortaleci<strong>da</strong>” ou “enfraqueci<strong>da</strong>”<br />
por situações que dão contorno aos eventos. Entre os componentes de modulação <strong>da</strong> <strong>memória</strong> estão:<br />
1- Emoção. A amíg<strong>da</strong>la (grupo basolateral) é uma estrutura moduladora que desempenha o papel de<br />
associar as emoções com a <strong>memória</strong>. A amíg<strong>da</strong>la recebe informações de natureza emocional e as<br />
conecta com informações mnemônicas em processo de consoli<strong>da</strong>ção;<br />
2- Alerta;<br />
3- Atenção;<br />
4- Hormônios.<br />
Mecanismos Celulares e Moleculares. A hipótese de que haveriam mecanismos celulares e<br />
moleculares envolvidos com os processos de armazenamento de informações se fortaleceu quando foram<br />
descobertos os mecanismos de neuroplastici<strong>da</strong>de, por definição a proprie<strong>da</strong>de dos SNC de alterar a sua<br />
configuração morfológica ou fisiológica sob a influência dinâmica do ambiente. Vários fenômenos <strong>da</strong> plastici<strong>da</strong>de<br />
sináptica se qualificam como possíveis mecanismos celulares e moleculares <strong>da</strong> <strong>memória</strong>, principalmente a<br />
potenciação de longa duração (LTP).<br />
Um famoso experimento que evidenciou que interações com o ambiente levariam a modificações no sistema<br />
nervoso consistiu em expor ratos a ambientes enriquecidos. Verificou-se depois que tais ratos possuíam maior peso<br />
cerebral, maior árvore dendrítica, maior número de receptores sinápticos e maior número de glia. Chegou-se,<br />
assim, à conclusão de que “a experiência modifica o cérebro”.<br />
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