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John Eldredge<br />
<br />
<br />
<br />
Como encontrar seu coração<br />
selvagem e descobrir uma<br />
vida de desafios e emoções<br />
Tradução de<br />
Emirson Justino<br />
Rio de Janeiro<br />
2007
E39e0<br />
Título original<br />
The way of the wild heart – a map for the masculine journey<br />
Copyright © 2006 by John Eldredge<br />
Edição original por Thomas Nelson, Inc. Todos os direitos reservados.<br />
Copyright da tradução © Thomas Nelson Brasil, 2007.<br />
SuperviSão editorial Nataniel dos Santos Gomes<br />
aSSiStente editorial Clarisse de Athayde Costa Cintra<br />
tradução Emirson Justino<br />
Capa Valter Botosso Jr.<br />
CopideSque Joel Macedo<br />
reviSão Margarida SeltMann / Magda de Oliveira Carlos Cascardo<br />
projeto gráfiCo e diagraMação Julio Fado<br />
Todas as citações foram tiradas da NVI — Nova Versão Internacional<br />
da Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação em contrário.<br />
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE<br />
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ<br />
Eldredge, John<br />
A grande aventura masculina: como encontrar seu coração selvagem e<br />
descobrir uma vida de desafios e emoções/John Eldredge; [tradução Emirson<br />
Justino]. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2007.<br />
Tradução de: The way of the wild heart<br />
ISBN 978-85-6030-339-7<br />
1. Homens. 2. Masculinidade. I. Título.<br />
07-2056. CDD: 248.842<br />
CDU: 248.151<br />
Todos os direitos reservados à Thomas Nelson Brasil<br />
Rua Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso<br />
Rio de Janeiro – RJ – CEP 21402-325<br />
Tel.: (21) 3882-8200 – Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313<br />
www.thomasnelson.com.br
Para Pop
Introdução<br />
Sumário<br />
CAPÍTULO 1 A jornada masculina<br />
CAPÍTULO 2 Filho verdadeiro de um pai verdadeiro<br />
CAPÍTULO 3 Infância<br />
CAPÍTULO 4 Criando o Filho Amado<br />
CAPÍTULO 5 Caubói<br />
CAPÍTULO 6 Criando o Caubói<br />
CAPÍTULO 7 O ano de Sam<br />
CAPÍTULO 8 Guerreiro<br />
CAPÍTULO 9 Criando o Guerreiro<br />
CAPÍTULO 10 Amante<br />
CAPÍTULO 11 Cultivando o Amante<br />
CAPÍTULO 12 Rei<br />
CAPÍTULO 13 Criando o Rei<br />
CAPÍTULO 14 Sábio<br />
CAPÍTULO 15 Sejamos intencionais<br />
Epílogo<br />
Agradecimentos<br />
9<br />
15<br />
37<br />
57<br />
77<br />
98<br />
114<br />
140<br />
162<br />
183<br />
207<br />
228<br />
249<br />
268<br />
291<br />
311<br />
337<br />
341
Com que alegria eu a trataria como se tratam filhos...<br />
jereMiaS 3:19
Introdução<br />
Uma das experiências mais impressionantes que já vivi como homem<br />
aconteceu no início de um dia de verão no Alasca. Minha família<br />
e eu estávamos andando de caiaque junto às baleias corcundas<br />
no Icy Strait e resolvemos parar para o almoço numa praia da ilha<br />
Chichagof. Nosso guia perguntou se gostaríamos de fazer uma excursão<br />
pelo interior da ilha, até uma clareira onde os ursos pardos<br />
vinham se alimentar. Ficamos muito animados com o convite. Depois<br />
de uma caminhada de vinte minutos por entre uma floresta de<br />
abetos, chegamos a uma campina aberta com cerca de quatrocentos<br />
metros de comprimento. Por ser meio-dia e estar quente, não havia<br />
nenhum urso para ser visto. “Estão dormindo agora, até o final<br />
da tarde. Eles voltarão somente à noite”, disse ele. “Vem cá, quero<br />
mostrar uma coisa.”<br />
A campina era, na verdade, quase como um pântano, com<br />
uma vegetação rasteira e dura com cerca de cinqüenta centímetros<br />
de altura, apoiada por baixo por uma camada de uns vinte centímetros<br />
de musgo e turfa. Era bastante difícil caminhar por ali. Nosso<br />
guia nos levou a uma trilha onde se via algo semelhante a enormes<br />
pegadas, separadas por meio metro entre elas, pressionadas sobre o<br />
musgo e, assim, criando um caminho. “É uma trilha demarcada”,<br />
disse ele. Era uma trilha criada pelas pegadas dos ursos. “É muito<br />
9
e M b u S C a d o C o r a ç ã o S e l v a g e M<br />
provável que ela exista há séculos. Os ursos usam este caminho desde<br />
que chegaram à ilha. Os filhotes seguem os mais velhos, colocando<br />
os pés exatamente onde os ursos adultos caminham. É assim<br />
que eles aprendem a cruzar este lugar.”<br />
Comecei a caminhar por aquela trilha demarcada, pisando<br />
os lugares firmes e já castigados por onde os ursos têm caminhado<br />
há séculos. Não sei direito como descrever a experiência, mas, por<br />
alguma razão, a palavra sagrado me vem à mente. Uma trilha antiga<br />
e assustadora no meio de um lugar selvagem e bravio. Eu estava seguindo<br />
um caminho já confirmado, criado por aqueles mais fortes<br />
e mais preparados do que eu para estar naquele lugar. Embora eu<br />
soubesse que não pertencia àquele lugar, estava maravilhado diante<br />
dele; poderia seguir o caminho por muito, muito tempo. Isso despertou<br />
em mim um anseio profundo e ancestral.<br />
Este é um livro que mostra como alguém se torna homem e,<br />
ainda mais importante para nossa necessidade, como se tornar um<br />
homem. Não existe incumbência mais perigosa do que essa coisa<br />
de “tornar-se homem”, algo cheio de perigos, falsificações e desastres.<br />
É a Grande Prova da vida de qualquer homem, realizada com o<br />
passar do tempo, diante da qual todo macho jovem ou adulto se vê.<br />
Contudo, existem alguns que encontram seu caminho. Nossa perigosa<br />
jornada tornou-se ainda mais difícil porque vivemos em um<br />
tempo em que há muito pouca orientação. Um tempo com muito<br />
poucos pais para nos mostrar o caminho.<br />
Como homens, precisamos desesperadamente de alguma coisa<br />
semelhante àquela trilha demarcada na ilha Chichagof. Não se<br />
trata de mais regras, de uma outra lista de princípios ou fórmulas<br />
novas. Trata-se de um caminho seguro, marcado por homens durante<br />
séculos antes de nós. Creio que podemos encontrá-lo.<br />
O que você tem em mãos, neste livro, é um mapa. Ele faz uma<br />
análise dos estágios da jornada masculina, cobrindo desde a infância<br />
até a velhice. Não é um livro de psicologia clínica, nem um manual<br />
de educação infantil. Não estou qualificado para escrever esse<br />
10
i n t r o d u ç ã o<br />
tipo de livro. Além do mais, acho que eles são muito difíceis de ler.<br />
São pesados e enfadonhos. O que você lembra dos seus estudos de<br />
psicologia no Ensino Médio ou na faculdade? Mas eu amo mapas.<br />
Assim como a maioria dos homens. Mapas são divertidos porque<br />
apresentam a planta de uma região, mas ainda lhe obrigam a tomar<br />
decisões sobre a caminhada no terreno. O mapa é um guia, não uma<br />
fórmula. Ele oferece liberdade.<br />
Ele não lhe diz a velocidade em que você está caminhando,<br />
muito embora você saiba que, quando as curvas de nível ficam cada<br />
vez mais próximas, você está se aproximando de um precipício e vai<br />
precisar corrigir sua rota. Ele não diz por que as montanhas estão<br />
ali nem a idade da floresta. O mapa diz apenas como chegar aonde<br />
você pretende ir. Estou plenamente consciente das deficiências<br />
de um livro. Certamente haverá aqueles que dirão: “Mas ele não<br />
abordou aquele assunto.” Você escolhe seu tema preferido: desenvolvimento<br />
moral, disciplina ou qualquer outro. O mapa não pode<br />
responder a todas as perguntas que uma pessoa pode ter. E somente<br />
o viajante, aquele que quer conhecer o caminho, tem o privilégio<br />
de recebê-lo. Aqueles que vão fazer a jornada masculina ganharão<br />
muito ao seguir o mapa. Aqueles que querem criticá-lo encontrarão<br />
razões para isso, e permanecerão em casa.<br />
Ele também é um relatório de campo. É um relato sobre a<br />
jornada masculina, extraído principalmente de dentro, feito por um<br />
homem que busca cura, restauração e maturidade, por um pai que<br />
está fazendo o melhor para oferecer a seus filhos. Assim, este livro<br />
segue em duas linhas paralelas: ele fala primeiramente aos homens<br />
e sobre sua jornada, mas também fala àqueles que estão educando<br />
meninos e aos que estão trabalhando com homens.<br />
Uma palavra às mães: este livro será de grande ajuda para vocês<br />
que criam meninos e para vocês que estão aprendendo a amar<br />
filhos adultos (e o pai deles). Depois que escrevi este livro, a revista<br />
Newsweek fez uma reportagem de capa sobre “a crise dos meninos”,<br />
referindo-se especificamente ao fato de que os meninos estão fican-<br />
11
e M b u S C a d o C o r a ç ã o S e l v a g e M<br />
do atrás das meninas na escola, além de terem muitas dificuldades.<br />
O autor diz: “Um menino sem uma figura paterna é como um explorador<br />
sem um mapa.” É realmente um alívio perceber que você,<br />
mãe, não pode ser tudo para seu filho, nem mesmo aquilo de que<br />
ele mais necessita. Ele precisa de uma figura paterna. Você já sabe<br />
disso e a esperança oferecida aqui é que essas coisas podem ser encontradas.<br />
Quanto a você, calhou de você ser uma mulher e a mãe<br />
de seu menino. Você pode buscar para seus filhos as experiências<br />
que descrevo aqui na companhia de homens, quer seja um grupo<br />
de jovens ou grupo de escoteiros, ou mesmo um homem que possa<br />
chegar e suprir aquilo que é necessário.<br />
É comum eu ficar pensando naquelas longas passagens encontradas<br />
na Bíblia onde vemos uma enorme lista de homens como<br />
“filho de fulano, que era filho de sicrano”. Você encontrará muitas<br />
dessas listas nas Escrituras e em várias outras obras da literatura antiga.<br />
Talvez esses relatos revelem alguma coisa que ainda não percebemos<br />
— uma visão paterna do mundo sustentada por aqueles que<br />
as escreveram e compartilhada por aqueles que viriam a ler essas listas.<br />
Talvez eles tenham visto no legado pai-filho o mais importante<br />
dos legados, o de que conhecer o pai de um homem era, em grande<br />
parte, conhecer o próprio homem. Então, se você voltar um pouco<br />
para dar uma olhada, verá que o Deus da Bíblia é retratado como<br />
o grande Pai — não basicamente como mãe, nem simplesmente<br />
como Criador — mas como Pai.<br />
Isso nos abre um novo horizonte.<br />
Como você vê, o mundo no qual vivemos perdeu alguma<br />
coisa vital, alguma coisa fundamental para entender a vida e o lugar<br />
de um homem nela. O tempo em que vivemos, como disse o<br />
profeta social Alexander Mitcherlie, é um tempo sem pai. Entendo<br />
isso de duas maneiras. Primeiramente, a maioria dos homens e dos<br />
meninos não tem um pai real disponível para guiá-los por entre as<br />
florestas da jornada masculina e eles, como a maioria de nós, são<br />
homens inacabados e sem pai. Ou meninos. Ou meninos em corpo<br />
12
i n t r o d u ç ã o<br />
de homem. Mas há um significado mais profundo para a frase “um<br />
tempo sem pai”. Nossa maneira de olhar para o mundo mudou.<br />
Tanto como sociedade quanto até mesmo como Igreja, não vivemos<br />
mais com uma visão paterna do mundo, uma visão centralizada na<br />
presença de um pai amoroso e forte profundamente engajado em<br />
nossa vida, a quem podemos nos voltar a qualquer momento em<br />
busca de orientação, conforto e da provisão de que necessitamos.<br />
Esta é realmente uma ocasião para esperança, porque a vida<br />
que você conheceu como homem não deve ser assim. Existe um outro<br />
caminho. Um caminho traçado por séculos por homens que vieram<br />
antes de nós. Uma trilha demarcada. Existe um Pai pronto para nos<br />
mostrar esse caminho e nos ajudar a segui-lo.<br />
l<br />
13
C A P Í T U L O 1<br />
A jornada masculina<br />
Ponham-se nas encruzilhadas e olhem; perguntem pelos caminhos antigos,<br />
perguntem pelo bom caminho. Sigam-no e acharão descanso.<br />
jereMiaS 6:16<br />
Eu só estava tentando consertar o sistema de irrigação.<br />
Um serviço de encanador bastante simples. O rapaz que veio<br />
drenar o sistema e pressurizá-lo para o inverno me disse, ainda no<br />
outono, que havia uma rachadura na “válvula principal” e que seria<br />
melhor substituir aquele negócio antes que colocasse água de volta<br />
no sistema para o próximo verão. Os últimos dias tinham sido<br />
bastante quentes — quase 35 graus, o que é uma temperatura nada<br />
comum para o Colorado no mês de maio — e eu sabia que seria<br />
melhor fazer a água fluir logo pelo meu jardim, caso contrário ele<br />
se tornaria o caminho para o deserto de Gobi. Eu estava ansioso<br />
para dar início ao projeto. Na verdade, gosto de realizar tarefas ao<br />
ar livre na maior parte do tempo, desfrutar do sentimento de ter<br />
triunfado sobre alguma pequena adversidade, restaurar o bem-estar
C a p í t u l o u M<br />
ao meu domínio. Traços de Adão, eu suponho — coisas como cuidar,<br />
cultivar, submeter, tudo isso.<br />
Desconectei a grande válvula de bronze do sistema na parte<br />
que se ligava à casa e fui à loja de material hidráulico para comprar<br />
uma nova.<br />
— Preciso de uma igual a esta — disse eu ao rapaz atrás do<br />
balcão.<br />
— Ela se chama válvula de redução — respondeu ele, com<br />
um toque de superioridade.<br />
Bem, eu não sabia disso. Sou amador. Todavia, estou pronto<br />
para começar. Válvula na mão, eu voltei para casa para iniciar o projeto.<br />
Um novo desafio estava diante de mim: soldar um pedaço de<br />
cano de cobre em uma conexão que levava água da casa para o irrigador,<br />
com a pressão reduzida pela válvula que eu tinha nas mãos.<br />
Parecia simples. Eu até mesmo segui as instruções que vieram com<br />
o maçarico que comprara. (De modo geral, seguir instruções é algo<br />
que faço apenas quando a dificuldade assumiu a proporção de um<br />
acidente numa pista de corrida, mas aquilo era um terreno novo<br />
para mim, a válvula custou caro e eu não estava disposto a estragar<br />
tudo). Para ser franco, não consegui fazer aquilo, não consegui fazer<br />
a solda na junta de modo a evitar vazamentos.<br />
Então, de repente, eu estava bravo.<br />
Tenho de confessar que eu costumava ficar bravo com qualquer<br />
coisa e, na adolescência, ficava tão irado que fazia buracos<br />
nas paredes de gesso do meu quarto, além de chutar e quebrar<br />
portas finas. Mas o tempo tem o seu efeito de amadurecimento e,<br />
pela graça de Deus, também existe a influência santificadora do<br />
Espírito, e minha ira diante daquele problema me surpreendeu. Eu<br />
me senti... desproporcional diante da questão que tinha em mãos.<br />
Não consigo soldar um cano. “E daí? Nunca fiz isso antes. Dá um<br />
tempo.” Mas, exatamente naquele momento, eu não estava sendo<br />
controlado pela razão e, muito bravo, corri para dentro de casa em<br />
busca de alguma ajuda.<br />
16
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
Tal como muitos homens em nossa cultura — homens solitários<br />
que não têm um pai por perto a quem perguntar como<br />
fazer isso ou aquilo, nem sequer outros homens, além de ser muito<br />
orgulhoso para perguntar aos homens da redondeza — fui para a<br />
internet, encontrei alguns daqueles sites que explicam como vencer<br />
os problemas do encanamento doméstico e assisti a um pequeno<br />
vídeo sobre como soldar canos de cobre. Eu me senti... esquisito.<br />
Estava tentando bancar o encanador e consertar meu próprio irrigador,<br />
mas não conseguia; não havia nenhum homem por perto para<br />
me mostrar como fazê-lo; assim, estou assistindo a um pequeno<br />
vídeo engraçadinho sobre um problema mecânico e me sentindo<br />
como se tivesse dez anos de idade. Um desenho animado para um<br />
homem que, na verdade, é um menino. Armado da informação e de<br />
não muita confiança, voltei e tentei de novo. Outro fracasso.<br />
No final do primeiro assalto da luta, simplesmente me sentia<br />
um idiota. Agora, me sentia um idiota destinado ao fracasso.<br />
Estava fervendo. Conselheiro e escritor por profissão e intuição,<br />
quase sempre vejo minha vida interior como uma parte separada<br />
de mim. Caramba, diz essa parte separada de mim. Dê uma olhada nisso.<br />
Por que você está tão chateado?<br />
Vou contar-lhe por que estou chateado. Há duas razões para<br />
isso. Primeiramente, estou chateado porque não há ninguém aqui<br />
para me mostrar como fazer isso. Por que é que eu sempre tenho de<br />
imaginar esse negócio sozinho? Tenho certeza de que, se algum cara<br />
que soubesse o que faz estivesse aqui, ele teria dado uma olhada no<br />
projeto e me diria de pronto o que eu estava fazendo errado e, mais<br />
importante, como fazer certo. Juntos, daríamos conta do problema<br />
bem rápido; meu jardim seria salvo e uma parte qualquer da minha<br />
alma se sentiria melhor.<br />
Também estou chateado porque não posso fazer isso sozinho;<br />
estou furioso porque preciso de ajuda. Há muito tempo resolvi viver<br />
sem precisar de ajuda, decidido a descobrir as coisas sozinho. É uma<br />
declaração terrível e muito comum, feita por homens órfãos que<br />
17
C a p í t u l o u M<br />
se vêem como meninos sozinhos na vida e decidem que realmente<br />
não existe ninguém para ajudar, que os homens não são nada<br />
confiáveis, de modo que você deve se virar sozinho. Também estou<br />
chateado com Deus; por que as coisas têm de ser tão difíceis? Eu sei<br />
— isso tudo é muito por causa de uma simples tentativa fracassada<br />
de consertar meu irrigador, mas poderia estar relacionado a uma<br />
dúzia de outras situações. Pagar as contas. Conversar com meu filho<br />
de 16 anos sobre namoro. Comprar um carro. Comprar uma casa.<br />
Mudar de carreira. Qualquer situação na qual sou chamado a agir<br />
como homem e que, quando estou diante dela, tenho imediatamente<br />
aquela sensação de não sei como isso vai acabar. Estou sozinho. Eu é que<br />
tenho que encontrar a saída.<br />
De uma coisa, porém, eu tenho certeza: sei que não estou<br />
sozinho nesse sentimento de solidão. A maioria dos caras que já<br />
encontrei se sente assim em algum momento.<br />
Minha história não termina ali. Precisava abandonar aquele<br />
projeto e voltar a trabalhar, deixando maçarico, cano e ferramentas<br />
na varanda, todos protegidos de uma chuva misericordiosa — misericordiosa<br />
porque poderia ter-se passado muito tempo até que<br />
eu descobrisse como tudo aquilo funcionava, o que significaria a<br />
morte do meu jardim. Eu precisava dar um telefonema importante<br />
às 4 da tarde e, assim, programei o despertador para não perder a<br />
hora. Fiz a chamada, mas não percebi que o despertador não havia<br />
tocado. Isso aconteceu às 4 horas da manhã do dia seguinte. (Não<br />
prestei atenção naquele pequeno “a.m.” aceso perto dos dígitos<br />
quando programei aquela coisa.) Fui para a cama sem uma solução<br />
da minha cabeça ou de qualquer outro lugar e, então, pimba! Fui<br />
sacudido de um sono profundo às 4 horas da manhã para encarar o<br />
problema e todas as minhas incertezas. Tóim! De repente, fui atingido<br />
por este pensamento: faça direito.<br />
Esta talvez seja a declaração de princípios ou a força que impele<br />
a minha vida adulta: você está sozinho neste mundo e é melhor<br />
ficar esperto porque não há espaço para erro; portanto, Faça Direito!<br />
18
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
O observador distante dentro de mim diz: puxa, isso é impressionante.<br />
Você descobriu a pólvora. Quer dizer, caramba — essa é a declaração da sua vida e<br />
você nunca colocou isso em palavras. E agora, aqui está; você sabe a que isso tudo está<br />
ligado, não sabe? Deitado ali no escuro do meu quarto, com Stasi, minha<br />
esposa, dormindo profundamente ao meu lado, o sistema de<br />
irrigação quebrado do outro lado da janela sobre minha cabeça, eu<br />
sei a que isso se refere.<br />
Refere-se à falta de um pai.<br />
H o M e n S i n a C a b a d o S<br />
Um menino tem muito o que aprender em sua jornada para se<br />
tornar um homem e ele se torna um homem somente por meio da<br />
intervenção ativa de seu pai e da companhia de outros homens. Isso<br />
não pode acontecer de outra maneira. Para se tornar um homem —<br />
e para saber que precisa se tornar um homem — o menino precisa ter<br />
um guia, um pai que mostrará como consertar uma bicicleta, como<br />
lançar a vara de pescar, como chamar uma menina, como conseguir<br />
emprego e todas as muitas coisas que um menino enfrentará em sua<br />
jornada para se tornar um homem. É preciso entender uma coisa: a<br />
masculinidade é concedida. Um menino aprende quem ele é e do que<br />
ele é feito a partir de um homem (ou da companhia de homens).<br />
Isso não pode ser aprendido em nenhum outro lugar. Não pode ser<br />
aprendido com outros meninos, e não pode ser aprendido a partir<br />
do mundo das mulheres. “A maneira tradicional de criar filhos”,<br />
nota Robert Bly, “que perdurou por milhares e milhares de anos,<br />
é de pais e filhos vivendo próximos — perigosamente próximos<br />
— enquanto o pai ensina ao filho um negócio: talvez agricultura,<br />
carpintaria, fundição ou alfaiataria”.<br />
Quando eu era jovem, meu pai me levava para pescar bem<br />
cedo nas manhãs de sábado. Passávamos horas juntos lá fora, num<br />
lago ou num rio, tentando fisgar os peixes. Mas o peixe nunca foi<br />
realmente o importante. O que eu mais gostava era sua presença,<br />
sua atenção e seu prazer em mim. Eu gostava de vê-lo me ensinando<br />
19
C a p í t u l o u M<br />
como fazer, mostrando o caminho. É desse jeito que você coloca a<br />
linha. É assim que você prende o anzol. Se você vir um grupo de<br />
homens falando sobre seus pais, ouvirá este desejo fundamental do<br />
coração de um homem. “Meu pai costumava me levar com ele para<br />
o campo.” “Meu pai me ensinou como jogar bola na rua.” “Aprendi<br />
a construir casas com meu pai.” Quaisquer que sejam os detalhes,<br />
quando um homem fala do maior dom que seu pai lhe deu — se<br />
é que seu pai lhe deu alguma coisa que seja digna de lembrança<br />
— sempre foi a demonstração da masculinidade.<br />
Isso é essencial, pois a vida vai testar vocês, meus irmãos. Tal<br />
qual um navio no mar, vocês serão testados, e as tempestades revelarão<br />
os pontos fracos que, como homens, vocês têm. Ela já está<br />
fazendo isso. De que outra maneira você explicaria a raiva que sente,<br />
o medo, a vulnerabilidade a certas tentações? Por que você não<br />
pode se casar com aquela garota? Mas, uma vez casado, por que não<br />
consegue lidar com as emoções dela? Por que você não descobriu<br />
qual é o sentido da sua vida? Por que as crises financeiras fazem<br />
com que você fique desesperado ou deprimido? Você sabe do que<br />
estou falando. Assim, nossa abordagem básica da vida se resume a<br />
isto: permanecemos naquilo com o que conseguimos lidar e nos<br />
desviamos de todas as outras coisas. Nós nos envolvemos naquilo<br />
que sentimos que podemos ou que devemos — como no trabalho<br />
— e nos afastamos daquilo que temos certeza de que não daremos<br />
conta, como as águas profundas do relacionamento com nossa esposa<br />
ou nossos filhos, além de nossa espiritualidade.<br />
Veja, o que temos hoje é um mundo de homens não iniciados.<br />
Homens parciais. Meninos, em sua maior parte, caminhando por aí<br />
em corpo de homem, com trabalho de homem e famílias, finanças<br />
e responsabilidades. A concessão da masculinidade nunca foi completada,<br />
se é que ela até mesmo começou. O menino nunca passou<br />
pelo processo de iniciação masculina. É por isso que muitos de nós<br />
são Homens Inacabados e, portanto, incapazes de verdadeiramente viver<br />
como homens em qualquer situação que a vida nos jogue. Incapazes<br />
20
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
de passar aos nossos filhos e filhas aquilo que precisam para se tornarem,<br />
eles próprios, homens e mulheres plenos e santos.<br />
Ao mesmo tempo, há aqueles meninos, jovens e homens da<br />
nossa idade, ao nosso redor, que têm profundas necessidades: estão<br />
desesperados por alguém que lhes mostre o caminho. O que significa<br />
ser homem? Será que eu sou homem? O que eu deveria fazer nessa<br />
ou naquela situação? Esses meninos estão se transformando em<br />
homens sem firmeza porque as questões fundamentais de sua alma<br />
não foram respondidas, ou a resposta foi ruim. Eles se transformam<br />
em homens que agem, mas suas ações não estão fundamentadas em<br />
força, sabedoria e bondade genuínas. Não existe ninguém para lhes<br />
mostrar o caminho.<br />
A iniciação masculina é uma jornada, um processo, uma verdadeira<br />
busca, uma história que se desenrola com o passar do tempo.<br />
Pode ser um acontecimento lindo e poderoso experimentar uma<br />
bênção ou um ritual, ouvir palavras ministradas a nós em cerimônia<br />
de algum tipo. Aqueles momentos podem ser pontos decisivos em<br />
nossa vida. Mas são apenas momentos, e momentos, como você<br />
bem sabe, passam rapidamente e são engolidos no rio do tempo.<br />
Precisamos mais do que um momento, um evento. Precisamos de<br />
um processo, uma jornada, uma história épica de muitas experiências<br />
entrelaçadas, construídas umas sobre as outras numa progressão.<br />
Precisamos de iniciação. Precisamos de um Guia.<br />
a d o t a d o C o M o f i l H o n a b e i r a d o r i o<br />
Mudei-me para o Colorado em agosto de 1991. Houve muitas razões<br />
envolvidas nessa saída de Los Angeles: um emprego, um tiroteio<br />
numa escola, uma fuga da aparentemente infindável sufocação<br />
de asfalto e fumaça, os enormes shopping centers de Los Angeles.<br />
Por trás disso tudo, porém, estava um desejo mais forte de ir para as<br />
montanhas e para locais mais abertos, estar ao alcance da natureza.<br />
Eu não conseguia articular isso naquela época, mas minha alma<br />
21
C a p í t u l o u M<br />
estava clamando por retomar a jornada masculina que senti ser<br />
abortada no início da adolescência. Juntamente com tudo isso, queria<br />
aprender a pescar com vara.<br />
Quando era jovem, meu pai eu e pescávamos juntos e esta é<br />
a lembrança mais querida que tenho dele. Primeiramente, ele me<br />
ensinou a pescar com minhoca presa num flutuador para só depois<br />
me ensinar a usar a vara com molinete. Meu pai não gostava muito<br />
de pescar com carretilha, mas eu queria pescar assim. Quando tinha<br />
mais ou menos 25 anos, comprei uma vara com molinete e comecei<br />
a tentar aprender sozinho — um padrão pelo qual, infelizmente,<br />
tenho aprendido a maioria das coisas na minha vida. É comum<br />
falarmos de um homem que é bem-sucedido nessas coisas como o<br />
self made man. Esse termo normalmente é usado com admiração, mas<br />
o fato é que deveríamos dizer isso com o mesmo tom que usamos<br />
para os entes queridos que já se foram, ou ao se referir a um homem<br />
que perdeu um braço —, ou seja, com tristeza e arrependimento.<br />
O que o termo realmente significa é “um homem órfão que<br />
tenta conduzir sozinho uma parte de sua vida”.<br />
Vamos voltar à pescaria. Quando chegamos ao Colorado, fiquei<br />
sabendo de um local do rio South Platte que tinha a fama de<br />
ser o sonho de qualquer pescador de vara. A “Milha Milagrosa” já<br />
não tinha o apelo de outras épocas, mas ainda era um lugar para<br />
onde iam os melhores pescadores e, assim, também fui para lá. É<br />
uma grande área do rio que flui numa planície entre dois reservatórios.<br />
As margens são baixas e amplas, com apenas um pouco de<br />
vegetação aqui e ali — um bom lugar para um novato aprender a<br />
jogar a isca. Fiquei uma boa parte da manhã no rio, vendo uma<br />
enorme quantidade de trutas ao meu redor, mas sem conseguir pegar<br />
uma sequer. Toda vez que olhava para cima do rio, lá estava<br />
aquele cara, com a vara totalmente curvada, rindo e gritando de<br />
alegria por pegar outro peixe enorme e colocá-lo em sua rede. Em<br />
um primeiro momento, eu o invejei. Depois, comecei a odiá-lo. Finalmente,<br />
optei pela humildade e quis observá-lo por um instante,<br />
tentando aprender como ele estava fazendo.<br />
22
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
Fiquei a uma distância razoável na margem do rio, para não<br />
dar a impressão de que queria usurpar seu lugar preferido, e senteime<br />
para observar. Ele sabia que eu estava ali e, depois de jogar a vara<br />
duas ou três vezes e pegar outro peixe, virou-se para mim e disse:<br />
— Chegue mais.<br />
Esqueci seu nome, mas ele me disse que era instrutor profissional<br />
de pesca e que, nos dias de folga, aquele era o lugar onde<br />
mais gostava de pescar. Perguntou-me como eu estava me saindo e<br />
eu respondi:<br />
— Nada bem.<br />
— Deixe-me ver seu equipamento — disse ele. Passei a ele a<br />
minha vara.<br />
—Ahn... bem, antes de mais nada, sua linha é muito curta.<br />
Antes que eu pudesse me desculpar por ser um completo estúpido<br />
em termos de pescaria, ele sacou uma tesoura e destruiu<br />
completamente minha linha. Colocou então uma outra linha com<br />
tal velocidade e habilidade que eu fiquei sem fala.<br />
— Que iscas você está usando? — perguntou ele.<br />
— Estas — disse eu, envergonhado, já sabendo que elas eram<br />
as iscas erradas, porque chegara à conclusão de que estava fazendo<br />
tudo errado.<br />
Educadamente, ele não fez nenhum comentário sobre minhas<br />
iscas e apenas disse:<br />
— Aqui, nesta época do ano, você precisa usar estas aqui — e<br />
tirou de seu colete umas moscas pequenas e as deu para mim. Colocou<br />
uma na minha vara e começou a me mostrar como pescar<br />
naquele lugar.<br />
— Vem comigo, bem atrás de mim.<br />
Se o pescador é destro, o instrutor normalmente se coloca do<br />
seu lado esquerdo para não levar um golpe no ouvido ou na cabeça.<br />
— Olha, a maioria das pessoas usa um golpe certeiro para<br />
lançar a isca para baixo da superfície — fiquei alegre porque sabia<br />
pelo menos isso; já tinha lido em um livro. — Mas isso não vai ajudar<br />
muito. Você vai descobrir que está só perdendo tempo.<br />
23
C a p í t u l o u M<br />
O sucesso da pesca com vara reside em muitas sutilezas, e a<br />
principal delas é sua habilidade em apresentar a isca de maneira natural<br />
ao peixe, o que significa que ela corre correnteza abaixo igual<br />
a comida real que os peixes vêem todo dia — sem um puxão ou<br />
movimento contrário à velocidade e à direção da corrente.<br />
— O segredo é usar duas, até três iscas. Desse jeito — disse ele.<br />
Depois de cerca de dez minutos de instrução, ele saiu da água<br />
para me ver, do mesmo modo como um pai que ensina seu filho a<br />
pegar uma bola dá alguns passos para trás para ver como o garoto<br />
está se movimentando. Fisguei uma truta e fiquei com ela nas mãos.<br />
Ele então voltou para a água para me mostrar como soltá-la.<br />
— Normalmente eu beijo as minhas no focinho. Superstição.<br />
Ele beijou aquela grande truta perto dos olhos e a soltou na<br />
água fria.<br />
— Divirta-se — disse ele, e, sem olhar para trás, desceu o<br />
rio até o local onde eu estava pescando anteriormente e começou<br />
a pegar peixes ali, um atrás do outro. Eu também fisguei. Embora<br />
aquilo tenha me deixado feliz, havia uma satisfação mais profunda<br />
em minha alma enquanto eu estava no rio, pescando bem. Alguma<br />
necessidade primitiva fora tocada, e bem tocada. Quando estava<br />
voltando para casa, sabia que aquele presente viera de Deus, que ele<br />
havia cuidado de mim como filho por meio daquele homem.<br />
i n i C i a ç ã o<br />
Não fomos criados para descobrir sozinhos como é a vida. Deus<br />
deseja ser nosso pai. A verdade é que ele já tem sido nosso pai há bastante<br />
tempo — nós simplesmente não conseguimos enxergar isso.<br />
Ele deseja ser nosso pai muito mais intimamente, mas precisamos<br />
estar numa postura de recebê-lo. O que está em questão é uma nova<br />
maneira de enxergar, uma reorientação fundamental na maneira<br />
de olharmos a vida e no modo como vemos nossa situação nela.<br />
24
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
Primeiramente, admitimos que somos homens inacabados, parciais,<br />
que somos meninos por dentro e precisamos de uma iniciação.<br />
Em muitos e muitos aspectos. Segundo, deixamos de lado nossa<br />
independência, a maneira como enfrentamos a vida ou como nos<br />
afastamos dela; esse pode ser um dos caminhos mais básicos e talvez<br />
mais críticos dos quais um homem se arrepende. Eu digo “arrepende”<br />
porque nossa abordagem em relação à vida está baseada<br />
na convicção de que Deus, na maior parte do tempo, não aparece<br />
muito. Entendo de onde veio a convicção, luto contra ela constantemente,<br />
mas fico parado — isso é falta de fé, não é? Devemos estar<br />
dispostos a assumir o enorme risco de abrir nosso coração para a<br />
possibilidade de que Deus esteja nos iniciando como homens, talvez<br />
nas próprias coisas em que achávamos que ele tinha nos abandonado.<br />
Nós nos abrimos para receber o cuidado de pai.<br />
Tenho de admitir que isso não vem facilmente. Esse tipo de<br />
desconfiança fundamental é alguma coisa que aprendemos no curso<br />
de nossos dias, baseados naquela desconfiança fundamental em Deus<br />
que herdamos de Adão. Fazer a mudança parece embaraçoso. Como<br />
diz Gerald May, quanto mais nos acostumamos a buscar vida longe<br />
de Deus, mais “anormal e estressante” parece “buscar a Deus diretamente”.<br />
Especialmente como Pai, como alguém que nos trata como a<br />
filhos. Mas vale a pena fazer isso. Vale a pena. Vale a pena permitir que<br />
sejamos tratados como filhos, aceitar que essa nova maneira de viver<br />
vai exigir a criação de um certo hábito e firmarmos a posição de que<br />
faremos o que for necessário para nos acostumar a ela.<br />
O que estou sugerindo aqui é a reavaliação da maneira pela<br />
qual olhamos para nossa vida como homens, bem como da maneira<br />
como enxergamos nosso relacionamento com Deus. Também quero<br />
ajudar você a reavaliar a maneira como você se relaciona com outros<br />
homens, e, especialmente vocês, pais, que estão pensando em como<br />
educar meninos. A reavaliação começa quando vemos que a vida de<br />
um homem é um processo de iniciação rumo à verdadeira masculinidade.<br />
É uma série de estágios nos quais penetramos e pelos quais<br />
25
C a p í t u l o u M<br />
progredimos. Em relação a Deus, creio que aquilo que ele está mais<br />
fundamentalmente interessado em fazer em qualquer ponto da vida de<br />
um menino ou de um homem é iniciá-lo. Desse modo, muito do<br />
que interpretamos erroneamente como sendo confusão, provação<br />
ou atrapalhação de nossa parte é, de fato, a ação de pai executada<br />
por Deus sobre nós, fazendo-nos passar por alguma coisa com o<br />
objetivo de nos fortalecer, de nos curar ou de destruir alguma coisa<br />
não santa que esteja em nós. Em outras palavras, uma iniciação, uma<br />
aventura tipicamente masculina.<br />
o S e S t á g i o S<br />
Se eu fosse rascunhar para você a jornada masculina em traços bastante<br />
amplos, creio que é assim que se revelaria, ou melhor, como<br />
ela deveria se revelar: Infância, Caubói, Guerreiro, Amante, Rei e Sábio.<br />
Tudo isso acontecendo em cerca de 80 anos, com uma década<br />
a mais ou a menos.<br />
Agora deixe-me ser rápido e acrescentar que ninguém pode<br />
estabelecer uma idade exata para cada estágio. Eles se sobrepõem, e<br />
há aspectos de cada estágio em outros. Observe um menino durante<br />
uma tarde (uma ótima idéia, principalmente se já faz algum tempo<br />
que você deixou de ser garoto) e você verá o Guerreiro, o Caubói e<br />
o Rei. Mas ele é um menino, e é como menino que deve viver aqueles<br />
anos. Um grande dano será causado se pedirmos ao garoto que se<br />
torne Rei muito cedo, como é o caso quando um pai abandona sua<br />
família, saindo pela porta com as palavras de despedida “você agora<br />
é o homem da casa”. Uma coisa cruel a fazer, e uma ainda mais<br />
cruel a dizer, pois o menino ainda não se tornou homem e nem<br />
mesmo aprendeu as lições da infância e da vida de homem. Ele<br />
ainda não foi Guerreiro nem Amante, e de modo algum está pronto<br />
para se tornar Rei.<br />
Quando pedimos tal atitude dele, isso se torna uma ferida<br />
semelhante a uma maldição, pois ele é instantaneamente privado<br />
26
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
de sua infância e lhe é solicitado que pule estágios da maturidade<br />
masculina que nenhum homem pode desprezar. Existe um caminho<br />
que deve ser seguido. Existe um Caminho, não uma fórmula.<br />
Um Caminho. Cada estágio tem suas lições a serem aprendidas, e<br />
em cada estágio pode se ser ferido, abreviado, deixando o homem<br />
em crescimento com uma alma não desenvolvida. Depois ficamos<br />
perguntando por que ele se dobra repentinamente quando tem 45<br />
anos, tal qual uma árvore tombada no jardim depois de uma noite<br />
de vento forte. Analisando com mais detalhe, descobrimos que suas<br />
raízes não estavam fincadas numa profundidade suficientemente<br />
grande na terra, ou que talvez estivessem podres por dentro, enfraquecidas<br />
por uma doença ou pela seca. É isso o que vemos por<br />
dentro dos homens inacabados.<br />
Para começar, temos a Infância, uma época de deslumbramento<br />
e exploração. É a época do Forte Apache e das histórias em<br />
quadrinhos, de girinos e pirulitos. Do “Era uma vez um gato maltês.<br />
Tocava piano, falava francês”, como dizia a velha rima. Acima de<br />
tudo isso, é o tempo de ser o Filho Amado, a menina dos olhos de<br />
seu pai. Um tempo de afirmação. Embora eu mantenha minha premissa<br />
lançada em Coração Selvagem — a de que todo homem compartilha<br />
da mesma pergunta fundamental, e que essa pergunta é mais<br />
ou menos assim: “Tenho aquilo de que preciso?” — creio que essa<br />
pergunta é muito mais urgente para o estágio do Caubói e os posteriores.<br />
Antes e abaixo dessa pergunta e da busca de um homem<br />
por validação reside uma necessidade mais profunda: saber que ele<br />
é valorizado, que se tem prazer nele, que ele é o Filho Amado. É a<br />
nossa necessidade do amor de pai.<br />
O estágio do Caubói vem a seguir, mais ou menos na adolescência<br />
(a idade de 13 anos parece ser o momento da transição),<br />
prosseguindo até os 19 ou 20 e poucos anos. É a época de aprender<br />
as lições do campo, um tempo de grandes aventuras e provas, e<br />
também um tempo de trabalho duro. O jovem homem aprende a<br />
caçar, a jogar uma bola com efeito ou domar um cavalo. É nessa fase<br />
27
C a p í t u l o u M<br />
que ele consegue seu primeiro carro e, com ele, um horizonte aberto.<br />
Ele vai para a floresta sozinho ou com alguns poucos amigos,<br />
viaja para a Europa, vira guarda ou bombeiro florestal. Um tempo<br />
de ousadia e perigo, tempo de aprender que ele, de fato, tem aquilo<br />
de que precisa.<br />
Em algum momento no final da adolescência surge o jovem<br />
Guerreiro, e essa fase dura até os 30 anos. Mais uma vez, os estágios<br />
se sobrepõem e existe algum aspecto de cada um deles em cada fase<br />
da vida de um homem. Tenha seis ou sessenta anos, um homem<br />
sempre será um Guerreiro, pois ele é a imagem de um Deus guerreiro<br />
(veja Êxodo 15:3). Mas também há um momento na vida de<br />
um homem quando um desses estágios é proeminente. O Guerreiro<br />
encontra uma causa e, espera-se, um rei. Ele vai para a escola de direito<br />
ou para o campo missionário. Ele se depara face a face com o<br />
mal e aprende a derrotá-lo. O jovem guerreiro aprende os rigores da<br />
disciplina, especialmente aquela disciplina interior e a resolução de<br />
espírito que você vê em Jesus, que se opõe “firme como uma dura<br />
rocha” (Isaías 50:7) e que não pode ser dissuadido de sua missão.<br />
Ele pode entrar para a Marinha ou tornar-se professor de matemática<br />
numa escola de periferia, lutando pelos corações dos jovens. O<br />
fato de ele descobrir uma missão é crucial e é ainda mais importante<br />
que ele aprenda a lutar contra o reino das trevas. A passividade<br />
e a masculinidade são mutuamente exclusivas, fundamentalmente<br />
diferentes uma da outra. Para ser homem, ele deve aprender a viver<br />
com coragem, a agir, e a lutar.<br />
Tipicamente esse é o momento em que ele também se torna<br />
Amante, embora seria melhor para ele e para ela se, antes disso, ele<br />
vivesse um tempo como Guerreiro. Como descrevi em Coração Selvagem,<br />
muitos homens jovens não encontram a resposta à sua pergunta<br />
quando são jovens Caubóis e, tal qual um guerreiro inseguro, eles<br />
não têm uma missão para a vida deles. Eles terminam deixando tudo<br />
para a mulher, esperando encontrar nela a validação e a razão para<br />
viver (uma busca profundamente infrutífera, como muitos homens<br />
28
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
entendem hoje). Um Amante vem para oferecer sua força a uma mulher,<br />
não para obtê-la dela. Mas a época do Amante não está basicamente<br />
relacionada com uma mulher. É a época quando um homem jovem<br />
descobre o Caminho do Coração — momento em que ele entende<br />
que a poesia e a paixão estão muito mais perto da verdade do que a<br />
mera razão e proposição. Ele desperta para a beleza, para a vida. Ele<br />
descobre a música e a literatura; tal qual o jovem Davi, ele se torna<br />
romântico e isso leva sua vida espiritual a um nível completamente<br />
novo. O serviço para Deus só é suplantado pela intimidade com Deus.<br />
Depois — e somente depois — ele está pronto para tornar-se<br />
Rei, pronto para governar um reino. A crise de liderança em nossas<br />
igrejas, nos negócios e no governo deve-se em grande parte a este<br />
dilema: os homens receberam poder, mas estão despreparados para<br />
lidar com ele. O tempo de governar é um enorme teste de caráter,<br />
pois o rei será duramente provado ao usar sua influência com humildade,<br />
para benefício de outros. Aquilo que chamamos de crise<br />
da meia-idade normalmente é caracterizado por um homem que<br />
possui uma certa quantidade de dinheiro e influência e usa isso<br />
para voltar e recuperar aquilo que perdeu como Filho Amado (ele<br />
compra brinquedos para si) ou como caubói (ele sai em aventuras).<br />
Ele é um homem não desenvolvido, não iniciado.<br />
O verdadeiro Rei adquire autoridade e sabe que o privilégio<br />
não é para conseguir coisas para o seu conforto. Ele pode ser escolhido<br />
para ser presidente de uma empresa ou comandante de uma divisão;<br />
ele pode tornar-se o pastor titular de uma igreja ou o técnico<br />
de futebol de um time. Este é o tempo de governar sobre um reino.<br />
Espera-se que ele reúna em torno de si uma companhia de jovens<br />
guerreiros, pois ele é agora um pai para os homens mais jovens.<br />
Finalmente, temos o Sábio, o pai de cabelos grisalhos, com<br />
riqueza de conhecimento e experiência, cuja missão agora é aconselhar<br />
os outros. Seu reino pode encolher — os filhos saíram de<br />
casa, o que permite que se mude para uma casa menor. Ele sai de<br />
seu posto de presidente, o seu sustento passa a vir de uma poupança<br />
29
C a p í t u l o u M<br />
e de investimentos feitos durante o período em que era Rei. Mas<br />
sua influência precisa crescer. Esta não é a hora de arrumar as malas e<br />
mudar-se para uma casa de campo no interior: o reino precisa dele<br />
agora como o ancião junto aos portais. Ele pode de fato ser um presbítero<br />
(ancião) em sua igreja ou pode trabalhar na diretoria da área<br />
de educação. Seu tempo é gasto mentoreando homens mais jovens,<br />
especialmente Reis, como Merlim mentoreou Arthur, como Paulo<br />
mentoreou Timóteo. Em um tempo da vida quando a maioria dos<br />
homens sente que seu tempo já passou, este pode ser o período de<br />
sua maior contribuição.<br />
Deixe-me dizer outra vez que esses estágios estão todos presentes,<br />
em algum grau, em qualquer período da vida de um homem<br />
e todos eles se juntam para compor um homem completo e santo. O<br />
menino é praticamente um rei de um pequeno reino — seu quarto,<br />
a casa na árvore, a cabana que ele construiu secretamente no porão<br />
ou na floresta. O homem, embora seja agora um rei em um sentido<br />
muito mais sério, nunca deve perder a maravilha do menino, aquela<br />
condição de ser “jovem de coração”. Maturidade não é sinônimo<br />
de rigidez, de calcificação do coração. Como disse George MacDonald,<br />
“o menino deveria encerrar e manter, como sua própria vida,<br />
a criança que está em seu coração e nunca deixar que ela se vá... a<br />
criança não deve morrer, mas renascer para sempre”. Jesus falou<br />
isso quando disse que deveríamos ser como crianças se quiséssemos<br />
viver em seu reino (Mateus 18:3).<br />
Tendo dito isso, parece-me que cada um dos estágios — que<br />
podem ser chamados de arquétipos — domina em uma época, e isso<br />
por uma boa razão. Assim, falarei dos estágios em ambos os aspectos.<br />
r e p r e S e n t a ç ã o d o S e S t á g i o S<br />
Davi poderia ser a expressão bíblica definitiva da jornada masculina.<br />
Sua vida como homem é aparentemente digna de receber uma<br />
atenção especial, uma vez que Deus dedica mais de sessenta capítu-<br />
30
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
los de seu livro à vida de Davi, enquanto que a maioria dos outros<br />
homens tem sorte de receber um parágrafo ou dois. Quando nos<br />
encontramos com Davi, ele está no estágio do Caubói, um adolescente<br />
vivendo nos campos, cuidando dos rebanhos de sua família.<br />
Pensei em chamar esse estágio de estágio do Pastor, mas a palavra<br />
tem sido tão deturpada pelas imagens religiosas que ela passou a<br />
ter um sentido oposto ao da vida que realmente tinha. A imagem<br />
que temos de pastores está contaminada por figuras do natal, por<br />
pequenos bonecos encontrados em presépios ou, um pouco mais<br />
perto da minha idéia, por crianças da vizinhança se apresentando<br />
em peças na escola. Todas essas imagens são muito bonitas, mas os<br />
pastores de verdade são rudes.<br />
Pouco antes de sua passagem de Caubói para Guerreiro, Davi<br />
coloca-se no campo do exército de Israel, diante de seu rei, que<br />
tenta dissuadir o adolescente de um combate solitário contra um<br />
mercenário famoso (Golias). Davi diz: “Teu servo toma conta das<br />
ovelhas de seu pai. Quando aparece um leão ou um urso e leva<br />
uma ovelha do rebanho, eu vou atrás dele, dou-lhe golpes e livro<br />
a ovelha de sua boca. Quando se vira contra mim, eu o pego pela<br />
juba e lhe dou golpes até matá-lo” (1 Samuel 17:34,35). Aquelas<br />
experiências aconteceram durante o estágio do Caubói e nós vemos<br />
aqui como esse estágio pode ser rude e perigoso. Vemos também<br />
que ele aprendeu suas lições muito bem. Será que Davi chegou a ser<br />
o Filho Amado? É difícil dizer. Não temos nenhum registro de sua<br />
infância em si, embora de fato tenhamos duas outras informações<br />
que podem dizer alguma coisa. Ele era o mais jovem de oito meninos,<br />
o que pode ser bom ou ruim. De modo geral, o mais novo<br />
é a menina dos olhos do pai — como foram José e Benjamim. Mas<br />
quando você lê o livro de Salmos, não há dúvida de que Davi sabia<br />
que ele era o Filho Amado de Deus: seus poemas transbordam do<br />
tipo de confiança profunda no amor e no favor de Deus que apenas<br />
o Filho Amado pode expressar.<br />
Quanto ao Guerreiro, por acaso existe alguma dúvida de que<br />
Davi é quem estabelece o padrão desse estágio? “Saul matou milha-<br />
31
C a p í t u l o u M<br />
res, e Davi, dezenas de milhares”, cantavam as mulheres de Israel<br />
(1 Samuel 18:7). Ele certamente foi um amante — embora nossos<br />
pensamentos provavelmente voem direto para seu caso com Bate-<br />
Seba. Mas é de Davi que aprendemos que o estágio do Amante não é<br />
de modo algum algo ligado às mulheres: é sobre a vida do coração,<br />
a vida da beleza e da paixão e sobre um profundo romance com<br />
Deus, coisas que podem ser vistas em sua poesia. E, é claro, Davi foi<br />
literalmente um Rei.<br />
Você vê os estágios também na vida de Jesus. Certamente<br />
ele é o Filho Amado, tanto de seus pais quanto de Deus. O breve<br />
relato que temos sobre sua infância é sobre o momento em que<br />
Jesus desapareceu da caravana com a qual sua família estava viajando<br />
depois de saírem da festa da Páscoa em Jerusalém. É impressionante<br />
perceber que se passaram dois dias até que Maria e José percebessem<br />
que o menino não estava com eles — o que demonstra tanto<br />
uma enorme negligência dos pais (uma teoria que não é apoiada<br />
pelos outros fatos que conhecemos sobre a família) ou uma notável<br />
segurança e confiança no menino. Algo que está muito mais relacionado<br />
à nossa jornada neste livro é o pronunciamento de Deus Pai<br />
em relação a Jesus quando ele se levanta nas águas do Jordão: “Este<br />
é o meu Filho amado” (Mateus 3:17). A confiança que Jesus tem no<br />
amor de seu Pai, sua ousada e inquestionável intimidade, é a marca<br />
de sua vida, a explicação de tudo o mais. Esse homem sabe que seu<br />
Pai o ama demais.<br />
Eu colocaria os anos do Caubói da vida de Jesus na carpintaria,<br />
horas a fio ao lado de José, aprendendo com seu pai a lidar com<br />
madeira e todas as lições que tábuas e ferramentas manuais têm a<br />
ensinar a um jovem, um jeito maravilhoso de um adolescente passar<br />
aqueles anos. Aparentemente, ele também se sente bem no deserto,<br />
pois vai àquele lugar durante os anos do seu ministério para ser<br />
restaurado, para estar com um Deus, seu Pai.<br />
Ele entra na fase do Guerreiro quando dá início ao seu ministério,<br />
um período de três anos marcado por intensa batalha, que<br />
32
a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
alcança o seu clímax quando ele derrota o maligno, garante nosso<br />
resgate da prisão das trevas e combate seu inimigo pela posse das<br />
chaves da morte e do inferno. No decorrer daqueles anos, também<br />
vemos um Amante apaixonado cortejando e conquistando o coração<br />
de sua Noiva. (É bom lembrar que o livro de Cântico dos Cânticos<br />
é de autoria do Espírito de Deus que, sem dúvida, é o maior<br />
Amante de todos os tempos.) Naturalmente, ele é Rei, Senhor agora<br />
dos céus e da terra, e um Rei Guerreiro que retornará trazendo a<br />
vitória final a seu povo e levando-o à era de ouro de seu reino. Sua<br />
vida terrena foi abreviada, mas mesmo assim vemos o Sábio na profundidade<br />
e no insight de seu ensinamento magistral. Naturalmente,<br />
ele é o nosso maravilhoso conselheiro mesmo agora.<br />
v o C ê e n C o n t r a r á o S<br />
e S t á g i o S e M t o d o l u g a r<br />
Agora que você tem um esboço dos Estágios da jornada masculina,<br />
você os verá em todas as grandes histórias.<br />
O Príncipe do Egito, baseado na vida de Moisés, é nosso primeiro<br />
exemplo. Quando a história se inicia, ele é o Filho Amado — mimado,<br />
sem dúvida, precisando passar para o estágio do Caubói —,<br />
mas sem dúvida um Filho Amado. Seus pais viram alguma coisa<br />
especial no bebê, e arriscaram sua vida para salvá-lo. Moisés é adotado<br />
na casa do faraó e é criado ali numa vida de privilégios. Ele<br />
entra na fase do Caubói no deserto, como pastor (que, como eu<br />
disse, era uma vida rude e exigente, cheia de perigos e aventuras).<br />
Então, a partir do chamado de Deus para libertar seu povo, ele se<br />
torna Guerreiro e, depois, Rei e Sábio dos israelitas enquanto eles<br />
empreendem sua jornada rumo à terra prometida.<br />
Considere também a trilogia de J. R. R. Tolkien, O Senhor dos<br />
Anéis. Cada um dos personagens principais é uma imagem de um<br />
ou vários estágios. Os hobbits — especialmente Frodo — são um<br />
33
C a p í t u l o u M<br />
retrato do Filho Amado. Passolargo é o supremo Caubói (um “Patrulheiro”,<br />
como é chamado, um título que você pode facilmente<br />
substituir por “Caubói” todas as vezes que falar sobre esse estágio).<br />
Depois, ele se torna o grande Guerreiro Aragorn, que se torna Rei.<br />
Gandalf é o Sábio. Olhando mais de perto, você também pode ver<br />
a jornada de um menino rumo à vida adulta de homem através da<br />
vida dos hobbits, cuja jornada-história assim o é. Quando encontramos<br />
os hobbits, eles estão vivendo o estágio do Filho Amado<br />
— cabelo encaracolado, bom coração, brincalhões —, sendo que o<br />
mundo de seu condado é um lugar seguro que eles estão livres para<br />
explorar. Quando pegam a estrada, entram no estágio do Caubói.<br />
Sim, eles têm uma missão, mas não avaliam plenamente sua gravidade.<br />
Num primeiro momento, é uma alegria estar na estrada,<br />
dormindo fora, vendo novos lugares, experimentando a vida além<br />
de um travesseiro de penas. Aragorn leva-os “ao ermo”, onde eles<br />
começam a ser fortalecidos, dormindo no chão, suportando um<br />
tempo difícil, perigos e longas caminhadas. Eles prosseguem, vindo<br />
a se tornar Guerreiros, aprendem a batalhar, sair à guerra.<br />
Os estágios também formam o roteiro do filme O Rei Leão.<br />
A cena de abertura anuncia a chegada de Simba, o filhote de leão.<br />
Ele é o Filho Amado do rei leão Mufasa e é claramente a menina<br />
de seus olhos. Mas sua juventude é antecipada pela repentina perda<br />
da inocência — como acontece com muitos meninos — e ele<br />
é introduzido no estágio do Caubói, pegando a estrada. Contudo,<br />
ele não possui nenhum Aragorn para guiá-lo, e seu tempo nesse<br />
estágio é corrompido por permanecer nele por muito tempo e por<br />
viver apenas para o hoje. Isso acontece a muitos jovens sem pai,<br />
que vivem numa aventura simplesmente pela aventura, andando de<br />
skate, surfando, recusando-se a crescer. Simba entra no estágio do<br />
Amante quando Nala o encontra na floresta e eles desfrutam de um<br />
idílio semelhante ao do Éden. Mas ele é um amante sem objetivo,<br />
como muitos jovens rapazes que não passaram primeiramente pelo<br />
estágio do Guerreiro, e Nala fica impaciente com ele, como muitas<br />
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a j o r n a d a M a S C u l i n a<br />
jovens ficam impacientes com os rapazes a quem amam, mas que<br />
não mostram sinais de se darem bem com sua vida.<br />
Felizmente para Simba e para o reino, é exatamente nessa situação<br />
que ele encontra um sábio — Rafiki, o velho babuíno — que<br />
o leva de volta ao pai, retorno esse que lhe confere sua verdadeira<br />
identidade e chamado. Ele é levado de volta a um mundo centrado<br />
no pai — a exata restauração de que precisamos. Para Simba, é tempo<br />
de completar sua jornada em direção à vida adulta, como Guerreiro<br />
e Rei. Ele volta para enfrentar seu inimigo, triunfa sobre o mal,<br />
assume o trono e dá início a uma nova era de ouro para o reino.<br />
i n i C i a n d o a e x p e d i ç ã o<br />
Essa é a nossa jornada da iniciação masculina. Mas não estamos<br />
acostumados a estágios de desenvolvimento em nossa cultura atual.<br />
Quem faz nosso café é outra pessoa. Não precisamos mais esperar<br />
que nossas fotos sejam reveladas — nem mesmo 1 hora —, pois<br />
agora temos câmeras digitais que nos mostram a imagem imediatamente.<br />
Não precisamos esperar para entrar em contato com alguém:<br />
podemos enviar um e-mail, um pager, chamá-la pelo celular<br />
ou enviar um torpedo. Não precisamos esperar anos até que nossa<br />
jaqueta de couro, nossa calça jeans ou nosso boné tenham a aparência<br />
de usados — eles já são comprados desse jeito agora, desbotados,<br />
lavados, rasgados. Características que podem ser compradas e<br />
usadas imediatamente.<br />
Mas Deus é um Deus de processo. Se você quer um carvalho,<br />
precisa começar com a semente. Se você quer uma Bíblia, bem, ele<br />
fez isso num período de mais de mil anos. Se você quer um homem,<br />
então deve começar com um menino. Deus ordenou os estágios do<br />
desenvolvimento masculino. Eles estão entremeados no tecido de<br />
nosso ser, assim como as leis da natureza estão mescladas no tecido<br />
da terra. De fato, aqueles que viveram mais perto da terra respeitaram<br />
e abraçaram os estágios século após século. Precisamos pensar neles<br />
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C a p í t u l o u M<br />
como caminhos antigos. Nós perdemos contato com eles apenas recentemente<br />
— em troca de uma xícara de café light descafeinado, sem<br />
gordura trans. O resultado de termos abandonado a iniciação masculina<br />
é um mundo de homens inacabados e não iniciados.<br />
Mas não precisa ser assim. Não precisamos vagar no meio de<br />
um nevoeiro. Não precisamos viver sozinhos, lutando, amuados,<br />
inseguros, irados. Não precisamos descobrir a vida por nós mesmos.<br />
Existe um outro caminho. Independentemente de onde estejamos<br />
nessa jornada, nossa iniciação pode começar de fato. É muito<br />
melhor para nós — e para aqueles que têm que viver conosco,<br />
que olham para nós — descobrir os estágios e cumpri-los, viver de<br />
acordo com eles, criar nossos filhos de acordo com eles. O que nos<br />
leva de volta a nossa dificuldade: quem vai fazer isso por nós?<br />
l<br />
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