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Revista edicao #1. - IGC - Universidade Federal de Minas Gerais

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propor essas duas solidarieda<strong>de</strong>s, Durkheim está obviamente fazendo uma divisão analítica,<br />

sendo que as duas realida<strong>de</strong>s não passam <strong>de</strong> uma só.<br />

O atual período — <strong>de</strong> unicida<strong>de</strong> técnica planetária (SANTOS, 1999, p. 154), mundialização<br />

das relações e especialização dos lugares — <strong>de</strong>ixa evi<strong>de</strong>nte a existência <strong>de</strong> uma<br />

divisão do trabalho não apenas social, mas também territorial, o que justifica falarmos<br />

também em solidarieda<strong>de</strong>s não só sociais, mas, sobretudo, geográficas.<br />

Milton Santos (1998) propõe duas formas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> geográfica: uma orgânica<br />

e outra organizacional. A solidarieda<strong>de</strong> orgânica relaciona-se com uma or<strong>de</strong>m local e<br />

baseia-se nas contigüida<strong>de</strong>s espaciais, ou seja, nas horizontalida<strong>de</strong>s. Seu surgimento é<br />

espontâneo, o que a contrapõe à organizacional, a qual tem um caráter muito mais <strong>de</strong>liberado.<br />

A solidarieda<strong>de</strong> organizacional está por sua vez atrelada à razão global, às<br />

verticalida<strong>de</strong>s, tendo como sustentação um sistema <strong>de</strong> objetos esparsos dispostos em<br />

re<strong>de</strong> e apresentando como principal característica a informação.<br />

Castillo et al. (1997) ainda sugerem uma terceira forma <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> geográfica, a<br />

institucional, a qual é dada pelas normas e ações políticas nas escalas do Município, do<br />

Estado fe<strong>de</strong>rado e do Estado-nação. Tal solidarieda<strong>de</strong> explicita a existência da guerra<br />

fiscal ou, ainda, da guerra dos lugares (SANTOS, 2002, p. 87), as quais têm implicações<br />

nas condições <strong>de</strong> vida da população, po<strong>de</strong>ndo ser fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, portanto, geradora<br />

<strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> violência.<br />

Po<strong>de</strong>mos agora articular os conceitos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> geográfica com o par po<strong>de</strong>r/<br />

violência proposto por Arendt (1994). Como vimos, o po<strong>de</strong>r nasce do grupo, enquanto<br />

a violência é um atributo individual, baseando-se em instrumentos. Po<strong>de</strong>r, então, é sinônimo<br />

<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação. O conceito <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> também trabalha com<br />

essa mesma noção <strong>de</strong> articulação. Portanto, por um silogismo simples, solidarieda<strong>de</strong>s<br />

geográficas são sinônimas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Com esse raciocínio fica mais claro enten<strong>de</strong>rmos, por exemplo, qual é a fonte <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r do narcotráfico, um dos gran<strong>de</strong>s responsáveis pela violência no Brasil. Ele não é<br />

po<strong>de</strong>roso por ser violento, mas, ao contrário, por ser capaz <strong>de</strong> se articular, ou seja, <strong>de</strong><br />

criar solidarieda<strong>de</strong>s tanto orgânicas — por exemplo, junto a alguns policiais da região,<br />

aos moradores <strong>de</strong> uma favela — quanto organizacionais — junto a gran<strong>de</strong>s empresários,<br />

políticos, autorida<strong>de</strong>s policiais, banqueiros, todos interligados em re<strong>de</strong>s pelo mundo.<br />

Nessta mesma linha po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r o po<strong>de</strong>r das organizações criminosas <strong>de</strong>ntro<br />

dos presídios. A cada dia ficamos mais impressionados com as matérias veiculadas nos<br />

jornais, mostrando a atuação <strong>de</strong> presos que continuam praticando ações criminosas mesmo<br />

estando encarcerados. Mas em que se baseia o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sses homens? Na violência?<br />

Nas poucas armas que têm? Acreditamos que não. A principal arma dos presidiários é o<br />

seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> articulação. Muitas vezes, eles se articulam com os próprios agentes<br />

carcerários ou com seus advogados particulares, os quais ficam responsáveis em levar e<br />

trazer informações, armas, dinheiro. É esse mesmo raciocínio que nos leva a crer que os<br />

bloqueadores <strong>de</strong> celulares em presídios sejam uma gran<strong>de</strong> ilusão, visto que bastam alguns<br />

acordos para que os celulares passem a funcionar livremente nesses locais. O celular,<br />

sim, é a gran<strong>de</strong> arma dos presidiários. Esse é um dos argumentos que nos permitem<br />

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Geografias Belo Horizonte 01(1) 98-110 julho-<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005<br />

ARTIGOS CIENTÍFICOS<br />

Por uma ciência do atrito: ensaio dialético sobre a violência urbana

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