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II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado

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BOLETIM<br />

DOS REGISTOS E DO NOTARIADO<br />

Fevereiro<br />

<strong>II</strong> <strong>Caderno</strong><br />

PARECERES DO<br />

CONSELHO TÉCNICO<br />

2/2005<br />

Proc. nº R.P. 74/2003 DSJ-CT - Registo de acção - Sujeição ao princípio do trato sucessivo –<br />

Provisoriedade por dúvidas 2<br />

Proc. nº R.P. 160/2003 DSJ-CT - Descrição. – Área: harmonização com a matriz. – Cedência de<br />

parcela ao domínio público municipal. – Forma de titular a<br />

cedência. – Técnica registral adequada. 5<br />

Proc. nº R.P. 342/2003 DSJ-CT - Locação financeira – direito de superfície – incidente sobre dois<br />

prédios rústicos – registo peticionado sobre o prédio resultante<br />

da anexação daqueles, com a natureza de prédio urbano – qualificação. 16<br />

Proc. nº R.P. 350/2003 DSJ-CT - Averbamento à descrição. Actualização da área do prédio consequente<br />

à cedência de parcela ao domínio público. – Forma de titular a<br />

cedência. – Técnica registral a adoptar. 19<br />

Proc. nº R. Co.29/2003 DSJ-CT - Alteração ao contrato – Deliberação sem a presença de to<strong>dos</strong> os sócios<br />

– falta de menção de a assembleia geral ter sido regularmente<br />

convocada – Provisoriedade por dúvidas do registo. 21<br />

Proc. nº R. C. C.61/2000 DSJ-CT – Processo preliminar de publicações. Nubente estrangeiro residente em<br />

Portugal. Capacidade matrimonial. 24


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 2<br />

Proc. n.º R. P. 74/2003- DSJ.CT - Registo de<br />

acção - Sujeição ao princípio do trato sucessivo<br />

– Provisoriedade por dúvidas<br />

1. A senhora Advogada Cátia MT vem<br />

recorrer hierarquicamente da decisão da<br />

Conservatória do Registo Predial de … da<br />

qualificação como provisória por dúvidas do<br />

pedido de registo que formulou sob a ap.<br />

03/160103, referente ao prédio 00475 da freguesia<br />

de ..., desse concelho.<br />

2. Trata-se do pedido de registo de uma<br />

acção, intentada por José HOLO e mulher contra<br />

Valdemar MSS e mulher, pretendendo-se, em<br />

essência, o reconhecimento, por parte destes, do<br />

facto de se encontrar dividido “em substância” o<br />

prédio em questão há mais de 20 anos,<br />

reconhecendo também que uma das parcelas é<br />

propriedade <strong>dos</strong> autores por usucapião.<br />

3. Sobre este pedido de registo a senhora<br />

Conservadora recorrida lançou despacho de<br />

provisoriedade por dúvidas com o fundamento em<br />

violação do trato sucessivo, uma vez que tal prédio<br />

se encontra inscrito a favor de pessoas diversas,<br />

que não foram demandadas, estribando-se tal<br />

despacho no artº 34º nº 2 do Código do Registo<br />

Predial.<br />

4. Na petição de recurso, a senhora<br />

Advogada, em síntese, vem alegar que o despacho<br />

recorrido ofende o âmbito <strong>dos</strong> poderes reserva<strong>dos</strong><br />

ao Tribunal uma vez que não compete ao<br />

Conservador avaliar da legitimidade e interesse<br />

das partes na acção, tendo, apenas, poder de<br />

apreciação sobre “os aspectos formais e exteriores<br />

<strong>dos</strong> documentos que servem de base” ao pedido de<br />

registo. É ao Tribunal que compete decidir sobre a<br />

intervenção ou demanda de alguém no processo, o<br />

que se encontra regulado na lei processual civil,<br />

pelo que não é questão que possa ser apreciada<br />

pelo Conservador. Com efeito – prossegue – ao<br />

Conservador interessa apenas se a causa de pedir e<br />

o pedido formulado são passíveis de registo, não<br />

podendo fazer um juízo meramente processual,<br />

reservado como está este ao poder judicial.<br />

Termina pedindo a revogação do despacho de<br />

provisoriedade por dúvidas.<br />

5. Sustentando a decisão, escreve a senhora<br />

Conservadora recorrida, em resumo, que a<br />

viabilidade do pedido de registo não decorre só<br />

<strong>dos</strong> documentos apresenta<strong>dos</strong>, mas também da<br />

verificação <strong>dos</strong> registos anteriores, o que permitirá<br />

estabelecer o trato sucessivo, princípio fundamental<br />

do nosso sistema registral. Por isso se impunha<br />

que os autores devessem ter demandado to<strong>dos</strong> os<br />

titulares inscritos, sem o que não pode ser lavrada<br />

nova inscrição de aquisição ou reconhecimento de<br />

direito susceptível de ser transmitido. E é esta<br />

protecção conferida ao titular inscrito não<br />

demandado na acção que implica o seu registo<br />

provisório por dúvidas, ainda que o pedido se<br />

fundamente na usucapião.<br />

6. O processo é o próprio e as partes são<br />

legítimas, tendo sido o recurso atempado.<br />

Também não se afigura existirem questões<br />

prejudiciais que obstem ao seu conhecimento, pelo<br />

que se emitirá parecer.<br />

7. Vejamos como se apresenta a situação<br />

tabular, tendo em consideração que a Conservatória<br />

recorrida foi destacada da Conservatória do<br />

Registo Predial de ....<br />

Nesta conservatória existiam duas descrições<br />

originárias diferentes que, através de vicissitudes<br />

várias, vieram a resultar, hoje em dia, na descrição<br />

00475 da freguesia de ... em questão nestes autos,<br />

que é a anexação das descrições em livro nºs 2084<br />

e 2085.<br />

Assim:<br />

a) - A descrição nº 33.483 a fls 148v. do Lº<br />

B-85, que consta estar inscrita sob parte (1/4) do<br />

artº 101-A da referida freguesia de ..., tem em<br />

vigor a inscrição nº 21.158 a fls 101 do Lº G-25,<br />

inscrição esta a favor de José AO, casado, por<br />

compra. Com a transcrição deste prédio para a<br />

Conservatória de … foi-lhe atribuído o número<br />

2084 a fls 129 do Lº B-26, tendo aquela inscrição


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 3<br />

sido transcrita com o número 1330 a fls 98v do<br />

Livro G-4.<br />

b) - A história da descrição 2085 de ... é<br />

mais complicada. Ainda na conservatória de ...,<br />

ela tinha o nº 46.854 a fls 158v do Lº B-117,<br />

estava inscrita na matriz sob o artigo 101-A da<br />

freguesia de ..., e sobre ela estavam inscritas as<br />

seguintes aquisições:<br />

- G-25, fls 114v, nº 21202: aquisição do<br />

“direito e acção” a ½ do prédio, sem determinação<br />

de parte ou direito, a favor de António ASM e de<br />

Maria S, viúvos. Este registo foi transcrito sob o nº<br />

1331 do Lº G-4;<br />

- G-25 fls 115 nº 21203: inscrição do<br />

“direito e acção” a ¼ do prédio a favor de António<br />

ASM e José SM, este solteiro, maior, sem<br />

determinação de parte ou direito. Esta inscrição<br />

não foi transcrita porque, nessa altura, já não se<br />

encontrava em vigor, por ter sido transmitida;<br />

- G-25 fls 122v nº 21229: É a aquisição<br />

dessa quarta parte do “direito e acção” feita por<br />

Ângelo M aos titulares da inscrição 21.203. Foi<br />

esta inscrição 21.229 transcrita sob o nº 1332 do<br />

Lº G-4.<br />

- G-25, fls 125v nº 21240 – É a aquisição de<br />

¼ do “direito e acção” a este prédio feita por José<br />

AO, casado, por compra aos titulares da inscrição<br />

21202 (António ASM e Maria S) , inscrição<br />

transcrita sob o nº 1333 do Lº G-4 em ....<br />

Todas estas inscrições datam do ano de<br />

1953. Posteriormente, em 1966, é desanexada uma<br />

parte deste prédio (ainda na Conservatória de ...),<br />

que foi descrita sob o nº 54678 – hoje prédio<br />

00476 de ... na Conservatória agora competente, e<br />

que não está em questão nestes autos.<br />

8. Pela ap.01/120399, o ora interessado neste<br />

recurso José HOLO veio requisitar, com base em<br />

escrituras de habilitação, a aquisição de metade de<br />

cada um destes prédios, (2084 e 2085), por<br />

sucessão por morte de José AO e mulher Adelaide<br />

LO, mais declarando que tais prédios constituíam<br />

um só, que descreveu, acrescentando que era<br />

comproprietário desse prédio Ângelo M, que nessa<br />

altura identificou. Embora de modo pouco claro,<br />

parece querer também declarar que ele,<br />

apresentante, era dono da metade trazida a registo<br />

e de mais ¼, enquanto o comproprietário era dono<br />

de ¼.<br />

A Conservatória procedeu à imediata<br />

anexação <strong>dos</strong> prédios 2084 e 2085, ambos do<br />

Livro B-6, dando origem à Ficha 00475, e sobre<br />

esta inscreveu a aquisição de metade a favor do<br />

apresentante (inscrição G-3).<br />

Recorde-se que a situação tabular à altura<br />

deste pedido de registo era a seguinte: O prédio<br />

2084 estava inscrito a favor de José AO; o prédio<br />

2085 estava registado a favor de António ASM e<br />

Maria S (¼ sem determinação de parte ou direito),<br />

¼ a favor de Ângelo M e ¼ a favor de José AO<br />

(inscrição esta que deveria ter sido extractada para<br />

a ficha mas que o não foi, provavelmente no<br />

pressuposto que esses direitos estariam já<br />

transmiti<strong>dos</strong> e regista<strong>dos</strong> pela inscrição G-3 a<br />

favor do requisitante, do mesmo modo por que não<br />

foi extractada a inscrição em vigor sobre o prédio<br />

2084). Por registar estava ¼ deste prédio.<br />

Ora, ainda que, a julgar pelos documentos<br />

relaciona<strong>dos</strong> na requisição, o registante José<br />

HOLO apresentasse títulos que lhe permitissem<br />

demonstrar a transmissão, a seu favor, <strong>dos</strong> direitos<br />

que na descrição 2085 pertenciam a José AO,<br />

facto é que, em relação a esse prédio, apenas seria<br />

dono inscrito de uma quarta parte, ou, quanto<br />

muito, de ½, isto se lograsse demonstrar a<br />

aquisição da parte omissa no registo desse prédio,<br />

o que não é possível inferir da economia <strong>dos</strong><br />

autos. Decorrentemente, evidente se torna que as<br />

duas descrições não poderiam ser anexadas, pois<br />

que pertencentes a proprietários diversos: a 2084 a<br />

favor do requisitante, mas a 2085 a favor deste e<br />

de outros.<br />

Esta impossibilidade de anexação de prédios<br />

nestas circunstâncias é doutrina antiga e, ao que<br />

julgamos, absolutamente pacífica. Ainda assim,<br />

anote-se o entendimento perfilhado por este<br />

Conselho no PºRP 17/99 DSJ-CT, in BRN 8/99,


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 4<br />

em cuja Conclusão I expressamente se escreveu:<br />

“São requisitos essenciais da anexação de<br />

prédios: (...) b)- pertencerem eles ao mesmo<br />

proprietário, em termos de poderem constituir<br />

objecto de um direito de propriedade unitário;<br />

(...)”.<br />

Também a inscrição G-3, lavrada como o<br />

foi, nos parece ferida de nulidade.<br />

9. Todavia, facto é que o prédio resultante<br />

da anexação é o mesmo que consta da petição<br />

inicial da acção subjacente a estes autos, e não foi<br />

levantada a questão da impossibilidade dessa<br />

anexação, pelo que, não sendo invocada, e não<br />

sendo também posta em crise senão a<br />

provisoriedade por falta de trato sucessivo, nos<br />

parece que devemos restringir o parecer a este<br />

aspecto.<br />

E, neste âmbito, não podemos sufragar a<br />

opinião expendida pela senhora Advogada<br />

recorrente. Com efeito, é entendimento desde há<br />

muito firmado por este Conselho Técnico que o<br />

registo das acções está sujeito às regras do trato<br />

sucessivo, na modalidade da continuidade das<br />

inscrições, previsto no artº 34º nº 2 do Código do<br />

Registo Predial. Assim, e por exemplo, escreveuse<br />

no Parecer exarado no Pº 36/96 RP4 (BRN<br />

5/97) o seguinte: “Há que reconhecer que o<br />

registo da acção – que visa antecipar os efeitos da<br />

sentença é essencialmente cautelar, provisório,<br />

procurando salvaguardar direitos ainda não<br />

defini<strong>dos</strong> e obrigando, pois, o conservador a<br />

qualificar o pedido (a pretensão espelhada no<br />

articulado) no momento em que ele é<br />

apresentado”. E, mais adiante:” A questão de o<br />

titular inscrito não figurar como demandado (ou<br />

nem mesmo ter qualquer intervenção na acção) é<br />

até a que mais poderá relevar para efeitos de<br />

se tornar inviável a pretendida protecção<br />

registral”. Também recentemente, no Parecer<br />

extraído no Pº RP 11/2004 DSJ-CT, ainda não<br />

publicado, se reafirmou (Conclusão I) que “o<br />

registo de acção está submetido ao princípio do<br />

trato sucessivo, na modalidade de continuidade de<br />

inscrições, previsto no artº 34º nº 2 do Código do<br />

Registo Predial”.<br />

E é no poder de qualificação do Conservador<br />

(artº 68º do Código do Registo Predial) que se<br />

alicerça a verificação da conformidade do pedido<br />

de registo com os princípios basilares do registo,<br />

entre os quais o trato sucessivo. Mas esta<br />

qualificação em nada interfere ou colide com a<br />

apreciação judicial do pedido da acção, nem se<br />

estriba em regras de processo civil. Antes tem as<br />

suas raízes no sistema registral, tendo em<br />

consideração a finalidade que se pretende através<br />

dele prosseguir. Como escreveu MOUTEIRA<br />

GUERREIRO, em artigo publicado na revista<br />

“Scientia Juridica” (1985, nºs 197/198, p. 436),<br />

“nesta matéria – registo de acções – não podemos<br />

entender o artº 3º desgarrado do contexto de todo<br />

o Código, designadamente <strong>dos</strong> artºs 1º, 7º e 34º,<br />

que enunciam os princípios fundamentais<br />

inerentes à própria estrutura do sistema registral<br />

português”.<br />

Pelo exposto se entende que não deve ser<br />

dado provimento ao recurso, parecendo-nos,<br />

porém que, prima faciae o registo a que respeita a<br />

inscrição G-3 padece do vício de nulidade, pelo<br />

que, tratando-se de um registo indevidamente<br />

lavrado deverá ser promovido o processo de<br />

rectificação com vista ao seu cancelamento e à<br />

reconstituição das descrições 2084 e 2085, caso a<br />

inscrição da acção a que este recurso se refere não<br />

logre obter a sua conversão (na procedência de<br />

eventual recurso contencioso), extraindo-se as<br />

seguintes<br />

Conclusões<br />

I – O registo de acções está sujeito ao princípio<br />

do trato sucessivo, na modalidade de<br />

continuidade das inscrições (artº 34º nº 2 do<br />

Código do Registo Predial).<br />

<strong>II</strong> – Consequentemente, o facto de não ter o<br />

Autor demandado to<strong>dos</strong> os restantes titulares<br />

inscritos do prédio objecto da acção à data do<br />

registo da mesma determina que este registo


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 5<br />

seja também qualificado como provisório por<br />

dúvidas.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 23.02.2005.<br />

Luís Carlos Calado de Avelar Nobre,<br />

relator, João Guimarães Gomes de Bastos, Maria<br />

Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira, Vitorino<br />

Martins de Oliveira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 24.02.2005.<br />

Proc. nº R.P. 160/2003 DSJ-CT – Descrição. –<br />

Área: harmonização com a matriz. – Cedência<br />

de parcela ao domínio público municipal. –<br />

Forma de titular a cedência. – Técnica registral<br />

adequada.<br />

O presente recurso hierárquico vem<br />

interposto do despacho de provisoriedade por<br />

dúvidas e de recusa que recaiu sobre os registos<br />

requisita<strong>dos</strong> pelas Aps. 7 e 9, respectivamente, de<br />

16/04/2003, em relação aos prédios descritos sob<br />

os n.º s 04249 e 04250, da freguesia de ....<br />

Tinham esses registos por objecto, o<br />

primeiro, a aquisição daqueles prédios, em comum<br />

e sem determinação de parte ou direito, a favor do<br />

recorrente e de outros herdeiros, por sucessão<br />

hereditária do titular inscrito, e o segundo, a<br />

anexação <strong>dos</strong> mesmos, decorrente da realidade<br />

imposta pelo cadastro geométrico que, após a<br />

cedência de área para o domínio público, as<br />

inscreveu, reunidas, sob o artigo 62, Secção AI.<br />

Os documentos que instruíram os registos<br />

em causa foram, além da escritura notarial de<br />

habilitação de herdeiros e da caderneta predial<br />

rústica do mencionado artigo, uma certidão<br />

passada pela Câmara Municipal de …, datada de<br />

8/01/03, na qual, correspondendo ao requerido<br />

pelo ora recorrente, se certifica que, do prédio<br />

rústico, inscrito na matriz sob o artigo 62, Secção<br />

AI, de ..., inscrito “... na conservatória do registo<br />

predial sob o n.º 7211 da mesma freguesia em<br />

nome de ... “, foi cedida a área de 120m2 para<br />

alargamento da estrada da …. 1<br />

Os motivos determinantes da provisoriedade<br />

por dúvidas residiram na falta de apresentação da<br />

certidão de imposto sucessório – com o qual os<br />

recorrentes se mostram conforma<strong>dos</strong> – e na<br />

necessidade de se proceder previamente à<br />

rectificação das áreas de cada uma das descrições,<br />

já que a divergência entre aquelas e a matriz é<br />

superior a 10%. Os preceitos legais invoca<strong>dos</strong> para<br />

o efeito foram os artigos 68.º, 70.º, 71.º, 72.º e 28.º<br />

e segs. do Código do Registo Predial, fazendo<br />

apelo, em termos doutrinais, à orientação<br />

preconizada pelo parecer emitido no P. 49/88-R.P.<br />

3.<br />

A razão motivadora da recusa do registo<br />

requisitado pela Ap. 9 – anexação <strong>dos</strong> prédios<br />

descritos sob os n.º s 04249 e 04250 – residiu na<br />

circunstância de ter sido lavrado como provisório<br />

por dúvidas o registo da respectiva aquisição,<br />

sendo que a anexação, que é efectivada por<br />

averbamento, não pode, pela sua natureza, ser<br />

feita provisoriamente por dúvidas, como resulta<br />

das disposições conjugadas <strong>dos</strong> arts.º 69.º, n.º 2, e<br />

101.º, n.º 2, ambos do Código citado.<br />

As alegações de recurso vão no sentido de<br />

que a divergência de áreas entre a matriz e a<br />

descrição não excede 10% em relação à área<br />

maior, pelo que estariam reunidas as condições<br />

legalmente exigidas para a sua harmonização.<br />

1<br />

Note-se que esta certidão, reportando-se ao prédio<br />

identificado pelo requerente nos termos que acabámos de<br />

transcrever, não corresponde às declarações constantes da<br />

requisição, segundo as quais o citado artigo rústico engloba a<br />

referida descrição n.º 7211, actualmente extractada sob o<br />

n.º 04250, e a n.º 6948, hoje extractada sob o n.º 04249, de<br />

cada uma das quais teria sido cedida a área de 60m2.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 6<br />

O despacho de sustentação nada acrescenta<br />

aos motivos explana<strong>dos</strong> em sede de<br />

provisoriedade e recusa.<br />

Remetido o processo de recurso – que se<br />

reconhece ser próprio e válido, ter sido interposto<br />

em tempo, não ocorrendo nulidades que obstem à<br />

apreciação do mérito – à Direcção-Geral <strong>dos</strong><br />

<strong>Registos</strong> e do <strong>Notariado</strong>, foi superiormente<br />

entendido que o mesmo devia ser submetido à<br />

apreciação deste Conselho, particularmente com<br />

vista a uniformizar a doutrina, na aparência<br />

contraditória, veiculada pelos pareceres deste<br />

órgão colegial, proferi<strong>dos</strong> nos P.º 53/92 R.P. 4 e P.<br />

R.P. 255/2002 DSJ-CT, com relação à técnica<br />

registral a adoptar para a publicidade da<br />

integração de parcela de terreno no domínio<br />

público, devendo ser aproveitada a oportunidade<br />

para esclarecer sobre a forma de titular essa<br />

cedência.<br />

Tendo em consideração o acabado de expor,<br />

cumpre, pois, emitir parecer.<br />

E, entre as questões suscitadas, começamos,<br />

exactamente, por<br />

1 – Cedência de parcela de terreno para o<br />

domínio público.<br />

O domínio público representa,<br />

tradicionalmente, o conjunto de bens que o Estado<br />

aproveita para os seus fins usando poderes de<br />

autoridade, ou seja, através do direito público,<br />

encontrando a sua existência justificação na<br />

necessidade de conferir uma protecção jurídica<br />

especial a certas classes de coisas que se considera<br />

terem uma utilidade pública primordial. Como<br />

conceito, que designa uma categoria de coisas e os<br />

poderes do Estado sobre elas, é admitido pelo<br />

direito português vigente.<br />

Desde logo pela nossa lei fundamental que,<br />

no seu artigo 84.º, n.º 1, enumera as coisas<br />

pertencentes ao domínio público, entre elas, as<br />

estradas e as linhas férreas nacionais, e, na alínea<br />

f) “Outros bens como tal classifica<strong>dos</strong> por lei.” ;<br />

e, no n.º 2, remete para a lei a definição <strong>dos</strong> bens<br />

que integram o domínio público do Estado, das<br />

regiões autónomas e das autarquias locais, bem<br />

como o seu regime, condições de utilização e<br />

limites.<br />

Também a lei civil acolhe esse conceito,<br />

designadamente, no art.º 202.º do Código Civil<br />

que, após fornecer, no n.º1, a definição de coisa,<br />

acrescenta, no n.º 2, que se consideram, “... fora<br />

do comércio todas as coisas que não podem ser<br />

objecto de direitos priva<strong>dos</strong>, tais como as que se<br />

encontram no domínio público e as que são, por<br />

sua natureza, insusceptíveis de apropriação<br />

individual.”.<br />

As coisas que integram o domínio público<br />

não contêm em si próprias a virtualidade de ser<br />

públicas; a sua classificação como tais decorre da<br />

lei 2 que as submete, considerado o fim de utilidade<br />

pública a que estão afectadas, a um regime<br />

jurídico especial fundamentalmente caracterizado<br />

pela sua não comerciabilidade.<br />

Mas, além das coisas enumeradas como<br />

públicas por disposição legal, a lei também<br />

permite que o intérprete considere públicas coisas<br />

que revelem o índice evidente de publicidade, que<br />

é o “uso directo e imediato pelo público”. 3 Como<br />

refere Catarino Nunes: “O registo predial é<br />

publicidade. Ora, para as coisas públicas, os seus<br />

próprios destino e uso são a publicidade<br />

melhor.”. 4<br />

A qualificação de uma coisa como pública<br />

subtraia-a ao comércio jurídico-privado,<br />

submeten-do-a ao domínio de uma pessoa<br />

colectiva de direito público de carácter territorial,<br />

para ser utilizada na satisfação de certa<br />

necessidade colectiva. 5<br />

A incomercialidade de tais bens é de direito<br />

privado e não já de direito público, uma vez que<br />

essas coisas, por estarem fora do comércio<br />

jurídico privado, são insusceptíveis de redução a<br />

propriedade particular, inalienáveis, imprescrtíveis,<br />

impenhoráveis e não oneráveis pelos mo<strong>dos</strong><br />

2 Como vimos, a Constituição, além da enumeração que ela<br />

própria faz das coisas públicas, remete para a lei a definição<br />

<strong>dos</strong> bens que integram o domínio público.<br />

3<br />

Cfr. Marcelo Caetano, in “Manual de Direito<br />

Administrativo”, 8.ª edição, pág.822.<br />

4 In “Código do Registo Predial Anotado”, 1968, pág. 12.<br />

5 Marcelo Caetano, ob. cit., pág. 815 e segs.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 7<br />

de direito privado. O que não significa que não<br />

sejam comerciáveis na ordem do direito público. É<br />

que, no nosso país, “... tem-se entendido que os<br />

bens do domínio público estão sujeitos a um<br />

direito de propriedade pública 6 ... que tem os<br />

seguintes caracteres: ... o sujeito do direito é<br />

sempre uma pessoa colectiva de população e<br />

território (Estado, autarquias locais, Regiões<br />

Autónomas); ... o direito de propriedade pública é<br />

exercido para a produção da máxima utilidade<br />

pública das coisas que formam o seu objecto<br />

conforme a lei determinar; ... o uso das coisas<br />

públicas traduz-se num uso por to<strong>dos</strong> e em<br />

benefício de to<strong>dos</strong>; e... as coisas públicas são,<br />

como tais, incomerciáveis pelos processos de<br />

direito privado, mas comerciáveis no quadro do<br />

direito público.”. 7<br />

6 Vide, em sentido contrário, Oliveira Ascensão, in “Direito<br />

Civil Reais”, pág. 169, respondendo negativamente à<br />

pergunta sobre se é de contrapor à propriedade privada uma<br />

propriedade pública, defende que “... o domínio público não<br />

representa uma categoria especial de coisas, também não<br />

representa uma categoria especial de propriedade ... é<br />

simplesmente um regime jurídico particular a que ficam<br />

sujeitas coisas que estão na titularidade (é inútil especificar<br />

privada) <strong>dos</strong> entes públicos. Esta é a concepção unânime na<br />

Alemanha.”. Reconhecendo que a mesma se choca com as<br />

concepções vigentes nos países latinos, defende que tal<br />

entendimento parece corresponder também à nossa situação<br />

legislativa, fazendo apelo, para o ilustrar, ao disposto no art.º<br />

1304.º do Código Civil, que manda aplicar ao domínio das<br />

coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas<br />

colectivas públicas “... as disposições deste código em tudo o<br />

que não for especialmente regulado e não contrarie a<br />

natureza própria daquele domínio.”. O que, todavia, como<br />

sustentam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil<br />

Anotado, vol. <strong>II</strong>I, 1987, pág. 91), citando Marcelo Caetano,<br />

deve ser interpretado, da forma seguinte: “... na ausência de<br />

regulamentação especial – e justamente por causa da<br />

natureza própria do domínio público – a integração das<br />

lacunas deve fazer-se pelo recurso aos casos análogos<br />

regula<strong>dos</strong> em leis administrativas ou aos princípios gerais<br />

do Direito Administrativo ou do Direito Público Português.<br />

Só na falta destes é lícito lançar mão <strong>dos</strong> princípios gerais<br />

de direito (público ou privado) porventura conti<strong>dos</strong> na lei<br />

civil.”.<br />

E Meneses Cordeiro, in “Tratado do Direito Civil<br />

Português”, I, Parte geral, Tomo <strong>II</strong>, a Fls. 52, admite que<br />

“... as regras civis, quando se apliquem ao domínio público,<br />

sofram um imediato desvio: não serão, pois, em rigor, as<br />

mesmas que se aplicariam aos particulares.”.<br />

7 Cfr. Fernanda Paula Oliveira, in Anotação ao Acórdão do<br />

Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção), de 20/10/99,<br />

P. 44470.<br />

Além <strong>dos</strong> bens que integram o domínio<br />

público, podem o Estado e as demais pessoas<br />

colectivas públicas ter – como qualquer particular<br />

– o seu património, os seus bens, que constituem o<br />

chamado domínio privado e que estão, em<br />

princípio, sujeitos a um regime de direito privado,<br />

salvo uma ou outra regra especial ou naquilo que<br />

seja contrário à natureza própria desse domínio,<br />

conforme resulta do disposto no citado art.º 1304.º<br />

do Código Civil.<br />

Assim, os bens que integram aquele domínio<br />

privado, porque não se encontram fora do<br />

comércio jurídico, estão sujeitos ao registo nos<br />

mesmos termos em que isso acontece para os bens<br />

<strong>dos</strong> particulares.<br />

Já os bens que constituem o aludido domínio<br />

público, porque se acham fora do comércio<br />

jurídico privado, não estão, em regra, sujeitos ao<br />

registo predial que, nos termos do disposto no art.º<br />

1.º do respectivo Código, tem por objectivo<br />

publicitar a situação jurídica <strong>dos</strong> prédios, tendo<br />

em vista a segurança do comércio jurídico<br />

imobiliário privado.<br />

Este princípio, enunciado como regra,<br />

comporta, desde logo, uma excepção, a que nos<br />

vamos referir.<br />

1.1 – Concessões em bens do domínio público.<br />

Como se sabe, o domínio público pode ser<br />

utilizado pelos particulares, quer através do uso<br />

comum, consentido a to<strong>dos</strong> ou a uma categoria<br />

genericamente determinada de pessoas, quer<br />

mediante o uso privativo, facultado apenas a<br />

algumas pessoas individualmente determinadas<br />

que disponham, para o efeito, de um título jurídico<br />

bastante. Título proveniente de um acto<br />

administrativo unilateral – umas vezes licença<br />

(título precário), outras concessão (título<br />

constitutivo de direitos) – ou de um contrato –<br />

contrato de arrendamento nuns casos, contrato de<br />

concessão, noutros.<br />

E é justamente, no que respeita a estas<br />

concessões em bens do domínio público, que a


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 8<br />

legislação registral (art.º 2.º, n.º 1, alínea v),<br />

C.R.P.) abre uma excepção à irregistabilidade <strong>dos</strong><br />

bens dominiais. Sendo a concessão um direito de<br />

natureza administrativa, o respectivo contrato está,<br />

em princípio, fora do âmbito do registo predial. A<br />

circunstância, porém, de a lei civil (art.º 688.º, n.º<br />

1, alínea d), C. C.) permitir a hipoteca sobre tais<br />

concessões explica que o Código do Registo<br />

Predial admita o respectivo registo, por forma a<br />

não inviabilizar o direito concedido pela lei<br />

substantiva 8 , aceitando, assim, nos termos do<br />

disposto no seu art.º 84.º, a abertura da descrição<br />

do “... objecto da concessão em bens do domínio<br />

público...”.<br />

Mas também no domínio do direito<br />

administrativo – e, em especial, no âmbito do<br />

direito do urbanismo – deparamos com factos<br />

sujeitos a registo predial, a incidir sobre bens cuja<br />

natureza pública foi por eles mesmos determinada.<br />

Referimo-nos à autorização de loteamento e à<br />

expropriação por utilidade pública.<br />

1.2 – Autorização de loteamento.<br />

No que concerne a este tema, basta lembrar<br />

que as parcelas para implantação de espaços<br />

verdes públicos e equipamentos de utilização<br />

colectiva e as infra-estruturas que, em<br />

conformidade com a lei e o loteamento, devam<br />

integrar o domínio municipal, são – por força do<br />

disposto no n.º 1 do art.º 44.º do Dec.-Lei n.º<br />

555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações<br />

introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 177/2001, de 4 de<br />

Junho – cedidas ao município pelo proprietário e<br />

demais titulares de direitos reais sobre o prédio a<br />

lotear, integrando-se automaticamente, com a<br />

emissão do alvará, no domínio público municipal<br />

(n.º 3, art.º citado).<br />

Portanto, neste caso, o título de cedência de<br />

parte de prédio descrito ao domínio público é o<br />

alvará de licenciamento da respectiva operação de<br />

loteamento, de cujo registo de autorização devem<br />

8 Vide parecer proferido no P.º C. P. 65/98 DSJ-CT, in<br />

B.R.N., <strong>II</strong>, n.o 2/99, pág. 31, cuja doutrina não se pretende<br />

minimamente alterar, antes se acentuando a actualidade da<br />

matéria aí versada.<br />

constar (art.º 95.º, n.º 1, alínea f), Cód. Reg.<br />

Predial), como especificações que são do<br />

correspondente alvará (art.º 77.º, n.º 1, alínea f),<br />

do Dec.-Lei n.º 555/99, cit.), as “Cedências<br />

obrigatórias, sua finalidade e especificação das<br />

parcelas a integrar no domínio municipal.”.<br />

A propriedade pública de tais parcelas a<br />

favor do Município é assim publicitada através do<br />

registo predial, mantendo-se, obviamente, na<br />

descrição do prédio objecto do loteamento, como<br />

parte sobrante, as áreas que lhes correspondem.<br />

“O que só contribui para a transparência do<br />

comércio jurídico privado e facilita a reentrada<br />

daqueles bens no domínio privado...”. 9<br />

De facto, na hipótese de alteração do alvará<br />

que implique a modificação <strong>dos</strong> fins a que tais<br />

áreas se mostravam adstritas, transformando-as em<br />

novos lotes ou cedendo-as para ingresso no<br />

domínio privado do município (o que implica a<br />

sua prévia desafectação do domínio público), é<br />

que tais parcelas serão desanexadas (para integrar<br />

descrições autónomas), na dependência do registo<br />

daquela alteração – que veio determinar a<br />

constituição de novos lotes – , ou do registo de<br />

aquisição dessas parcelas a favor do município,<br />

titulada pela respectiva escritura. 10<br />

1.3 – Expropriação por utilidade pública.<br />

No que respeita a este instituto, convém<br />

lembrar que a expropriação por utilidade pública<br />

tem subjacente um conflito entre um interesse<br />

público e um interesse privado, relativo à<br />

propriedade – que surge quando uma entidade<br />

pública ou privada, tendo necessidade de adquirir<br />

um bem para um fim de utilidade pública, é<br />

confrontada com o interesse oposto do respectivo<br />

proprietário em conservá-lo no seu património – e<br />

que é resolvido pela prevalência daquele sobre<br />

este.<br />

No âmbito do respectivo processo, a<br />

aquisição <strong>dos</strong> bens dele objecto ocorre, ou por<br />

expropriação amigável, mediante a celebração da<br />

respectiva escritura ou auto de expropriação (art.º<br />

9 Vide parecer emitido no P.º R.P. 157/99, DSJ-CT.<br />

10 Vide parecer proferido no P.º R.P. 231/2004 DSJ-CT, in<br />

B.R.N., <strong>II</strong>, n.º 11/2004, pág. 5.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 9<br />

36.º do Código das Expropriações, aprovado pela<br />

Lei n.º 168/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º<br />

13/02, de 19/02), ou por expropriação litigiosa,<br />

mediante a intervenção no processo do tribunal de<br />

comarca do lugar da situação do bem, cujo juiz<br />

adjudica à entidade expropriante a propriedade e<br />

posse <strong>dos</strong> bens (art.º 51.º, do mesmo Código).<br />

A propriedade <strong>dos</strong> bens expropria<strong>dos</strong> passa,<br />

deste modo, de acordo com o previsto no<br />

respectivo Código, para a entidade beneficiária da<br />

expropriação, a favor de quem, por sua iniciativa<br />

ou por virtude da comunicação efectuada pelo juiz<br />

– no caso de expropriação litigiosa – é lavrado o<br />

respectivo registo de aquisição; na circunstância<br />

de tais bens serem parte de prédios já descritos,<br />

aquele registo recairá sobre a descrição resultante<br />

da desanexação das correspondentes parcelas. 11<br />

Através de um mecanismo de direito<br />

público, a entidade expropriante adquire uma<br />

propriedade privada, que integra no seu domínio<br />

privado 12 , e que, pela afectação às finalidades<br />

públicas que justificaram aquele tipo de<br />

intervenção autorizada pela lei, ingressa no<br />

domínio público. 13 De tal modo que se o<br />

expropriante não chegar a utilizar o bem<br />

expropriado para o fim que motivou a<br />

expropriação, a lei atribui ao anterior proprietário<br />

o direito de o readquirir, uma vez que não há mais<br />

motivo para que esse bem se mantenha no<br />

património do expropriante. Trata-se do direito de<br />

reversão, previsto no art.º 5.º do Código das<br />

11 Cfr. o disposto no art.º 36.º, n.º3, do cit. Código: “O auto<br />

ou a escritura celebrado nos termos <strong>dos</strong> números anteriores,<br />

que tenha por objecto parte de um prédio, qualquer que seja<br />

a sua área, constitui título bastante para efeitos da sua<br />

desanexação.”.<br />

12 Cfr. Marcelo Caetano, ob. cit., pág. 966: “ ... os bens<br />

expropria<strong>dos</strong> (...) ingressam sempre no património do<br />

expropriante. Daí podem depois passar ou não ao domínio<br />

público. Enquanto são bens patrimoniais, porém, ficam<br />

sendo objecto de um direito restrito de propriedade, pois<br />

pesam sobre este importantes restrições de utilidade pública,<br />

a primeira e a mais importante das quais é o<br />

condicionamento da propriedade à realização do fim<br />

justificativo da expropriação.”.<br />

13 Na vigência do Código do Registo Predial de 1967, referia<br />

Catarino Nunes, em anotação ao art.º 1.º “Adquirido um<br />

domínio ou propriedade priva<strong>dos</strong>, o Estado integra-o no seu<br />

próprio domínio privado. A afectação a finalidades públicas<br />

é uma simples consequência da aquisição e da norma que a<br />

estabelece.”.<br />

Expropriações e que, no entender de Fernando<br />

Alves Correia 14 , tem a natureza de uma<br />

verdadeira condição resolutiva, no sentido de que<br />

a solidez da transferência do bem para a entidade<br />

expropriante está dependente do facto daquela dar<br />

aos bens expropria<strong>dos</strong> o destino específico de<br />

utilidade pública que serviu de fundamento à<br />

expropriação.<br />

Pode igualmente suceder que nem todo o<br />

prédio expropriado se mostre necessário à<br />

prossecução do fim público que presidiu à<br />

expropriação.<br />

Face ao acabado de expor, estando em causa<br />

a tradução registral da natureza pública das<br />

parcelas expropriadas, é claro que os documentos<br />

que servem de título ao respectivo registo de<br />

aquisição, não são necessariamente esclarecedores<br />

quanto às áreas que ficam integradas no domínio<br />

público e, em consequência, fora do comércio<br />

jurídico-privado e do âmbito do registo predial.<br />

Quando, de acordo com a previsão legal,<br />

esse registo de aquisição das parcelas expropriadas<br />

se mostre efectuado – com base em requisição<br />

instruída pela escritura pública notarial ou auto de<br />

expropriação, ou por virtude da comunicação<br />

efectuada pelo juiz, titulada pela respectiva<br />

certidão judicial – o problema suscitado nos autos,<br />

relativo à integração das mesmas no domínio<br />

público, resolver-se-á – no interesse da certeza e<br />

segurança do comércio jurídico que ao registo<br />

predial incumbe promover – através da<br />

publicitação, a nível tabular, da mudança do<br />

regime jurídico da propriedade de tais bens (que<br />

passará de privada para pública), naturalmente<br />

promovida pelo respectivo titular inscrito, a<br />

entidade expropriante. 15 É que a autonomização, a<br />

14 In “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”,<br />

pág.479 e segs..<br />

15 Quanto à figura registral a adoptar para o efeito, sugere-se<br />

no citado parecer emitido no P.º R. P.157/99 DSJ-CT, um<br />

averbamento à inscrição de propriedade (privada – para<br />

mencionar que deixou de o ser, ingressando no domínio<br />

público) e o respectivo averbamento à descrição,<br />

considerando que a via alternativa da inutilização da<br />

descrição só está legalmente prevista (art.º 87.º, n.º 2. b), C.<br />

R. P. ) para as descrições referentes a concessões de bens do<br />

domínio público sobre as quais não existam registos em<br />

vigor.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 10<br />

nível da descrição predial, das áreas expropriadas<br />

é determinada pela feitura do próprio registo.<br />

A questão em apreço assume, realmente,<br />

acuidade quando o mencionado registo não foi<br />

efectuado, por falta de requisição ou da<br />

comunicação judicial.<br />

Nesta eventualidade, a consideração da<br />

natureza da aquisição processada pela via<br />

expropriativa poder-nos-á ajudar na escolha da<br />

técnica registral a adoptar: desanexação da parte<br />

do prédio não expropriado, que se mantém no<br />

comércio jurídico, deixando na descrição inicial a<br />

área correspondente à parte expropriada; ou<br />

actualização daquela descrição, com referência às<br />

áreas correspondentes às parcelas expropriada e<br />

não expropriada.<br />

É comum o entendimento de que a<br />

declaração da utilidade pública da expropriação<br />

conduz à extinção do direito de propriedade<br />

individual do expropriado sobre o bem;<br />

decorrentemente, a aquisição deste pelo<br />

expropriante não é consequência de uma<br />

transmissão forçada do anterior proprietário, pelo<br />

que se trata de uma aquisição originária e não<br />

derivada 16 . Como, a propósito, refere Oliveira<br />

Ascensão 17 , o carácter originário de uma<br />

aquisição não resulta apenas de esta atingir to<strong>dos</strong><br />

os direitos que recaiam sobre a coisa que for seu<br />

objecto; decorre ainda de caber ao adquirente uma<br />

posição que é absolutamente independente da que<br />

pertencia ao anterior titular. Não está sujeita ao<br />

título daquela situação, não padece <strong>dos</strong> mesmos<br />

vícios. A aquisição é constitutiva e não translativa<br />

(...). Por isso a expropriação vale mesmo que não<br />

seja dirigida contra o verdadeiro titular.(...). Esta<br />

relativa irrelevância do titular verdadeiro mostranos<br />

também que estamos perante uma aquisição<br />

16 A declaração de utilidade pública também “...extingue os<br />

direitos reais e pessoais inerentes ao bem, ficando os<br />

sujeitos atingi<strong>dos</strong> pela expropriação com um direito de<br />

crédito à indemnização, sub-rogado no lugar do bem, no seu<br />

património.”, – Luís Perestrelo de Oliveira, in “Código das<br />

Expropriações”, anotado, 2.ª edição, pág. 19. No mesmo<br />

sentido, Marcelo Caetano, ob. cit., pág.948.<br />

17 Obra cit., pág. 402/403. Vide também, no mesmo sentido,<br />

Marcelo Caetano, ob. cit., pág. 965.<br />

originária. A situação real não é atingida, mas<br />

sim e apenas a indemnização.”.<br />

Aliás, foi partindo desta constatação que,<br />

face ao pedido do registo de averbamento à<br />

descrição da área e confrontações actuais do<br />

prédio, em virtude da expropriação para o domínio<br />

público de uma sua determinada área, nos<br />

pronunciámos, no aludido P.º R. P. 255/2002 DSJ-<br />

CT 18 , pela não desanexação da parcela correspondente,<br />

optando pela “...conformação da<br />

realidade registral à realidade substantiva,<br />

actualizando agora a descrição, já que nenhum<br />

prejuízo daí advirá, nem para a expropriante –<br />

que, com base no...auto de expropriação, sempre<br />

poderá vir a obter a seu favor o registo da parcela<br />

expropriada, uma vez que tratando-se de uma<br />

aquisição originária específica, indiferente se<br />

revela para o efeito que o prédio se encontre, no<br />

momento em que isso ocorrer, inscrito ou não em<br />

nome do expropriado – , nem para a actual titular<br />

e requerente do registo cuja pretensão é<br />

exactamente e apenas essa, nem para terceiros<br />

que, como é óbvio, só terão a ganhar com a<br />

efectivação da conformidade da descrição tabular<br />

à situação real . (...). Este procedimento não<br />

impedirá a futura desanexação daquela superfície<br />

na conjectural mas possível ocorrência da<br />

respectiva aquisição por e a favor da entidade<br />

expropriante. É que tratando-se ...de uma<br />

aquisição originária específica 19 da propriedade,<br />

não há que dar cumprimento ao princípio do trato<br />

sucessivo, na modalidade da continuidade das<br />

inscrições, (...), sendo indiferente qual a pessoa<br />

que, no momento em que esse pedido<br />

eventualmente ocorra, se apresente como titular<br />

do prédio.”.<br />

Posição esta em que nos continuamos a<br />

rever.<br />

Assim como os bens do domínio privado de<br />

uma pessoa colectiva de direito público,<br />

designadamente, o Estado ou uma autarquia local,<br />

18 In B.R.N., <strong>II</strong>, n.º 9/2003, pág. 8.<br />

19 Como acentuámos na transcrição supra, a expropriação<br />

vale mesmo que não seja dirigida contra o verdadeiro titular.<br />

Vide, sobre o tema da expropriação, o parecer emitido nos<br />

P.ºs C.P. 146 e 147/2002 DSJ-CT, in B.R.N., <strong>II</strong>, n.º 6/2003,<br />

pág. 36.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 11<br />

podem ser afecta<strong>dos</strong> à prossecução de uma<br />

finalidade pública, passando do regime jurídico da<br />

propriedade privada a que se encontravam<br />

submeti<strong>dos</strong> para o regime jurídico da propriedade<br />

pública, também as chamadas coisas públicas<br />

podem ser declaradas, por decisão expressa da<br />

Administração, sem utilidade pública –<br />

desafectação expressa –, ou deixar de estar<br />

vinculadas a essa utilidade, em razão das próprias<br />

circunstâncias de facto – v.g., o abandono do troço<br />

de uma estrada em virtude da construção de uma<br />

nova – com o consentimento tácito daquela –<br />

desafectação tácita; em qualquer delas e como sua<br />

consequência, os bens do domínio público<br />

ingressam no comércio jurídico-privado, ficando<br />

subordina<strong>dos</strong> ao regime da propriedade<br />

disciplinada pelo direito civil e, como tais, sujeitos<br />

ao registo predial.<br />

É também para estes casos de desafectação<br />

do domínio público de uma parcela de terreno que,<br />

nos preditos termos, não foi desanexada que<br />

poderão valer as considerações acima produzidas.<br />

Como refere Jorge de Seabra Magalhães 20 : “<br />

Estamos ... perante um acto eminentemente<br />

declarativo que nem mesmo por ficção pode<br />

configurar qualquer relação transmissória e não<br />

supõe ... a pessoa do transmitente. Trata-se da<br />

inscrição de um direito de propriedade que, no<br />

domínio do direito privado, se constitui ex novo;<br />

não de um direito preexistente em tal domínio e<br />

que se transfira de um titular para o outro.”.<br />

O que legitima, diremos nós, a desanexação,<br />

agora, por desafectação, da parcela de terreno que,<br />

integrada no domínio público, deixara de pertencer<br />

ao comércio jurídico.<br />

2 – A denominada cedência de parcela para<br />

o domínio público pode ocorrer – além do caso<br />

paradigmático da autorização de loteamento em<br />

que a cedência <strong>dos</strong> bens se processa directa e<br />

automaticamente para o domínio público, por<br />

força da emissão do respectivo alvará – no âmbito<br />

de operações urbanísticas promovidas pelo Estado,<br />

autarquias locais e outras entidades públicas, e até<br />

como resultado de licenças ou autorizações<br />

administrativas concedidas para determinadas<br />

obras.<br />

Qualquer que seja, porém, a situação que a<br />

provoque, o importante é saber a partir de que<br />

momento os bens ficam sujeitos às regras próprias<br />

do regime jurídico das coisas públicas, ou seja,<br />

quando é que os mesmos adquirem carácter<br />

dominial.<br />

Marcelo Caetano 21 reconhece que certos<br />

elementos do domínio público lhe pertencem por<br />

imposição da própria natureza – como é o caso de<br />

espaço aéreo ou do espaço das águas marítimas<br />

territoriais e, se bem que não com o mesmo<br />

carácter de necessidade, os rios, as praias e os<br />

lagos – limitando-se a lei a reconhecer uma<br />

realidade preexistente, e que outros nascem da<br />

actividade da Administração e por vontade dela<br />

ingressam no domínio público, ou são adquiri<strong>dos</strong><br />

por uma pessoa colectiva de direito público e só<br />

depois torna<strong>dos</strong> dominiais<br />

Partindo desta constatação, escreve o<br />

referido Autor:<br />

“A atribuição do carácter dominial depende<br />

de um ou vários <strong>dos</strong> seguintes requisitos:<br />

a) existência de preceito legal que inclua<br />

toda uma classe de coisas na categoria do<br />

domínio público;<br />

b) declaração de que certa e determinada<br />

coisa pertence a essa classe;<br />

c) afectação dessa coisa à utilidade pública.<br />

(...).”.<br />

Para além <strong>dos</strong> casos previstos nas referidas<br />

alíneas a) e b), há outras coisas pertencentes a uma<br />

categoria que a lei considera do domínio público,<br />

relativamente às quais, “... a integração em cada<br />

caso concreto depende de um acto especial de<br />

afectação, isto é, de aplicação do imóvel ao fim de<br />

utilidade pública justificativo da dominialidade<br />

(abertura ao público do uso de uma estrada...).<br />

(...) a distinção a fazer é, pois, entre coisas que<br />

dispensam classificação e afectação administrativa<br />

para se poderem considerar dominiais,<br />

coisas que carecem apenas de classificação para<br />

esse efeito e coisas que exigem afectação.”.<br />

20 In “Formulário do Registo Predial”, pág.94.<br />

21 Ob. cit., págs. 850 e segs.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 12<br />

E, prossegue, definindo afectação como “...<br />

o acto ou prática que consagra a coisa à<br />

produção efectiva de utilidade pública “, e que “...<br />

pode resultar de um acto administrativo (decreto<br />

ou ordem que determine a abertura, utilização ou<br />

inauguração) ou traduzir-se num mero facto (a<br />

inauguração) ou numa prática consentida pela<br />

Administração em termos de manifestar a<br />

intenção da consagração ao uso público.”.<br />

Concluindo que”... não há afectação,<br />

propriamente dita, mesmo tácita, senão onde se<br />

exerça a jurisdição administrativa e portanto se<br />

possa provar o destino ao uso público com<br />

consentimento do Poder.”. (Destaca<strong>dos</strong> a negro e<br />

sublinha<strong>dos</strong> nossos).<br />

As considerações sufragadas pelo conhecido<br />

administrativista, que acabámos de transcrever,<br />

reforçam a nossa opinião de que, ressalvado o<br />

caso, já abordado, da autorização de loteamento,<br />

não há, no sentido rigoroso do termo, cedência de<br />

parcela/parcelas do prédio <strong>dos</strong> particulares para o<br />

domínio público; essa cedência, quando ocorra,<br />

processa-se, em primeira linha, para o domínio<br />

privado de uma pessoa colectiva de direito<br />

público; só mais tarde, pela afectação, podem<br />

esses bens tornar-se dominiais.<br />

Donde resulta que os documentos – escritura<br />

notarial, auto de expropriação ou certidão do<br />

tribunal comprovativa da adjudicação judicial de<br />

bens – que, como vimos, devem instruir os<br />

registos da respectiva aquisição pela entidade<br />

expropriante, não são necessariamente títulos<br />

comprovativos da natureza pública de tais bens –<br />

até pelas razões aduzidas, a este propósito, no<br />

ponto 1.3. O que não invalida que – também pelos<br />

motivos antes expostos – , no caso de não ter sido<br />

efectuado esse registo, tais documentos<br />

comprovem a redução da área do prédio descrito,<br />

em virtude da expropriação da parte sobrante.<br />

Em qualquer outra situação que, pela sua<br />

natureza, não tenha dado lugar à emissão de algum<br />

<strong>dos</strong> referi<strong>dos</strong> títulos, deverá ser a certidão passada<br />

pela autoridade administrativa que procedeu à<br />

afectação de tais bens ao domínio público, a fazer<br />

a prova da sua natureza dominial.<br />

Podemos questionar-nos, sobre se não<br />

bastará a declaração nesse sentido do titular<br />

inscrito, tanto mais que, tratando-se de uma<br />

redução da área comerciável do prédio, o<br />

”prejudicado” único e directo será ele próprio e<br />

não qualquer terceiro que tenha em vista esse<br />

prédio, como objecto de aquisição ou de garantia.<br />

Admite o art.º 46.º, n.º 1, alínea b), do<br />

Código do Registo Predial, o recurso às<br />

declarações complementares para o efeito da<br />

menção <strong>dos</strong> elementos que integrem a descrição,<br />

quando os títulos forem deficientes, ou para<br />

esclarecimento das suas divergências, quando<br />

contraditórios entre si ou com a descrição, em<br />

virtude de alteração superveniente.<br />

Essa alteração superveniente – integração no<br />

domínio público de uma determinada área do<br />

prédio – é um <strong>dos</strong> motivos que pode justificar a<br />

divergência, quanto à área, entre o título e a<br />

descrição, desde que esclarecida pelos<br />

interessa<strong>dos</strong> (art.º 30.º, n.º 1, C.R.P.).<br />

Perante os motivos acaba<strong>dos</strong> de expor,<br />

inclinamo-nos, a nível de técnica registral, para a<br />

solução da não desanexação da parte do prédio<br />

que se mantém no comércio jurídico.<br />

3 – Harmonização de áreas entre a matriz<br />

cadastral e a descrição predial.<br />

Resulta do despacho de qualificação que a<br />

área de cada uma das descrições é reduzida em<br />

mais de 10% (mesmo após abate de 60m2 em cada<br />

uma delas, totalizando, assim, 120m2, conforme<br />

consta da certidão camarária apresentada para<br />

provar a respectiva integração no domínio<br />

público), pelo que o que está em causa é uma<br />

rectificação de áreas, a levar a efeito através do<br />

competente processo, relativamente a cada uma<br />

das citadas descrições, e antes de se proceder à sua<br />

anexação, com fixação da área total do prédio, de<br />

modo a harmonizar o registo com a matriz.<br />

Para os recorrentes a diferença de áreas entre<br />

a matriz e as descrições não excede os 10%, pelo<br />

que, em seu entender, considerando o disposto no<br />

n.º 3 do art.º 28.º, do Código do Registo Predial,<br />

estão reunidas as condições exigidas legalmente<br />

para a harmonização das áreas em confronto.<br />

As diferentes conclusões apontadas ficam a<br />

dever-se aos critérios distintos que uma e outros


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 13<br />

utilizaram para verificar se a diferença de áreas<br />

ultrapassa ou não os 10%, percentagem legalmente<br />

fixada quando estejam em causa prédios rústicos,<br />

como sucede no caso presente.<br />

Assim, para a recorrida, sendo a área global<br />

das descrições, 11016m2, e a da matriz cadastral<br />

9800m2, cifra-se a diferença em 1216m2, que<br />

excede os 10% em relação à área maior e que<br />

correspondem a 1101,6m2; considerando a<br />

superfície total cedida para o domínio público –<br />

120m2 – a área das duas descrições passa para<br />

10896m2, que, mesmo assim, é maior que a<br />

cadastral. A diferença de 1096m2, que é a que<br />

então se verifica entre as duas áreas, excede os<br />

10% da área maior, que são 1089,6m2.<br />

Para os recorrentes, a diferença das áreas em<br />

presença não excede os referi<strong>dos</strong> 10% porque,<br />

para o cálculo desta percentagem, tomam em<br />

consideração a superfície constante da descrição,<br />

socorrendo-se, porém, desta, abatida da área<br />

cedida ao domínio público, para apurar a<br />

respectiva diferença em relação à matriz. Deste<br />

modo, 10% em relação à área maior serão sempre<br />

1101,6m2; mas a diferença das áreas já será de<br />

1096m2, porque calculada entre a área total,<br />

abatida <strong>dos</strong> 120m2, ou seja, 10896m2 e a área da<br />

matriz – 9800m2, o que perfaz 1096m2, inferior<br />

aos apura<strong>dos</strong> 10% –1101,6m2.<br />

Afigura-se-nos correcto o cálculo adoptado<br />

pela recorrida.<br />

3.1 – As considerações que acabámos de<br />

fazer põem a descoberto um outro problema que a<br />

feitura do registo requisitado pela Ap. 7 coloca, e<br />

que diz respeito à identificação <strong>dos</strong> prédios dele<br />

objecto. Na falta de outros elementos documentais<br />

que nos possam elucidar sobre a data em que a<br />

antiga matriz foi substituída pela actual matriz<br />

cadastral, temos de nos apoiar apenas na<br />

informação decorrente das respectivas declarações<br />

complementares, as quais, respeitando aos registos<br />

objecto das Aps. 7 - aquisição – e 9 – averbamento<br />

de anexação, de algum modo se contradizem.<br />

É que se o averbamento de anexação <strong>dos</strong><br />

dois prédios - a que correspondem as<br />

referenciadas descrições prediais – decorre da<br />

nova matriz cadastral que os unificou em data, ao<br />

que parece, posterior à da abertura da sucessão<br />

hereditária, não faz sentido a identificação<br />

fornecida para cada um desses prédios, como<br />

realidades materiais autónomas, integrantes da<br />

herança ilíquida e indivisa por óbito do titular<br />

inscrito. Os prédios transmiti<strong>dos</strong> nesta sucessão<br />

deveriam ter a composição resultante das<br />

descrições correspondentes, quando muito abatida<br />

da área cedida para o domínio público (desde que<br />

da respectiva certidão camarária resultasse data da<br />

desafectação anterior à da abertura da sucessão, o<br />

que não sucede na que instruiu o registo). Sob<br />

pena de, não se tratando de uma alteração de áreas<br />

superveniente, se estar, de facto, em presença de<br />

um registo inexacto 22 , a rectificar, mediante o<br />

processo de rectificação de registo, previsto e<br />

disciplinado nos artigos 120.º e seguintes do<br />

Código do Registo Predial. Neste sentido se<br />

orientou, como vimos, a Conservatória recorrida.<br />

3.2 – Encaremos, então, o caso na<br />

perspectiva da modificação da área ter ocorrido<br />

em data posterior à do último registo lavrado sobre<br />

o prédio.<br />

O problema da harmonização das áreas em<br />

presença decorre, no caso sub judice, da<br />

desconformidade entre o título e a descrição.<br />

Note-se que o título do registo objecto da Ap. 7,<br />

porque respeita a uma aquisição em comunhão<br />

hereditária, é a declaração na qual se identificam<br />

os bens a registar como fazendo parte da herança<br />

(art.º 49.º, C.R.P.).<br />

Dispõe, a respeito, o art.º 30, n.º1, do<br />

Código do Registo Predial, que: “Nos títulos<br />

respeitantes a factos sujeitos a registo, a<br />

identificação <strong>dos</strong> prédios não pode ser feita em<br />

contradição com a inscrição na matriz, nos termos<br />

do art.º 28.º, nem com a respectiva descrição,<br />

salvo se, quanto a esta, os interessa<strong>dos</strong><br />

esclarecerem que a divergência resulta de<br />

alteração superveniente...”.<br />

22 De acordo com o art.º 18.º, n.º1, do Código do Registo<br />

Predial, é inexacto o registo “... quando se mostre lavrado<br />

em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou<br />

enferme de deficiências provenientes desse título que não<br />

sejam causa de nulidade.”, prevendo o n.º2 do mesmo<br />

normativo que tais registos são rectifica<strong>dos</strong> nos termos <strong>dos</strong><br />

artigos 120.º e segs.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 14<br />

Remete, assim, este preceito para o artigo<br />

28.º, cujos n.º s 1 e 3, estabelecem, com relação<br />

aos prédios rústicos sitos na área <strong>dos</strong> concelhos<br />

onde vigore o cadastro geométrico, a necessidade<br />

de harmonização, quanto à localização, área e<br />

artigo da matriz, entre a descrição predial e a<br />

inscrição matricial, dispensando-a, quanto à área,<br />

se a diferença não exceder 10%, em relação à área<br />

maior. No caso concreto e segundo o melhor<br />

cálculo, esta diferença excede em 0,05% os 10%.<br />

Tratando-se, como figurámos, de uma<br />

alteração superveniente, será admissível a<br />

divergência constatada entre o título e a matriz<br />

cadastral, quanto à área, desde que devidamente<br />

esclarecida pelos interessa<strong>dos</strong>? Já vimos que a<br />

resposta terá de ser afirmativa quando a<br />

desconformidade resulte da integração imediata ou<br />

mediata de uma parcela do prédio no domínio<br />

público. Haverá, para além deste, outros motivos<br />

que sejam legalmente aceitáveis como justificação<br />

para uma alteração de área superveniente?<br />

É que, sendo a área “ um elemento<br />

tendencialmente fixo da identificação do prédio,<br />

depois de mencionada na descrição, só pode ser<br />

alterada nos casos muito conta<strong>dos</strong> previstos na<br />

lei. Em síntese, tal alteração só poderá ter lugar:<br />

a) ou por rectificação do erro, comprovado em<br />

processo de rectificação (arts. 120.º e segs. do<br />

CRP) ou, tratando-se de erro de medição,<br />

mediante a junção da planta do prédio a que se<br />

refere o art.º 30.º do CRP 23 ; ou por alteração<br />

superveniente em resultado de acto de anexação<br />

desse prédio a outro (ou parte de outro) do mesmo<br />

proprietário ou de desanexação de alguma<br />

parcela para formar nova unidade predial ou<br />

integrar outro prédio.”. (Destaca<strong>dos</strong> a negro<br />

nossos.)<br />

Não cremos que a enumeração feita no<br />

extracto do parecer que acabámos de transcrever,<br />

relativamente às situações que consubstanciam<br />

uma alteração superveniente, seja exaustiva;<br />

porquanto, no respeitante à área, tudo reside em<br />

saber se a actualização da descrição, quando<br />

importe uma alteração daquele elemento, para<br />

23 A redacção do preceito é de molde, segundo nos parece, a<br />

excluir este caso, quando se trate de prédios situa<strong>dos</strong> em<br />

zonas de matriz cadastral, como acontece na situação em<br />

análise.<br />

mais ou para menos – de qualquer modo, fora <strong>dos</strong><br />

limites da tolerância fixa<strong>dos</strong> na lei (art.º 28.º, n.º<br />

3) –, consubstancia sempre um erro que só o<br />

recurso ao processo de rectificação poderá<br />

resolver.<br />

Não cabe agora, no âmbito deste parecer que<br />

já vai longo, uma análise aprofundada da questão.<br />

Até porque, na situação em apreço, a diferença<br />

cifra-se em 10,05% da área maior, que é a que<br />

consta da descrição predial. Diferença de tal modo<br />

insignificante que não parece susceptível de<br />

perturbar os limites da tolerância fixa<strong>dos</strong> pelo<br />

citado artigo 28.º. Como se refere no parecer cuja<br />

doutrina acabámos de invocar: “ Na verdade, não<br />

podemos esquecer que os limites em causa são<br />

legalmente estabeleci<strong>dos</strong> na consideração daquilo<br />

que será razoável tolerar em face das dificuldades<br />

práticas em obter resulta<strong>dos</strong> exactos na medição<br />

da área <strong>dos</strong> prédios, atentos designadamente os<br />

acidentes de terreno e a configuração irregular<br />

<strong>dos</strong> prédios. (...) tais limites de tolerância, em vez<br />

de valores rígi<strong>dos</strong> e absolutos... devem ser ti<strong>dos</strong><br />

como referências...”. Trata-se de “... uma questão<br />

de razoabilidade, de harmonia ... com o espírito<br />

do legislador que terá presidido à emanação da<br />

referida norma. “. (...) “ O que ... não significa<br />

que tenhamos de entender como alterada a área<br />

do prédio declarada na descrição, de harmonia<br />

com a que consta da matriz. Pelo contrário,<br />

aquela mantém-se, apesar de esta não ser a<br />

mesma.” 24 .<br />

Subscrevemos a opinião expressa nos termos<br />

acaba<strong>dos</strong> de transcrever, não obstante alguma <strong>dos</strong>e<br />

de discricionariedade que poderá envolver, já que<br />

o critério da razoabilidade do excesso da<br />

diferença, relativamente aos limites fixa<strong>dos</strong> na lei,<br />

é, na realidade, subjectivo, oscilando em função<br />

da pessoa (registador) a quem incumbe a sua<br />

valoração. Confiamos, todavia, na sua capacidade<br />

para aferir, casuisticamente, dessa margem de<br />

tolerância.<br />

No caso concreto, haverá que explicar a<br />

diferença total das áreas entre as descrições<br />

prediais e a matriz cadastral, com base em<br />

alteração superveniente.<br />

24 As transcrições acabadas de efectuar são do parecer<br />

proferido no P.º R. P. 73/99 DSJ-CT.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 15<br />

Por fim, subsumindo o caso “sub judice” à<br />

doutrina que acabámos de expor e considerando,<br />

designadamente, as dúvidas que o teor das<br />

declarações complementares produzidas em sede<br />

de requisição <strong>dos</strong> registos, suscitaram – no que<br />

respeita à questão de saber se a alteração da área<br />

documentada pela matriz cadastral é ou não<br />

posterior à data em que foi lavrado o último<br />

registo relativamente aos prédios em questão –<br />

entendemos que o recurso não merece provimento,<br />

formulando as seguintes<br />

Conclusões<br />

I – As coisas públicas são as assim definidas<br />

pela lei que, com vista à sua utilização na<br />

satisfação de certa necessidade colectiva, as<br />

subtrai ao comércio jurídico-privado, para as<br />

submeter ao domínio público de uma pessoa<br />

colectiva de direito público de carácter<br />

territorial e que, enquanto tais, não estão<br />

sujeitas, em regra, ao registo predial.<br />

<strong>II</strong> – A integração de parcela ou parcelas de<br />

terreno de prédio descrito no domínio público<br />

pode ocorrer, designadamente, no âmbito do<br />

licenciamento de uma operação de loteamento,<br />

ou por força de um processo de expropriação<br />

por utilidade pública, em virtude da construção<br />

de infra-estruturas viárias, a cargo do Estado<br />

ou das autarquias locais, ou ainda no caso de<br />

alargamento de vias públicas por iniciativa das<br />

mesmas entidades.<br />

<strong>II</strong>I – A forma de documentar a integração varia<br />

em função da causa que a motivou, podendo<br />

materializar-se num alvará de licenciamento de<br />

operações de loteamento, num auto de expropriação,<br />

numa escritura pública notarial, numa<br />

certidão de sentença judicial emanada do<br />

tribunal competente (v. g. na expropriação por<br />

utilidade pública litigiosa) e, em suma, numa<br />

certidão emitida pela aludida pessoa colectiva<br />

de direito público de população e território (v.<br />

g., Estado, Regiões Autónomas e autarquias<br />

locais), a quem incumbe o acto de afectação ao<br />

domínio público.<br />

IV – Comprovada, por qualquer <strong>dos</strong> meios<br />

previstos, aquela cedência, tal facto não deverá,<br />

em princípio, determinar, a nível de técnica<br />

registral, a desanexação da respectiva área ou<br />

da área restante que permanece no comércio<br />

jurídico; isto porque, na previsível hipótese de<br />

requisição do registo dessas parcelas a favor da<br />

entidade expropriante – caso a mesma não se<br />

tenha efectivado em momento anterior àquele<br />

em que se suscita a actualização da área –, se<br />

está perante uma aquisição originária específica<br />

do direito de propriedade, onde não há que dar<br />

cumprimento ao princípio do trato sucessivo na<br />

modalidade da continuidade das inscrições,<br />

sendo indiferente a pessoa que, no momento<br />

desse pedido de registo, se apresente como<br />

titular do prédio.<br />

V – As descrições de prédios rústicos não<br />

podem ser actualizadas, quanto à área, em<br />

contradição com a respectiva inscrição matricial,<br />

sendo dispensada essa harmonização<br />

quando a diferença entre a descrição e a<br />

inscrição matricial não exceder 10%, em<br />

relação à área maior (art.º 28.º, n.º3, C.R.P.);<br />

esta dispensa de harmonização é ditada pela<br />

consideração do que será razoável tolerar face<br />

às dificuldades práticas em obter uma medição<br />

exacta de tais áreas, atentos os acidentes <strong>dos</strong><br />

terrenos e a irregular configuração <strong>dos</strong> prédios.<br />

VI – Pelo que, não obstante o carácter<br />

imperativo da norma referenciada, os limites de<br />

tolerância previstos não devem ser encara<strong>dos</strong><br />

como valores rígi<strong>dos</strong> e absolutos – incapazes de<br />

admitir para além deles qualquer excesso de<br />

área, por insignificante que seja – , mas antes<br />

devem ser vistos como referências ou marcos<br />

de contornos nem bran<strong>dos</strong>, nem inflexíveis, que<br />

o conservador tem de levar em conta na<br />

apreciação da identidade do prédio.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 16<br />

V<strong>II</strong> – Tal dispensa de harmonização,<br />

porém, como tolerância que é, apenas admite a<br />

coexistência, dentro <strong>dos</strong> limites indica<strong>dos</strong>, de<br />

áreas divergentes, razão pela qual se mantém<br />

inalterada a área constante da descrição, pese<br />

embora o seu desacordo relativamente à<br />

superfície que consta na matriz<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 23.02.2005.<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira,<br />

relatora, João Guimarães Gomes de Bastos, Luís<br />

Carlos Calado de Avelar Nobre, Vitorino Martins<br />

de Oliveira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 01.03.2005.<br />

Proc. nº R.P. 342/2003 DSJ-CT – Locação<br />

financeira – direito de superfície – incidente<br />

sobre dois prédios rústicos – registo peticionado<br />

sobre o prédio resultante da anexação daqueles,<br />

com a natureza de prédio urbano –<br />

qualificação.<br />

Registo a qualificar: “Locação Financeira em<br />

Direito de Superfície” do prédio da ficha nº<br />

01295, da freguesia de …, requisitado pela Ap.<br />

30, de 12 de Agosto de 2003.<br />

Relatório:<br />

Existiam os prédios das fichas nºs 521 e 549,<br />

ambos da freguesia de …, com inscrição de<br />

aquisição a favor de … – Transitários, Ldª 1 .<br />

Tais prédios foram objecto de um direito de<br />

superfície constituído a favor de …, S.A., com o<br />

seguinte conteúdo: “construir e manter os edifícios<br />

e construções que o sujeito activo entender<br />

necessários e convenientes” (insc. F-1- Ap. 43, de<br />

7 de Dezembro de 1998).<br />

Em 24 de Outubro de 2000 os prédios das<br />

referidas fichas 521 e 549 – … foram anexa<strong>dos</strong><br />

entre si, tendo sido aberta a descrição nº<br />

1295/20001024 – Freguesia de … com reprodução<br />

das inscrições de aquisição a favor de … –<br />

Transitários, Ldª e da inscrição do direito de<br />

superfície a favor de …, S.A., em vigor nas<br />

descrições <strong>dos</strong> prédios anexa<strong>dos</strong>.<br />

Actualmente o prédio é urbano, com a área<br />

coberta de 6 813,12m2 e descoberta de 18<br />

186,88m2, inscrito na matriz da freguesia de …<br />

sob o artigo 1604.<br />

Pela Ap. 30, de 12 de Agosto de 2003, foi<br />

requisitado o registo da “locação financeira em<br />

direito de superfície” sobre o prédio da ficha nº<br />

1295 – …, com base em cópia do contrato de<br />

locação financeira de 21 de Maio de 1998,<br />

celebrado entre …, S.A. e … – Transitários, Ldª,<br />

que teve por objecto o direito de superfície <strong>dos</strong><br />

prédios descritos sob os nºs 521 e 549, da<br />

freguesia de … .<br />

Consta inter alia do contrato que: o locatário<br />

pretende construir nos dois imóveis uma<br />

edificação destinada a armazém e escritório para o<br />

exercício da sua actividade económica<br />

(considerando b));- o direito de superfície foi<br />

adquirido naquela mesma data pela …, S.A., à …<br />

– Transitários, Ldª (considerando c));- o locador<br />

financia a aquisição deste direito de superfície<br />

(art. 1º);- o locador dá em locação financeira ao<br />

locatário “o direito de superfície sobre os terrenos<br />

destina<strong>dos</strong> a construção (...), bem como as<br />

construções nele a erigir” (art. 2º, nº 1);- o<br />

contrato é feito pelo prazo de quinze anos, a<br />

1 - Na ficha nº 549 – …, certamente por lapso, não foi<br />

lançada a cota da inscrição G-2, a favor do ora recorrente,<br />

nem foi trancada a cota da inscrição G-1 (cfr. art. 79º, nºs 3 e<br />

4, do C.R.P.). Impõe-se a correcção do lapso.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 17<br />

contar do vencimento da primeira renda, a qual se<br />

vence logo após a conclusão da obra, na data<br />

indicada ao locatário pelo locador,<br />

“designadamente no documento designado Plano<br />

Financeiro de Operação, o qual fica a fazer parte<br />

integrante do presente contrato” (art. 2º, nºs 2 e<br />

3);- o locatário obteve já a autorização de<br />

construção nº 516/96 – Procº Nº 19.836/OCP/N,<br />

emitida pela Câmara Municipal de … em 6.12.96<br />

(art. 3º).<br />

Para o registo da locação financeira foi ainda<br />

apresentada certidão do registo comercial da<br />

sociedade locatária (matrícula nº 18<br />

915/20030130, da Conservatória do Registo<br />

Comercial de …), que comprova que entretanto a<br />

mesma mudou a sede para o concelho de …<br />

(certamente para o prédio <strong>dos</strong> autos) e alterou a<br />

firma para … Transitários, Ldª.<br />

O registo da locação financeira foi recusado<br />

por despacho do seguinte teor: “À data do pedido<br />

de registo, os prédios constantes do contrato de<br />

locação financeira e descritos sob os nºs 521 e 549<br />

encontram-se elimina<strong>dos</strong> por terem sido anexa<strong>dos</strong>.<br />

Por esta razão (e ainda por alteração da sua<br />

identificação – eram 2 rústicos e actualmente é um<br />

urbano) não é possível proceder-se à feitura do<br />

acto requerido sem que se proceda à rectificação<br />

do título (actualização) que se encontra<br />

ultrapassado existindo total discordância entre os<br />

prédios referi<strong>dos</strong> no título e o mencionado no<br />

pedido. Não parece tão pouco possível que as<br />

deficiências possam ser supridas nos termos do<br />

art. 46º do C.R.P. (art. 68º, 69º b) e 16 a)). Em<br />

tempo: Falta requerer também a actualização da<br />

inscrição de aquisição de 19900601, Ap. 28, não<br />

sendo suficiente a junção ao 1º registo requerido<br />

da certidão de registo comercial (art. 68º e 70º).<br />

Do despacho de qualificação foi interposto o<br />

presente recurso hierárquico, cujos termos aqui se<br />

dão por integralmente reproduzi<strong>dos</strong>.<br />

A Senhora Conservadora sustentou a recusa<br />

em despacho cujos termos também aqui se dão por<br />

integralmente reproduzi<strong>dos</strong>.<br />

O processo é o próprio, as partes legítimas, o<br />

recurso tempestivo e inexistem questões prévias<br />

ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do<br />

mérito.<br />

A posição deste Conselho vai expressa na<br />

seguinte<br />

Deliberação<br />

Se o contrato de locação financeira se destina a<br />

financiar a aquisição pelo locador do direito de<br />

superfície sobre dois prédios rústicos e a<br />

implantação nestes de um edifício para o<br />

exercício da actividade económica do locatário,<br />

e se o registo do facto (locação financeira) é<br />

peticionado já depois de feito o implante com<br />

tradução registral através do averbamento de<br />

anexação <strong>dos</strong> dois prédios e da abertura da<br />

descrição do novo prédio urbano que resultou<br />

do exercício do direito (potestativo) pelo<br />

superficiário, aquele facto (locação financeira)<br />

pode e deve ser inscrito sobre este novo prédio 2 .<br />

2 - Cremos ter tomado posição clara sobre a questão suscitada<br />

nos autos e cujo quadro factual foi descrito com suficiente<br />

nitidez no relatório.<br />

O que aqui importa brevitatis causa acentuar é que o contrato<br />

de locação financeira <strong>dos</strong> autos visa a cedência pelo locador<br />

ao locatário do gozo temporário de uma coisa (“corpórea”,<br />

segundo Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Bancário,<br />

2ª ed., 2001, págs. 599 e segs.; “objecto”, segundo Inocêncio<br />

Galvão Teles, in Manual <strong>dos</strong> Contratos em Geral, Refundido<br />

e Actualizado, 4ª ed., 2002, pág. 500) imóvel, melhor<br />

dizendo, da “obra” a implantar pelo locador em terreno do<br />

locatário, no exercício de um direito de superfície constituído<br />

a favor daquele por este, situação aliás expressamente<br />

prevista no art. 2º, nº 2, do D.L. nº 149/95, de 24 de Junho<br />

(que com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 265/97, de<br />

2.10, e pelo D.L. nº 285/2001, de 3.11, disciplina o contrato<br />

de locação financeira).<br />

Segundo o ensinamento de Carvalho Fernandes, in Lições<br />

de Direitos Reais, 1996, págs. 364 e segs., temos um<br />

primeiro momento em que o direito de superfície assume a<br />

natureza de um direito potestativo dirigido à aquisição de um<br />

direito real (direito real de aquisição, lhe chama o Autor).<br />

Neste primeiro momento, o direito de superfície foi registado<br />

a favor do titular-locador. Obviamente sobre os dois prédios<br />

sobre que incidia. Mas a locação financeira não foi registada<br />

nesse momento. Pensamos que poderia, e talvez devesse, têlo<br />

sido. É que o contrato de locação financeira produz efeitos<br />

a partir da data da sua celebração (art. 8º, nº 1, do D.L. nº<br />

149/95; segundo Abílio Neto, in Contratos Comerciais, 2ª<br />

ed., 2004, pág. 394, o contrato de locação financeira é<br />

meramente consensual e obrigacional, ou seja, não é um


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 18<br />

Nos termos expostos, é entendimento deste<br />

Conselho que o recurso merece provimento 3 .<br />

contrato real nem no tocante à sua constituição, nem ao seu<br />

efeito), pelo que não é necessário que a coisa exista e seja<br />

entregue ao locatário para que o direito deste nasça. O que<br />

não impede que as partes condicionem o início de vigência<br />

do contrato de locação financeira à efectiva aquisição ou<br />

construção do bem locado, à sua tradição a favor do locatário<br />

ou a quaisquer outros factos (cfr. art. 8º, nº 2, do citado<br />

Decreto-Lei). Portanto, a nosso ver a locação financeira<br />

poderia ter sido registada inicialmente sobre os dois prédios<br />

rústicos (seria até bem interessante a questão da<br />

aplicabilidade da norma do nº 1 do art. 97º do C.R.P. se se<br />

verificasse que a constituição do direito de superfície tinha<br />

sido acompanhada da locação financeira). Mas o certo é que<br />

não foi.<br />

Retomando o ensinamento de Carvalho Fernandes, num<br />

segundo momento o direito de superfície tem por objecto o<br />

implante em si mesmo, ou seja, a obra, sendo corrente na<br />

doutrina portuguesa a concepção que vê na posição do<br />

superficiário um direito de propriedade, a chamada<br />

propriedade superficiária. É a obra, o implante, que é objecto<br />

da locação financeira. Salvo o devido respeito, não cremos<br />

que seja feliz a redacção do contrato, quando refere (art. 2º)<br />

que a locação financeira tem por objecto o direito de<br />

superfície sobre os terrenos bem como as construções neles a<br />

erigir. Sendo certo que é a propriedade superficiária, o direito<br />

de superfície, que passará a ser objecto da faculdade de<br />

aquisição pelo fundeiro-locatário (art. 2º, nº 2, do citado<br />

Decreto-Lei).<br />

Parece-nos evidente que se o pedido de registo da locação<br />

financeira é formulado já depois de surgir o implante e de<br />

terem sido efectuadas no registo as operações de<br />

transformação fundiária (designadamente, a anexação <strong>dos</strong><br />

dois prédios rústicos e a abertura da descrição do novo<br />

prédio urbano), será sobre a nova realidade predial que o<br />

facto deverá ser inscrito.<br />

Desconhecemos completamente como se processaram as<br />

operações de reordenamento predial no registo.<br />

Concretamente, se nelas teve intervenção o fundeiro-locatário<br />

e quais os documentos que lhe serviram de base. Mas cremos<br />

que será legítimo presumir que nelas teve intervenção, no<br />

pedido ou nos respectivos títulos ou processos, o fundeirolocatário<br />

[cfr. art. 38º, nº 1, a), e nº 2, do C.R.P.]. Portanto, o<br />

implante terá sido efectuado no exercício legítimo do direito<br />

de superfície e em perfeita sintonia com o locatário, e a<br />

formação do novo prédio urbano é o resultado do escopo<br />

visado no contrato de locação financeira.<br />

Assim sendo, temos dificuldade em compreender a<br />

fundamentação do despacho de recusa que, salvo o devido<br />

respeito, não se nos afigura pertinente.<br />

3 - Quatro breves comentários se nos oferece tecer sobre a<br />

situação <strong>dos</strong> autos.<br />

Dois deles relacionam-se com o registo da locação<br />

financeira.<br />

O primeiro tem a ver com o incumprimento da norma do nº 1<br />

do art. 3º do D.L. nº 145/95, na redacção do D.L. nº 265/97:<br />

falta a certificação pelo notário da existência da licença de<br />

construção (que aliás vem referida no art. 3º do contrato).<br />

Segundo a posição deste Conselho (cfr. parecer emitido no Pº<br />

R.P. 63/2002 DSJ-CT, in BRN nº 9/2002, pág. 30, conclusão<br />

2ª) o negócio jurídico enferma de nulidade atípica que não<br />

pode ser conhecida pelo conservador nem invocada por<br />

terceiro. Pelo que este não constitui motivo de qualificação<br />

desfavorável do registo.<br />

O segundo comentário prende-se com o prazo e a data do<br />

início da locação financeira, menção especial que deve ser<br />

levada à inscrição [cfr. art. 95º, nº 1, n), do C.R.P.]. O<br />

contrato diz-nos que o prazo é de quinze anos, a contar do<br />

vencimento da primeira renda, sendo certo que esta se vence<br />

“logo após a conclusão da obra”. Estamos, então, perante um<br />

termo definido pelo tipo dies incertus an incertus quando,<br />

que aliás não é um verdadeiro termo, antes uma condição<br />

«embora possa ter sido intenção das partes excluir a sua<br />

retroactividade» (cfr. Manuel de Andrade, in Teoria Geral<br />

da Relação Jurídica, Vol. <strong>II</strong>, 2ª reimpressão, 1966, pág. 387).<br />

Seja qual for, porém, a interpretação da cláusula, afigura-senos<br />

que neste momento, estando a obra já concluída,<br />

seguramente que já se iniciou a vigência da locação<br />

financeira. Pelo que bem se justificaria que na qualificação<br />

do registo se suscitasse a dúvida atinente à falta de<br />

comprovação da data do início da locação financeira. Na<br />

fase, em que nos encontramos, da requalificação do registo já<br />

não é, porém, legítimo suscitar tal dúvida. Pelo que do<br />

registo deverá constar, para além do prazo, o dies incertus<br />

an incertus quando (o vencimento da primeira renda) – como<br />

teria que ser se o facto fosse registado no primeiro momento,<br />

antes assinalado, da vida do direito de superfície -, devendo o<br />

interessado ulteriormente peticionar a completação do registo<br />

com a data do início do prazo (juntando, obviamente, o<br />

documento comprovativo).<br />

O terceiro comentário prende-se com o registo da<br />

“transmissão por transferência de património em direito de<br />

superfície” – assim foi peticionado (Ap. 31, de 12.08.2003) -<br />

, por incorporação de Comercial Leasing, S.A., no BCP<br />

Leasing, S.A. Foi registada a “transmissão de posição em<br />

direito de superfície”, por averbamento à inscrição do direito<br />

de superfície. Salvo o devido respeito, inexiste qualquer<br />

transmissão de posição no contrato de constituição do direito<br />

de superfície. O que há é a transmissão da posição jurídica do<br />

locador no contrato de locação financeira (cfr. art. 11º, nº 4,<br />

do D.L. nº 145/95, na redacção do D.l. nº 265/97. Mas este<br />

facto, em si mesmo, não está sujeito a registo (o que está<br />

sujeito a registo é a aquisição do direito com base no qual o<br />

contrato foi celebrado, que determina ipso iure a sucessão do<br />

adquirente nos direitos e obrigações do locador – cfr. Pires<br />

de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol.<br />

<strong>II</strong>, 1968, pág. 322). O que está sujeito a registo é a<br />

transmissão da posição jurídica do locatário [“transmissão da<br />

locação financeira” lhe chama a lei – art.s 2º, nº 1, l), e 101º,<br />

nº 1, m), do C.R.P.].<br />

No caso <strong>dos</strong> autos, o facto submetido a registo foi a<br />

transmissão do direito de superfície – enquanto coisa imóvel<br />

[cfr. art. 204º, nº 1, d), do Cód. Civil] – por efeito da fusão


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 19<br />

Esta deliberação foi aprovada em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 23.02.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator.<br />

Esta deliberação foi homologada por<br />

despacho do Director-Geral de 24.02.2005.<br />

Proc. nº R. P. 350/2003 DSJ-CT – Averbamento<br />

à descrição. Actualização da área do prédio<br />

consequente à cedência de parcela ao domínio<br />

público. – Forma de titular a cedência. –<br />

Técnica registral a adoptar.<br />

Registo a qualificar: Averbamento à<br />

descrição n.º 1609, da freguesia de ..., no sentido<br />

de que o logradouro do prédio urbano a que<br />

respeita passou a ter a área de 194m2, por virtude<br />

por incorporação [transferência de património de um ente<br />

colectivo para outro – cfr. art. 101º, nº 1, g), do C.R.P., e art.<br />

97º, nº 4, a), do CSC].<br />

Convidamos a Senhora Conservadora a rectificar oficiosamente<br />

o registo [para o que não necessitará de consentimento<br />

<strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong> – cfr. art. 125º, nº 1, a), do C.R.P.], em<br />

homenagem à transparência da publicidade registral.<br />

O quarto e último comentário tem a ver com a parte final do<br />

despacho de qualificação. A nosso ver, no registo da locação<br />

financeira deverá figurar o locatário já com a nova sede e a<br />

nova firma entretanto adoptada (Schenker Transitários, Ldª),<br />

sendo certo que o facto (alteração da firma e da sede) está<br />

devidamente comprovado. O que se nos afigura insustentável<br />

é que se faça depender o registo da locação financeira da<br />

prévia alteração (que obviamente terá que ser requerida) da<br />

firma do fundeiro-locatário nas duas (e não apenas numa,<br />

como se escreveu no despacho) inscrições de aquisição a seu<br />

favor. É certo que sem aquela alteração poder-se-á concluir<br />

erroneamente que o locatário e o fundeiro são pessoas<br />

jurídicas distintas. Mas para quem sustente que isso é<br />

perturbador da definição da situação jurídica do prédio, o<br />

“remédio” será dizer na inscrição da locação financeira que o<br />

locatário anteriormente usou a firma que nas inscrições de<br />

aquisição é adoptada pelo fundeiro. Tanto bastará, a nosso<br />

ver.<br />

da integração no domínio público municipal de<br />

uma parcela de terreno com 106m2, retirada do<br />

seu inicial logradouro de 300m2.<br />

Este registo, requisitado em 24/09/2003,<br />

pela Ap. 40, foi instruído com a respectiva<br />

caderneta predial urbana e o duplicado da<br />

certificação entregue na Repartição de Finanças de<br />

.... Integram este duplicado: uma certidão emitida<br />

pela Câmara Municipal de ... através da qual este<br />

órgão autárquico atesta que “... está integrada em<br />

domínio público municipal, constituindo o acesso<br />

público à Escola Básica, 1, 2, 3, de ..., uma<br />

parcela de terreno com a área de 106m2,<br />

proveniente da área de 300m2 do logradouro do<br />

prédio urbano... sito na Rua …, n.º 40 e 40-A, …,<br />

..., inscrito na matriz sob o artigo 64 da freguesia<br />

de ... e registado sob o n.º 1609 na 2.ª<br />

Conservatória do Registo Predial de ....”; e um<br />

ofício endereçado ao Chefe daquela Repartição de<br />

Finanças solicitando a substituição do documento<br />

entregue, no mesmo serviço, em 21/01/03 – cuja<br />

cópia junta 1 – , pela referida certidão, “... em<br />

correspondência a solicitação da …<br />

Conservatória do Registo Predial de ....”. 2<br />

Tal registo foi recusado, em 9/10/03, com<br />

fundamento na falta de documento capaz de<br />

provar a integração da área no domínio público e<br />

invocação <strong>dos</strong> artigos 68.º, 69.º, b), e 28.º do<br />

Código do Registo Predial.<br />

1 Esta cópia respeita a uma declaração feita pelo requisitante<br />

do registo, ora recorrente, em papel timbrado da aludida<br />

Câmara Municipal – na qual se mostram apostos os carimbos<br />

da Repartição de Finanças e da … Conservatória do Registo<br />

Predial de ..., data<strong>dos</strong> de 21/1/03 e 16/05/03 (Ap. 12),<br />

respectivamente, –, no sentido de ter cedido da área<br />

descoberta do seu prédio, que identifica com o que é objecto<br />

<strong>dos</strong> presentes autos, “... uma parcela de terreno com a área<br />

de 106m2 ..., para execução das obras de pavimentação<br />

exterior à Escola..., visando melhorar o espaço público junto<br />

ao respectivo estabelecimento de ensino e consequentemente<br />

determinando a integração da referida área em domínio<br />

público.”. Declaração na qual o Município de ..., através do<br />

Departamento de Obras Municipais, reconhecia a efectiva<br />

integração da referida área no acesso público à dita escola.<br />

2 Supomos que decorrente do despacho de recusa proferido<br />

relativamente ao registo solicitado pela mencionada (nota<br />

supra) Ap. 12, anotada na ficha em apreço sob o n.º 1.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 20<br />

No recurso hierárquico tempestivamente<br />

interposto contesta-se a motivação legal invocada,<br />

considerando que: o conservador não pode julgar,<br />

no âmbito da sua função qualificadora, com base<br />

em conjecturas ou suposições, mas apenas em<br />

documentos; a falta de título motivadora da<br />

recusa, nos termos da invocada alínea, tem de ser<br />

absoluta e manifesta, sob pena do registo não<br />

poder ser recusado, mas sim efectuado<br />

provisoriamente por dúvidas; e a harmonização de<br />

áreas entre a descrição predial e a matriz só é<br />

dispensada se a sua diferença não exceder 5% nos<br />

prédios urbanos, sendo que, no caso concreto, a<br />

mesma excede os limites consigna<strong>dos</strong> no art.º 28.º.<br />

Em sustentação do seu despacho de recusa, a<br />

recorrida mantém a postura adoptada, explicitando<br />

que as fotocópias de documentos apresenta<strong>dos</strong><br />

noutros serviços, nomeadamente na Repartição de<br />

Finanças – cuja regularidade não pode ser<br />

verificada – não são documentos que<br />

efectivamente comprovem o acto de registo por<br />

eles instruído 3 . Esclarece ainda que os<br />

averbamentos às descrições não podem ser<br />

efectua<strong>dos</strong> provisoriamente.<br />

Remetido à Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong> e<br />

do <strong>Notariado</strong>, o processo de recurso – que se<br />

reconhece ser o próprio e válido e ter sido<br />

interposto em tempo, não se verificando nulidades,<br />

excepções ou questões prévias que obstem ao<br />

conhecimento do mérito –foi superiormente<br />

3 Nos termos da respectiva requisição, o acto de registo<br />

pretendido é o “Averbamento à descrição”, que, de acordo<br />

com a declaração exarada no verso, foi motivada pela<br />

integração no domínio público municipal de uma área de<br />

106m2, “... a destacar da área de 300m2 do logradouro do<br />

prédio descrito sob o n.º 1609, ficando o prédio com a<br />

seguinte composição...”. Considerando os documentos que<br />

instruíram tal pedido – caderneta predial urbana e duplicado<br />

da certidão entregue na Repartição de Finanças – e as razões<br />

aduzidas nas alegações de recurso, designadamente, sob os<br />

n.º s X<strong>II</strong>I e XIV ( relativas à necessidade de harmonização de<br />

áreas entre a matriz e a descrição, exigida pelo disposto no<br />

art.º 28.º, C.R.P., por virtude da divergência entre ambas<br />

exceder a percentagem de 5%), parece que se entendeu como<br />

primordial a alteração da área na matriz. Rectificada esta e<br />

junta a respectiva caderneta, bem como os duplica<strong>dos</strong> <strong>dos</strong><br />

documentos que a teriam motivado, estaria titulado o acto de<br />

registo solicitado.<br />

entendido que o mesmo deveria ser submetido à<br />

apreciação deste Conselho, com vista,<br />

designadamente, a uniformizar a doutrina<br />

veiculada pelos pareceres deste órgão colegial,<br />

relativos aos P.º 53/92 R.P.4 e P.º R.P. 255/2002<br />

DSJ-CT, sobre a técnica registral a adoptar quanto<br />

à publicidade da integração de parcela de terreno<br />

no domínio público e à forma de titular essa<br />

cedência.<br />

A questão da titulação da “cedência” de<br />

parcelas de terreno para o domínio público foi<br />

versada no Pº R.P. 160/2003 DSJ-CT , que aqui se<br />

dá por integralmente reproduzido.<br />

Neste processo não é aquela questão que<br />

está em causa.<br />

Sobre o ponto em análise, emite-se a<br />

seguinte<br />

Deliberação<br />

1 – Os prédios urbanos não podem ser descritos<br />

nem actualizadas as respectivas descrições,<br />

quanto à área, em contradição com a respectiva<br />

inscrição matricial ou com o pedido da sua<br />

rectificação ou alteração, sendo esta<br />

harmonização dispensada quando a diferença<br />

entre as áreas em confronto não exceder, em<br />

relação à área maior, 5% (art.º 28.º, C.R.P.).<br />

2 – Quando a modificação superveniente da<br />

área de prédio descrito ocorra por motivo da<br />

afectação 4 de uma parcela sua ao domínio<br />

público a actualização far-se-á através de<br />

declaração <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong> no registo,<br />

instruída com a certidão de teor matricial ou<br />

caderneta predial urbana do artigo<br />

correspondente (art.º 31.º, C.R.P.) e, quando<br />

seja caso disso, o duplicado do pedido da sua<br />

alteração ou certidão da sua pendência (art.º<br />

32.º, n.º 2, C.R.P.).<br />

4 A deliberação sobre a afectação ou desafectação de bens do<br />

domínio público municipal é da competência da assembleia<br />

municipal, sob proposta da câmara municipal, conforme<br />

resulta do disposto no art.º 53.º, n.º4, alínea b), da Lei n.º<br />

169/99, de 18/09, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de<br />

11/01/02, que a republicou.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 21<br />

Atento o exposto, é entendimento deste<br />

Conselho que o recurso merece provimento.<br />

Esta deliberação foi aprovada em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 23.02.2005.<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira,<br />

relatora.<br />

Esta deliberação foi homologada por<br />

despacho do Director-Geral de 01.03.2005.<br />

Proc. nº R. Co. 29/2003 – Alteração ao contrato<br />

– Deliberação sem a presença de to<strong>dos</strong> os sócios<br />

– falta de menção de a assembleia geral ter sido<br />

regularmente convocada – Provisoriedade por<br />

dúvidas do registo.<br />

Registo a qualificar: Alteração do contrato –<br />

Deliberação sem a presença de to<strong>dos</strong> os sócios –<br />

acta da assembleia geral – falta da menção de ter<br />

sido regularmente convocada.<br />

A - Relatório<br />

1) - Os títulos que serviram de base ao<br />

pedido em causa foram os seguintes:<br />

- fotocópia certificada da acta nº 20 da<br />

assembleia geral de 21 de Dezembro de 2001;<br />

- redacção actualizada do pacto<br />

2) - Para uma melhor compreensão, constam<br />

nas tábuas como únicos sócios da sociedade<br />

em causa: Engrácia CSB com uma quota de<br />

1 400 000$00 e Pedro MASN com uma quota de<br />

600 000$00.<br />

3) - O registo pretendido (ap.46/20020219 –<br />

alteração da denominação do capital social para<br />

euros) foi qualificado como provisório por<br />

dúvidas, por despacho de 16/11/2002, por não<br />

constar da acta que a assembleia geral tenha sido<br />

regularmente convocada e por não estarem<br />

presentes to<strong>dos</strong> os sócios da sociedade, pelo que a<br />

deliberação, a verificar-se não ter existido<br />

realmente convocatória, se mostra irregularmente<br />

tomada (artº 54º, 56º nº 1 al. a), 247º e 373º nº 1,<br />

ex vi artº 248º nº 1, to<strong>dos</strong> do CSC), invocando-se<br />

os artºs 47º e 49º ambos do CRC.<br />

4) - Houve reclamação (ap.48/20021129) do<br />

despacho acima referido, tendo sido argumentado<br />

“inter alia” que o legislador, tendo disposto para o<br />

caso em apreço que a alteração da denominação<br />

do capital social para euros pode ser tomada por<br />

maioria simples de votos <strong>dos</strong> sócios, nos termos<br />

do artº 17º nº 1 al. a) do DL 343/98 de 6/11, e<br />

constando da acta em que a sócia maioritária<br />

tomou a deliberação com a legitimidade que lhe é<br />

conferida pelos votos de 6 983,17 em 9 975,96<br />

, correspondentes a 70% do capital social da<br />

sociedade, torna-se evidente que esta tem<br />

legitimidade para deliberar cumprir a imposição<br />

da lei em vigor acerca da alteração de<br />

denominação da unidade monetária do capital<br />

social, mesmo que o outro sócio se tivesse oposto<br />

a tal decisão, bem como para requerer o registo<br />

dessa alteração do pacto social, mesmo que, por<br />

hipótese, essa deliberação tivesse sido tomada<br />

contra a vontade do outro sócio (embora seja<br />

discutível a legitimidade de um sócio para se opor<br />

ao cumprimento de uma imposição legal cujo<br />

cumprimento poderia prejudicar a sociedade).<br />

Mais foi dito que a dúvida levantada pela senhora<br />

Conservadora – não constar da acta que a<br />

assembleia geral tenha sido regularmente<br />

convocada -, não tem qualquer razão de ser já que<br />

não se encontra inscrita dentro do âmbito das<br />

competências atribuídas à mesma, uma vez que o<br />

âmbito das suas competências se encontra<br />

circunscrito ao âmbito do registo comercial que se<br />

destina a dar publicidade à situação jurídica da<br />

sociedade, tendo em vista a segurança do<br />

comércio jurídico.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 22<br />

5) - A Senhora Conservadora proferiu então<br />

despacho de sustentação, datado de 18/12/2002 e,<br />

basicamente, refere que, apesar do regime<br />

transitório de simplificação da redenominação do<br />

capital social, cabe ao Conservador verificar em<br />

face das disposições legais aplicáveis, <strong>dos</strong><br />

documentos apresenta<strong>dos</strong> e <strong>dos</strong> registos anteriores<br />

a validade <strong>dos</strong> actos conti<strong>dos</strong> nos títulos<br />

apresenta<strong>dos</strong> a registo e que em relação àquele<br />

processo simplificado apenas se libertou a<br />

redenominação do capital e consequente alteração<br />

do pacto social de serem lavra<strong>dos</strong> por escritura<br />

pública mas a fiscalização, normalmente exercida<br />

pelo notário e exercida posteriormente pelo<br />

Conservador, não deixou de ser exigida. Assim,<br />

mais argumentou, e porque as deliberações só<br />

podem ser tomadas por alguma das formas<br />

previstas na lei para cada tipo de sociedade (artº<br />

53º CSC), qualquer deliberação só é válida se, não<br />

estando presentes to<strong>dos</strong> os sócios, tiver sido<br />

regularmente convocada a assembleia geral e não<br />

tendo sido regularmente convocada foi<br />

irregularmente tomada a deliberação em causa e,<br />

por isso, é nula.<br />

6) - Não se conformando, a sociedade em<br />

causa veio em recurso hierárquico<br />

(ap.23/20030103) repetir os mesmos argumentos<br />

já expendi<strong>dos</strong> “repisando” que não existe<br />

nenhuma norma legal em vigor que atribua<br />

competência à Senhora Conservadora do douto<br />

despacho recorrido para fiscalizar a forma como<br />

foi feita a convocatória da assembleia geral e que<br />

apenas seria lícito à mesma efectuar o registo<br />

provisório por dúvidas no caso de verificar-se não<br />

ter existido realmente convocatória.<br />

7) - Uma vez que o processo é o próprio, é<br />

tempestivo, as partes são legítimas e não havendo<br />

qualquer questão prévia ou prejudicial que obste à<br />

apreciação do mérito do recurso, cumpre agora<br />

emitir parecer.<br />

B – Fundamentação<br />

8) – Antes de mais, e numa tentativa para<br />

dissipar a dúvida suscitada pela recorrente quanto<br />

ao papel atribuído ao conservador (segundo a<br />

mesma recorrente, as competências do<br />

Conservador no registo comercial encontram-se<br />

circunscritas ao âmbito do registo comercial, não<br />

lhe competindo, assim, verificar se consta ou não<br />

na acta que a assembleia geral tenha sido<br />

regularmente convocada), é bom recordar que é<br />

entendimento pacífico que os actos pratica<strong>dos</strong><br />

pelos conservadores não são actos administrativos,<br />

sendo antes actos que se inserem no âmbito do<br />

direito privado, da actividade jurídica privada e<br />

extra-judicial, tendo uma natureza jurisdicional ou<br />

para-judicial, já que têm como finalidade titular e<br />

publicitar de um modo autêntico e juridicamente<br />

eficaz o estado civil e os direitos individuais das<br />

pessoas singulares ou colectivas, sendo que a<br />

função qualificadora deve ser exercida com total<br />

independência e a decisão, só depois de proferida<br />

com esta independência, é que está sujeita a<br />

controlo, em sede de recurso hierárquico e<br />

contencioso e mesmo no dito recurso hierárquico o<br />

que efectivamente é julgado é o mérito, a<br />

“juridicidade” da posição assumida pelo<br />

conservador 1 .<br />

9) –É efectivamente verdade que pelo artº<br />

20º do DL 343/98 de 6/11 se pretendeu, acima de<br />

tudo, facilitar o acesso voluntário à moeda única,<br />

o euro, através de mecanismos céleres e com um<br />

mínimo de formalismos.<br />

10) – Contudo, no caso “sub júdice” a acta<br />

da assembleia-geral, submetida a registo, do nosso<br />

ponto de vista, enferma de irregularidades dando<br />

razão à recorrida para o despacho de<br />

provisoriedade que proferiu. Senão vejamos.<br />

11) – Da acta em causa consta, logo no<br />

início do texto “… reuniram-se os sócios<br />

Engrácia CSB para dar cumprimento à imposição<br />

do governo acerca da designação e do mínimo<br />

capital da sociedade (…Limitada), tendo<br />

deliberado por unanimidade o seguinte: alterar a<br />

redacção do artigo 3º do pacto social para…” e<br />

no final da acta visada consta ainda “… Esta<br />

1 - Cfr. BRN nº 11/97, <strong>II</strong>, pág. 33, BRN nº 2/98, <strong>II</strong>, pág. 10,<br />

BRN nº 3/98, <strong>II</strong>, pág. 28, BRN nº 11/2000, <strong>II</strong>, pág. 23, BRN<br />

nº 5/2001, <strong>II</strong>, pág. 10 e BRN nº 9/2004, <strong>II</strong>, pág. 24.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 23<br />

deliberação foi tomada por maioria simples de<br />

votos conforme previsto no artigo 17º do DL<br />

343/98 de 6 de Novembro. Nada mais havendo a<br />

tratar foi lavrada a presente acta que vai ser<br />

assinada pelos presentes…”, tendo, contudo, a<br />

acta sido assinada apenas por Conceição SB.<br />

12) – Sendo assim, a forma como foi<br />

redigida tal acta inculca desde logo a ideia que a<br />

mesma deveria ter sido assinada pelos dois únicos<br />

sócios e, consequentemente, estaríamos em<br />

presença duma assembleia universal, nos termos<br />

do artº 54º do CSC, sem observância de<br />

formalidades prévias, nomeadamente quanto a<br />

convocatórias, desde que to<strong>dos</strong> os sócios<br />

estivessem presentes e to<strong>dos</strong> manifestassem a<br />

vontade de que tal assembleia geral se constituísse<br />

e deliberasse sobre determinado assunto. 2<br />

13) – É também bom recordar que o artº 53º<br />

nº 1 do CSC consagra a regra segundo a qual as<br />

deliberações <strong>dos</strong> sócios só podem ser tomadas por<br />

alguma das formas admitidas por lei para cada tipo<br />

de sociedade, ou seja, contempla o princípio da<br />

tipicidade, também denominado princípio da<br />

taxatividade, ou ainda do numerus clausus das<br />

formas de deliberação <strong>dos</strong> sócios, prevendo o<br />

Código das Sociedades Comerciais quatro<br />

espécies ou formas de deliberação: deliberações<br />

em assembleia geral convocada, deliberações em<br />

assembleia universal, deliberações unânimes por<br />

escrito e deliberações tomadas por voto escrito,<br />

sendo que, como regra geral, nas sociedades em<br />

nome colectivo e por quotas todas estas formas<br />

são possíveis (cfr. artºs 54º nº 1, 189º nº 1 247º nº<br />

1) e nas sociedades anónimas e em comandita<br />

estão excluídas as deliberações tomadas por voto<br />

escrito (vide artºs 54º nº1, 373º nº 1, 472º nº 1). 3<br />

2<br />

- Carlos Olavo in “Impugnação das deliberações<br />

sociais”Colectânea de Jurisprudência – ano X<strong>II</strong>I, 1988,<br />

Tomo 3, pág. 21, enumera os pressupostos estruturais das<br />

deliberações tomadas em assembleia universal: a) –<br />

existência de assembleia; b) – as presenças de to<strong>dos</strong> os<br />

sócios; c) – manifestação unânime da vontade de que a<br />

assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto<br />

e d) – a regularidade do respectivo funcionamento.<br />

3 - Jorge Coutinho em “Curso de Direito Comercial, vol.<br />

<strong>II</strong> das Sociedades, pág. 232<br />

14) – Por outro lado, as deliberações são<br />

tomadas as mais das vezes em assembleia geral<br />

(reunião <strong>dos</strong> sócios) e normalmente em assembleia<br />

geral convocada, melhor dizendo, com prévio<br />

chamamento <strong>dos</strong> sócios através de convocatória<br />

para a reunião.<br />

15) – Retomando o caso em apreço, não<br />

assinando os dois sócios e apenas um só, a<br />

Engrácia CSB, estaríamos então perante uma<br />

assembleia geral normal que deveria ter sido<br />

regularmente convocada, o que, quanto a esse<br />

facto, nada resulta da mesma acta, ou seja, da acta<br />

não consta qualquer referência à convocatória para<br />

tal assembleia geral.<br />

16) – Assim, transparecendo da acta da<br />

assembleia geral a eventualidade de cometimento<br />

de vícios de procedimento deliberativo que<br />

inquinarão a deliberação social, concretamente a<br />

convocatória da mesma, as dúvidas levantadas<br />

pela recorrida são legítimas e pertinentes já que se<br />

ignora se o sócio que não compareceu (?) à<br />

assembleia geral foi ou não convocado para a<br />

mesma.<br />

17) – Não se pode de modo algum ignorar,<br />

repetimos, que, pressuposto indispensável à<br />

reunião duma assembleia geral é a convocação <strong>dos</strong><br />

que a ela devam comparecer, sendo pois mais que<br />

natural que o primeiro caso de nulidade (nulidade<br />

absoluta mas sanável) das deliberações <strong>dos</strong> sócios,<br />

previsto no nº 1 do artº 56º do CSC, seja o<br />

respeitante “às tomadas em assembleia geral não<br />

convocada”, ou seja, toda a deliberação <strong>dos</strong> sócios<br />

adoptada em assembleia geral não convocada é<br />

“nula” independentemente do seu conteúdo. 4<br />

18) - Em face do exposto, somos de parecer<br />

que o recurso não merece provimento.<br />

Cumpre no entanto salientar que o registo<br />

poderá ser convertido – para além, como é óbvio,<br />

através da prova do aditamento à acta que<br />

expresse a existência de convocatória – mediante<br />

comprovação do assentimento do sócio ausente à<br />

deliberação tomada (cfr. art.º 56º n.º 3 CSC).<br />

4 - Pinto Furtado in “Deliberações <strong>dos</strong> Sócios”, 1993,<br />

pág.298.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 24<br />

Aliás será até de questionar a efectiva<br />

utilidade deste registo, porquanto já nos<br />

encontramos na fase da redenominação automática<br />

do capital e das quotas, sendo certo que no caso<br />

concreto não há qualquer reajustamento do capital<br />

a fazer pelo que, com a aplicação das respectivas<br />

regras, chegar-se-á ao mesmo resultado que se<br />

pretendeu com a tomada da deliberação social<br />

“sub judicio”.<br />

Em conformidade firma-se a seguinte<br />

Conclusão<br />

Não sendo a acta da assembleia geral explícita<br />

quanto à convocatória desta, é lícito ao<br />

conservador levantar dúvidas no registo do<br />

facto por ela titulado (cfr. art.º 47.º CRC),<br />

considerando que é nula a deliberação social<br />

tomada em assembleia geral não regularmente<br />

convocada, mas tal nulidade é sanável mediante<br />

o assentimento do sócio ausente e não<br />

representado (cfr. art.º 56.º n. os 1 e 3 CSC).<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 23.02.2005.<br />

José Ascenso Nunes Maia, relator, João<br />

Guimarães Gomes de Bastos, Ana Viriato Sommer<br />

Ribeiro, Vitorino Martins de Oliveira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 24.02.2005.<br />

Proc. nº C. C. 61/2000 DSJ-CT - Processo<br />

preliminar de publicações. Nubente estrangeiro<br />

residente em Portugal. Capacidade<br />

matrimonial.<br />

Descrição e análise do problema: O senhor<br />

Conservador do Registo Civil de ..., pretende ser<br />

esclarecido sobre o alcance e efeitos da<br />

comunicação do consulado do Brasil acerca da<br />

verificação da capacidade matrimonial que deu<br />

origem à informação publicada no B.R.N. n.º<br />

6/2000. A propósito são levantadas as questões<br />

seguintes: definição relevante de residência e<br />

domicílio; em que circunstâncias se poderá<br />

considerar residente em Portugal um estrangeiro,<br />

independentemente da sua nacionalidade;<br />

interpretação do n.º 5 do art.º 137 do Código do<br />

Registo Civil.<br />

Também o Senhor Conservador do Registo<br />

Civil de … coloca problema idêntico pondo<br />

concretamente a questão de saber se é ao conceito<br />

de domicílio definido no Código Civil (art.º 82.º)<br />

ou ao conceito de estrangeiro residente em<br />

Portugal plasmado no Decreto –Lei n.º 244/98, de<br />

8/8 que regula o regime jurídico da entrada, saída,<br />

permanência e afastamento de estrangeiros do<br />

território nacional que deve atender-se (diploma<br />

alterado pela Lei n.º 97/99 de 26/7, pelo Decreto-<br />

Lei 4/2001, de 10/1, - rectificado pela Declaração<br />

de Rectificação n.º 3-A/2001, publicada no D.R.<br />

de 31/1/2001, 2.º suplemento- e pelo Decreto-Lei<br />

n.º 34/2003, de 28/2).<br />

Tenha-se presente, antes de mais, as<br />

seguintes disposições do Código Civil, que servem<br />

de abertura ao desenvolvimento deste parecer:<br />

O art.º 25.º que determina que “ O estado<br />

<strong>dos</strong> indivíduos, a capacidade das pessoas, as<br />

relações de família e …são reguladas pela Lei<br />

pessoal <strong>dos</strong> respectivos sujeitos, salvas as<br />

restrições …”<br />

O art.º 31.º que estabelece que “A lei<br />

pessoal é a da nacionalidade do individuo.”<br />

O art.º 49.º, que fixa que “A capacidade para<br />

contrair casamento é regulada em relação a cada<br />

nubente, pela respectiva lei pessoal…”<br />

E ainda o art.º 18.º, que estipula “ N.º 1. Se<br />

o direito internacional privado da lei designada


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 25<br />

pela norma de conflitos devolver para o direito<br />

interno português, é este o direito aplicável. N.º 2.<br />

Quando porém se trate de matéria compreendida<br />

no estatuto pessoal, só é aplicável se o interessado<br />

tiver em território português a sua residência<br />

habitual…”<br />

De acordo com estes preceitos a lei<br />

reguladora da capacidade matrimonial é a lei<br />

pessoal <strong>dos</strong> nubentes. Só não é assim quando a lei<br />

pessoal reenvia para uma outra lei e esta aceita. É<br />

o que se passa com a lei brasileira, situação que<br />

está na origem do presente parecer.<br />

Até à divulgação da informação que veio a<br />

ser publicada no B. R. N. n.º 6/2000, os<br />

consula<strong>dos</strong> do Brasil em Portugal emitiam o<br />

certificado de capacidade matrimonial aos seus<br />

nacionais (quer residissem ou não em território<br />

português) após a organização dum processo<br />

próprio que implicava uma publicação na<br />

imprensa.<br />

Porém, não se sabe com que motivações, a<br />

partir daquela informação, cessou a emissão de<br />

tais certifica<strong>dos</strong>.<br />

Os argumentos, que há muito podiam ter<br />

sido invoca<strong>dos</strong>, porque a Lei de Introdução ao<br />

Código Civil Brasileiro data de 1942, são os<br />

seguintes:<br />

O art.º 7.º da dita Lei de Introdução<br />

estabelece que “ A lei do país em que for<br />

domiciliada a pessoa determina as regras sobre o<br />

começo e o fim da personalidade, o nome, a<br />

capacidade e os direitos de família.”<br />

Ora, remetendo a lei brasileira para a lei do<br />

domicílio e aceitando a lei portuguesa o reenvio<br />

desde que, no âmbito <strong>dos</strong> direitos pessoais, como<br />

é o caso, do(a) cidadão(ã) brasileiro(a) que resida<br />

habitualmente em Portugal, a sua capacidade<br />

matrimonial é aferida pela lei portuguesa, como se<br />

de um cidadão nacional se tratasse.<br />

Se não residir em Portugal, a própria lei<br />

portuguesa, nos art.ºs 166.º n.º 2, 261.º e seguintes<br />

do C.R.C., prevê a emissão pelas conservatórias<br />

respectivas, dum certificado de capacidade<br />

matrimonial.<br />

E, assim, deixaram os consula<strong>dos</strong> brasileiros<br />

de emitir tais certifica<strong>dos</strong>, deixando os problemas<br />

daí decorrentes nas mãos das Conservatórias do<br />

Registo Civil Portuguesas. É neste contexto que<br />

surgem as consultas a que este parecer pretende<br />

dar resposta.<br />

A primeira questão, (a resolver), é a de<br />

encontrar as noções jurídicas de “domicílio”<br />

segundo a lei brasileira e de “residência habitual”<br />

segundo a lei portuguesa.<br />

No art.º 7.º da Lei de Introdução ao Código<br />

Civil Brasileiro 1 , refere-se “domicílio” e o<br />

conceito respectivo não pode deixar de ser o<br />

plasmado na lei brasileira.<br />

Consultado o respectivo Código Civil (em<br />

vigor desde 11/1/2003), temos que domicílio da<br />

pessoa natural “ é o lugar onde ela estabelece a<br />

sua residência com ânimo definitivo” (art.º 70.º).<br />

Por outro lado, o art.º 71.º estabelece que “se,<br />

porém, a pessoa natural tiver diversas residências,<br />

onde, alternadamente, vive, considerar-se-á<br />

domicílio seu qualquer delas”. Estes cita<strong>dos</strong><br />

artigos correspondem aos artigos 31.º e 32.º do<br />

Código anterior.<br />

Destes normativos decorre que o domicílio<br />

depende da fixação da pessoa num dado lugar “o<br />

estabelece” que é um elemento de facto, material e<br />

do “animus” de aí permanecer definitivamente.<br />

Parece óbvio, e desde logo perante o art.º 71.º que<br />

o “definitivo” não pode ser entendido como “ até à<br />

morte da pessoa “ pois, assim, seria muito difícil<br />

que alguém tivesse domicílio. O ânimo definitivo<br />

deverá, assim, ser entendido como a intenção de<br />

se manter no lugar se e enquanto não houver<br />

algum facto ou situação que justifique uma<br />

mudança.<br />

Por outro lado, como já foi dito, a Lei<br />

Portuguesa só aceita o reenvio se o interessado<br />

residir habitualmente em Portugal.<br />

Tratando-se de matéria do âmbito <strong>dos</strong><br />

Direitos de personalidade, da Família e do Direito<br />

Internacional Privado, o conceito que temos de<br />

apurar será um conceito civilista e não o regulado<br />

no Direito <strong>dos</strong> Estrangeiros, que é Direito Público<br />

1 Note-se que esta lei se mantêm em vigor apesar de em 11 de<br />

Janeiro de 2003 (no estrangeiro mais 3 meses) iniciar a sua<br />

vigência o novo Código Civil Brasileiro que, porém, não<br />

contém normas de D I P. Por outro lado os consula<strong>dos</strong><br />

brasileiros já confirmaram a permanência em vigor da mesma<br />

lei.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 26<br />

de natureza administrativa que visa o controle<br />

“policial” <strong>dos</strong> estrangeiros e das próprias políticas<br />

de imigração.<br />

Se assim não fosse, só poderíamos<br />

considerar como residente em Portugal o<br />

estrangeiro habilitado com título válido de<br />

autorização de residência (art.º 3 do Decreto - Lei<br />

244/98, de 8/8, que regula as condições de<br />

entrada, permanência, saída e afastamento de<br />

estrangeiros do território nacional). 2<br />

Aquele título compreende dois tipos:<br />

autorização de residência temporária ou<br />

permanente. (artº 82º, 83º e 84º daquele diploma).<br />

Mas, o citado art.º 3º também não diz “com<br />

autorização de residência” mas “ com título válido<br />

de autorização de residência,” o que nos permite<br />

fazer uma interpretação extensiva do preceito no<br />

sentido de abranger todas as estadias legais no<br />

nosso país, como é a <strong>dos</strong> titulares de visto de<br />

residência, de estudo e de trabalho (art.º 27º, 34º,<br />

35º e 36º do citado Decreto-Lei 244/98, de 8/8). A<br />

prova de legalidade destas estadias resulta dum<br />

“visto” aposto no passaporte do cidadão<br />

estrangeiro.<br />

Mas, não é por aqui que vamos caminhar<br />

pelo que retomamos a busca do conceito civilista<br />

de residência habitual.<br />

A lei portuguesa, concretamente o Código<br />

Civil, não define o conceito de residência habitual,<br />

pelo que há que o procurar na doutrina e na<br />

jurisprudência.<br />

O art.º 82.º, com a epígrafe “domicílio<br />

voluntário geral”, determina que:<br />

Nº 1- A pessoa tem domicílio no lugar da<br />

sua residência habitual; Se residir alternadamente<br />

em diversos lugares, tem-se por domiciliada em<br />

qualquer deles.<br />

Nº 2 – Na falta de residência habitual<br />

considera-se domiciliada no lugar da sua<br />

residência ocasional.<br />

Portanto, normalmente, domicilio e residência<br />

habitual coincidem pesem embora as<br />

2 O Decreto Regulamentar nº 6/2004, de 26 de Abril que<br />

regulamenta o mencionado Decreto-Lei nº 244/98, nenhuma<br />

inovação trouxe neste domínio.<br />

excepções consignadas nos artigos 83º e seguintes<br />

do Código Civil.<br />

Na informação <strong>dos</strong> Serviços Jurídicos consta<br />

um notável estudo sobre a questão do domicílio e<br />

da residência habitual que será citado sempre que<br />

se julgar oportuno.<br />

Apesar da extensa e cuidada citação de<br />

doutrina sobre o conceito de domicílio acaba por<br />

não se entrar totalmente na definição de residência<br />

habitual.<br />

Repescando dessa citação:<br />

“ Domicílio voluntário é o que resulta da<br />

vontade da partes, embora indirectamente através<br />

da fixação da sua residência habitual “- Castro<br />

Mendes, Direito Civil – Teoria Geral – página<br />

195.<br />

“O conceito de domicílio exige a<br />

verificação de dois elementos “….. Um objectivo,<br />

que é o facto da residência; outro subjectivo que é<br />

a intenção de aí permanecer.<br />

O domicílio é, assim, para o nosso<br />

ordenamento jurídico a sede estável da pessoa.<br />

Isto se deduz do termo “ habitual” (Rodrigo<br />

Bastos, Notas ao C.C., página 136).<br />

“A residência, considerada como distinta do<br />

domicílio tem os seguintes caracteres: a) ela não é<br />

regulada pela lei, nem mesmo em relação aos<br />

estrangeiros, pois o seu estabelecimento e<br />

mudança são puros factos; b) ela tem estabilidade<br />

menor do que a do domicílio, pois este facto não<br />

muda com a mera deslocação da residência, ao<br />

passo que esta perde-se pelo simples facto de se ir<br />

habitar em outra casa, embora<br />

temporariamente…..” – Cunha Gonçalves, Tratado<br />

de Direito Civil, Volume <strong>II</strong>, página 13 e seguintes.<br />

Por certo o tratadista refere-se a simples<br />

residência e não à habitual pois, de outro modo<br />

não referia a seguir o mudar de residência como “<br />

a mudança de casa, embora ocasional”.<br />

Vemos, assim, que domicilio e residência<br />

habitual não se sobrepõem embora nos casos de<br />

domicílio voluntário coincidam. Não obstante os<br />

Prof. Pires de Lima e Antunes Varela pareçam<br />

defender o contrário em anotação ao art. 82º do<br />

Código Civil anotado, temos que, residência<br />

habitual é a residência permanente ou, talvez


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 27<br />

melhor, a residência normalmente permanente,<br />

pese embora o mau português.<br />

Permanente não no sentido de não poder ser<br />

interrompida mas, no da residência que a pessoa<br />

tem, a não ser aquando de interrupções<br />

passageiras, como férias, afazeres profissionais ou<br />

de saúde, por exemplo.<br />

Na jurisprudência produzida no âmbito das<br />

acções relativas a arrendamento urbano podemos<br />

colher importantes reflexões.<br />

Para ilustrar essa mesma jurisprudência<br />

citamos o acórdão da Relação do Porto de 7 de<br />

Fevereiro de 2002 transcrito, na parte que<br />

interessa, no Acórdão do Tribunal Constitucional<br />

nº 212/2003, publicado no D. R. <strong>II</strong> série, de<br />

21/06/2003, que se transcreve.<br />

«Nos termos do artigo 64.°, n.° 1, alínea i),<br />

do Regime do Arrendamento Urbano (Decreto-Lei<br />

n.° 321-B/90, de 15 de Outubro), cuja redacção é,<br />

no essencial, idêntica à que constava do artigo<br />

1093°, n.° 1, alínea i), do Código Civil, o senhorio<br />

pode resolver o contrato de arrendamento ‘de<br />

prédio destinado a habitação, se não tiver nele<br />

residência permanente, habite ou não outra casa,<br />

própria ou alheia.’<br />

Não proíbe o legislador que o inquilino,<br />

para o efeito daquele normativo, disponha de mais<br />

de uma residência permanente, pois que o cidadão<br />

pode ter mais de um domicilio voluntário, como<br />

resulta do artigo 82° do Código Civil. Hoje em dia<br />

é possível o arrendatário, face às exigências da<br />

vida, ter duas residências permanentes, em<br />

diferentes localidades, se servirem, com paridade,<br />

para a instalação da vida doméstica, com sentido<br />

estável, habitual e duradouro — v. Aragão Seia,<br />

in Arrendamento Urbano, 4 ed., p. 360.<br />

Trata-se de um conceito de direito cuja<br />

definição pode encontrar-se em decisões<br />

jurisprudenciais e obras doutrinais, tal como no<br />

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de<br />

Março de 1985, in Boletim do Ministério da<br />

Justiça, n.° 345, p. 372, onde se refere:<br />

‘residência permanente é a casa em que o<br />

arrendatário tem o centro ou sede da sua vida<br />

familiar e social e da sua economia doméstica; a<br />

casa em que o arrendatário, estável ou<br />

habitualmente, dorme, toma as suas refeições,<br />

convive e recolhe a sua correspondência, o local<br />

em que tem instalada e organizada a sua vida<br />

familiar e a sua economia doméstica — o seu lar,<br />

que constitui o centro ou sede dessa organização’<br />

— no mesmo sentido, pode ver-se Januário<br />

Gomes, in Arrendamentos para Habitação, 2. ed.,<br />

p. 244, e Aragão Seia, ob. cir., p. 359.<br />

A questão é, pois, a de saber se o inquilino<br />

tem, ou não, a sua vida organizada no local<br />

arrendado, mesmo que utilize outro prédio, que<br />

ocupe. Igualmente, como local da sua vivência, se<br />

não do dia-a-dia, pelo menos em termos de<br />

continuidade e centro de vida.»<br />

Portanto, o estrangeiro que deixou o seu país<br />

para viver em Portugal, cá passa a maior parte do<br />

ano (eventualmente ausenta-se só para visitar a<br />

família no país de origem ou para férias), cá<br />

exerce a sua profissão, cá arrenda um apartamento<br />

ou um quarto, cá paga I.R.S., cá desconta para a<br />

Segurança Social, tem residência permanente e<br />

habitual em Portugal.<br />

Está na mesma situação o estrangeiro/a que<br />

veio para o nosso país e cá ficou a viver em união<br />

de facto, mesmo que não exerça uma profissão.<br />

Também próxima é a situação de quem veio<br />

para o nosso país tirar um curso.<br />

Nestes três exemplos parece-nos reflectir-se<br />

a generalidade das situações de residência de<br />

estrangeiros que, como é estável e com intenção<br />

de continuar, pelo menos “até ver” ou “até ao fim<br />

de um objectivo”.<br />

Ao conceito de residência habitual<br />

contrapõe-se a “residência estabelecida durante,<br />

pelo menos, os últimos 30 dias anteriores….”,<br />

vertida no art.º 134.º do Código do Registo Civil.<br />

Este conceito é ainda menos exigente do que<br />

o consagrado no art.º 164.º do código anterior que<br />

lhe corresponde e que falava de “… residência<br />

estabelecida por meio de habitação continua,<br />

durante, pelo menos, os últimos 30 dias<br />

anteriores… “.<br />

Esta é uma residência que pode ser<br />

ocasional, passageira, que dura pouco tempo e<br />

onde falta, ou pode faltar, o “animus” de<br />

continuar. Nela não está centrada a vida da pessoa<br />

ou, pelo menos, pode não estar.<br />

Vejamos agora a situação especial <strong>dos</strong><br />

cidadãos da União Europeia, não porque o


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 28<br />

conceito da residência habitual seja diferente para<br />

esses cidadãos, mas porque têm um direito de<br />

residência independente da concessão de qualquer<br />

título porque esse direito resulta <strong>dos</strong> Trata<strong>dos</strong><br />

existentes no seio da União e das directivas<br />

comunitárias.<br />

Neste âmbito, sem esquecermos o Decreto-<br />

Lei n.º 60/93, de 3/3, que regula a entrada e<br />

permanência de cidadãos estrangeiros nacionais<br />

<strong>dos</strong> esta<strong>dos</strong> membros da U.E., alterado pelo<br />

Decreto-Lei nº 250/98, de 11/8, remetemos para as<br />

citações jurisprudenciais do Tribunal de Justiça<br />

Europeu, constantes da informação <strong>dos</strong> Serviços<br />

Jurídicos de onde transcrevemos duas:<br />

“ …. esse direito (de residência) é adquirido<br />

independentemente da concessão de um título de<br />

residência pela autoridade competente de um<br />

Estado membro. Por conseguinte, a concessão<br />

desse título deve considerar-se não como um acto<br />

constitutivo de direitos, mas como um acto de um<br />

Estado membro destinado a confirmar a<br />

situação….” (acórdão de 8/4/76, Royer – proc. Nº<br />

48/75).<br />

“…. O título de residência não é<br />

constitutivo do direito de, para um nacional do<br />

Estado membro, residir noutro Estado….mas a<br />

simples prova dum tal direito de residência “(<br />

acórdão de 2/8/93, proc.º Nº C9/92).<br />

Portanto, para os cidadãos comunitários é<br />

ainda com maior força que a residência habitual<br />

resulta duma situação de facto.<br />

E, em conclusão, podemos dizer, tal como a<br />

informação <strong>dos</strong> Serviços Jurídicos, que o direito<br />

de residência e a residência são realidades<br />

distintas: o primeiro pressupõe um acto de vontade<br />

administrativa, o segundo decorre da realidade,<br />

corresponde à morada que uma pessoa<br />

efectivamente têm e que foi estabelecida por um<br />

acto de vontade pessoal.<br />

Definido que está quais os estrangeiros que<br />

se consideram habitualmente residentes em<br />

Portugal, há que esclarecer como pode ser feita a<br />

sua prova.<br />

Aqui deve ser assumida bastante prudência,<br />

na medida em que certos cidadãos estrangeiros<br />

residentes em Portugal, podem ter a sua<br />

capacidade matrimonial aferida pela lei<br />

portuguesa.<br />

É o que se verifica, como já foi referido,<br />

com<br />

os cidadãos brasileiros mas, podem surgir<br />

situações paralelas com outros estrangeiros,<br />

sempre que as respectivas normas de conflitos<br />

reenviem para a lei do Estado da sua residência<br />

habitual.<br />

Com o cada vez maior afluxo de<br />

estrangeiros ao nosso país e o alargamento da<br />

diversidade de nacionalidades a que pertencem,<br />

essa possibilidade pode ser real.<br />

Porém, não seria juridicamente aceitável que<br />

a prova da residência habitual fosse mais ou<br />

menos exigente, consoante a extensão <strong>dos</strong> efeitos<br />

dessa residência.<br />

Disso resultaria, objectivamente, uma<br />

discriminação entre cidadãos estrangeiros em<br />

função da nacionalidade, a qual contraria o<br />

princípio da igualdade consagrado na Constituição<br />

da República (art.ºs 13.º e 26.º, n.º 1,”in fine”).<br />

Há, assim, que fixar critérios uniformes e<br />

seguros de prova, os quais só podem ser os<br />

seguintes:<br />

- Em primeiro lugar e para os que a<br />

possuam, a autorização de residência emitida<br />

pelos S.E.F., seja ela a temporária ou a<br />

permanente (artigos 82º a 85º e 91 do Decreto-Lei<br />

nº 244/98).<br />

A concessão de tal autorização depende da<br />

residência e da presença em território português e<br />

a mesma substitui o Bilhete de Identidade de<br />

estrangeiros anteriormente existente. Quem possui<br />

tais autorizações que são pagas, sujeitas a<br />

renovação e só interessam a quem reside em<br />

Portugal, deve beneficiar da presunção lógica de<br />

que reside habitualmente no nosso país.<br />

Entendemos que assim é.<br />

- Em segundo lugar o “cartão de<br />

residência” de que são detentores os cidadãos<br />

comunitários, com a mesma justificação.<br />

Para estes cidadãos, além da referida,<br />

admitir-se-à também a prova de residência por<br />

Cartão de Eleitor, ou por atestado passado pela<br />

Junta de Freguesia da sua residência, entidade a<br />

quem, de acordo com a Lei das Autarquias


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 29<br />

compete atestar a vida, residência e situação<br />

económica 3 e tendo presente a equiparação<br />

constitucional entre nacionais e estrangeiros<br />

(artigo 15º da C. R.).<br />

E este regime especial justifica-se porque<br />

estes cidadãos têm direito à residência em<br />

qualquer Estado da União, não necessitam de visto<br />

de entrada ou permanência de qualquer tipo e nem<br />

sequer precisam de usar passaporte.<br />

Como já ficou dito, aquele direito resulta<br />

<strong>dos</strong> Trata<strong>dos</strong> existentes no seio da U.E. que são<br />

aplicáveis na ordem interna com respeito pelos<br />

princípios fundamentais do Estado de direito<br />

democrático (cfr.art.º 2.º n.º 4 do art.º 8.º, este<br />

último introduzido pela 6.ª Revisão Constitucional<br />

(Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho).<br />

- Em terceiro lugar, o antigo bilhete de<br />

identidade de cidadão estrangeiro, se ainda<br />

válido, porque foi emitido reunindo o interessado<br />

diversas condições, entre as quais residir<br />

legalmente em Portugal.<br />

- Em quarto lugar, exclusivamente para os<br />

cidadãos brasileiros que ainda o possuem e se<br />

estiver válido, o bilhete de identidade especial<br />

previsto na Convenção de Brasília de 7 de<br />

Setembro de 1971 e no Decreto-Lei nº 126/72,<br />

22/4, ou o novo bilhete de identidade ao abrigo do<br />

estipulado no Tratado de Amizade, Cooperação e<br />

Consulta entre Portugal e o Brasil, assinado em<br />

Porto Seguro em 22 de Abril de 2000 e no<br />

Decreto-Lei nº 154/2003, de 15/07 (art.ºs 7.º , n.º 2<br />

e 40.º). Tais bilhetes de identidade só são<br />

concedi<strong>dos</strong> a quem reside em Portugal.<br />

- Em quinto lugar o passaporte (obviamente<br />

não se aplica a cidadãos comunitários) com um<br />

visto de residência (via para o acesso a uma<br />

autorização de residência), um visto de estudo<br />

(quem estuda em Portugal tem a sua vida centrada<br />

no país enquanto o curso decorrer) ou um visto de<br />

trabalho, por razão paralela (artigos 34º, 35º e 36º<br />

do Decreto-Lei nº 244/98).<br />

3 Compete à Junta de Freguesia passar atesta<strong>dos</strong> nos termos<br />

da lei, podendo delegar essa competência no Presidente.<br />

Cabe ao presidente assinar os atesta<strong>dos</strong> (artigo 34º, nº 6<br />

alínea p), 35º nº 1 e 38º nº 1 alínea m)da lei nº 1366/99 de<br />

18/9 - Lei das Autarquias Locais - de acordo com o texto<br />

republicado na sequência das alterações da Lei nº 5-A/2002,<br />

de 11 de Janeiro).<br />

Falta apreciar a questão da identificação <strong>dos</strong><br />

cidadãos estrangeiros no processo preliminar de<br />

publicações, problema que surge facilitado dada a<br />

actual redacção da alínea d) do nº 1 do artigo 137º<br />

do Código do Registo Civil, introduzida pelo<br />

Decreto-Lei nº 228/2001, de 20 de Agosto, que<br />

estipula “ bilhetes de identidade <strong>dos</strong> nubentes, ou,<br />

sendo estes estrangeiros titulo ou autorização de<br />

residência, passaporte ou documento equivalente”.<br />

Esta norma reflectiu a abolição <strong>dos</strong> bilhetes<br />

de identidade para cidadãos estrangeiros que<br />

resultou do artigo 90º do Decreto de Lei nº 244/98,<br />

de 8 de Agosto e da Lei nº 33/99, de 18 de Maio<br />

que, no seu artigo 53º alínea b) revogou<br />

expressamente as normas do Decreto de Lei 64/76,<br />

de 24 de Janeiro, que regulavam a emissão <strong>dos</strong> BIs<br />

de cidadão estrangeiro.<br />

Porém, ressalva os BIs emiti<strong>dos</strong> ao abrigo do<br />

Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre<br />

Portugal e o Brasil, assinado em Porto Seguro, em<br />

22 de Abril de 2000.<br />

Este Tratado veio a ser regulamentado pelo<br />

Decreto de Lei nº 164/2003, de 15 de Julho, acima<br />

referido, que prevê a emissão especial de BIs para<br />

cidadão beneficiários do Estatuto de Igualdade.<br />

Portanto, para os cidadãos brasileiros estes<br />

BIs podem ser apresenta<strong>dos</strong>, até porque a sua<br />

emissão implica a residência em Portugal.<br />

Pelas mesmas razões devem ser aceites os<br />

BIs <strong>dos</strong> mesmos cidadãos ainda emiti<strong>dos</strong> nos<br />

termos da Convenção de Brasília de 7 de<br />

Setembro de 1971 e do Decreto-Lei 126/72, de 22<br />

de Abril, que a regulamentou, desde que estejam<br />

dentro do prazo de validade.<br />

E fazendo um interpretação correctiva do<br />

mencionado preceito do C.R.C. admitir-se-iam<br />

igualmente os BIs de cidadão estrangeiros<br />

emiti<strong>dos</strong> ao abrigo do Decreto-Lei nº 64/76, já<br />

referido e que estejam também dentro da validade.<br />

Quanto ao passaporte é sempre aceite desde<br />

que válido, e documento equivalente será outro<br />

qualquer documento de viagem ou documento de<br />

identificação do país de origem do nubente desde<br />

que seja aceite como documento de entrada em<br />

Portugal, como é o caso, em especial, <strong>dos</strong><br />

cidadãos da U.E. (confronte artigo 12º do<br />

Decreto-Lei nº 244/98).


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 30<br />

Finalmente, vai abordar-se a questão de<br />

saber se as Conservatórias do Registo Civil devem<br />

ou não controlar a legalidade da entrada,<br />

permanência ou residência <strong>dos</strong> cidadãos<br />

estrangeiros em Portugal, aquando da prática de<br />

actos.<br />

A resposta não pode deixar de ser negativa,<br />

por falta de base legal em sentido contrário.<br />

É que, nem o Decreto-Lei nº 244/98 na<br />

redacção inicial, nem depois das modificações<br />

introduzidas pelos diplomas que o alteraram, se<br />

estabelece tal controle.<br />

Essa competência é exclusiva do S.E.F.-<br />

artigo 2º do Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10.<br />

Por outro lado, os estrangeiros têm o direito de<br />

contrair casamento em Portugal em condições de<br />

plena igualdade com os portugueses (artigo 36º da<br />

C.R.).<br />

Face ao exposto podem extrair-se as<br />

seguintes<br />

Conclusões<br />

verificação da capacidade matrimonial previsto<br />

na lei portuguesa.<br />

V - Não se justifica exigir aos mesmos cidadãos<br />

que apresentem documento <strong>dos</strong> Consula<strong>dos</strong> do<br />

Brasil a confirmar que essa entidade deixou de<br />

emitir certifica<strong>dos</strong> de capacidade matrimonial<br />

aos seus nacionais.<br />

VI - De acordo com a actual redacção da alínea<br />

d) do nº 1 do artigo 137º do C.R.C., a<br />

identidade <strong>dos</strong> estrangeiros é comprovada por<br />

título de autorização de residência, passaporte<br />

ou documento equivalente (entenda-se de<br />

viagem) ou de documento de identificação<br />

próprio do respectivo país se os nacionais deste<br />

não necessitarem de documento de viagem para<br />

entrarem em Portugal.<br />

Podem aceitar-se também os BIs. estrangeiros<br />

ainda váli<strong>dos</strong>, e os BIs. emiti<strong>dos</strong> aos cidadãos<br />

brasileiros nos termos do Tratado de Amizade,<br />

Cooperação e Consulta e entre Portugal e<br />

Brasil, assinado em Porto Seguro, em 22 de<br />

Abril de 2000, ou da Convenção que o<br />

precedeu.<br />

I - A residência habitual é uma situação de<br />

facto que não se confunde com o direito de<br />

residência.<br />

<strong>II</strong> - A prova da residência habitual pode ser<br />

feita pelos diversos meios enuncia<strong>dos</strong> no<br />

presente parecer.<br />

<strong>II</strong>I - Para os cidadãos brasileiros que provem<br />

ter residência habitual em Portugal, a sua<br />

capacidade matrimonial é aferida pela nossa lei,<br />

que aceita o reenvio da lei brasileira.<br />

IV - Para os cidadãos brasileiros não residentes<br />

habitualmente em Portugal ou que não<br />

consigam provar essa residência, a capacidade<br />

matrimonial é aferida pela lei brasileira pelo<br />

que é necessário organizar o processo de<br />

V<strong>II</strong> - Não havendo disposição legal nesse<br />

sentido, não compete às Conservatórias do<br />

Registo Civil controlar a legalidade da entrada,<br />

permanência, ou residência <strong>dos</strong> estrangeiros em<br />

Portugal.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 03.03.2005.<br />

Álvaro Manuel Paiva Pereira Sampaio,<br />

relator, Filomena Maria Baptista Máximo Mocica,<br />

Odete de Almeida Pereira da Fonseca Jacinto,<br />

Maria Filomena Fialho Rocha Pereira, Maria de<br />

Lurdes Barata Pires de Mendes Serrano, Vitorino<br />

Martins de Oliveira.


Nº 2/2005 – Fevereiro 2005 31<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 04.03.2005.

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