O mito da criação: o conceito de Cosmogonia nAs Metamorfoses de ...
O mito da criação: o conceito de Cosmogonia nAs Metamorfoses de ...
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Ao inserir o motivo lucreciano em sua versão <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro nas<br />
<strong>Metamorfoses</strong>, Ovídio buscou o exemplo vergiliano (Aen. VIII, 314-336),<br />
emprestando, inicialmente, a imagem <strong>de</strong> um quadro rústico <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
primitiva. Em segui<strong>da</strong>, um prolongamento <strong>de</strong>sta relação intertextual <strong>de</strong>nota um<br />
retorno ao <strong>de</strong>senvolvimento propriamente epicurista, pois poena metusque (Ov.<br />
Met. I,91) respon<strong>de</strong>m aos versos <strong>de</strong> Lucrécio - In<strong>de</strong> metus maculat poenarum<br />
praemia uitae. (Lucr. V, 1151) (Depois, o medo dos castigos macula os prêmios<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>). Os versos que registram aurea prima ovidiana (Ov. Met. I,89-93) não são<br />
retirados exclusivamente <strong>da</strong> Enei<strong>da</strong> <strong>de</strong> Vergílio, mas o poeta Ovídio estabelece<br />
uma continui<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a visão lucreciana e a vergiliana. Ou melhor, Ovídio se<br />
apropria <strong>de</strong> um material temático e literário pré-existente, do qual explora e<br />
seleciona particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, reelaborando o material a fim <strong>de</strong> causar efeitos<br />
inéditos, ou seja, ao <strong>de</strong>scobrir um afloramento <strong>da</strong> pré-história lucreciana sob uma<br />
alusão vergiliana na i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro, retoma tal aproximação entre os dois poemas,<br />
multiplicando os pontos <strong>de</strong> contato entre sua versão e a do De Rerum Natura. A<br />
composição <strong>de</strong>sta passagem se fun<strong>da</strong>menta em renovar um assunto já conhecido,<br />
ao combinar, <strong>de</strong> forma original, as tradições divergentes.<br />
Aliás, não se justifica interpretar a i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro ovidiana como uma<br />
alusão política, pois o poeta não i<strong>de</strong>aliza este período, nem procura fazer <strong>de</strong>le o<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> uma felici<strong>da</strong><strong>de</strong> inacessível, simplesmente é sua estratégia narrativa<br />
contar o <strong>mito</strong> em uma esfera <strong>de</strong> metamorfose 12 .<br />
O quadro oferecido por Lucrécio <strong>de</strong> um progresso trazido pela civilização<br />
não sugere que os primeiros homens <strong>de</strong>viam viver em total <strong>de</strong>spojamento.<br />
Conforme Tronchet (1998, p. 76), a atitu<strong>de</strong> ovidiana, em uma contigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
duas versões, exerce sobre a representação mítica uma ação crítica, que o leva a<br />
se interrogar sobre sua coerência, ou seja, revelar certas inverossimilhanças<br />
encontra<strong>da</strong>s nestas representações lendárias.<br />
Ao tirar, do <strong>de</strong>senvolvimento lucreciano, o motivo <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong><strong>de</strong>, Ovídio<br />
aproxima, nas <strong>Metamorfoses</strong>, as duas etapas sucessivas do <strong>mito</strong>, em um<br />
12<br />
Conforme Galinsky in Tronchet (1998, p. 75), il préfère simplement traiter le sujet à sa manière. Some<br />
aspects of Ovid´s Gol<strong>de</strong>n Age. p. 205.