ÉTICA E ADMINISTRAÇÃO: CONTEXTUALIZANDO A ... - Unama
ÉTICA E ADMINISTRAÇÃO: CONTEXTUALIZANDO A ... - Unama
ÉTICA E ADMINISTRAÇÃO: CONTEXTUALIZANDO A ... - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>ÉTICA</strong> E <strong>ADMINISTRAÇÃO</strong>:<br />
<strong>CONTEXTUALIZANDO</strong> A DISCUSSÃO<br />
SOBRE OS DESAFIOS DA <strong>ÉTICA</strong> NO<br />
MUNDO DOS NEGÓCIOS<br />
Amadeu de Farias Cavalcante Júnior*<br />
RESUMO: A ética tem se colocado como um eixo fundamental para que o homem<br />
possa conviver bem em sociedade, dentro de parâmetros voltados para o dever de<br />
agir de acordo com o bem comum entre os homens, e em concordância com os<br />
valores morais que prezam pela ação virtuosa preocupada com o bem entre os diferentes.<br />
Mesmo sabendo que a reflexão ética se apropria dos valores morais considerados<br />
bons, no sentido de uma ciência do comportamento moral do homem em sociedade,<br />
admitimos que a dificuldade de se pensar a ética no mundo dos negócios está no<br />
fato de que o mundo da administração em organizações econômicas e complexas,<br />
muitas vezes exige posturas do administrador que possam dar conta de enfrentar os<br />
desafios colocados por uma ação pautada na “ética convencional”, e de uma ação<br />
pautada nas exigências do mundo dos negócios, ou uma “ética dos negócios”.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Ética profissional, ética nos negócios, ética da responsabilidade, administração.<br />
* Formado em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, com Especialização em Educação pelo Centro de Educação na<br />
UFPa e Mestre em Sociologia pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPa. Atualmente é docente da Disciplina<br />
Ética Profissional para o Curso de Administração/ESMAC.<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 1
INTRODUÇÃO<br />
O senso comum propaga que nos dias em<br />
que vivemos não existem mais tantas pessoas crédulas<br />
pelos princípios ético-morais, pelas circunstâncias<br />
que levam os homens nas condições da<br />
sociedade contemporânea. A generalização, porém,<br />
parece absurda. Por quê? Porque faz da<br />
venalidade uma linha congênita dos homens. A<br />
razão disso, entre outras, se deve a fatores que<br />
demonstram o quanto os agentes sociais ficam<br />
expostos a ações sem idoneidade, ou de suspeição,<br />
ou mesmo de mecanismos sociais e econômicos<br />
que seduzem à corrupção. Isto vem demonstrando<br />
o quanto nossas instituições públicas e privadas,<br />
bem como empresas de variadas espécies,<br />
são colocadas diante do crivo da avaliação por<br />
membros externos e internos, no que remete à<br />
aceitação ou aos desvios das normas consideradas<br />
como padrões sociais de condutas morais e<br />
éticas. De fato, em contextos de competições<br />
aguçados pela falta de empregos, pela ganância<br />
do lucro imediato, pela questão do poder econômico,<br />
e pelas condições “sufocantes” da economia<br />
e da necessidade de negociar com agentes<br />
que nem sempre se pautam pelas exigências éticas,<br />
enfim, podemos dizer que em várias situações<br />
a consciência dos administradores pode ser<br />
sempre colocada à prova.<br />
A discussão que se tem propalado nos<br />
meios acadêmicos e na literatura recente sobre<br />
o assunto não tem deixado de fora o problema da<br />
ética e suas exigências pela boa conduta, e nem a<br />
difícil reconciliação destas exigências no mundo<br />
do mercado. Os conflitos se dão quando os administradores<br />
se vêem encurralados pelas necessidades<br />
do mercado e as conseqüências que certas<br />
decisões podem causar na vida de quem participa<br />
da organização empresarial, sejam por meio<br />
dos seus membros diretos como empregados, fornecedores,<br />
outras empresas que mantêm relações<br />
comerciais, empresários; ou indiretos, tais<br />
como clientes, e a sociedade beneficiada por determinado<br />
produto.<br />
O cerne da discussão ética empresarial<br />
tem tomado ênfase e se espalhado nos currículos<br />
das faculdades de administração no Brasil e no<br />
2<br />
mundo, pois, como vem demonstrando os estudiosos<br />
do assunto (MOREIRA, 2002; NASH, 1993;<br />
SROUR, 2000; SINGER, 1998; SÁNCHES,<br />
1998), as práticas empresariais passaram a ser<br />
vistas de forma mais questionável, bem como as<br />
práticas e decisões de administradores que se escondem<br />
por trás das empresas. Tais práticas podem<br />
ser assim enumeradas, para título de<br />
exemplificação: subornos para dirigir licitações<br />
públicas; desvios de somas altas do erário público;<br />
sonegação fiscal; espionagem industrial e<br />
econômica; falsificação de medicamentos, de<br />
alimentos, roupas; “doações” para financiar campanhas<br />
políticas a candidatos que ofereçam alguma<br />
contrapartida a empresários; exploração do<br />
trabalho infantil ou assalariado; falta de incorporação<br />
da qualidade real nos produtos apresentados<br />
à população; não apresentar ou ocultar informações<br />
que dizem respeito à saúde pública da<br />
sociedade e danos ambientais causados, segundo<br />
diz Srour (2000, p.24), apontam apenas para um<br />
dos problemas comuns da administração empresarial,<br />
ao qual tem sido vista pelas lentes da sociedade<br />
de forma mais moralista, levando inclusive<br />
empresas a fecharem suas portas por causa<br />
de danos surtidos no âmbito da opinião pública.<br />
POR QUE A EXIGÊNCIA DA <strong>ÉTICA</strong><br />
NOS NEGÓCIOS ATUALMENTE?<br />
Como podem ser compreendidas de forma<br />
crítica estas questões que dizem respeito ao<br />
surgimento da discussão sobre a ética, ou da ética<br />
empresarial? Tais problemas podem ser vistos<br />
como partes de exigências que se tem feito<br />
por agências de controles sociais, tais como a<br />
mídia, e pela necessidade de que os negócios feitos<br />
pelas iniciativas de administradores visam uma<br />
postura ética mais exigente em função da necessidade<br />
de transparência na tomada de decisões,<br />
e da qualidade dos produtos, dentro do contexto<br />
de um mercado mais exigente. Mas não é só isto,<br />
é preciso entender o “jogo do poder” e das relações<br />
morais que se ocultam, muitas vezes, para<br />
que se possa dar margens a mecanismos funcionais<br />
que mantenham as empresas sobrevivendo<br />
num mundo competitivo. É como se propalasse<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
uma lei do mais forte num mundo dos negócios<br />
em que, para não cairmos na tentação de sermos<br />
ingênuos, as condutas morais por si só não bastam<br />
para justificar a complexidade da competição<br />
no mercado. Para aqueles administradores<br />
que ainda se pautam por ações idôneas, os discursos<br />
dirigidos podem se pautar na ética, mas<br />
as práticas mostram que<br />
[...] os praticantes de algumas dessas<br />
ações sentem-se justificados pela<br />
moral do oportunismo, de caráter egoísta<br />
e parasitário, que vige de maneira<br />
oficiosa [...]. Mas, é indispensável<br />
ressaltá-lo, tais agentes não assumem<br />
publicamente os atos que praticam<br />
nem se vangloriam deles. O que isso<br />
sugere? Que eles têm consciência da<br />
natureza clandestina do que fazem,<br />
apesar de dispor de um arsenal de racionalizações<br />
para persistir em sua<br />
conduta. Vale dizer, as morais são formas<br />
de legitimar decisões e ações,<br />
porque operam como discursos de justificação.<br />
(SROUR, 2000, p.25).<br />
Desse modo, segundo o autor, pagar a<br />
conta ao médico sem “recibo” para sonegar imposto,<br />
ou como no caso do administrador que gesta<br />
seu negócio sem o uso de notas fiscais para escapar<br />
do fisco; ou o suborno de um guarda; ou como<br />
no comércio do mercado paralelo do dólar que,<br />
apesar de ser considerado imoral (segundo a<br />
moral da integridade), é vista como legítima pela<br />
moral oficiosa do oportunismo. Administrar empresas<br />
exige estar atento aos problemas gerados<br />
pelas exigências de condutas morais na sociedade.<br />
É por isto que nem tudo pode ser tão transparente,<br />
no sentido de que o público possa fazer<br />
uma avaliação moralista e injusta, e nem tanto<br />
oculta, a ponto de não esclarecer sobre os problemas<br />
relativos aos produtos vendidos à sociedade.<br />
A ética dos negócios se situa dentro de exigências<br />
demarcadas pela opinião moral social e<br />
pela compressão da competitividade.<br />
Por diversas razões, que vão desde o problema<br />
que envolve a eterna sede pela busca do<br />
lucro e a ganância, até os códigos corporativos<br />
de empresas que só sustentam suas próprias necessidades<br />
de se manter no mercado a qualquer<br />
custo, pensamos que a administração e a<br />
moralidade, a ética e os negócios, têm tomado o<br />
aspecto de contradição e de distâncias em relação<br />
aos problemas éticos. No mundo dos negócios,<br />
o administrador se vê pressionado pela necessidade<br />
de negociar, juntamente com as exigências<br />
econômicas da empresa e da sociedade.<br />
Muitos podem estar convencidos de que devem<br />
guiar-se por altos padrões éticos, mesmo sabendo<br />
que outros não estão interessados em conciliar<br />
ética e necessidades econômicas. Há administradores<br />
que julgam que a conduta moralmente<br />
correta se restringe a um plano de ação meramente<br />
pessoal, enquanto outros acreditam na<br />
irreconciliação, uma vez que defendem que é<br />
moralmente aceitável mentir nos negócios justificando<br />
a sobrevivência econômica.<br />
Os desafios do mercado atual, as falhas<br />
éticas, os desvios de condutas nas empresas, colocam<br />
dilemas éticos que exigem uma mudança<br />
de postura de acordo com certa noção de “integridade”,<br />
em concomitância com uma “ética dos<br />
negócios”, pressionados por mudanças no mundo<br />
do mercado e exigências ocorridas na sociedade<br />
civil organizada. Como diz Nash (1993, p.5),<br />
o administrador moderno, junto com a empresa<br />
moderna, devem cultivar valores mais “altruístas”<br />
no sentido de atualizar valores que preservem<br />
o “bem comum” nas suas decisões: “A integridade<br />
nos negócios hoje exige capacidades<br />
incrivelmente integrativas; o poder de manter<br />
junta uma infinidade de valores importantes e<br />
quase sempre conflitantes; e exige o poder de<br />
colocar na mesma dimensão a moralidade pessoal<br />
e as preocupações gerenciais. Nenhum administrador<br />
pode se dar ao luxo, do ponto de vista<br />
econômico ou moral, de manter suas noções<br />
morais em compartimento fechado...”<br />
Todo administrador enfrenta o desafio de<br />
ter que tomar decisões que muitas vezes escapam<br />
ao seu controle total, mas que não deixam<br />
de ser problemáticas. Por isso, suas escolhas<br />
podem afetar direta ou indiretamente membros<br />
internos, ou a sociedade. Suas decisões devem<br />
estar alinhadas a mudanças e exigências ocorridas<br />
na sociedade, sintonizadas com uma série de<br />
rigores legislativos que tendem a punir empresas<br />
que tomam decisões danosas. Neste aspecto, a<br />
“ética nos negócios” aparece dentro de um con-<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 3
texto demarcado no capitalismo atual nas últimas<br />
décadas, e não porque houve uma necessidade<br />
de cada administrador agir de acordo com o<br />
“bom mocismo”. O que é a ética nos negócios?<br />
Segundo Nash (1993, p.6): “Ética nos negócios é<br />
o estudo da forma pelo qual normas morais pessoais<br />
se aplicam às atividades e aos objetivos da<br />
empresa comercial. Não se trata de um padrão<br />
moral separado, mas do estudo de como o contexto<br />
dos negócios cria problemas próprios e exclusivos<br />
à pessoa moral que atua como um gerente<br />
desse sistema”.<br />
A mudança de preocupações na ética nos<br />
negócios atesta a mudança ocorrida nas formas<br />
macro sociais do capitalismo recente. Segundo<br />
Nash (1993, p.7-22), os contextos das décadas de<br />
60 a 90 são marcantes para a mudança de percepção<br />
das empresas e das relações comerciais<br />
sobre a questão da ética nas relações comerciais.<br />
No período que abarca a década de 60, marcado<br />
pela guerra do Vietnã, levantaram indignação<br />
da opinião pública o desperdício com a indústria<br />
bélica e seu crescente poder de destruição<br />
de massa e o potencial de destrutividade das<br />
multinacionais no exterior. Fruto da uniformização<br />
cultural advinda dessas relações, fizeram<br />
com que os administradores enfrentassem problemas<br />
no sentido de que não só as relações econômicas<br />
estavam se expandindo para exploração<br />
de mercados com mão-de-obra mais barata,<br />
como enfrentaram questões relativas aos danos<br />
ambientais e ao controle da poluição ambiental,<br />
e suas respectivas exigências legislativas ocasionadas<br />
pela necessidade de reformas da consciência<br />
social.<br />
Nos anos 70, continua a autora, o<br />
corporativismo de grandes e médias empresas<br />
passou a ser vigiado em função de uma consciência<br />
cada vez mais acentuada por causa de escândalos<br />
públicos e subornos de toda ordem. Os problemas<br />
internos de uma empresa capitalista, junto<br />
com suas contradições, antes eram vistos apenas<br />
pelos empregados ou por analistas sindicalizados.<br />
O escândalo de casos como o Watergate, nos<br />
EUA, expondo a corrupção do aparelho público,<br />
fraturaram a confiança nas administrações de<br />
negócios. Os administradores se vêem pressionados<br />
a rever seus códigos internos de condutas<br />
4<br />
morais e éticas, e passaram a assumir as exigências<br />
por transparências nas negociações devido<br />
ao crescente movimento de consumidores<br />
exigentes de uma nova conduta de empresas que<br />
agiam de forma ilícita, enganando ou causando<br />
danos sociais ao desenvolvimento, ou agindo de<br />
forma ideológica por meio de propagandas, de<br />
embalagens, de rótulos, visando ludibriar o público.<br />
Os temas relativos à defesa do consumidor<br />
e as diferenças culturais no exterior continuaram<br />
a dominar a ética nos negócios na primeira<br />
metade da década de 80. Isto exigiu mudanças na<br />
mentalidade das empresas, o que deu outro perfil<br />
ao capitalismo em expansão. Segundo Nash<br />
(1993, p.8), a preocupação central da moral coletiva<br />
centraliza seu foco de atenção em torno da<br />
“capacidade moral do indivíduos”. Os conflitos<br />
de interesses, o comportamento ganancioso e individualista<br />
de administradores que lesavam interesses<br />
públicos, aquisições ilegais de bens junto<br />
com a mentira, vieram à tona e romperam o<br />
véu ou o mito da administração e do administrador<br />
como portadores de caráter de impessoalidade<br />
que cercava as discussões da ética nos negócios.<br />
A questão da ética nos anos 90 foi uma<br />
busca por um conjunto de premissas gerenciais<br />
que pudessem estimular o administrador a uma<br />
busca e valorização pela integridade pessoal, uma<br />
vez que a empresa pode ser censurada por isso,<br />
e dando uma resposta aos outros de acordo com<br />
o contexto de competitividade empresarial. Neste<br />
contexto, surge a discussão em torno de uma<br />
ética que possa enfrentar as convulsões da economia,<br />
onde o administrador possa enfrentar os<br />
dilemas da ética e da economia e reconciliar com<br />
questões sociais.<br />
A “ética convencionada”, como resposta<br />
a todos os problemas empresariais, fornece<br />
uma combinação entre a motivação do lucro e o<br />
espírito altruísta embebido pela necessidade de<br />
cooperação e confiança, e possui dois aspectos<br />
fundamentais: primeiro, não percebe o lucro e<br />
outros retornos sociais como objetivos absolutos<br />
pelo administrador; segundo, aborda as relações<br />
empresariais como questão de relacionamento<br />
com o público, priorizando um visão humanista.<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
A ética nos negócios ganha mais credibilidade<br />
quando se projeta sua “imagem” de acordo com<br />
as exigências sociais do que com a natureza do<br />
capitalismo (NASH, 1993, p.19).<br />
Como resume Nash (1993), o impacto<br />
dessas mudanças não é apenas econômico. Elas<br />
significam perigo para a capacidade moral das<br />
empresas e dos que nelas participam. Não atender<br />
certas exigências se torna danoso para a imagem<br />
social das empresas. A tecnologia e a complexidade<br />
financeira, as fraudes recorrentes, as<br />
novas preocupações ambientais e legislações mais<br />
rígidas, a educação de consumidores esclarecidos<br />
pela qualidade dos produtos, o turbilhão das<br />
economias e a competitividade que chega a fechar<br />
empresas e corporações, e a desmoralizar<br />
administradores, enfim, sobretudo o fator de confiança<br />
ao qual os consumidores chegam a depositar<br />
nas empresas avaliando suas funções do ponto<br />
de vista moral, tudo isto somado a outras questões<br />
dão origem a uma necessidade de discussão<br />
e de efetivação da “ética nos negócios” sobre o<br />
risco de serem penalizados por desvios cometidos.<br />
A ética nos negócios é tão fundamental para<br />
a sobrevivência de empresas pela simples necessidade<br />
de se autopreservarem no mundo das transações<br />
comerciais.<br />
A SEDE PELA <strong>ÉTICA</strong><br />
A sede pela ética se justifica para os<br />
administradores devido aos enfrentamentos complexos<br />
que suas escolhas e decisões podem causar.<br />
O trabalho do administrador está sujeito, sem<br />
dúvida, a avaliações que tendem a julgá-lo moralmente.<br />
Se sua postura moral não estiver de<br />
acordo com o que a opinião pública considera<br />
como padrão de conduta moral legítima, então a<br />
vida de seu empreendimento estará comprometida,<br />
mesmo que isto se faça por meio de uma<br />
mídia que denuncia sem fundamentos e injustamente<br />
uma causa, como foi o caso que ocorreu<br />
com os administradores de uma escola. Vejamos:<br />
Basta citar o famoso caso da Escola<br />
Base, no Bairro da Aclimação em São Paulo, em<br />
março de 1994, quando os donos do estabeleci-<br />
mento foram acusados, de maneira infundada,<br />
de estarem envolvidos em práticas de abuso sexual<br />
de crianças (...). Mesmo sem provas concretas,<br />
o delegado e duas mães de aluno passaram<br />
informações à mídia que a divulgou sem prévia<br />
apuração da veracidade dos fatos. Em razão<br />
da exploração sensacionalista das denúncias, a<br />
repercussão foi devastadora. Os acusados chegaram<br />
a temer linchamento, apesar de se declararem<br />
inocentes (...). Três meses depois, as novas<br />
investigações provaram que tudo não passou<br />
de uma série de erros das mães, do delegado e<br />
da imprensa, que noticiou a versão que lhe foi<br />
passada sem questioná-la, chegando até a incentivar<br />
a violência física contra os acusados. A casa<br />
em que funcionava a escola foi depredada na época<br />
das denúncias; os indiciados perderam seu negócio<br />
e tiveram de reformar o imóvel que era<br />
alugado, tomando dinheiro emprestado. Por fim,<br />
com as reputações destroçadas, não conseguiram<br />
reconstruir suas vidas cinco anos depois do episódio,<br />
apesar do fato de, em dezembro de 1999,<br />
o Tribunal de Justiça de São Paulo ter fixado uma<br />
indenização de cem mil reais por dano moral para<br />
cada uma das vítimas (a serem acrescidos de juros<br />
e correção monetária). O Tribunal também<br />
decidiu que os danos materiais seriam ressarcidos.<br />
(in SROUR, 2000, p.23).<br />
A ética nos negócios empresariais não<br />
é imune, pois carrega um peso muito vasto no<br />
poder que certas decisões têm der causar impactos<br />
que irradiam seus efeitos à distância. Daí a<br />
preocupação das empresas pela formação ética<br />
de seus funcionários. Em termos práticos, afetam<br />
o que se chama de stakeholders (SROUR,<br />
2000, p.41), ou seja, os agentes direta e indiretamente<br />
ligados às decisões organizacionais ou de<br />
gestores administrativos. São eles, na linha interna:<br />
trabalhadores, gestores, proprietários; e<br />
na externa: clientes, fornecedores, prestadores<br />
de serviço, autoridades governamentais, entidades<br />
da sociedade civil, tais como movimentos<br />
sociais de defesa dos direitos dos consumidores,<br />
sindicatos, meios de comunicação, entre outros.<br />
Quando falamos em contextos sociais de riscos<br />
para as empresas e para a tomada de decisões<br />
pelos administradores estamos nos referindo aos<br />
encargos e ônus da culpa que precisam assumir<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 5
por algo visto como antiético. Isto representa<br />
uma forma de mostrar que a empresa tem lealdade<br />
com os clientes, e um nítido espaço para a<br />
“ética nos negócios se justificarem”.<br />
No caso de uma administradora de recursos<br />
de terceiros, como uma corretora ou banco,<br />
como administrar os conflitos financeiros entre<br />
esta e os clientes? É claro que em função de interesses<br />
particulares as informações sigilosas dos<br />
clientes podem terminar nas mãos de administradores<br />
em proveito próprio. O sigilo se estabelece<br />
pela “Muralha da China” que, segundo Srour<br />
(2000, p.37), evita a invasão nas informações do<br />
cliente, isolam informações públicas das privadas,<br />
estabelecem barreiras tecnológicas e físicas,<br />
dividindo departamentos e proibindo acessos,<br />
criando dispositivos de vigilância dos próprios<br />
funcionários, criando departamentos de fiscalização<br />
com autonomia para controlar saltos<br />
sobre a “muralha”. A lealdade é devida aos clientes<br />
e investidores, mostrando que a ética nos<br />
negócios tem também a nítida cautela pela preservação<br />
de sua permanência num mundo exigente<br />
de segurança e onde o “poder do mercado”<br />
pode detonar resultados negativos do ponto<br />
de vista econômico e moral.<br />
A ética empresarial, como toda moral,<br />
é historicamente compreendida de acordo com<br />
sua função no mundo, pressionada por outros valores<br />
regidos pelo mercado. Neste aspecto, quando<br />
uma administração assume uma postura de<br />
vigilância interna de seus funcionários, em função<br />
da ética nos negócios, é difícil imaginar que<br />
ela tome partido do “bom-mocismo”, pois como<br />
se colocam em termos políticos e sociológicos,<br />
“é mais crível aceitar que ela tenha conjugado<br />
seu credo organizacional — que considera a empresa<br />
responsável pelos clientes, empregados,<br />
comunidade e acionistas — com uma análise estratégica<br />
da relação de forças no mercado”<br />
(SROUR, 2000, p.42). Fica mais fácil imaginar<br />
que a “ética nos negócios”, pressionada pelo<br />
mercado e por transformações ocorridas no seio<br />
social, tem sido fruto de um contexto histórico<br />
bem demarcado e de uma dinâmica social precisa,<br />
conforme dissemos até aqui. Neste sentido, o<br />
credo organizacional de administradores e de<br />
empresas se viu tomado pela necessidade de se<br />
6<br />
voltar para uma nova perspectiva social, que criou<br />
a mentalidade da “responsabilidade social”, a<br />
busca pela formação de padrões de condutas éticas<br />
de seus funcionários (mesmo que seja apenas<br />
como discurso) e a introdução de mecanismos<br />
que prezam pela valorização da opinião pública<br />
sobre os produtos da empresa.<br />
A bem da verdade, em ambientes competitivos,<br />
as empresas têm uma imagem a resguardar,<br />
uma reputação e uma marca. A ampliação<br />
dos direitos deu condições para que a sociedade<br />
reunisse elementos para se mobilizar e retaliar<br />
empresas socialmente vistas como irresponsáveis<br />
e inidôneas. A cidadania organizada e<br />
educada, associando a isso o crescente custo da<br />
vida social, exige uma postura dos dirigentes e<br />
administradores para agirem de forma mais responsável.<br />
Neste aspecto, enveredamos nesta discussão<br />
a fim de mostrar como se situa a mudança<br />
de mentalidade de uma ética empresarial<br />
meramente preocupada com os interesses próprios<br />
pelo lucro e a eficiência, e passamos a entender<br />
que as mudanças ocorridas nas esferas<br />
sociais mais amplas exigiram uma transformação<br />
da postura em torno da ética empresarial.<br />
Como diz o estudo da professora de administração<br />
Laura Nash (1993), podemos perceber<br />
uma reflexão nesse campo, que tem discutido<br />
que os objetivos das empresas devem mudar<br />
suas condutas para uma ética mais responsável<br />
com o social, definindo objetivos que possam<br />
transcender a mera funcionalidade dos negócios.<br />
Segundo diz Nash (1993, p.24-25), “as declarações<br />
de objetivos empresarias é, em sua natureza,<br />
funcional e mais do que ética”, ou que as<br />
empresas buscam nos seus negócios apenas a<br />
“excelência, sem nunca definir o objetivo geral<br />
que se visa com tais atividades”, pois é preciso<br />
entender a atividade da administração e da empresa<br />
como “uma entidade social... uma organização<br />
de pessoas onde as ações de uns têm efeito<br />
sobre o bem-estar e os direitos dos outros”. Em<br />
outros termos, estas exigências têm refletido<br />
mudanças exigidas pela sociedade civil como<br />
possibilidade de fazer “política pela ética” e<br />
viabilizar aos empresários posturas éticas nos<br />
seus negócios, bem como posturas morais das<br />
empresas por meio de intervenção social (NASH,<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
2000, p.43). Vamos simplificar a questão mostrando<br />
no fluxograma abaixo, em que as agências<br />
de controle (Procon, organizações sociais, tribunais<br />
de justiça, leis ambientais, centros de vigilâncias<br />
sanitárias, Ong’s, mídia, entre outros)<br />
efetuam um trabalho de pressão política por uma<br />
ética nos negócios:<br />
Sociedade<br />
civil<br />
organizada<br />
Mídia, Tribunais,<br />
Legislação,<br />
Movimentos<br />
Sociais, Ag. De<br />
Defesa<br />
Pressão Política pela Ética nos<br />
Negócios<br />
Poder de<br />
Exigência<br />
A NECESSIDADE DA <strong>ÉTICA</strong>: O<br />
MUNDO NÃO GIRA SOMENTE EM<br />
TORNO DE NÓS<br />
Como vivemos em permanente contato<br />
com as pessoas, envolvidos por costumes e tradições<br />
culturais e morais quase sempre presentes<br />
em nossas convicções, e pontos de vista bastante<br />
variados, as questões morais escondem-se<br />
em muitas decisões e ações do cotidiano empresarial.<br />
Como em qualquer outro meio, no mundo<br />
das negociações e do trabalho, envolvendo relações<br />
que exigem um cumprimento razoável de<br />
valores éticos e morais, não é sem fundamento<br />
que os discursos de muitas iniciativas empresariais<br />
têm evocado a imagem das empresas afina-<br />
das com as exigências do mundo da ética nos negócios,<br />
desejando que funcionários e clientes possam<br />
estar em concordância com valores defendidos,<br />
como a probidade, a honra, o compromisso,<br />
a decência, a retidão, a licitude, o respeito e<br />
a verdade. Isso tem soado como expressão da<br />
ética empresarial sintonizada com os costumes e<br />
a moral vigente, tal como exigida historicamente<br />
pelas agências de<br />
controles sociais.<br />
Percepção das<br />
estratégias dessa lógica.<br />
Aderem ao<br />
comportamento social<br />
responsável: a Ética nos<br />
Negócios converte-se em<br />
estratégia empresarial e<br />
profissional.<br />
Nas transações<br />
que seguem importânciaseconômicas,<br />
é natural<br />
que os interesses<br />
egoístas possam<br />
prevalecer como<br />
desvio de conduta,<br />
mas que passam a<br />
serem moralmente<br />
reprováveis<br />
quando se tornam<br />
públicas.<br />
Neste sentido,<br />
o que estuda a<br />
ética, e sobretudo,<br />
a ética empresarial?<br />
A ética tem<br />
servido como<br />
uma ciência prática,<br />
segundo a de-<br />
finição do filósofo Aristóteles, que foi formulada<br />
como reflexão sobre o comportamento virtuoso<br />
ou não, ético ou não, dos agentes sociais que adotam<br />
padrões de condutas morais segundo normas<br />
sociais convencionadas como boas ou más. Ela<br />
serve também para estudar as normas morais históricas.<br />
E o que são as normas morais que pautam<br />
comportamentos dos indivíduos? São códigos<br />
formalizados, expressam valores; o conjunto<br />
de normas e regras destinadas a regular as<br />
relações dos indivíduos numa comunidade social<br />
dada; ou os discursos que são internamente coerentes<br />
com os princípios e propósitos os quais<br />
visam se tornar socialmente validados, e ao mesmo<br />
tempo, como aqueles meios que propiciam<br />
aos indivíduos se comportarem e se conduzirem<br />
a partir de determinadas formas diante de outros<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 7
e mediante uma rede de relações sociais<br />
(SÁNCHES, 1993, p.24).<br />
Por isso, a ética visa também fundamentar<br />
ou justificar certa forma de comportamento<br />
moral; com que propósito? Reprovando aqueles<br />
comportamentos morais que não tomam o partido<br />
de justiça e do que é socialmente bom para o<br />
homem; ou refletindo sobre as amarras que fazem<br />
os agentes sociais ficarem presos ao egoísmo<br />
ou àquilo que faz com que o indivíduo não se<br />
importe com os outros. Cabe-nos estabelecer uma<br />
distinção entre o que é da competência da ética e<br />
o que é da competência da moral. Como diz<br />
Sánches (1993, p.7) “à respeito da diferença dos<br />
problemas prático-morais, os éticos são caracterizados<br />
pela sua generalidade”, ou seja, se na<br />
vida real o indivíduo se depara com desafios e<br />
obstáculos, que são práticos, então deverá resolver<br />
por si mesmo, pela via moral, como diz<br />
Sánches, e com a ajuda das normas sociais. Já o<br />
problema sobre como agir diante de determinada<br />
situação em que lhe exigem que faça uma boa<br />
ação, isto diz respeito a uma questão moralmente<br />
valiosa do ponto de vista dos valores éticos<br />
convencionalmente aceitos pela sociedade, pois<br />
a ética fundamenta o que é bom.<br />
É claro que cair na teoria do relativismo<br />
ético é perigoso, no sentido de admitir que devemos<br />
aceitar que cada grupo social tem suas próprias<br />
normas; ou no sentido de que a sociedade<br />
deve aceitar determinadas formas de comportamentos<br />
sociais como éticos e como valores universais.<br />
O exemplo disso é o caso do grupo dos<br />
criminosos. Estes possuem suas próprias normas<br />
sociais, e suas próprias regras que regem o comportamento<br />
moral de quem envereda nos caminhos<br />
do crime. Portanto, para esse tipo de comportamento<br />
moral, a ética estabelece formas de<br />
compreender o que é permitido ou proibido e ainda<br />
nos ajuda a compreender que nem todas as<br />
formas de obediência às normas sociais são fundamentadas<br />
do ponto de vista ético. Os nazistas<br />
eram obedientes demais ao Estado Nazista alemão,<br />
e no entanto, suas atitudes “justificadas”,<br />
foram consideradas um crime. A ética busca<br />
mostrar qual é a verdadeira finalidade (“boa” ou<br />
“má”), enquanto possui o caráter de pensar o<br />
comportamento moral no plano teórico-ético, ou<br />
8<br />
universal (SÁNCHES, 1993, p.8).<br />
Podemos então mostrar que o contexto da<br />
“ética dos negócios” segue os mesmos pressupostos<br />
da questão teórica da ética como colocamos<br />
acima: o objeto da ética empresarial visa<br />
estudar, a partir de contextos sociais bem demarcados<br />
e distintos, aquelas formas de comportamentos<br />
morais que pautam as morais empresariais.<br />
A importância dessa preocupação, que tem<br />
aparecido nos últimos anos sobre a necessidade<br />
da ética dentro do mundo empresarial, seja na<br />
forma de formação de funcionários ou na forma<br />
presencial de palestras e de reprovações a atitudes<br />
inconcebíveis e danosas, reporta à questão já<br />
apontada aqui antes: a preocupação com a repercussão<br />
social e moral que certos problemas de<br />
decisões acarretam na administração de bens e<br />
negócios. A reflexão ética coloca questões profundas<br />
e de caráter humanista que visam estabelecer<br />
o consenso de que cada indivíduo define para<br />
si o que é o bem, fundado no pressuposto de que o<br />
respeito ao outro e a não violabilidade de seus<br />
direitos é uma regra universal do humanismo ético,<br />
ao qual deve se sobressair sobre os meros<br />
interesses privados dos que acham que o mundo<br />
gira em torno de si e de seus próprios interesses.<br />
No centro de muitas discussões sobre a<br />
problemática relativa a dilemas éticos e morais,<br />
em que as decisões de alguns podem surtir efeitos<br />
conseqüentes sobre o todo, podemos encontrar<br />
hoje em discussão no plano acadêmico da<br />
administração a pauta da reflexão ética preocupada<br />
com os efeitos práticos das decisões, vinculadas<br />
a questionamentos sobre o que fazer e como<br />
proceder em situações adversas, ou como se comportar<br />
diante de incongruências dos negócios.<br />
Estas preocupações se resumem a uma perspectiva<br />
do utilitarismo, o qual determina que as decisões<br />
devem conduzir a provocar o máximo de<br />
bem aos envolvidos, sobrepondo o bem a tudo,<br />
principalmente em relação a alguns indivíduos<br />
(critério da eficácia); e o da finalidade, que determina<br />
que a bondade dos fins justifica o uso dos<br />
meios, mesmo que em certas circunstâncias se<br />
use a mentira (em sua máxima, em que coloca<br />
“que se alcance os objetivos, custe o que custar”).<br />
No cerne destas duas correntes éticas,<br />
empreendidas nas relações da ética nos negóci-<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
os, encontramos a separação que o sociólogo alemão<br />
Max Weber encontrou para explicar o fenômeno<br />
do dualismo ético no plano do mundo das<br />
instituições e das relações impessoais modernas<br />
racionalizadas e administradas: de um lado, uma<br />
ética da convicção; e por outro, uma ética da responsabilidade.<br />
Para compreendermos esta questão,<br />
comecemos por um exemplo: um administrador<br />
enfrenta continuamente conflitos internos<br />
entre aquilo que deveria fazer enquanto representante<br />
leal da empresa e aquilo que um indivíduo,<br />
amigo, consumidor ou cidadão pensaria ser<br />
certo. Parafraseando a conhecida piada do embaixador<br />
(que mente no exterior pelo seu país),<br />
um executivo é aquele que mente no exterior pela<br />
sua empresa. Uma das responsabilidades mais<br />
difíceis do executivo ético é manter em equilíbrio,<br />
ou mesmo integradas, entre as perspectivas<br />
não empresariais e as obrigações gerenciais.<br />
Uma amiga e subordinada procurou-o para pedir,<br />
confidencialmente, um conselho. Ela acabou<br />
de receber uma oferta de emprego de outra empresa<br />
e quer saber o que ele acha que ela deve<br />
fazer, sabendo que sua empresa recebeu um aviso<br />
de que só tem três meses de vida: ou melhora<br />
o desempenho ou vai ser extinta. A colaboração<br />
da amiga nesse projeto é crucial, dada sua competência.<br />
Mas, se explicar os fatos, ou seja, que<br />
há grandes chances de a empresa fechar e não<br />
pagar os empregados, provavelmente vai perdêla.<br />
Mesmo que ela fique, a informação pode vazar<br />
e desmoralizar o restante da equipe. Ele deve<br />
contar à sua amiga os fatos, sabendo que isto diz<br />
respeito ao dilema que ela enfrentará em fazer o<br />
bem a si ou para a empresa? (NASH, 1993,<br />
p.192).<br />
O dilema colocado pela autora demonstra<br />
um entre outros desafios apresentados de forma<br />
prática pelas necessidades do mundo dos negócios,<br />
principalmente quando apontam para a sobrevivência<br />
da empresa. Percebemos que entre ter<br />
que visar o bem da pessoa que competentemente<br />
produziu bons resultados na empresa e ter que<br />
“mentir” para que a funcionária não saiba o que<br />
está ocorrendo, e para ter a esperança de salvar<br />
os negócios, o administrador se vê forçado pelas<br />
circunstâncias, tendo que tomar a difícil decisão.<br />
Sua opção pelo uso circunstancial da “mentira”<br />
nos remete a algo comum nas relações sociais e<br />
econômicas e ao qual conduz a conflitos de ordem<br />
ética e moral. Se mentir é um mal para as<br />
relações sociais humanas em geral, cabe dizer<br />
que nem toda mentira é perniciosa, como foi feita<br />
muitas vezes em que as famílias contrárias ao<br />
anti-semitismo nazista escondiam os judeus nos<br />
porões de suas casas, mentindo para os soldados<br />
da SS sobre o paradeiro de judeus em suas casas.<br />
Eles estavam claramente contrariando os nazistas<br />
em dizer a “verdade”. Mas, como diz o filósofo<br />
alemão Immanuel Kant, mentir não é o<br />
melhor meio para se chegar a um fim ético, ou<br />
como diz o ditado popular que “uma mentira dita<br />
muitas vezes pode se tornar uma verdade”.<br />
Para Kant, se para cada vez que passarmos<br />
por necessidades de curto prazo tivermos<br />
que mentir, então o risco para a os homens, de<br />
forma geral, estaria em que a “mentira” poderia<br />
ser utilizada como o recurso justificado para<br />
tirar os homens do sufoco ou do apuro em que se<br />
encontram conforme as circunstâncias, podendo<br />
inclusive ser perigosamente transformado como<br />
lei geral e universalmente aceito. As conseqüências,<br />
segundo Kant, também estariam ligadas ao<br />
fato de que as ações e os comportamentos morais<br />
daqueles que mentem correriam o risco de<br />
serem sempre desacreditados no futuro, pois sempre<br />
poderiam ver o indivíduo como potencialmente<br />
mentiroso, ou as pessoas poderiam retribuir ao<br />
indivíduo mentiroso com a mesma moeda da<br />
mentira, como forma de pagar as injustiças cometidas.<br />
Segundo Kant, a vontade do homem ao<br />
agir moralmente em sociedade deve buscar ser<br />
sempre boa, não apenas para si, mas para os<br />
outros de forma universal. Vejamos o que diz<br />
Kant em sua Fundamentação da Metafísica dos<br />
Costumes:<br />
Entretanto, para resolver de maneira<br />
mais curta e mais segura o<br />
problema de saber se uma promessa<br />
mentirosa é conforme ao dever<br />
[de agir em função do bem, citação<br />
nossa], preciso só perguntar a<br />
mim mesmo: Ficaria eu satisfeito<br />
de ver minha máxima (de me<br />
tirar de apuros por meio de uma<br />
promessa não verdadeira) tomar<br />
o valor de lei universal (tanto para<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 9
10<br />
mim como para os outros)? E poderia<br />
eu dizer a mim mesmo: —<br />
Toda a gente pode fazer uma promessa<br />
mentirosa quando se acha<br />
numa dificuldade de que não pode<br />
sair de outra maneira? Em breve<br />
reconheço que posso em verdade<br />
querer a mentira, mas que não<br />
posso querer uma lei universal de<br />
mentir; pois, segundo uma tal lei,<br />
não poderia propriamente haver já<br />
promessa alguma, porque seria<br />
inútil afirmar a minha vontade<br />
relativamente às minhas futuras<br />
ações a pessoas que não acreditariam<br />
na minha afirmação, ou, se<br />
precipitadamente o fizessem, me<br />
pagariam na mesma moeda. Por<br />
conseguinte, a minha máxima,<br />
uma vez arvorada em lei universal,<br />
destruir-se-ia a si mesma,<br />
necessariamente. (KANT, 1975,<br />
p.116).<br />
Os dispositivos que compõem os códigos<br />
morais traduzem valores, principalmente normas<br />
e ideais, princípios e regras que vão sendo aplicados<br />
pelos agentes em situações concretas. Mas,<br />
acreditamos que nem sempre é possível seguir o<br />
que ditam regras, pois as decisões mais importantes,<br />
seja de um administrador, seja de um profissional<br />
de outra natureza, não encontram suas<br />
respostas prontas em receituários, fórmulas,<br />
prescrições que dizem o que deve ou não ser feito.<br />
Cabe à capacidade humana e aos estratagemas<br />
da inteligência e dos valores éticos possíveis,<br />
o poder de agir de acordo com as decisões<br />
a tomar. O problema humano ético é o da escolha,<br />
muitas vezes entre agir para atingir o bem<br />
comum, ou de agir às escusas para garantir uma<br />
boa resolução para conflitos no mundo dos negócios<br />
humanos. A economia coloca o administrador<br />
muitas vezes diante do dilema de ter que tomar<br />
uma decisão ética, guiando seu comportamento<br />
moral e de seus funcionários dessa forma,<br />
ou agindo às ocultas ou parcialmente para<br />
alcançar os fins do lucro.<br />
O dilema colocado acima sobre a relação<br />
da decisão do administrador com sua amiga<br />
funcionária e as necessidades da empresa, segundo<br />
o contexto da ética empresarial,<br />
comumente é pensado de forma bipolar mediante<br />
duas éticas que se confrontam no cotidiano para<br />
resolver emergências econômicas. Uma é a ética<br />
da convicção, ao qual presume<br />
simplificadamente a máxima que diz: “cumpra<br />
suas obrigações custe o que custar”, e que pressupõe<br />
como princípio o respeito ao dever ou “respeite<br />
as regras haja o que houver”. Talvez possamos<br />
discordar aqui da visão colocada por muitos<br />
autores sobre esta ética, pois acreditamos que<br />
é dogmático o exercício da obediência a regras,<br />
uma vez que a ética e o sujeito ético precisam<br />
agir e tomar decisões que são flexíveis e inconstantes.<br />
Para a ética da responsabilidade, o que<br />
importa é que os agentes possam avaliar os efeitos<br />
e as conseqüências previsíveis de suas ações,<br />
buscando conciliar os objetivos da empresa para<br />
fins que sejam vistos como bons. A finalidade de<br />
agir em função do que é visto como “bom” pode<br />
justificar que se tome partido de ações e recursos<br />
que não são sempre éticos. Esta ética da responsabilidade<br />
não converte princípios ou ideais<br />
em práticas do cotidiano, como faz a outra, nem<br />
aplica normas ou crenças sobre virtudes filosóficas,<br />
religiosas, ou máximas aplicando-as nos termos<br />
da ética dos negócios. Os valores do mundo<br />
econômico só podem ser compreendidos como<br />
instrumentais e de acordo com as práticas empresariais<br />
em jogo.<br />
De forma geral, a ética dos negócios responde<br />
de forma instrumental às necessidades<br />
empresariais, valendo o esforço de conciliar conflitos<br />
trabalhistas, relacionamento com clientes,<br />
conquistar novos consumidores potenciais que<br />
simpatizam com determinada atividade comercial,<br />
produzir no imaginário social a idéia de que<br />
se preservam os valores morais internamente e<br />
externamente, e sobretudo, a necessidade de se<br />
alcançar os objetivos intentados pela empresa pela<br />
tomada “racional” de decisões que exigem grande<br />
poder de deliberação em função da análise das<br />
circunstâncias e de suas complexidades.<br />
Limito-me a Srour (2000, p. 63) para tentar<br />
resumir que, devido às fortes necessidades<br />
de tomadas de decisões por administradores de<br />
negócios no mundo competitivo em que nos encontramos,<br />
é interessante analisar o porquê se<br />
toma partido de uma ética em detrimento de ou-<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004
tra doutrina, pois “(...) ao adotar-se a ética da<br />
responsabilidade, realizam-se análises de risco,<br />
mapeiam-se as circunstâncias, sopesam-se as<br />
forças em jogo, perseguem-se objetivos e medem-se<br />
as conseqüências das decisões que serão<br />
tomadas”. O pensador alemão Max Weber captou<br />
essencialmente a disputa dessas éticas e sua<br />
importância para o mundo moderno em que o<br />
Estado e as instituições do capitalismo recente<br />
exigem esforços que vão tomando conta e absorvendo<br />
o mundo da vida, pela administração racionalizada<br />
e racionalizadora do homem e de suas<br />
tomadas de decisões por valores mais instrumentais.<br />
A lógica dessas éticas, particularmente a<br />
da “responsabilidade”, é própria do capitalismo<br />
atual em suas fases de complexidades, como diz<br />
Weber (in SROUR, 2000, p.50):<br />
(...) toda atividade orientada pela<br />
ética pode subordinar-se a duas<br />
máximas totalmente diferentes e<br />
irredutivelmente opostas. Ela pode<br />
orientar-se pela ética da responsabilidade<br />
(verantwortungethisch)<br />
ou pela ética da convicção<br />
(gesinnsungethisch). Isso não quer<br />
dizer que a ética da convicção seja<br />
idêntica à ausência de responsabilidade<br />
e a ética da responsabilidade<br />
à ausência de convicção. Não<br />
se trata evidentemente disso. Todavia,<br />
há uma oposição abissal<br />
entre a atitude de quem age segundo<br />
as máximas da ética da convicção<br />
— em linguagem religiosa,<br />
diremos: ‘O cristão faz seu<br />
dever, e no que diz respeito ao<br />
resultado da ação remete-se a<br />
Deus’ — e a atitude de quem age<br />
segundo a ética da responsabilidade<br />
que diz: ‘Devemos responder<br />
pelas conseqüências previsíveis<br />
de nossos atos’.<br />
Ainda segundo Max Weber, a tomada de<br />
decisões no mundo racionalmente administrado<br />
da sociedade industrial como a nossa, se projeta<br />
como potencialmente importante uma vez que a<br />
modernidade incorporada por meio das relações<br />
sociais em todos os âmbitos da vida exige que as<br />
ações estejam muito mais voltadas para a assunção<br />
das finalidades a alcançar e das conseqüências<br />
das ações a tomar, do que conduzir à crença em<br />
virtudes morais fundadas em doutrinas que preservam<br />
o homem dos efeitos instrumentais das<br />
relações do capitalismo moderno. Weber deixa<br />
bem claro o sentido de uma ética da convicção<br />
para nossa atualidade, ao qual, de modo geral,<br />
não se ajusta bem às necessidades dos empreendedores<br />
empresariais, pois preferem deixar aos<br />
professores, filósofos, sociólogos e pensadores,<br />
o ônus de ter que pensar as virtudes morais, uma<br />
vez que não são eles que terão que arcar com o<br />
ônus de uma decisão ou de um empreendimento<br />
fracassado. Como diz Weber (in SROUR, 2000,<br />
p. 65):<br />
O partidário da ética da convicção<br />
não se sentirá “responsável”<br />
senão pela necessidade de velar<br />
sobre a chama da pura doutrina a<br />
fim de que ela não se extinga; velar,<br />
por exemplo, sobre a chama<br />
que anima o protesto contra a injustiça<br />
social. Seus atos só podem<br />
e devem ter um valor exemplar,<br />
mas que, considerados do ponto de<br />
vista do objetivo eventual, são totalmente<br />
irracionais, só podem ter<br />
um único fim: reanimar perpetuamente<br />
a chama de sua convicção.<br />
Por outro lado, quando o administrador<br />
deixa de tomar as medidas que podem ser consideradas<br />
socialmente mais benéficas, ou seja, que<br />
buscariam conciliar os interesses e as finalidades<br />
da empresa com os da sociedade, equilibrando<br />
conflitos, sua escolha pode surtir efeitos paradoxais<br />
na tomada de decisões: ou o bem comum,<br />
ou terá que suportar o peso de decisões que ocasionam<br />
efeitos maléficos, como o daquelas atividades<br />
industriais que passam por cima de todo<br />
protocolo convencionado das leis ambientais, violentando<br />
a ecologia em nome do lucro, e então<br />
poderão arcar com o malogro e a inépcia de suas<br />
ações. Como escreve Renato Janine Ribeiro em<br />
seu artigo intitulado “O governo e a ética da responsabilidade”<br />
(FOLHA DE SÃO PAULO, 13/<br />
12/98):<br />
Aos olhos de muitos, a ética da<br />
responsabilidade aparece como<br />
uma indecência, o que ela não é,<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004 11
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
12<br />
e não como é: uma ética menos<br />
ciosa de princípios, mas que nem<br />
por isso leve de portar, porque é<br />
implacável com quem não consegue<br />
gerar os efeitos prometidos.<br />
(...) a responsabilidade impõe a<br />
obrigação do sucesso. Não há perdão<br />
para o fracasso. (...) um político<br />
tem de estar preparado para<br />
a derrota e para o vazio que a ética<br />
da responsabilidade produz à<br />
sua volta.<br />
As relações empresarias se solidificam no<br />
sentido de propagar uma ética no mundo dos negócios,<br />
sintonizadas com as mudanças ocorridas<br />
de acordo com as exigências da competição no<br />
capitalismo atual, que embala a discussão pela<br />
assunção de novos padrões comportamentais para<br />
as empresas e seus administradores. Não se pode<br />
descartar que os desvios de condutas que levam<br />
a tomadas de posições que não se adequam à ética<br />
convencionada estão de acordo com aquelas<br />
análises sociológicas que apontam as divergências<br />
de valores e a cultivação de padrões de condutas<br />
morais dentro das corporações, ou seja: se o<br />
capitalismo globalizado estende exigências de<br />
relações cada vez mais impessoais nas empresas,<br />
e ao mesmo tempo encontra relações de<br />
corporativismo, voltadas para interesses meramente<br />
econômicos, relações paternalistas, relações<br />
de condutas pessoais se preponderando sobre<br />
interesses maiores, então se colocam como<br />
o outro lado do desafio ético para as instituições<br />
e para o inconstante anseio de se implantar a ética<br />
nos negócios.<br />
No entanto, essa postura de uma ética voltada<br />
para os negócios, visando dar subsídios aos<br />
administradores para a solução e o equilíbrio das<br />
necessidades da empresa e da sociedade, não<br />
estão desvinculadas de mudanças e exigências<br />
ocorridas nas três últimas décadas do século XX,<br />
pois estão contextualizadas com transformações<br />
exigidas pelas agências de controles sociais, pelas<br />
sanções públicas, pelas penalidades por danos<br />
sociais e morais, e pelo risco de ocorrerem<br />
falências, levando as empresas a adotarem os<br />
pressupostos da “éticas dos negócios” como meio<br />
de se preservarem da imagem de “irresponsáveis”<br />
sociais, ou de insensíveis aos códigos morais<br />
da sociedade e, sobretudo, dos riscos de não<br />
assumirem essa postura pela ética empresarial<br />
“responsável”.<br />
REFERÊNCIAS<br />
KANT, Immanuel. Fundamentação da<br />
metafísica dos costumes. São Paulo: Abril,<br />
1975. (Coleção Os Pensadores).<br />
MOREIRA, Joaquim Manhães. A Ética empresarial<br />
no Brasil. São Paulo: Pioneira Thomson<br />
Learning, 2002.<br />
NASH, Laura L. Ética nas empresas: boas intenções<br />
à parte. São Paulo: Makron Books, 1993.<br />
RIBEIRO, Renato Janine. O Governo e a ética<br />
da responsabilidade. Folha de São Paulo, São<br />
Paulo, 13 dez. 1998.<br />
SÁNCHES, Vásquez Adolfo. Ética. 18. ed. Rio<br />
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.<br />
SINGER, Peter. Ética prática. 2. ed. São Paulo:<br />
Martins Fontes, 1998.<br />
SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio<br />
de Janeiro: Campus, 2000.<br />
Adcontar, Belém, v. 5, n.1. p. 15-34, junho, 2004