VAI UMA FRANCESINHA? - Mundo Universitário
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«Com as medidas levadas a cabo pelo Governo que<br />
visa retirar a justiça dos Tribunais vai ser preciso<br />
combater a desjusdicialização: Não se pode escorraçar<br />
os cidadãos dos Tribunais.»<br />
Margarida Rolo de Matos |<br />
mmatos@mundouniversitario.pt<br />
Qual é o actual panorama da Justiça em Portugal?<br />
É mau, é muito mau, é péssimo. Nunca esteve num estado<br />
tão deplorável. E com as medidas levadas a cabo<br />
pelo Governo que visa retirar a justiça dos Tribunais<br />
vai ser preciso combater a desjusdicialização: Não se<br />
pode escorraçar os cidadãos dos Tribunais. Representa<br />
um retrocesso civilizacional muito grande para a<br />
democracia. É preciso convencer o Executivo de que a<br />
justiça não pode ser feita em repartições de finanças.<br />
Portugal não pode ser um paraíso para os caloteiros.<br />
Vamos entrar no reino da selva em que nem os pobres<br />
nem a classe média conseguem ter acesso aos tribunais.<br />
Só os poderosos, astutos e com dinheiro.<br />
É no contexto de transparência da justiça, que defende<br />
que é incompatível ser deputado e advogado?<br />
Claro. Quem faz leis, não pode ter clientes privados,<br />
uma vez que já houve suspeitas de que se fizeram leis<br />
para clientes. Quem administra a justiça não pode fazer<br />
leis, na Assembleia da República. Houve verdadeiros<br />
escândalos nas leis da amnistia, em que houve<br />
crimes que foram incluídos entre a aprovação em<br />
plenário e a publicação em Diário da República.<br />
Mas esta questão é uma das prioridades do seu mandato?<br />
Não é uma prioridade do meu mandato porque só o Parlamento<br />
é que pode alterar os estatutos da Ordem dos<br />
Advogados. Mas é um dos aspectos da justiça que deve<br />
ser corrigido. Vou pressionar o Governo nesse sentido.<br />
No seu caso concreto, enquanto bastonário vai continuar<br />
a advogar?<br />
Suspenderei a advocacia de clientes, ou seja a advocacia<br />
remunerada. Estou neste momento, a concluir os últimos<br />
casos. Mas farei uma Advocacia “pro bono” das<br />
causas em defesa do Estado de Direito, em casos especiais<br />
de defesa dos Direitos Humanos e em defesa de advogados<br />
no caso de actos praticados no âmbito do patrocínio,<br />
desde que tais situações estejam em<br />
conformidade com o nosso estatuto profissional.<br />
Afirmou que encontrar soluções para responder à massificação<br />
dos advogados era uma das bandeiras do<br />
mandato. Como se combate?<br />
É necessário denunciar as faculdades de Direito públicas<br />
e privadas que enganam, exploram, iludem os alunos,<br />
numa altura em que a sociedade está em crise. É preciso<br />
denunciar o lucro sem escrúpulos que estas faculdades<br />
fazem. Há mais de 20 faculdades de Direito no país que<br />
não correspondem às necessidades sociais do mercado.<br />
Basta pensar que entre os licenciados desempregados<br />
um terço é licenciado em Direito. Há cerca de 26 mil licenciados<br />
em Portugal, quando cerca de 12 mil<br />
chegavam para as necessidades do mercado, fazendo-se<br />
uma média entre o número de habitantes e o número de<br />
advogados. Porque depois não há trabalho para todos e<br />
essa situação actual degrada o patrocínio forense e<br />
degrada a administração da Justiça e o Estado de Direito<br />
As vagas de acesso aos cursos de Direito têm de<br />
diminuir ainda mais.<br />
Mas vai tomar alguma medida para limitar o acesso à<br />
Ordem dos candidatos a advogados?<br />
Defendo que deve ser feita um exame de acesso à Ordem,<br />
onde se escolhem os melhores do país, tendo em conta a<br />
sua formação académica, a sua preparação científica para<br />
o exercício da profissão. E depois mantêm-se à mesma os<br />
exames de final de estágio. É que há muita gente que vai<br />
para a Ordem que não quer ser advogado mas como não<br />
consegue arranjar emprego noutras áreas de saída profissionais<br />
proporcionadas pelo curso de Direito acaba por ir<br />
para a Ordem. Para já ainda não há um número concreto<br />
de quantos alunos vão poder entrar.<br />
Encerrar o acesso à ordem durante um ou dois anos<br />
pode ser uma das hipóteses?<br />
Sim, todas as hipóteses estão em cima da mesa. Estamos<br />
a estudar a situação.<br />
Face ao cenário actual, hoje ia tirar o curso de Direito?<br />
Claro que não. Jamais. E digo aos estudantes do ensino<br />
secundário: fujam das faculdades de Direito. Fujam dos<br />
cursos de natureza humanística.<br />
E a questão da vocação onde fica no meio disto?<br />
A sobrevivência é cada vez mais difícil para os jovens<br />
advogados. Milhares de jovens são enganados nas suas<br />
expectativas. Mais uma vez saliento: Fujam das faculdades<br />
de Direito. Há advogados que não têm clientes: há<br />
outros que não facturam o suficiente para pagar 5 a 10<br />
por cento das suas despesas. E muitos têm depois de<br />
ficar a depender dos pais. Muitos vão trabalhar para sítios<br />
que não têm nada a ver com a sua formação, como<br />
empregados de escritórios ou mesmo em supermercados.<br />
Se quiserem ser mesmo advogados vão ter que fazer<br />
muitos sacrifícios no futuro.<br />
Como é que viu a implementação de Bolonha em Direito?<br />
É mais uma forma de as faculdades de Direito aumentarem<br />
os seus lucros. Os alunos fazem os 3<br />
primeiros anos a um preço e depois o segundo ciclo de<br />
formação é a preços elevados, mesmo inadmissíveis. Nada<br />
o justifica, é intolerável. Os alunos investem milhões<br />
de euros para nada.<br />
Quantos anos de formação são obrigatórios para o acesso<br />
à Ordem?<br />
Cinco anos de formação como acontecia anteriormente,<br />
antes da entrada em vigor do Processo de Bolonha. Não<br />
se pode diminuir a exigência académica de um curso como<br />
o de Direito, encurtando os anos de formação. Neste<br />
momento a Ordem está a levar a cabo um estudo e a<br />
preparar os estatutos para regularizar esta situação:<br />
quem quiser aceder à OA tem mesmo que fazer os 5<br />
anos de formação.<br />
Porque defende que os estagiários não podem tratar do<br />
patrocínio oficioso?<br />
Os estagiários ainda não estão preparados para tal e não se<br />
pode prejudicar os direitos dos cidadãos. É inaceitável que a<br />
defesa de bens jurídicos como a liberdade de pessoas mais<br />
desfavorecidas que não possuem recursos para contratar<br />
um advogado seja entregue, muitas vezes, a colegas estagiários<br />
que ainda não estão devidamente preparados para o<br />
exercício do patrocínio forense.<br />
ANTÓNIO COTRIM/LUSA<br />
Perfil<br />
Nome: António Marinho e Pinto<br />
Naturalidade: Amarante<br />
Idade: 57 anos<br />
Formação: Licenciado em Direito pela Universidade<br />
de Coimbra, como trabalhador estudante.<br />
Enquanto aluno esteve ligado à secção de Jornalismo<br />
da Associação Académica de Coimbra e<br />
participou na criação do jornal <strong>Universitário</strong> de<br />
Coimbra – A CABRA, a mais antiga publicação<br />
do género com 17 anos de existência. Exerce<br />
advocacia há 25 anos. Mantém-se ligado àquela<br />
instituição, sendo professor de Direito da Comunicação<br />
na Faculdade de Letras, entre outras<br />
cadeiras.<br />
Curiosidade: Nos tempos de estudante chegou a<br />
ser preso pela PIDE durante dois meses, no<br />
Forte de Caxias.<br />
Cargos: Foi presidente da Comissão dos Direitos<br />
Humanos da Ordem dos Advogados e concorreu<br />
a bastonário nas anteriores eleições (em que foi<br />
o segundo mais votado) juntamente com<br />
Rogério Alves (o bastonário a que sucede) e João<br />
Correia.<br />
Ordem dos Advogados: As eleições que o<br />
tornaram no novo Bastonário da Ordem dos Advogados<br />
aconteceram a 30 de Novembro, tendo<br />
tomado posse a 8 de Janeiro.