Nov/Dez - Câmara Municipal de Setúbal
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Submerso<br />
Guia | <strong>Nov</strong>embro • <strong>Dez</strong>embro 2012 ANáLISE VEr<br />
32<br />
Pego numa fotografia <strong>de</strong> escasso assunto:<br />
um espelho <strong>de</strong> água circundado pelo<br />
reflexo do quotidiano visível num dia<br />
claro, arrumado na orla. O único corpo<br />
integralmente discernível, inferior à zona<br />
central vazia da imagem, é uma bóia flutuante,<br />
mas que por sua vez apenas sinaliza<br />
a presença velada <strong>de</strong> outro corpo,<br />
quase oculto na margem do quadro.<br />
Que mais?<br />
A fotografia enquadra a recusa <strong>de</strong> uma<br />
representação. Denega a lacuna entre a<br />
imagem que fazemos e o seu corpo original.<br />
Ao centrar nesse quadro o espelho<br />
quase vazio, o olhar oscila entre a exclusão<br />
do visível e o seu <strong>de</strong>vido lugar no campo <strong>de</strong><br />
atenção. Nesse paradoxo, o ‘quase visível’ é<br />
assunto real e o objecto reminiscência.<br />
Na semana passada duas frases saltaram<br />
<strong>de</strong> um suspiro: “Sou um simulacro.<br />
A minha imagem <strong>de</strong>scolou-se <strong>de</strong> mim.”<br />
E se o visível na arte e na vida for apenas<br />
uma sinalização no espelho, sem<br />
correspondência directa no ser submer-<br />
so? Se for uma brutal substituição, alienação<br />
até, <strong>de</strong> um outro corpo?<br />
O visível da arte contém em si o eco<br />
que ressoa em nós?<br />
A fonte do eco situa-se precisamente<br />
no <strong>de</strong>sajuste, entre o corpo e o seu reflexo,<br />
causando o atrito, a fricção e a vibração,<br />
dos quais retiramos um sentido possível,<br />
improvável e pessoal. A arte – como<br />
também a verda<strong>de</strong> – não está na representação,<br />
mas no espaço criado para a comunicação<br />
que <strong>de</strong>seja reunificar a lacuna.<br />
O verda<strong>de</strong>iro e fatal perigo espera nos<br />
extremos: a ausência da falha emu<strong>de</strong>ce o<br />
eco, a distância abissal ensur<strong>de</strong>ce o canto.<br />
A fotografia reflecte mais uma narrativa:<br />
com o baixar da maré, o invisível emerge,<br />
o silêncio fala, a cor diferencia-se e o<br />
corpo age.<br />
Andreas Stöcklein<br />
Artista plástico<br />
texto escrito com as regras anteriores<br />
ao novo acordo ortográfico