Conflitos sociais e meio ambiente urbano - Instituto de Psicologia da ...
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CONFLITOS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE URBANO<br />
SOCIAL CONFLICTS AND THE URBAN ENVIRONMENT<br />
Andréa Zhouri 1<br />
Resumo<br />
O trabalho coloca em discussão as principais noções que, consagra<strong>da</strong>s na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90,<br />
sustentam uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> concepção hegemônica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável,<br />
fun<strong>da</strong>mentando, assim, as políticas públicas e as ações dos diversos sujeitos <strong>sociais</strong>. Tais<br />
noções, essenciais para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> um consenso em torno do que seja<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, preservação ambiental, gestão <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, entre outras,<br />
reivindicam um estatuto universalizante, elidindo, <strong>de</strong>sta forma, as relações <strong>sociais</strong> conflitivas<br />
em torno <strong>da</strong> apropriação dos territórios, do acesso <strong>de</strong>sigual aos recursos naturais e a má<br />
distribuição dos riscos do <strong>de</strong>senvolvimento. Ressalta-se, pois, a natureza conflitiva <strong>da</strong> questão<br />
ambiental, a partir do entendimento <strong>de</strong> que socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong> são inseparáveis, visto<br />
ser o mundo material recortado por sujeitos que constroem projetos distintos <strong>de</strong> uso e<br />
significação do espaço. Neste sentido, o espaço <strong>urbano</strong> apresenta-se como referência singular<br />
para a compreensão dos conflitos <strong>sociais</strong> relacionados ao <strong>ambiente</strong>.<br />
Palavras-Chave: Conflito ambiental, justiça ambiental, po<strong>de</strong>r.<br />
Abstract<br />
The paper makes a critique of the main notions and categories that were institutionalized since<br />
the 90s, and which sustain a certain hegemonic conception of sustainable <strong>de</strong>velopment. They<br />
are the ones un<strong>de</strong>rlying public policies as well as environmental actions of a diverse range of<br />
social subjects. Such notions were crucial for the consoli<strong>da</strong>tion of the i<strong>de</strong>a of a consensus<br />
around sustainable <strong>de</strong>velopment, environmental preservation, city management and planning,<br />
etc. They claim a universalizing status, and as such, they eli<strong>de</strong> the conflicting social relations<br />
concerning the appropriation of territories, the unequal access to natural resources as well as<br />
uneven distribution of risks related to <strong>de</strong>velopment. Thus, it is highlighted the conflicting<br />
nature of the environmental issue from an un<strong>de</strong>rstanding that society and environment are<br />
inseparable, for the material world is cut across by subjects that build distinct projects of<br />
space with related diverse meanings and uses. In this sense, the urban space appears as a<br />
particularly relevant instance for the un<strong>de</strong>rstanding of social conflicts related to the<br />
environment.<br />
Key-words: environmental conflicts, environmental justice, power.<br />
1 Departamento <strong>de</strong> Sociologia e Antropologia - FAFICH-UFMG<br />
En<strong>de</strong>reço para correspondência: Rua Gumercindo Couto e Silva, 284, apto. 201 Itapoã – Belo Horizonte – MG<br />
Cep. 31.710-050 E-mail azhouri@gmx.net ou azhouri@fafich.ufmg.br<br />
1
<strong>Conflitos</strong> <strong>sociais</strong> e <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong> <strong>urbano</strong> (1)<br />
Esta exposição preten<strong>de</strong> enfocar o caráter conflituoso do que se convencionou chamar<br />
<strong>de</strong> “a questão ambiental”, com base no entendimento <strong>de</strong> que a referi<strong>da</strong> questão não é una,<br />
objetiva e universal, como preten<strong>de</strong> uma certa sociologia ambiental realiza<strong>da</strong> no Brasil<br />
(ZHOURI et all, 2005). Ao contrário, o mundo material é entrecortado por sujeitos <strong>sociais</strong> que<br />
elaboram projetos distintos <strong>de</strong> uso e significação do espaço, seja ele rural ou <strong>urbano</strong>. Meio<br />
<strong>ambiente</strong> e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> são, portanto, indissociáveis.<br />
Neste sentido, consi<strong>de</strong>ro que as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre os sujeitos <strong>sociais</strong> que<br />
conjugam <strong>de</strong>terminados significados <strong>de</strong> <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong>, espaço e território, consoli<strong>da</strong>m certos<br />
sentidos, noções e categorias que passam a vigorar como as mais legítimas e passíveis <strong>de</strong><br />
sustentar as ações <strong>sociais</strong> e políticas. Em conseqüência, produzem um efeito silenciador e,<br />
portanto, excluem outras visões e perspectivas concorrenciais. A perspectiva conceptual que<br />
orienta esta reflexão remete a uma certa tradição presente na sociologia dos conflitos, e<br />
sobretudo os trabalhos <strong>de</strong> Pierre Bourdieu e as noções <strong>de</strong> campo e habitus (BOUDIEU, 1977;<br />
2002). Em síntese, o campo é entendido como o locus do conflito entre sujeitos <strong>sociais</strong> que<br />
disputam a legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> certas concepções e ações a partir do domínio <strong>de</strong> um capital<br />
específico; e o habitus se refere a um conjunto <strong>de</strong> disposições estrutura<strong>da</strong>s e estruturantes do<br />
campo. Remete, assim, à trajetória <strong>de</strong> socialização dos sujeitos e o conjunto <strong>de</strong> valores,<br />
crenças, ética, entre outras, que orientam as escolhas e, portanto, as suas ações.<br />
Eu vou me referir especificamente ao campo ambiental (ZHOURI, 2001;<br />
CARNEIRO, 2005), salientando, no entanto, conforme Bourdieu, que um campo específico<br />
guar<strong>da</strong> relações homólogas com os <strong>de</strong>mais campos, os quais são plasmados ao movimento<br />
mais englobante <strong>da</strong> história. Portanto, não existe um campo isolado, mas campos que<br />
apresentam dinâmica própria e que se relacionam com as dinâmicas <strong>sociais</strong> mais amplas (p.<br />
ex. o campo <strong>da</strong> educação, o campo científico, o campo político, etc).<br />
No que se refere ao campo ambiental, há que se <strong>de</strong>stacar a consoli<strong>da</strong>ção e a<br />
institucionalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s categorias, noções e significados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90.<br />
Déca<strong>da</strong> que remete à realização <strong>da</strong> conferência CNUMAD (Rio-92), mas também ao<br />
Consenso <strong>de</strong> Washington, as ro<strong>da</strong><strong>da</strong>s do GATT, a criação <strong>da</strong> OMC, enfim, no âmbito <strong>da</strong><br />
globalização econômica. Se até o início dos anos 80 prevalecia a imagem do sujeito ecológico<br />
2
como um agente político transgressor, crítico do modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> industrial, <strong>da</strong> atomização, do<br />
consumismo, etc, os anos 90 consagraram a imagem do ambientalista como especialista<br />
técnico, conhecedor e gestor dos “recursos naturais”. Em substituição ao movimento <strong>da</strong><br />
ecologia política, consagra-se a visão tecnicista do <strong>ambiente</strong> como reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva, passível<br />
<strong>de</strong> intervenção técnica e, portanto, <strong>de</strong> correções. Não se almeja como antes a transformação <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>; isso sai do horizonte e, portanto, do vocabulário dos atores <strong>sociais</strong> do campo<br />
ambiental (bem como <strong>de</strong> <strong>de</strong>mais campos). Institucionaliza-se a crença <strong>de</strong> que o conhecimento<br />
racional dos problemas ambientais proporciona soluções técnicas. Este é o que venho<br />
chamando <strong>de</strong> paradigma <strong>da</strong> a<strong>de</strong>quação ambiental (ZHOURI et all, 2005; ZHOURI e<br />
OLIVEIRA, 2005), que orienta as ações dos chamados ambientalistas, dos empresários, assim<br />
como as políticas públicas.<br />
Neste mesmo viés, a partir <strong>de</strong>ste paradigma, os conflitos em torno <strong>da</strong> <strong>de</strong>mocratização<br />
dos direitos – acesso aos recursos naturais, ao território, ao espaço, aos serviços <strong>urbano</strong>s,<br />
enfim – são tratados como divergências entre interesses distintos. Portanto, é possível falar <strong>de</strong><br />
um <strong>de</strong>slocamento do <strong>de</strong>bate <strong>da</strong> esfera <strong>da</strong> política (a luta por direitos), para a esfera <strong>da</strong><br />
economia, em que há somente interesses, estes passíveis <strong>de</strong> negociação.<br />
Desta forma, os anos 80 foram marcados pela emergência <strong>de</strong> inúmeros movimentos<br />
<strong>sociais</strong> reivindicatórios <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> direitos – moradia, transporte, educação, saneamento,<br />
<strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong>, etc. Tinham como contraparti<strong>da</strong> o Estado (ZHOURI, 1996). Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90,<br />
no entanto, registra-se um retraimento do Estado, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> opção por uma mo<strong>de</strong>rnização<br />
conservadora e uma transferência <strong>de</strong> atribuições à chama<strong>da</strong> “socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil” através <strong>da</strong><br />
emergência <strong>da</strong> figura do Terceiro Setor (DAGNINO, 2004).<br />
É assim que neste cenário se consagra uma certa concepção <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável”, em que a idéia <strong>de</strong> consenso ganha proeminência sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> conflituosa<br />
<strong>da</strong>s relações <strong>sociais</strong>. Acredita-se na resolução dos problemas ambientais e <strong>sociais</strong> com<br />
medi<strong>da</strong>s técnicas e gerenciais, sem se questionar as instituições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> vigente<br />
(ACSELRAD, 2004). Alguns termos se consoli<strong>da</strong>m neste campo: parceria, participação,<br />
negociação, comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e a própria noção <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil. Termos que antes faziam parte<br />
do léxico exclusivo <strong>da</strong>s lutas pela <strong>de</strong>mocratização, mas que são assimilados pelo projeto<br />
neoliberal que transfere para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> as responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Estado. Direitos são tratados<br />
em termos mercadológicos. Os sujeitos <strong>sociais</strong> chamados à participação são aqueles que têm<br />
3
uma qualificação legitima<strong>da</strong> pelo campo: conhecimento técnico e capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> organizativa e<br />
<strong>de</strong> ação. São excluídos <strong>da</strong> participação todos aqueles que não são “organizados” nos termos<br />
legitimados, e que não po<strong>de</strong>m disputar o mercado <strong>de</strong> projetos com ONGs e fun<strong>da</strong>ções<br />
altamente equipa<strong>da</strong>s e institucionaliza<strong>da</strong>s. Por essa via, fica estabelecido um novo tipo <strong>de</strong><br />
exclusão política e social.<br />
A cientista política Evelina Dagnino (2004) fala <strong>de</strong> uma confluência perversa entre<br />
projetos absolutamente distintos – o projeto <strong>de</strong>mocratizador <strong>de</strong> um lado, cujo marco histórico<br />
e simbólico foi a Constituição <strong>de</strong> 1988, e o projeto neoliberal, <strong>de</strong> outro, que tem no Consenso<br />
<strong>de</strong> Washington um ponto <strong>de</strong> referência. Ambos empregariam as mesmas categorias acima <strong>de</strong><br />
forma indiferencia<strong>da</strong>. De fato, qualquer projeto do Banco Mundial requer ampla participação,<br />
parceria e envolvimento <strong>da</strong> “comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> local”. Isso dificultaria a compreensão sobre as<br />
finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s distintas <strong>de</strong>sses programas, ou seja, os diferentes projetos <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />
sustentam.<br />
Além disso, trata-se <strong>de</strong> um campo que, ao consoli<strong>da</strong>r uma visão <strong>de</strong> <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong><br />
como algo objetivo e externo às relações <strong>sociais</strong>, passível <strong>de</strong> trato técnico, portanto, universal,<br />
eli<strong>de</strong> as dimensões <strong>sociais</strong> dos conflitos ambientais no campo e na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Refiro-me à<br />
<strong>de</strong>sigual distribuição <strong>de</strong> acesso ao espaço - que dá origem a uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira segregação<br />
socioespacial - e a <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> social manifesta também nas condições <strong>de</strong>sproporcionais <strong>de</strong><br />
exposição aos riscos <strong>urbano</strong>s (ACSELRAD, 2004, BRYANT e BAILEY, 1997).<br />
Autores que trabalham a partir <strong>da</strong> perspectiva do conflito ambiental, sobretudo tendo<br />
como referência a idéia <strong>de</strong> justiça ambiental (MARTINEZ-ALIER, 2003; BULLARD, 2004;<br />
GOULD, 2004, entre outros) apontam como os <strong>da</strong>nos e riscos causados pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
atingem, <strong>de</strong>sproporcionalmente, as cama<strong>da</strong>s mais pobres e vulneráveis <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> – negros<br />
e hispânicos nos EUA, índios, favelados, agricultores familiares, quilombolas, trabalhadores<br />
<strong>de</strong> forma geral no Brasil e em outros países. Ao mesmo tempo em que a esses mesmos<br />
segmentos <strong>sociais</strong> é ca<strong>da</strong> vez mais vetado o acesso aos recursos, aos bens e serviços<br />
ambientais e <strong>urbano</strong>s.<br />
Portanto, contra a idéia generaliza<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma consciência ambiental universal<br />
alcança<strong>da</strong> nas últimas déca<strong>da</strong>s – com a realização <strong>da</strong>s conferências internacionais, a criação<br />
<strong>da</strong>s secretarias e ministérios <strong>de</strong> <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong>, os <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong> <strong>da</strong>s<br />
empresas e instituições multilaterias, etc -, do surgimento <strong>de</strong> um sujeito ambientalista uno e<br />
4
homogêneo, agente do “movimento ambientalista”, a abor<strong>da</strong>gem dos conflitos aponta para a<br />
hierarquização dos significados que elege a biodiversi<strong>da</strong><strong>de</strong> como problema ambiental<br />
prioritário (ou o efeito estufa, a cama<strong>da</strong> <strong>de</strong> ozônio, etc) e não o saneamento básico <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
do chamado terceiro mundo, por exemplo. Questiona quem tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir as<br />
priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e, por conseguinte, a pauta <strong>da</strong>s políticas ambientais. Denuncia a natureza dos<br />
processos <strong>sociais</strong> que atribuem aos pobres a <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção ambiental, elegendo-os como<br />
“público alvo” <strong>da</strong> educação ambiental. Como se “o problema ambiental” fosse algo<br />
solucionável por uma pe<strong>da</strong>gogia ilumina<strong>da</strong>, neutra e imparcial, enfim, científica.<br />
Tendo como referencial o acesso aos recursos e ao território (este último enquanto<br />
locus privilegiado <strong>da</strong> memória e <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>) e o direcionamento dos riscos <strong>urbano</strong>s, por<br />
exemplo, as investigações empíricas não <strong>de</strong>ixam dúvi<strong>da</strong>s sobre quem são as vítimas do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento ou <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rnização conservadora. A poluição inci<strong>de</strong> muito mais sobre as<br />
cama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> baixa ren<strong>da</strong>, que não têm tratamento sanitário apropriado em sua maioria, não têm<br />
acesso aos bens e serviços <strong>urbano</strong>s e em geral ocupam áreas <strong>de</strong> risco, áreas contamina<strong>da</strong>s, etc.<br />
São os pobres que moram em áreas industriais e recebem a poluição direta, a contaminação<br />
por metais pesados e outros. São os pobres os que mais sofrem com as enchentes, pois<br />
habitam áreas <strong>de</strong> risco pela segregação socioespacial urbana.<br />
Enfim, os exemplos empíricos em uma metrópole como Belo Horizonte são<br />
abun<strong>da</strong>ntes. Para mencionar apenas alguns: uma mineradora, a MBR, ameaça os mananciais<br />
que abastecem <strong>de</strong> água a população <strong>da</strong> região sul metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte.<br />
Movimentos e ações públicas para revitalização <strong>da</strong> Pampulha agregam moradores <strong>de</strong> alta<br />
ren<strong>da</strong> e empresários, excluindo segmentos que utilizam o mesmo espaço (como o exemplo do<br />
ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> coco, que há quatorze anos tinha um quiosque na Lagoa e após freqüentes<br />
ameaças <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento por parte do setor público e dos vizinhos, inclusive um clube <strong>de</strong><br />
classe média e alta, foi por fim expulso do lugar). Há uma política <strong>de</strong> reafirmação <strong>da</strong> Lagoa <strong>da</strong><br />
Pampulha como “cartão postal” <strong>de</strong> Belo Horizonte, espaço elitizado, acético a partir <strong>de</strong> uma<br />
visão estética <strong>da</strong> elite. Bairros inteiros <strong>da</strong> periferia sofrem com esgoto a céu aberto, com a<br />
falta <strong>de</strong> água, luz e calçamento, entre outros equipamentos. A construção <strong>da</strong> Linha Ver<strong>de</strong>, via<br />
<strong>de</strong> acesso aos aeroportos, <strong>de</strong>sloca pobres e favelados, empurrando-os para outras áreas<br />
marginais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>...<br />
5
Todos esses exemplos <strong>de</strong>vem ser remetidos, contudo, as interações dos espaços rural e<br />
<strong>urbano</strong>, pois o estilo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>urbano</strong> é, em gran<strong>de</strong> medi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos processos nos<br />
espaços consi<strong>de</strong>rados rurais (LASCHEFSKI, 2006). Um exemplo é o alto consumo <strong>de</strong><br />
combustível, papel e energia, <strong>de</strong>ntre outros na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, que <strong>de</strong>man<strong>da</strong> matéria prima <strong>de</strong><br />
ecossistemas naturais e o aumento <strong>da</strong> transformação <strong>de</strong> territórios rurais, antes diversificados,<br />
em monoculturas pela produção industrial. A histórica concentração <strong>de</strong> terras e a opção por<br />
uma agricultura químico-mecaniza<strong>da</strong>, com ênfase na exportação <strong>de</strong> produtos com elevado<br />
valor energético, têm provocado gran<strong>de</strong>s movimentos migratórios na história do país. É o caso<br />
<strong>de</strong> projetos envolvendo mineração, hidrelétricas, monoculturas <strong>de</strong> eucalipto, <strong>de</strong> soja, entre<br />
outros concentradores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s extensões territoriais Eles representam a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />
ecossistemas como o do cerrado e <strong>da</strong> floresta Amazônia e o <strong>de</strong>slocamento compulsório <strong>da</strong>s<br />
populações rurais que são empurra<strong>da</strong>s para áreas marginais, seja aquelas menos férteis para a<br />
prática <strong>da</strong> agricultura <strong>de</strong> base familiar ou as periferias urbanas.<br />
Entretanto, são esses sujeitos <strong>sociais</strong>, vítimas <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rnização conservadora e <strong>da</strong><br />
segregação socioespacial que, ao lutarem pelos direitos aos recursos naturais e os serviços<br />
<strong>urbano</strong>s, recolocam em pauta a natureza social e política <strong>da</strong>s questões ambientais. É o<br />
ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> coco, também artista que utiliza como matéria prima o jornal velho, que aponta<br />
com tristeza a mortan<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> peixe na Lagoa <strong>da</strong> Pampulha. São os ameaçados pela<br />
contaminação química nas indústrias que clamam pelos direitos; os ameaçados pelas<br />
barragens e pelas monoculturas <strong>de</strong> soja e eucalipto no campo que resistem ao <strong>de</strong>slocamento<br />
compulsório. Estes são alguns atores do chamado “ambientalismo dos pobres” (GUHA e<br />
MARTINEZ-ALIER, 1996, MARTINEZ-ALIER, 1999, 2001, 2003), que acionam outras<br />
matrizes <strong>de</strong> sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, exigindo-nos pensar esta última a partir <strong>da</strong> equi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong><br />
heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural e <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> projetos que os diferentes sujeitos <strong>sociais</strong><br />
constroem. As lutas pelo fim <strong>da</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção ambiental no Brasil, pela melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vi<strong>da</strong> no espaço <strong>urbano</strong>, teriam enormes ganhos se ampliassem seus horizontes e assumissem a<br />
relação intrínseca entre a justiça social e o <strong>meio</strong> <strong>ambiente</strong>. É essa reflexão que <strong>de</strong>ixo como<br />
possível contribuição para os <strong>de</strong>safios <strong>da</strong> psicologia social como disciplina acadêmica.<br />
6
NOTAS<br />
(1) - Palestra proferi<strong>da</strong> na mesa redon<strong>da</strong> “Sujeitos Sociais e Espaço Urbano: Questões e<br />
Contribuições para a <strong>Psicologia</strong> Social”, durante o XIII Encontro Nacional <strong>da</strong> ABRAPSO,<br />
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