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Parecer do Dr. Luiz Edson Fachin, da Comissão Permanente de ...

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PARECER 1 <strong>Luiz</strong> <strong>Edson</strong> Fachín 2<br />

PROJETO DE LEI N° 2654/2003. ESTATUTO DA<br />

CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA). PUNiÇÃO<br />

CORPORAL. "PALMADA". LIMITE. SINTONIA<br />

COM O PARADIGMA CONTEMPORÂNO<br />

NACIONAL E INTERNACIONAL DO DIREITO DE<br />

FAMíUA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA.<br />

(i)<br />

Do Pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>Parecer</strong>.<br />

Na quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> membro <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s Brasileiros, a<br />

pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu Presi<strong>de</strong>nte, como integrante <strong>da</strong> <strong>Comissão</strong> <strong>Permanente</strong> <strong>de</strong><br />

Direito <strong>de</strong> Família, eis o presente parecer sobre o projeto <strong>de</strong> lei nO2654/2003,<br />

<strong>de</strong> autoria <strong>da</strong> Deputa<strong>da</strong> Maria <strong>do</strong> Rosário, que estabelece o direito <strong>da</strong> criança e<br />

<strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente a não serem submeti<strong>do</strong>s a qualquer forma <strong>de</strong> punição corporal.<br />

(ii) Contextualização <strong>do</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> romper com o paradigma <strong>da</strong> "palma<strong>da</strong>", a Deputa<strong>da</strong><br />

Maria <strong>do</strong> Rosário propôs ao Congresso Nacional o projeto <strong>de</strong> lei n? 2654/2003,<br />

modificativo <strong>do</strong> Estatuto <strong>da</strong> Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente, para acrescer regra que<br />

visa o estabelecimento <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente <strong>de</strong> não serem<br />

submeti<strong>do</strong>s a qualquer forma <strong>de</strong> punição corporal e castigos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s ou<br />

1 Basea<strong>do</strong> nas reflexões conti<strong>da</strong>s no artigo aDA PALMADA À PALAVRA" em co-autoria com a<br />

<strong>do</strong>utoran<strong>da</strong> em direitos humanos pela PUC/SP Melina Girardi Fachín.<br />

2 Membro conserte <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s Brasileiros, a pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu Presi<strong>de</strong>nte, como<br />

integrante <strong>da</strong> <strong>Comissão</strong> <strong>Permanente</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Família. Pós-Doutor em Direito, Professor<br />

Titular <strong>de</strong> Direito Civil <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Paraná, sócio<br />

fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>da</strong> banca <strong>Fachin</strong> Advoga<strong>do</strong>s Associa<strong>do</strong>s, autor <strong>de</strong> diversas obras e artigos jurídicos. 1 ,6


imo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, sob a alegação <strong>de</strong> quaisquer intenções, ain<strong>da</strong> que supostamente<br />

educativas.?<br />

O projeto muito agitou a opinião pública e os meios <strong>de</strong> comunicação<br />

haja vista ser a "palma<strong>da</strong>" prática socialmente aceita, ou ao menos tolera<strong>da</strong>, no<br />

ambiente familiar contemporâneo brasileiro. E o próprio Código Civil <strong>de</strong> 2002<br />

(Lei 10.406/02), no inciso I <strong>do</strong> art. 1.638 admite, implicitamente, o "castigo<br />

mooereoo:"<br />

Rompen<strong>do</strong> com essa lógica cruel <strong>de</strong> arrefecimento <strong>da</strong> condição<br />

subjetiva <strong>da</strong> criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> corpo familiar, o projeto <strong>de</strong><br />

autoria <strong>da</strong> Deputa<strong>da</strong> encontra afinação com o paradígma mais avança<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

proteção à criança no direito internacional <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />

Destarte, o presente parecer tem como escopo, à luz <strong>da</strong> proteção<br />

nacional e internacional <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>da</strong> criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente,<br />

<strong>de</strong>monstrar sua coerência, importância e necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> buscar a<br />

proteção integral <strong>do</strong>s menores.<br />

(iii) Proteção Internacional <strong>do</strong>s Direitos <strong>da</strong> Criança';<br />

Após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial vê-se a consoli<strong>da</strong>ção<br />

<strong>de</strong> um discurso<br />

internacional <strong>do</strong>s direitos humanos que assegure, em diferentes partes <strong>do</strong><br />

globo, o direito a ter direitos, na célebre expressão <strong>de</strong> Hannah Arendt".<br />

Os reflexos surgi<strong>do</strong>s no mun<strong>do</strong> pós-guerra, portanto, exigiram o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> parâmetros capazes <strong>de</strong> implementar regras e princípios em<br />

âmbito global, como forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar a soberania estatal por meio <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s<br />

3 Trâmite disponível: "8/2/2006 - Mesa Diretora <strong>da</strong> Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s (MESA)-<br />

Encerramento automático <strong>do</strong> Prazo <strong>de</strong> Recurso. Foram apresenta<strong>do</strong>s 2 recursos." Informação<br />

disponível no site:http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop Detalhe.asp?id=146518,<br />

acesso em 04/08/2010.<br />

4 Importante <strong>de</strong>stacar que, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Presi<strong>de</strong>nte <strong>Luiz</strong> lnácio Lula <strong>da</strong> Silva enviou,<br />

em julho <strong>de</strong> 2010, ao legislativo brasileiro, projeto <strong>de</strong> lei, para acrescer no Estatuto <strong>da</strong> Criança<br />

e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente o dírelto <strong>do</strong>s menores <strong>de</strong> serem cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>s pelos pais ou<br />

responsáveis sem o uso <strong>de</strong> castigo corporal ou <strong>de</strong> tratamento cruel ou <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>nte.<br />

5 O sistema <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos sob a tutela <strong>da</strong> Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />

não faz, na convenção sobre os direitos <strong>da</strong> criança, distinção entre criança e a<strong>do</strong>lescente,<br />

como proce<strong>de</strong> ao direito pátria. Nos termos <strong>de</strong>sta Convenção, em seu art. 1°: "Para efeitos <strong>da</strong><br />

presente Convenção consi<strong>de</strong>ra-se como criança to<strong>do</strong> ser humano com menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anos<br />

<strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, a não ser que, em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a lei aplícável à criança, a maiori<strong>da</strong><strong>de</strong> seja<br />

alcança<strong>da</strong> antes. n<br />

6 LAFER. A reconstrução histórica <strong>do</strong>s direitos humanos. São Paulo: Cia <strong>da</strong>s Letras, 1988.<br />

p.166.


internacionais.<br />

o processo <strong>de</strong> internacionalização, inicia<strong>do</strong> pela Declaração Universal,<br />

espraia-se pelas diversas regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e especifica-se tematicamente.<br />

É justamente neste cenário <strong>de</strong> expansão <strong>da</strong> proteção internacional <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos que, em 1989, a ONU a<strong>do</strong>tou a Convenção Sobre os Direitos<br />

<strong>da</strong> Criança, ratifica<strong>da</strong> pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro em 1990, fixan<strong>do</strong> em seu<br />

preâmbulo:<br />

(...) Convenci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> que a família, como grupo<br />

fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e ambiente natural para o<br />

crescimento e bem-estar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os seus membros,<br />

e em particular <strong>da</strong>s crianças, <strong>de</strong>ve receber a<br />

proteção e assistência necessárias a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

assumir plenamente suas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>;<br />

Reconhecen<strong>do</strong> que a criança, para o pleno e<br />

harmonioso <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ve crescer no seio <strong>da</strong> família, em um ambiente <strong>de</strong><br />

felici<strong>da</strong><strong>de</strong>, amor e compreensão;<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a criança <strong>de</strong>ve estar plenamente<br />

prepara<strong>da</strong> para uma vi<strong>da</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte na<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser educa<strong>da</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os<br />

i<strong>de</strong>ais proclama<strong>do</strong>s na Carta <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s,<br />

especialmente com espírito <strong>de</strong> paz, digni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

tolerância, liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, igual<strong>da</strong><strong>de</strong> e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>;<br />

Ten<strong>do</strong> em conta que a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> proporcionar<br />

à criança uma proteção especial foi enuncia<strong>da</strong> na<br />

Declaração <strong>de</strong> Genebra <strong>de</strong> 1924 sobre os Direitos<br />

<strong>da</strong> Criança e na Declaração <strong>do</strong>s Direitos <strong>da</strong> Criança<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> pela Assembléia Geral em 20 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 1959, e reconheci<strong>da</strong> na Declaração Universal <strong>do</strong>s<br />

Direitos Humanos, no Pacto Internacional <strong>de</strong> Direitos<br />

Civis e Políticos (em particular nos Artigos 23 e 24),<br />

no Pacto Internacional <strong>de</strong> Direitos Econômicos,<br />

Sociais e Culturais (em particular no Artigo 10) e nos<br />

estatutos e instrumentos pertinentes <strong>da</strong>s Agências<br />

Especializa<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s organizações internacionais<br />

que se interessam pelo bem-estar <strong>da</strong> criança; (..l<br />

7 Documento disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/<strong>do</strong>c_crianca.php.<br />

3


Trata-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> internacional sobre direitos humanos que goza <strong>de</strong><br />

ampla a<strong>de</strong>são, possuin<strong>do</strong> quase duzentos Esta<strong>do</strong>s-partes.<br />

<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento vez que<br />

O Brasil é signatário<br />

A Convenção sobre os Direitos <strong>da</strong> Criança é o instrumento <strong>de</strong> direitos<br />

humanos mais aceito na história universal. Foi ratifica<strong>do</strong> por 193 países, exceto<br />

os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e a Somália - que assinaram, recentemente, o <strong>do</strong>cumento.<br />

(iv) O Paradlqma Protetivo,<br />

Por intermédio <strong>de</strong>sta ótica protetiva, nota-se, portanto, a tentativa <strong>de</strong><br />

rompimento com o paradigma adultocêntrico, que vê no menor indivíduo<br />

inferior, para edificá-Io como sujeito <strong>de</strong> direito merece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> igual respeito e<br />

consi<strong>de</strong>ração, to<strong>da</strong>via, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração seu estágio peculiar <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Há, como pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> <strong>da</strong> convenção em comento, uma principiologia<br />

própria que se assenta sobre um tripé: o princípio <strong>da</strong> proteção integral; o<br />

princípio <strong>da</strong> primazia <strong>do</strong>s interesses <strong>da</strong> criança e o right to voice.<br />

O princípio <strong>da</strong> proteção integral, assimila<strong>do</strong> e internaliza<strong>do</strong> pelo direito<br />

brasileiro, tem como base a inter<strong>de</strong>pendência e correlação na proteção <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos. Combinam-se, para a proteção integral, direitos civis e<br />

políticos (cognomina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> primeira geração ou dimensão) e direitos<br />

econômicos, sociais e culturais (ditos <strong>de</strong> segun<strong>da</strong> geração ou dimensão) -<br />

rompen<strong>do</strong> com o cartesianismo geracional que <strong>do</strong>mina - até hoje - os<br />

<strong>do</strong>cumentos<br />

internacionais.<br />

Além disso, a proteção integral ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong> pelo engajamento <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os protagonistas envolvi<strong>do</strong>s no <strong>de</strong>senvolvimento infantil, quais sejam:<br />

Esta<strong>do</strong>, socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e família.<br />

A<strong>de</strong>mais, o princípio <strong>da</strong> primazia <strong>do</strong> interesse <strong>da</strong> criança promove<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira inversão <strong>do</strong> foco vez que, ao invés <strong>de</strong> serem inferioriza<strong>do</strong>s, os<br />

direitos humanos <strong>do</strong>s menores passam a ser prioritários.<br />

Por fim, o direito à participação - exara<strong>do</strong> na expressão <strong>do</strong> right to


voice - exige que, compreen<strong>do</strong> seus limites e possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a opinião <strong>da</strong>s<br />

crianças seja leva<strong>da</strong> em consi<strong>de</strong>ração. É a consagração <strong>da</strong> idéia "nothíng<br />

about us wlthout us" consoante sfogan recentemente<br />

utiliza<strong>do</strong> pela ONU.<br />

No rol <strong>de</strong> direitos garanti<strong>do</strong>s às crianças, <strong>de</strong>staca-se, no artigo 19°, o<br />

direito à integri<strong>da</strong><strong>de</strong> física, contra punições ou castigos. Na literal i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

Convenção:<br />

ARTIGO 19<br />

1. Os Esta<strong>do</strong>s Partes a<strong>do</strong>tarão to<strong>da</strong>s as medi<strong>da</strong>s<br />

legislativas, adminístratívas, sociais e educacionais<br />

apropria<strong>da</strong>s para proteger a criança contra to<strong>da</strong>s as<br />

formas <strong>de</strong> violência física ou mental, abuso ou<br />

tratamento negligente, maus tratos ou exploração,<br />

inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver<br />

sob a custódia <strong>do</strong>s pais, <strong>do</strong> representante legal ou<br />

<strong>de</strong> qualquer outra pessoa responsável por ela.<br />

2. Essas medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong>veriam incluir,<br />

conforme apropria<strong>do</strong>, procedimentos eficazes para a<br />

elaboração <strong>de</strong> programas sociais capazes <strong>de</strong><br />

proporcionar uma assistência a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> à criança e<br />

às pessoas encarrega<strong>da</strong>s <strong>de</strong> seu cui<strong>da</strong><strong>do</strong>, bem<br />

como para outras formas <strong>de</strong> prevenção, para a<br />

i<strong>de</strong>ntificação, notificação, transferência a uma<br />

instituição, investigação, tratamento e<br />

acompanhamento posterior <strong>do</strong>s casos acima<br />

menciona<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maus tratos à criança e, conforme o<br />

caso, para a intervenção judiciária.<br />

No que tange aos mecanismos <strong>de</strong> monitoramento, apesar <strong>de</strong> prever<br />

um órgão específico (comitê") para verificação <strong>de</strong> sua implementação, o único<br />

engenho previsto no texto original são os relatórios envia<strong>do</strong>s pelos Esta<strong>do</strong>spartes<br />

- artefato que se comprovou, na prática internacional, <strong>de</strong> baixa<br />

efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Nos sistemas regionais <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos não há, a<br />

exceção <strong>do</strong> sistema africano, <strong>do</strong>cumentos que gozem <strong>de</strong>sta amplitu<strong>de</strong> protetiva<br />

às crianças.<br />

8 "Art. 43. A fim <strong>de</strong> examinar os progressos realiza<strong>do</strong>s no cumprimento <strong>da</strong>s obrigações<br />

contraí<strong>da</strong>s pelos Esta<strong>do</strong>s Partes na presente Convenção, <strong>de</strong>verá ser estabeleci<strong>do</strong> um Comitê<br />

para os Direitos <strong>da</strong> Criança que <strong>de</strong>sempenhará as funções a seguir <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s."<br />

sfQJ


No contexto interamerícano as preocupações têm si<strong>do</strong> mais pontuais,<br />

em que pese o eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> violência contra menores na região.<br />

Obrigações alimentares, restituição <strong>de</strong> menores, conflitos <strong>de</strong> lei em relação à<br />

a<strong>do</strong>ção e tráfico internacional <strong>de</strong> crianças são os temas <strong>do</strong>s quais a<br />

Organização <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Americanos preocupou-se até ao presente momento<br />

no que diz respeito aos direitos humanos <strong>da</strong> criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente."<br />

Na toa<strong>da</strong> <strong>de</strong> abolição <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> violência contra crianças no<br />

âmbito familiar com propósitos pe<strong>da</strong>gógicos, singra o direito compara<strong>do</strong> e as<br />

legislações internas <strong>de</strong> diversos países têm evoluí<strong>do</strong> no banimento <strong>de</strong> punições<br />

físicas infligi<strong>da</strong>s a menores, e sejam elas com quaisquer propósitos. Conforme<br />

compila a justificativa constante no projeto <strong>de</strong> lei <strong>da</strong> Deputa<strong>da</strong> Maria <strong>do</strong><br />

Rosário:<br />

A título exemplíficativo <strong>de</strong>stacam-se: a experiência<br />

pioneira <strong>da</strong> Suécia, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1979 a<strong>do</strong>tou a<br />

chama<strong>da</strong> "Anti-spanking law", proibin<strong>do</strong> a punição<br />

corporal ou qualquer outro tratamento humilhante<br />

em face <strong>de</strong> crianças; a <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> <strong>Comissão</strong><br />

Européia <strong>de</strong> Direitos Humanos <strong>de</strong> que a punição<br />

corporal <strong>de</strong> crianças constitui violação aos direitos<br />

humanos; a lei <strong>da</strong> Família e <strong>da</strong> Juventu<strong>de</strong> (Family<br />

Law and the Youth and Welfare Act), aprova<strong>da</strong> na<br />

Áustria em 1989, com o fim <strong>de</strong> evitar que fosse a<br />

punição corporal usa<strong>da</strong> como instrumento <strong>de</strong><br />

educação <strong>de</strong> crianças; a lei sobre Custódia e<br />

Cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Pais (Parenthal Custody and Care<br />

Act) , aprova<strong>da</strong> na Dinamarca em 1997, a lei <strong>de</strong> pais<br />

e filhos (Parent and Child Act) , a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> na Noruega<br />

em 1987; a lei <strong>da</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos <strong>da</strong> criança<br />

(Protection of the Rights of the Child Law), a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong><br />

na Letônia em 1998; as alterações no artigo 1631 <strong>do</strong><br />

Código Civil, aprova<strong>da</strong>s na Alemanha em 2000; a<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> Suprema Corte <strong>de</strong> Israel, <strong>de</strong> 2000, que<br />

sustentou ser inadmissível a punição corporal <strong>de</strong><br />

crianças, por seus pais ou responsáveis; a lei<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> em Chipre em 2000 (Law which provi<strong>de</strong>s for<br />

the prevention of Violence in the Family and<br />

Protectíon of Victims), volta<strong>da</strong> à prevenção <strong>da</strong><br />

violência no núcleo famíliar e <strong>da</strong> Islândia (2003).<br />

Além <strong>de</strong>stas experiências, acrescente-se que países<br />

como a Itália, Canadá, Reino Uni<strong>do</strong>, México e Nova<br />

9 Para acessar tais <strong>do</strong>cumentos: http://www.oas.org/dil/esp/trata<strong>do</strong>s_materia.htm#Nir.íos.


Zelândia tem se orienta<strong>do</strong> na mesma direção, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> prevenir e proibir o uso <strong>da</strong> punição<br />

corporal <strong>de</strong> crianças, sob a alegação <strong>de</strong> propósitos<br />

educativos, particularmente mediante relevantes<br />

prece<strong>de</strong>ntes judiciais e reformas leqislativas em<br />

curso. Cite-se, ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong>cisão proferi<strong>da</strong> pela Corte<br />

Européia <strong>de</strong> Direitos Humanos, em face <strong>do</strong> Reino<br />

Uni<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> ilegal a punição corporal <strong>de</strong><br />

crianças.<br />

Neste influxo, à luz <strong>da</strong> proteção internacional <strong>da</strong> criança, a a<strong>do</strong>ção <strong>da</strong><br />

legislação proposta neste influxo mostra-se oportuna e necessária.<br />

(v)<br />

Proteção Nacional <strong>do</strong>s Direitos <strong>da</strong> Criança.<br />

A proposta é coerente com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em 1988, a qual<br />

rompen<strong>do</strong> com a ótica androcêntrica patriarcal <strong>do</strong> Código Civil então em vigor,<br />

en<strong>do</strong>ssou a <strong>do</strong>utrina <strong>da</strong> proteção integral <strong>do</strong> menor visto como sujeito em<br />

peculiar condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Justamente neste influxo, fixa o artigo<br />

227 <strong>da</strong> Carta Magna:<br />

É <strong>de</strong>ver <strong>da</strong> família, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nos termos <strong>da</strong><br />

Constituição assegurar à criança a ao a<strong>do</strong>lescente, com absoluta priori<strong>da</strong><strong>de</strong>, o<br />

direito à vi<strong>da</strong>, à saú<strong>de</strong>, à alimentação, à educação, ao lazer, à<br />

profissionalização, à cultura, à digni<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao respeito, à liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e à<br />

convivência familiar e comunitária, além <strong>de</strong> colocá-los a salvo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> forma <strong>de</strong><br />

negligência, discriminação, exploração, violência, cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> e opressão.<br />

No mesmo senti<strong>do</strong>, o Estatuto <strong>da</strong> Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente<br />

(ECA), em<br />

1990, fixa: "Att. 50 Nenhuma criança ou a<strong>do</strong>lescente será objeto <strong>de</strong> qualquer<br />

forma <strong>de</strong> neglígência, discriminação, exploração, violência, cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

opressão, puni<strong>do</strong> na forma <strong>da</strong> lei qualquer atenta<strong>do</strong>, por ação ou omissão, aos<br />

seus direitos fun<strong>da</strong>mentais. "<br />

To<strong>da</strong>via, nenhum <strong>do</strong>s diplomas supracita<strong>do</strong>s chegou, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

expresso como fez a <strong>de</strong>claração e agora almejam os projetos legíslativos, a


coibir a utilização <strong>da</strong> violência, ain<strong>da</strong> que mo<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>, para a suposta educação<br />

<strong>da</strong>s crianças.<br />

Na maré contrária, manten<strong>do</strong> as disposições <strong>do</strong> co<strong>de</strong>x pre<strong>de</strong>cessor, o<br />

artigo 1638, I, <strong>do</strong> vigente Código Civil assevera que "Per<strong>de</strong>rá por ato judicial o<br />

po<strong>de</strong>r familiar o pai ou a mãe que castigar imo<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>mente<br />

o filho".<br />

Para além <strong>da</strong> imprecisão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> vocabular "irno<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>", em<br />

interpretação a contrario senso, avulta permiti<strong>do</strong> o castigo mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> -<br />

hermenêutica tutela<strong>da</strong> pela jurisprudência majoritária.<br />

Acerca <strong>do</strong> tema, eis a justificativa constante no projeto <strong>de</strong> lei <strong>da</strong><br />

Deputa<strong>da</strong> Maria <strong>do</strong> Rosário:<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se afirmar que a permissão <strong>do</strong><br />

uso mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>da</strong> violência contra crianças e<br />

a<strong>do</strong>lescentes faz parte <strong>de</strong> uma cultura <strong>da</strong> violência<br />

basea<strong>da</strong> em três classes <strong>de</strong> fatores: liga<strong>do</strong>s à<br />

infância, liga<strong>do</strong>s à farnllia e liga<strong>do</strong>s à violência<br />

propriamente dita. Quanto aos primeiros, persiste no<br />

Brasil a percepção <strong>da</strong> criança e <strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente<br />

como grupos menoriza<strong>do</strong>s, isto é, como grupos<br />

inferioriza<strong>do</strong>s <strong>da</strong> população, frente aos quais é<br />

tolera<strong>do</strong> o uso <strong>da</strong> violência. Quanto aos segun<strong>do</strong>s,<br />

vigora ain<strong>da</strong> um mo<strong>de</strong>lo familiar pauta<strong>do</strong> na<br />

valorização <strong>do</strong> espaço priva<strong>do</strong> e <strong>da</strong> estrutura<br />

patriarcal, que, por estar muitas vezes subrnerso em<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s sócio-econômicas, propicia a eclosão <strong>da</strong><br />

violência. Quanto aos terceiros, prevalece no Brasil<br />

o costume <strong>de</strong> se recorrer a alternativas violentas <strong>de</strong><br />

solução <strong>de</strong> conflitos, inclusive no que toca a conflitos<br />

<strong>do</strong>mésticos. Essa cultura, contu<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser<br />

enfrenta<strong>da</strong> por diversas vias, <strong>de</strong>ntre elas, a<br />

valorização <strong>da</strong> infância e <strong>da</strong> a<strong>do</strong>lescência, a<br />

percepção <strong>da</strong> criança como um ser político, sujeito<br />

<strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres, e, ain<strong>da</strong>, a eluci<strong>da</strong>ção <strong>de</strong><br />

méto<strong>do</strong>s pacíficos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, que<br />

abarcarão a ve<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> castigo infantil, ain<strong>da</strong> que<br />

mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e para fins pretensamente pe<strong>da</strong>gógicos.<br />

Nota-se, portanto, que a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral e o Estatuto <strong>da</strong> Criança e<br />

<strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente, aten<strong>de</strong>m, harmonicamente, os padrões internacionais <strong>de</strong>


proteção aos direitos humanos <strong>da</strong> criança, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>staque à estrutura<br />

legislativa 10 <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro para a proteção <strong>do</strong>s menores.<br />

Em que pese tais avanços, especificamente em relação à violência no<br />

âmbito familiar, haja vista o silêncio <strong>da</strong> Constituição e <strong>do</strong> ECA, ain<strong>da</strong> prevalece<br />

o esteio <strong>do</strong> Código Civil, apesar <strong>da</strong> flagrante uma interpretação viola<strong>do</strong>ra <strong>da</strong><br />

principiologia e axiologia constitucional.<br />

É justamente nesse carente espaço que a mensagem presi<strong>de</strong>ncial ao<br />

Congresso acerca <strong>da</strong> lei "anti-palma<strong>da</strong>" se assenta. É certo que tal banimento<br />

engajará muitos outros esforços para além <strong>de</strong> eventual espaço legislativo,<br />

to<strong>da</strong>via, também é sabi<strong>do</strong> que a lei po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser instrumento útil <strong>de</strong><br />

mod ificação e transformação <strong>da</strong> consciência e <strong>da</strong>s práticas e atos sociais 11.<br />

(vi)<br />

Conclusão.<br />

Faz-se mister romper com o paradigma que tolera a agressão contra<br />

crianças e a<strong>do</strong>lescentes <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s relações familiares contemporâneas<br />

brasileiras.<br />

A linguagem <strong>do</strong>s direitos humanos não subsiste quan<strong>do</strong> o idioma<br />

fala<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> práticas é o <strong>da</strong> violência. No linguajar <strong>do</strong>s direitos humanos<br />

impera o respeito e, neste caso, a compreensão <strong>do</strong> outro como sujeito em<br />

peculiar processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sem que isso minore sua condição.<br />

As iniciativas legislativas existentes no Brasil para abolir qualquer<br />

forma <strong>de</strong> castigo corporal <strong>do</strong>s menores intentam romper com o chama<strong>do</strong><br />

círculo <strong>da</strong> violência. Isto porque há um claro padrão <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong><br />

brutali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los semelhantes àqueles vivi<strong>do</strong>s na infância que, na vi<strong>da</strong><br />

adulta, resultam em outros tipos <strong>de</strong> bestiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> a violência <strong>do</strong>méstica<br />

contra a mulher a mais comum. Destarte, as brutali<strong>da</strong><strong>de</strong>s infligi<strong>da</strong>s aos<br />

10 Outra dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que, pelas limitações <strong>do</strong> presente ensaio, não será posta em questão, é a<br />

a<strong>de</strong>quação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ao objetivo legal, visto que no que tange ao trabalho infantil, muitas<br />

vezes escravo, à prostituição infantil e pe<strong>do</strong>filia, o Brasil ocupa <strong>de</strong>sconfortáveis posições<br />

próximas à li<strong>de</strong>rança no ranking.<br />

11 Cite-se nesta toa<strong>da</strong> a Lei Maria <strong>da</strong> Penha (lei n° 11.340/2006).


menores acabam por ferir to<strong>do</strong> seio familiar e também a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

mo<strong>do</strong> indireto.<br />

Nessa concepção, a luta pelos (<strong>do</strong>s) direitos humanos <strong>da</strong> criança e <strong>do</strong><br />

a<strong>do</strong>lescente impõe o necessário diálogo, em substituição ao abuso, ten<strong>do</strong> os<br />

valores <strong>do</strong> respeito universal e <strong>da</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> recíproca como pré-condições<br />

dialogaís.<br />

Neste influxo, à luz <strong>da</strong> proteção internacional e nacional <strong>da</strong> criança e<br />

<strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescente, a legislação proposta é a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> e imprescindível. Destarte, o<br />

presente projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>ve, portanto, contar com o apoio <strong>de</strong>ste i. Instituto.<br />

Eis o parecer.<br />

/<br />

'i<br />

<strong>Luiz</strong> <strong>Edson</strong> <strong>Fachin</strong> - Relatar Designa<strong>do</strong><br />

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