Os sentidos da educação social para jovens educadores ... - Uece
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1<br />
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ<br />
CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE<br />
ROBERTA DE CASTRO CUNHA<br />
OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES<br />
SOCIAIS:<br />
RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE?<br />
FORTALEZA – CEARÁ<br />
2012
2<br />
ROBERTA DE CASTRO CUNHA<br />
OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES<br />
SOCIAIS:<br />
RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE?<br />
Dissertação submeti<strong>da</strong> à Coordenação<br />
do Curso de Mestrado Acadêmico em<br />
Políticas Públicas e Socie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Estadual do Ceará, como<br />
requisito parcial <strong>para</strong> a obtenção do<br />
grau de mestre em Políticas Públicas e<br />
Socie<strong>da</strong>de.<br />
Orientadora: Profª. Drª. Rosemary de<br />
Oliveira Almei<strong>da</strong>.<br />
FORTALEZA – CEARÁ<br />
2012
3<br />
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação<br />
Universi<strong>da</strong>de Estadual do Ceará<br />
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho<br />
C268s<br />
Cunha, Roberta de Castro<br />
<strong>Os</strong> <strong>sentidos</strong> <strong>da</strong> educação <strong>social</strong> <strong>para</strong> <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais:<br />
ressignificação de vi<strong>da</strong> ou perpetuação do existente? / Roberta de<br />
Castro Cunha . – 2012.<br />
128f. : il. color., enc. ; 30 cm.<br />
Dissertação (Mestrado) – Universi<strong>da</strong>de Estadual do Ceará,<br />
Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado<br />
Acadêmico em Políticas Públicas e Socie<strong>da</strong>de, Fortaleza, 2012.<br />
. Área de Concentração: Políticas Públicas<br />
Orientação: Profª. Drª. Rosemary de Oliveira Arru<strong>da</strong>.<br />
1. Educação <strong>social</strong>. 2. Educadores sociais. 3. Sentidos. I.<br />
Título.<br />
CDD: 370
Dedico esta dissertação ao meu filho Davi, que nos momentos<br />
de sua elaboração tantas vezes ficou sem a devi<strong>da</strong> atenção.<br />
Espero que ele agora compreen<strong>da</strong> e volte a gostar de livros.<br />
5
6<br />
AGRADECIMENTOS<br />
A Deus – “quando minha força acabar e eu descobrir que por mim mesmo não dá, a fé<br />
me fará ir além, prosseguir e o teu santo espírito virá sobre mim” – por reconstituir as<br />
minhas forças nos momentos mais decisivos.<br />
À Maria, mãe de Jesus e minha mãe, em to<strong>da</strong>s as suas aparições, pela vigilante<br />
intercessão e por me proteger sempre com seu manto.<br />
Aos meus pais, Roberto Cunha e Inês de Castro, que sempre prezaram por minha<br />
educação e por demonstrarem força e me apoiarem em todos os momentos <strong>da</strong> minha<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
Ao meu esposo Paulo Henrique, pelo amor, paciência e compreensão. Mesmo com<br />
todos os ranços que possui em relação à Academia, sempre me auxiliou nos momentos<br />
de elaboração deste trabalho e em todo o meu percurso no mestrado, seja digitando as<br />
minhas resenhas, lendo os meus artigos, enfim. Como ele mesmo afirmava: “só tu<br />
mesmo <strong>para</strong> me fazer ler esses autores que dizem a mesma coisa o tempo todo e em<br />
outras palavras”.<br />
Aos meus irmãos, Samira e Alberto; ao meu cunhado Ivan; aos meus sobrinhos Iana,<br />
Raul, Pedro e André Luis – elos de afeto e amizade eternos.<br />
Ao meu “filho, irmão, amigo e amante”, Francisco Garcia Lima, por nossa<br />
cumplici<strong>da</strong>de entendi<strong>da</strong> nos “olhares de paisagem”; por estar ao meu lado nos<br />
momentos em que mais precisei de um ombro amigo; por nossos choros e nossas<br />
grandes conquistas na coordenação <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s socioeducativas <strong>da</strong> Funci; pelo<br />
companheirismo, sem esquecer, é claro, dos inúmeros furos; por reviver Cazuza<br />
comigo; por absolutamente tudo e por nossa ligação em outras vi<strong>da</strong>s.<br />
Aos meus amigos, Renata Morais, Bren<strong>da</strong> Castro, Cristiane Fernandes, Rejane Jesuino,<br />
Nádia Cândido, Daniele Freire, Marciliano Ribeiro, Mariana Lima, Lelé Câmara, Diana<br />
Maia, Tarciso Mesquita, Gilberto Braga, Ana Maria, Sidney Michel, Vera Fernandes,<br />
Cecília Góis, Thatiane Maciel, Evandro Miran<strong>da</strong>, amizades de infância, juventude e<br />
vi<strong>da</strong> adulta que não se desfazem mais. Ca<strong>da</strong> um sabe a importância que possui em<br />
minha vi<strong>da</strong>.<br />
Aos companheiros do MAPPS, turma 2010, pelo apoio, pelas palavras de força e pelo<br />
tempo perdido com meus desabafos em forma de poesia.<br />
Às professoras Margarita e Dilneia, do Mestrado em Educação <strong>da</strong> UFMS, por<br />
reascenderem o pensamento de Marx em minha vi<strong>da</strong> acadêmica.<br />
À melhor orientadora do mundo, Rosemary de Oliveira Almei<strong>da</strong>, por não ter me<br />
deixado desistir, pela sua sabedoria, pela orientação valiosa e por me fazer acreditar que<br />
mesmo pragmática posso produzir conhecimento.
7<br />
Ao professor Domingos Sávio Abreu, por ter aceitado o convite de participar <strong>da</strong> banca<br />
examinadora e por ter fervilhado, “coçado” os meus pensamentos em relação à<br />
Educação Social e pelas contribuições no momento <strong>da</strong> qualificação.<br />
Ao professor Alexandre Almei<strong>da</strong> Barbalho, por ter aceitado o convite de participar <strong>da</strong><br />
banca examinadora, por ter me apresentado à Guattari e Rolnik e por suas contribuições<br />
no momento <strong>da</strong> qualificação.<br />
À Fun<strong>da</strong>ção Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico – FUNCAP, pelo<br />
incentivo à pesquisa. Agradeço a bolsa de estudos a mim concedi<strong>da</strong> durante o primeiro<br />
ano do mestrado.<br />
Aos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e aos gestores <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci, por viabilizarem<br />
e colaborarem <strong>para</strong> a realização deste estudo.
8<br />
Construções e Desconstruções<br />
A ver<strong>da</strong>de? Sei que não existe!<br />
Existe a ver<strong>da</strong>de de Marx, de Foucault, de Bauman e Guattari<br />
Que insistem em não impor uma ver<strong>da</strong>de<br />
O que me faz relacioná-los e seguir.<br />
Para os marxistas uma inconsistência teórica<br />
Aos pós-modernos produção do conhecimento complexa<br />
E eu vou produzindo,<br />
Construindo e Desconstruindo.<br />
Capital, Trabalho, Poder, Normalização,<br />
Imaginário, Consenso, Hegemonia, Educação, Políticas Públicas,<br />
Categorias trabalha<strong>da</strong>s, exigi<strong>da</strong>s,<br />
Construí<strong>da</strong>s e desconstruí<strong>da</strong>s.<br />
À exigência de produção, de avaliação,<br />
De vi<strong>da</strong> acadêmica, de dedicação,<br />
Ao ato mais simples produzo uma relação<br />
Que me delicio e me distancio dos considerados sãos.<br />
Assim, construindo e desconstruindo<br />
Estou seguindo<br />
À beira <strong>da</strong> loucura.<br />
Roberta de Castro Cunha
9<br />
RESUMO<br />
Esta dissertação versa sobre a Educação Social realiza<strong>da</strong> por <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> que, em<br />
suas trajetórias de vi<strong>da</strong>, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de<br />
assistência do poder público ou <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong>. Escolhi como locus de<br />
realização do estudo os Programas Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro,<br />
<strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci, que possui em seu quadro de<br />
funcionários este perfil de educador. Minha ideia foi buscar compreender as práticas e<br />
<strong>sentidos</strong> que os referidos <strong>educadores</strong> sociais constroem sobre seu trabalho, considerando<br />
a Educação Social desenvolvi<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> instituição. A pesquisa foi<br />
realiza<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de Fortaleza, durante os meses de novembro e dezembro de 2011.<br />
Optei por uma pesquisa qualitativa, pois esta recupera a pessoa estu<strong>da</strong><strong>da</strong> em condição<br />
de sujeito ativo na construção de sua experiência. Assim, a pesquisa apontou que o<br />
desenvolvimento de práticas pe<strong>da</strong>gógicas pauta<strong>da</strong>s na Educação Social, com o simples<br />
objetivo de controle, não é suficiente <strong>para</strong> conduzir o ser a mu<strong>da</strong>nças significativas, mas<br />
também revelou a arte-educação como ferramenta importante <strong>da</strong> Educação Social.<br />
Mostrou, ain<strong>da</strong>, que as contratações dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, por parte <strong>da</strong><br />
Coordenadoria-Funci, não se caracterizam uma política institucional. Outras<br />
construções aponta<strong>da</strong>s pela pesquisa foram a necessi<strong>da</strong>de de avançar na relação teoriaprática,<br />
<strong>para</strong> a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Educação Social nos espaços institucionais; a<br />
necessi<strong>da</strong>de de superar as disputas entre as ciências e atuações profissionais, no sentido<br />
de unir esforços <strong>para</strong> consoli<strong>da</strong>r a área e a importância dos <strong>educadores</strong> sociais<br />
assumirem e defenderem pressupostos teóricos <strong>para</strong> subsidiarem as suas práticas<br />
profissionais.<br />
Palavras-chaves: Educação Social. Educadores Sociais. Sentidos.
10<br />
ABSTRACT<br />
This dissertation versa on Education Social performed by young educators who, in their<br />
life trajectories, belonged, on condition learners, to institutions of power assist public or<br />
of society organized civil. I chose as locus of accomplishment the study those Programs<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia and Ponte de Encontro, of Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do<br />
Adolescente-Funci, that possesses in your framework of officials this profile of<br />
educator. My idea went to fetch understand practices and senses that the referred <strong>social</strong><br />
educators build about his work, considering the Education Social developed within the<br />
aforementioned institution. The research was accomplished in city of Fortaleza, during<br />
the months of november and december 2011. I chose a qualitative research, because it<br />
restores the person studied in become an active subject in the construction of their<br />
experience. Thus, the research pointed that the development of pe<strong>da</strong>gogical practices<br />
based in Education Social, with the simple control objective, is not enough to drive the<br />
being to significant changes, but also revealed the art-education as important tool of<br />
Education Social. Showed, still, which the signings of young people <strong>social</strong> educators,<br />
for part of Coordenadoria-Funci, is not characterized one institutional policy. Other<br />
constructions pointed by research were the need to advance towards the relation theorypractice,<br />
for the consoli<strong>da</strong>tion of Education Social in institutional spaces; the need to<br />
overcome the disputes between the sciences and professional performances, in the sense<br />
of uniting efforts to consoli<strong>da</strong>te the area and the importance of educators <strong>social</strong> assume<br />
and defend theoretical presuppositions for subsidize their practices professionals.<br />
Keywords: Social Education. Social Educators. Senses.
11<br />
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS<br />
ARCA – Associação Recreativa e Esportiva <strong>para</strong> Crianças e Adolescentes<br />
CAF – Coordenadoria Administrativa Financeira<br />
CEDECA/CE – Centro de Defesa <strong>da</strong> Criança e do Adolescente do Ceará<br />
COB – Classificação Brasileira de Ocupações<br />
COMDICA – Conselho Municipal de Defesa dos Direitos <strong>da</strong> Criança e do Adolescente<br />
COOPEDEF – Coordenadoria de Pessoas com Deficiência<br />
COPPIR – Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial<br />
CRAS – Centro de Referência <strong>da</strong> Assistência Social<br />
CSU – Centro Social Urbano<br />
CSUS – Centros Sociais Urbanos<br />
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social<br />
DDCA – Disque Direitos Criança e Adolescente<br />
ECA – Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente<br />
EMLURB – Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização<br />
ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar<br />
FUNCI – Fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Criança e <strong>da</strong> Família Ci<strong>da</strong>dã<br />
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />
LA – Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong><br />
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias<br />
LEDH – Laboratório de Direitos Humanos<br />
LOA – Lei Orçamentária Anual<br />
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil<br />
ONG – Organização Não-Governamental
12<br />
ONGs – Organizações Não-Governamentais<br />
ONU – Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />
OP – Orçamento Participativo<br />
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro<br />
PPA – Plano Plurianual<br />
PPP – Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico<br />
PPPs – Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos<br />
PT – Partido dos Trabalhadores<br />
SDH – Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza<br />
SEFIN – Secretaria de Finanças de Fortaleza<br />
SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social<br />
UNICEF – Fundo <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s <strong>para</strong> a Infância
13<br />
LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />
Tabela 1 – Quantitativo dos profissionais <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci – maio de 2010 a<br />
fevereiro de 2011.............................................................................................................30<br />
Tabela 2 – Quantitativo dos profissionais <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci – novembro a<br />
dezembro de 2011............................................................................................................31<br />
Tabela 3 – Perfil dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais..............................................................33<br />
Tabela 4 – Ativi<strong>da</strong>des, habili<strong>da</strong>des, motivações e experiências dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais..............................................................................................................................35<br />
Tabela 5 – Percursos e <strong>sentidos</strong> <strong>da</strong> Educação Social na vi<strong>da</strong> dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> <strong>da</strong><br />
Coordenadoria-Funci.......................................................................................................98
14<br />
SUMÁRIO<br />
SUMÁRIO DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS............................................................11<br />
SUMÁRIO DE ILUSTRAÇÕES................................................................................13<br />
INTRODUÇÃO............................................................................................................16<br />
CAPÍTULO 1 – PERCURSOS METODOLÓGICOS: APRESENTANDO OS<br />
JOVENS EDUCADORES SOCIAIS E OS SEUS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO<br />
SOCIAL..........................................................................................................................24<br />
1.1 A Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci: o lugar referencial <strong>da</strong><br />
pesquisa..........................................................................................................................24<br />
1.2 <strong>Os</strong> programas e os sujeitos <strong>da</strong> pesquisa...................................................................29<br />
1.3 Jovens <strong>educadores</strong> sociais: protagonistas de suas histórias e <strong>da</strong>s histórias do Crescer<br />
com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro...................................................................33<br />
CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO SOCIAL NOS PROGRAMAS CRESCER COM<br />
ARTE E CIDADANIA E PONTE DE ENCONTRO: INTERVENÇÕES<br />
POSSÍVEIS....................................................................................................................41<br />
2.1 Educação Social: passos históricos..........................................................................44<br />
2.2 O Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: a arte-educação como possibili<strong>da</strong>de de<br />
transformação.................................................................................................................49<br />
2.3 O Programa Ponte de Encontro: a rua como espaço de intervenção.......................58<br />
2.4 A Educação Social no âmbito dos programas: o “carro chefe” <strong>da</strong> Coordenadoria-<br />
Funci..............................................................................................................................62<br />
CAPÍTULO 3 – FAZER PROFISSIONAL, PROFISSIONALIZAÇÃO E<br />
CONDIÇÕES DE TRABALHO DO JOVEM EDUCADOR SOCIAL NA<br />
COORDENADORIA-FUNCI.....................................................................................68<br />
3.1 Imagens e representações do trabalho <strong>social</strong> <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> <strong>da</strong><br />
Coordenadoria-Funci: missões vocacional-religiosa, técnico-profissional e de<br />
militância-política............................................................................................................68<br />
3.2 Percepções dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e dos gestores sobre o processo de<br />
contratação na Coordenadoria-Funci: o fazer profissional, a profissionalização e as<br />
condições de trabalho......................................................................................................72
15<br />
CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIAL PARA OS JOVENS EDUCADORES<br />
SOCIAIS DA COORDENADORIA-FUNCI: UM CONCEITO EM<br />
CONSTRUÇÃO E POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DE<br />
VIDA...............................................................................................................................85<br />
4.1 Diálogos e especifici<strong>da</strong>des de <strong>educadores</strong> sociais: o desafio de teorização <strong>da</strong> prática<br />
profissional......................................................................................................................87<br />
4.2 O campo de atuação: afirmação <strong>da</strong> tendência crítico-<strong>social</strong>......................................95<br />
4.3 A trajetória de vi<strong>da</strong> dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e os <strong>sentidos</strong> construídos em<br />
torno <strong>da</strong> Educação Social: ressignificação ou perpetuação do existente?.......................96<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS “ACHADOS” CONSTRUÍDOS E<br />
DESCONSTRUÍDOS DA PESQUISA......................................................................110<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................116<br />
ANEXOS.......................................................................................................................120
16<br />
INTRODUÇÃO<br />
No ano de 2005, arriscando uma suposta estabili<strong>da</strong>de por estar trabalhando<br />
em um órgão do Governo do Estado do Ceará, ain<strong>da</strong> que vincula<strong>da</strong> a uma empresa de<br />
terceirização, assumi o risco e o desafio de fazer parte <strong>da</strong> então nova gestão de<br />
Fortaleza 1 que, por sua vez, tinha a tarefa de municipalizar o atendimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong><br />
socioeducativa de Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong> 2 (LA), assumindo não só a responsabili<strong>da</strong>de de<br />
pensar como seria o atendimento/acompanhamento de adolescentes em cumprimento<br />
dessa medi<strong>da</strong>, mas a responsabili<strong>da</strong>de de propor uma política pública <strong>para</strong> esse<br />
contingente populacional.<br />
Assim, aceitei o convite <strong>para</strong> trabalhar na Fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Criança e <strong>da</strong> Família<br />
Ci<strong>da</strong>dã (Funci), como coordenadora <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s socioeducativas em meio aberto.<br />
Àquela época, contando com uma equipe composta por uma psicóloga, uma assessora<br />
comunitária e uma estagiária de Serviço Social, foi realizado um diagnóstico sobre a<br />
situação dos quase 200 (duzentos) adolescentes atendidos pelo Município, <strong>para</strong>, a partir<br />
<strong>da</strong>í, pensar estratégias <strong>para</strong> a municipalização do atendimento, ação defini<strong>da</strong> como<br />
priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> gestão.<br />
Este parêntese inicial pode parecer dispensável, no entanto possui relação<br />
direta com a construção do meu objeto de pesquisa e, sobretudo, com a minha<br />
curiosi<strong>da</strong>de de investigar temáticas relaciona<strong>da</strong>s à juventude 3 e à Educação Social. Tudo<br />
começou quando estava participando <strong>da</strong> minha primeira reunião na condição de<br />
1 Trata-se <strong>da</strong> gestão autodenomina<strong>da</strong> “Fortaleza Bela” (2005-2008), tendo Luizianne Lins como prefeita,<br />
do Partido dos Trabalhadores (PT), representando a alteração do cenário político que imperava na ci<strong>da</strong>de<br />
de Fortaleza há 16 (dezesseis) anos, com o poderio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro<br />
(PMDB). Com a reeleição em 2008, a gestão “Fortaleza Bela” está em seu segundo man<strong>da</strong>to, devendo<br />
permanecer até 2012.<br />
2 A Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong> (LA) é uma medi<strong>da</strong> socioeducativa, aplica<strong>da</strong> pelo Juiz <strong>da</strong> Infância e <strong>da</strong> Juventude<br />
a um adolescente que tenha cometido um ato infracional – conduta descrita como crime ou contravenção<br />
penal. A legislação específica que versa acerca dos direitos e deveres <strong>da</strong>s crianças e dos adolescentes – O<br />
Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente – prevê em seu Art. 112: “verifica<strong>da</strong> a prática de ato infracional, a<br />
autori<strong>da</strong>de competente poderá aplicar ao adolescente medi<strong>da</strong>s socioeducativas” (ECA, 2010, p. 81) e Art.<br />
118: “a LA será adota<strong>da</strong> sempre que se afigurar a medi<strong>da</strong> mais adequa<strong>da</strong> <strong>para</strong> o fim de acompanhar,<br />
auxiliar e orientar o adolescente” (ECA, 2010, p. 83).<br />
3 É importante mencionar que o Plano Nacional de Juventude considera juventude a população<br />
compreendi<strong>da</strong> na faixa etária de 15 a 29 anos. Além do Plano, estão na Câmara outras matérias relativas à<br />
juventude, como a Proposta de Emen<strong>da</strong> Constitucional (PEC) 238/2003, que institui na CF/88 a figura <strong>da</strong><br />
juventude, estipulando como faixa etária <strong>para</strong> esta parcela <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de 15 a 29 anos, bem como o<br />
Estatuto <strong>da</strong> Juventude, que detalha a re<strong>da</strong>ção proposta pela PEC, especificando os direitos dos <strong>jovens</strong><br />
brasileiros. Fonte: Jornal Carta Maior, disponível no site:<br />
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/index. Acesso em 22 de maio de 2010.
17<br />
coordenadora <strong>da</strong> LA, em março de 2005. O cenário era desolador. Tratava-se de um<br />
prédio consideravelmente velho, com letreiros indicando Juizado <strong>da</strong> Infância e <strong>da</strong><br />
Juventude 4 ; o elevador nos convi<strong>da</strong>va a subir quantos lances de esca<strong>da</strong> fosse preciso,<br />
pela visível má conservação. Porém, mais cruel me pareceu a nossa recepção. Havia<br />
literalmente um paredão de profissionais (assistentes sociais, psicólogas, pe<strong>da</strong>gogas<br />
etc.) nos esperando em uma sala quente, com carteiras escolares desconfortáveis. Até aí<br />
tudo bem, poderíamos supor as precárias condições de trabalho ofereci<strong>da</strong>s àqueles<br />
profissionais, só não poderíamos imaginar a frieza de suas palavras, o descrédito de suas<br />
próprias ações e a resistência às possíveis mu<strong>da</strong>nças sob a alegativa de possuírem mais<br />
de dez anos de experiência na área.<br />
Apesar de não possuir sequer um ano de experiência, tinha a convicção <strong>da</strong><br />
possibili<strong>da</strong>de de, no mínimo, humanizar o atendimento aos adolescentes, em<br />
cumprimento de medi<strong>da</strong> socioeducativa, deixando de lado práticas de puro<br />
disciplinamento, massifica<strong>da</strong>s, sem impactos – o que é pior, <strong>para</strong> buscar ressignificar os<br />
valores e atitudes 5 dos <strong>jovens</strong> que, no meu entender, são uma <strong>da</strong>s principais forças<br />
motrizes <strong>da</strong> transformação societária. Eis aí o meu encantamento pela juventude.<br />
Percebi depois que não bastava apenas humanizar o atendimento, era<br />
necessário romper os muros <strong>da</strong>s ações meramente burocráticas. O grande desafio era<br />
iniciar a desconstrução, junto aos adolescentes, de que o cumprimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> de LA<br />
restringia-se ao ato de assinar 6 , imagem historicamente perpetua<strong>da</strong> que é mal com<strong>para</strong><strong>da</strong><br />
ao regime de liber<strong>da</strong>de condicional dos adultos, que todos os meses têm a obrigação de<br />
“prestar contas” à justiça. Nessa perspectiva, entrou em cena a Educação Social,<br />
pauta<strong>da</strong> nos ensinamentos <strong>da</strong> Educação Popular, cuja metodologia se apresenta como<br />
capaz de impactar a vi<strong>da</strong> dos sujeitos e, sobretudo, de romper com as amarras <strong>da</strong>s<br />
intervenções institucionais formais e disciplinadoras.<br />
4 A execução <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> de LA era de responsabili<strong>da</strong>de do Juizado <strong>da</strong> Infância e <strong>da</strong> Juventude. Àquela<br />
época, o atendimento dos adolescentes era realizado no próprio órgão, por uma equipe de profissionais. A<br />
partir de 2007, a execução <strong>da</strong> LA se dá em duas instâncias: município e Pastoral do Menor, organização<br />
não-governamental vincula<strong>da</strong> à arquidiocese <strong>da</strong> Igreja Católica.<br />
5 O primeiro projeto de captação de recursos, junto ao Governo Federal, especificamente apresentado à<br />
Secretaria Especial dos Direitos Humanos <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República, <strong>para</strong> iniciar o processo de<br />
municipalização <strong>da</strong> LA foi intitulado: “Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong>: ressignificando valores e atitudes”.<br />
6 Durante muito tempo o atendimento dos adolescentes em cumprimento de LA restringia-se a um<br />
atendimento formal, espécie de conversa e/ou entrevista com uma assistente <strong>social</strong> ou psicóloga nas<br />
dependências do Juizado. Ao final desse atendimento os adolescentes assinavam uma lista de frequência e<br />
de recebimento de um vale transporte <strong>para</strong> retornarem <strong>para</strong> casa. Assim, no imaginário deles o ato de<br />
assinar tal lista caracterizava o cumprimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>.
18<br />
Assim, adotando uma política de descentralização administrativa, entre os<br />
anos de 2006 e 2007, foram criados cinco núcleos regionalizados e especializados de<br />
Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong>, onde os profissionais passaram a executar, exclusivamente, o<br />
atendimento e o acompanhamento dos adolescentes na busca de atendê-los em suas<br />
várias dimensões: sociais, psicológicas, jurídicas e pe<strong>da</strong>gógicas, ou seja, um<br />
acompanhamento realizado por assistentes sociais, psicólogos, assessores jurídicos,<br />
pe<strong>da</strong>gogos e <strong>educadores</strong> sociais – uma equipe multidisciplinar atuando de forma<br />
interdisciplinar.<br />
<strong>Os</strong> Núcleos passaram a aliar aspectos formais exigidos pelo cumprimento <strong>da</strong><br />
medi<strong>da</strong> (como atendimentos individuais, por ca<strong>da</strong> categoria profissional, inserção na<br />
escola formal, visitas domiciliares e institucionais, <strong>para</strong> o acompanhamento do<br />
adolescente) com ativi<strong>da</strong>des de arte-educação (teatro, música, confecção de<br />
instrumentos musicais) e de informática, vislumbrando a ressignificação e a construção<br />
de um novo projeto de vi<strong>da</strong>, autônoma e articula<strong>da</strong> à comuni<strong>da</strong>de, <strong>para</strong> os adolescentes.<br />
Durante os três anos em que estive na coordenação <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong>,<br />
que me instigou a conhecer inúmeras práticas desenvolvi<strong>da</strong>s no País, pude perceber<br />
duas problemáticas recorrentes: a normalização e a disciplina tornaram-se a centrali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s ações institucionais no plano <strong>da</strong> educação e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia; e o desinteresse dos<br />
<strong>jovens</strong> pelo retorno ou permanência no ensino formal sob a alegativa de que a dinâmica<br />
é restrita à transmissão e apreensão de conteúdos curriculares. Associado a estas<br />
problemáticas, um fato significativo me chamou atenção: o interesse <strong>da</strong> juventude pelas<br />
ativi<strong>da</strong>des pe<strong>da</strong>gógicas centra<strong>da</strong>s na Educação Social. Tais fatos me levaram a um<br />
primeiro questionamento: a Educação Social é efetivamente uma prática capaz de<br />
conduzir o ser a mu<strong>da</strong>nças significativas?<br />
Avançando na minha trajetória 7 e adentrando na investigação, na condição<br />
de gestora, não tive tempo suficiente <strong>para</strong> avaliar com mais afinco a relação entre<br />
juventude, Educação Social e políticas públicas, ficando esta tarefa <strong>para</strong> a condição de<br />
pesquisadora. Assim, a partir de 2010, já plenamente fora <strong>da</strong> gestão, elegi como objeto<br />
<strong>da</strong> pesquisa a Educação Social realiza<strong>da</strong> por <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> que, em suas trajetórias<br />
7 Permaneci na coordenação <strong>da</strong> LA por um período de três anos (2005-2008). Em 2006, foram instalados<br />
três núcleos de atendimento especializado ao adolescente em cumprimento de LA. Nesse período foi<br />
garantido um processo seletivo rigoroso, resultando na contratação de 36 (trinta e seis) profissionais. Em<br />
2007, foi efetiva<strong>da</strong> a municipalização e instalado mais dois núcleos. Porém, houve um descompasso entre<br />
a quanti<strong>da</strong>de de adolescentes acompanhados e a estruturação adequa<strong>da</strong> <strong>para</strong> a quali<strong>da</strong>de desse<br />
atendimento.
19<br />
de vi<strong>da</strong>, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de assistência do poder<br />
público ou <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong>.<br />
Escolhi como locus de realização do estudo os Programas Crescer com Arte<br />
e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e o Ponte de Encontro, <strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-<br />
Funci, que possui, em seu quadro de funcionários, este perfil de educador. Minha ideia<br />
foi buscar compreender as práticas e <strong>sentidos</strong> que os referidos <strong>educadores</strong> sociais<br />
constroem sobre seu trabalho, considerando a Educação Social desenvolvi<strong>da</strong> no âmbito<br />
<strong>da</strong> referi<strong>da</strong> instituição.<br />
É importante ressaltar que minha opção por envolver os profissionais que já<br />
foram atendidos em projetos sociais foi pelo fato de eles terem vivenciado a Educação<br />
Social na condição de educandos e por querer compreender os <strong>sentidos</strong> de tal<br />
experiência na vi<strong>da</strong> deles, o que resultou nos seguintes objetivos: investigar os <strong>sentidos</strong><br />
<strong>da</strong> Educação Social construídos por <strong>educadores</strong> sociais <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci que, em<br />
suas trajetórias de vi<strong>da</strong>, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de<br />
assistência do poder público ou <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong>; compreender como esses<br />
sujeitos percebem as suas absorções no quadro de profissionais <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> instituição,<br />
problematizando sobre o fazer profissional no âmbito <strong>da</strong>s políticas públicas, a<br />
profissionalização e as condições de trabalho; perceber as estratégias <strong>da</strong> Coordenadoria-<br />
Funci frente à absorção desses <strong>educadores</strong> em seu quadro profissional, analisando os<br />
limites e potenciali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> prática educativa desenvolvi<strong>da</strong> pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais e as possíveis problemáticas desse processo.<br />
Para iniciar as discussões propostas que envolvem o meu objeto de<br />
pesquisa, é fun<strong>da</strong>mental definir o que considero Educação Social e educador <strong>social</strong> à luz<br />
de Romans, Petrus e Trilla (2003); Gohn (2010); Machado (2011), entre outros autores<br />
e sujeitos pesquisados. Assim, Educação Social significa “um conjunto fun<strong>da</strong>mentado e<br />
sistematizado de práticas educativas [...], orienta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> o desenvolvimento adequado e<br />
competente dos indivíduos, assim como <strong>para</strong> <strong>da</strong>r respostas a seus problemas e<br />
necessi<strong>da</strong>des sociais” (Gohn, 2010, p. 26 apud Pérez, 1999).<br />
Quanto ao educador <strong>social</strong> 8 , é o profissional que desenvolve ações no<br />
campo <strong>da</strong> Educação Social, junto aos movimentos sociais, como os populares, os<br />
8 Gohn destaca que “o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil (MTE), em seu documento COB –<br />
Classificação Brasileira de Ocupações (2002) –, menciona, no código 5.153, os trabalhadores de atenção,<br />
defesa e proteção a pessoas em situação de risco, e inclui os <strong>educadores</strong> sociais nesta categoria. Além de
20<br />
identitários e os globalizantes; e que atua em projetos sociais de organizações<br />
governamentais e não-governamentais por meio do desenvolvimento de ações<br />
socioeducativas (Gohn, 2010).<br />
Nos espaços de atuação do educador <strong>social</strong> lhe é exigido o ensino médio<br />
completo, mas muitos possuem formação acadêmica nas áreas de humanas (Serviço<br />
Social, Psicologia, Ciências Sociais, Pe<strong>da</strong>gogia etc.). No Brasil, não existe uma<br />
formação acadêmica de educador <strong>social</strong>, e a sua atuação ain<strong>da</strong> me parece fragiliza<strong>da</strong>.<br />
Grosso modo, na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> instituição em análise, parece-me que a atuação como<br />
educador <strong>social</strong> se configura em um estágio preliminar <strong>para</strong> o profissional, que<br />
posteriormente terá uma formação acadêmica <strong>para</strong> só depois atuar em uma área<br />
específica 9 .<br />
De acordo com Silva (2008), o educador <strong>social</strong> acaba utilizando-se de<br />
metodologias de trabalho apreendi<strong>da</strong>s na sua área de formação acadêmica ou em suas<br />
experiências de vi<strong>da</strong> e, essa reali<strong>da</strong>de corrobora <strong>para</strong> gerar descompassos entre os<br />
princípios <strong>da</strong> Educação Social e a prática dissemina<strong>da</strong>.<br />
Ain<strong>da</strong> segundo Silva (2008), diante <strong>da</strong> vontade de aju<strong>da</strong>r – construí<strong>da</strong> à<br />
imagem dissemina<strong>da</strong> acerca do trabalho <strong>social</strong> – o educador <strong>social</strong> de<strong>para</strong>-se com o<br />
“não saber ao certo o que fazer frente aos sujeitos que já não sabem ao certo o que<br />
esperar” (SILVA, 2008, p. 18), impondo, assim, à população a ideia de que o<br />
atendimento/ação <strong>da</strong>s políticas públicas se configura em um favor e não um direito que<br />
lhes deve ser assegurado.<br />
Machado (2011) esclarece, no entanto, que, <strong>para</strong> a área socioeducativa,<br />
apenas a referência <strong>da</strong>s práticas, que ain<strong>da</strong> permanece em muitos espaços, torna-se<br />
insuficiente numa socie<strong>da</strong>de que se complexifica e apresenta novas deman<strong>da</strong>s. Portanto,<br />
é premente “a necessi<strong>da</strong>de de um referencial teórico consoli<strong>da</strong>do específico <strong>para</strong> a área,<br />
<strong>para</strong> <strong>da</strong>r suporte às discussões e propostas, e principalmente, <strong>para</strong> impulsionar e<br />
fun<strong>da</strong>mentar pesquisas e produção de conhecimentos” (MACHADO, 2011, p. 264).<br />
reconhecer a função, o referido código detalha suas atribuições, assinalando que “o acesso à ocupação é<br />
livre, sem requisitos de escolari<strong>da</strong>de” (GOHN, 2010, p. 54).<br />
9 Essa reali<strong>da</strong>de é bem presente na instituição estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. No levantamento inicial <strong>para</strong> a produção dos<br />
<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> pesquisa, constatei um número elevado de técnicos (assistentes sociais, pe<strong>da</strong>gogos, sociólogos,<br />
entre outras formações) e coordenadores de projetos e programas que iniciaram na instituição como<br />
<strong>educadores</strong> sociais e após a conclusão de suas formações acadêmicas foram contratados como técnicos,<br />
sendo mais bem remunerados. Outro detalhe importante é o fato de alguns nessa situação também terem<br />
sido atendidos em projetos sociais, mas minha análise voltou-se apenas aos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais.
21<br />
Outros autores foram fun<strong>da</strong>mentais <strong>para</strong> a dissertação, pois me levaram a<br />
compreensão de categorias centrais <strong>para</strong> este estudo, como sentido e subjetivi<strong>da</strong>de, já<br />
que é eixo condutor <strong>da</strong>s questões levanta<strong>da</strong>s, quer dizer, os <strong>sentidos</strong> atribuídos por<br />
<strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais sobre a Educação Social e seu trabalho, entre outros<br />
processos e engrenagens que os envolvem. O sentido é “uma construção <strong>social</strong>, um<br />
empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas<br />
[...] constroem os termos a partir dos quais compreendem e li<strong>da</strong>m com as situações e<br />
fenômenos a sua volta” (SPINK; MEDRADO, 2000, p. 41).<br />
Desse modo, pelo fato <strong>da</strong> pesquisa ter a subjetivi<strong>da</strong>de como enfoque, optei<br />
por uma pesquisa qualitativa. Tal delimitação deu-se em virtude do meu objeto de<br />
estudo e à minha concepção de que a pesquisa qualitativa apresenta uma metodologia<br />
adequa<strong>da</strong> aos meus propósitos de investigação.<br />
Segundo Rey (2010, p. 131), “a pesquisa qualitativa recupera a pessoa<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong> em condição de sujeito ativo na construção de sua experiência. <strong>Os</strong> caminhos<br />
de sua expressão os escolhe a pessoa estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, transitando livremente por eles através<br />
<strong>da</strong> complexa trama de sua experiência subjetiva”. Quanto à subjetivi<strong>da</strong>de, concor<strong>da</strong>ndo<br />
com Rey (2010), essa “está constituí<strong>da</strong> tanto no sujeito individual como nos diferentes<br />
espaços sociais em que este vive, [...] apresenta-se nas representações sociais, nos mitos,<br />
nas crenças, na moral, na sexuali<strong>da</strong>de, nos diferentes espaços em que vivemos” (REY,<br />
2010, p. 24).<br />
Aqui, levo em consideração o pensamento de Guattari e Rolnik (2011, p.<br />
34) que acreditam que as “mutações <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de não funcionam apenas no registro<br />
<strong>da</strong>s ideologias, mas no próprio coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber o<br />
mundo, de se articular com o tecido urbano, com os processos maquínicos do trabalho e<br />
com a ordem <strong>social</strong> suporte dessas forças produtivas”. Por isso concordo com os autores<br />
quando afirmam que “não é utópico considerar que uma revolução, uma mu<strong>da</strong>nça <strong>social</strong><br />
em nível macropolítico e macros<strong>social</strong>, concerne também a produção de subjetivi<strong>da</strong>de,<br />
o que deverá ser levado em conta pelos movimentos de emancipação” (GUATTARI;<br />
ROLNIK, 2011, p. 34).<br />
Ao estu<strong>da</strong>r o educador <strong>social</strong> na sua condição de jovem, penso<br />
imediatamente no conceito de juventude, considerando que não existe unanimi<strong>da</strong>de<br />
acerca dessa conceituação, mas adoto a ideia de produção sócio-histórica-cultural, já<br />
que “a faixa etária juvenil, assim como os demais grupos de i<strong>da</strong>de, são uma criação
22<br />
sócio-cultural própria, marcante e fun<strong>da</strong>mental dos processos de modernização e <strong>da</strong><br />
configuração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas” (GROPPO, 2000, p. 27). <strong>Os</strong> principais<br />
autores que utilizei na fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> categoria de juventude foram Groppo (2000) e<br />
Pais (2003).<br />
Outras categorias surgiram no desenrolar <strong>da</strong> pesquisa de campo, como<br />
trabalho, trabalho <strong>social</strong> e políticas públicas, que serão abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s ao longo do texto<br />
especialmente à luz de autores como Antunes (2009), Araújo (1997), Abramo (1997),<br />
Cohn (2004), entre outros.<br />
Assim, mediante essa análise e <strong>para</strong> alcançar os objetivos <strong>da</strong> pesquisa,<br />
escolhi o seguinte caminho de investigação: No capítulo I, traço o percurso<br />
metodológico do trabalho, apresentando os caminhos trilhados, o lugar referencial <strong>da</strong><br />
pesquisa – a Coordenadoria-Funci e, em especial, os sujeitos envolvidos, <strong>para</strong><br />
possibilitar ao leitor conhecê-los no lugar em que constroem suas percepções e seu<br />
trabalho.<br />
No capítulo II, apresento, brevemente, as origens <strong>da</strong> Educação Social e os<br />
Programas Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro, locus de realização do<br />
estudo, no sentido de continuar compreendendo representações e práticas dos<br />
<strong>educadores</strong> construí<strong>da</strong>s no espaço e no lugar onde foram contratados e atuam. Assim,<br />
delineio as ações de Educação Social desenvolvi<strong>da</strong>s nos dois Programas, tendo como<br />
subsídio de análise os seus Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos e as percepções dos sujeitos<br />
envolvidos na pesquisa (<strong>educadores</strong> sociais e gestores).<br />
Inicio o capítulo III apresentando as reconfigurações do trabalho <strong>social</strong> <strong>para</strong><br />
os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais no âmbito <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci. Ain<strong>da</strong> no mesmo<br />
capítulo, faço uma análise sobre a contratação desses sujeitos pela referi<strong>da</strong> instituição,<br />
partindo de suas percepções e <strong>da</strong>s percepções dos gestores, em busca de problematizar<br />
aspectos relacionados ao fazer profissional, à profissionalização e às condições de<br />
trabalho.<br />
Levando em consideração a importante necessi<strong>da</strong>de de teorização <strong>da</strong> prática<br />
profissional, no capítulo IV, inicio com uma discussão acerca <strong>da</strong> Educação Social, os<br />
seus conceitos e como os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais percebem essa educação em termos<br />
conceituais, bem como que <strong>sentidos</strong> eles constroem em torno <strong>da</strong> Educação Social, a<br />
partir de suas trajetórias de vi<strong>da</strong>, problematizando sobre a real possibili<strong>da</strong>de desta<br />
ressignificar a vi<strong>da</strong> dos sujeitos.
23<br />
Enfim, tive preocupação em definir os capítulos, itens e subitens, levando<br />
em consideração os objetivos, as questões iniciais <strong>da</strong> pesquisa, mas, principalmente, o<br />
que foi produzido no campo, ou seja, construindo uma relação estreita entre a teoria e a<br />
empiria. Tais questões são, dessa forma, desenvolvi<strong>da</strong>s no texto que se segue.
24<br />
CAPÍTULO 1 – PERCURSOS METODOLÓGICOS: APRESENTANDO OS<br />
JOVENS EDUCADORES SOCIAIS E SEUS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO<br />
SOCIAL<br />
1.1. A Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci: o lugar referencial <strong>da</strong><br />
pesquisa<br />
Remexendo documentos, projetos, planos de ação – ativi<strong>da</strong>de exigi<strong>da</strong> pela<br />
pesquisa documental, realiza<strong>da</strong> entre maio de 2010 e dezembro de 2011 –, conversando<br />
com os profissionais e a partir <strong>da</strong>s minhas observações desde a época em que trabalhava<br />
na instituição, pude conhecer “as histórias” <strong>da</strong> Funci. Não simplesmente o seu percurso<br />
histórico, descrito friamente nos documentos, mas suas conquistas, seus choros, seus<br />
ganhos e per<strong>da</strong>s.<br />
Cria<strong>da</strong> no ano de 1993, precisamente em 30 de dezembro, com a<br />
promulgação <strong>da</strong> Lei nº 7.488, a Funci recebeu a denominação de Fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de.<br />
Sua sede foi instala<strong>da</strong> no Parque <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de 10 e tinha como propósito o<br />
desenvolvimento de ações de enfrentamento às diversas situações de vulnerabili<strong>da</strong>de<br />
<strong>social</strong> envolvendo crianças e adolescentes “pobres” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza.<br />
Em 1999, apesar de mantido o mesmo propósito, mas reconhecendo a<br />
necessi<strong>da</strong>de de se ampliar o foco de atuação <strong>para</strong> a família e não apenas <strong>para</strong> as crianças<br />
e os adolescentes, a Funci recebeu nova denominação, por meio <strong>da</strong> Lei nº 8.389,<br />
passando a se chamar Fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Criança e <strong>da</strong> Família Ci<strong>da</strong>dã.<br />
Por meio de seus documentos e dos discursos de profissionais, já na gestão<br />
2005-2008, identifiquei objetivos <strong>para</strong> realizar um trabalho de fortalecimento <strong>da</strong>s redes<br />
de proteção <strong>social</strong> e harmonia do Sistema de Garantia de Direitos em detrimento de<br />
práticas pontuais e assistencialistas. Por esta razão, em 2005, a Funci passou a redefinir<br />
os seus programas e projetos na perspectiva <strong>da</strong> promoção e garantia de direitos.<br />
Nesse período, estabeleceu como missão “promover e garantir Direitos<br />
Humanos com crianças e adolescentes de Fortaleza”, desenvolvendo a linha política de<br />
ação “Família: arte-educação, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, com foco em gênero e<br />
10 Conhecido pelos moradores <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza como “Parque <strong>da</strong>s Crianças”. Situado no coração <strong>da</strong><br />
referi<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, no entorno <strong>da</strong>s Ruas Pedro I, Solon Pinheiro, Pinto Madeira e Conde D‟eu. Nos anos<br />
1950, em suas casinhas espalha<strong>da</strong>s pelo parque funcionava uma escola municipal de ensino primário. Não<br />
fosse a poluição e a preocupação com o desmoronamento <strong>da</strong>s margens do “Lago do Amor”, os<br />
profissionais poderiam contemplar uma lin<strong>da</strong> vista e um agradável ambiente institucional.
25<br />
socioeconomia solidária 11 ”. É importante registrar que, desde a sua criação, o orçamento<br />
<strong>da</strong> Funci é vinculado ao orçamento <strong>da</strong> Secretaria de Assistência Social, correspondendo<br />
a cerca de 1% do orçamento total <strong>da</strong> prefeitura.<br />
O coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia relatou que no<br />
ano de 2005, àquela época vinculado ao Programa <strong>da</strong>s Medi<strong>da</strong>s Socioeducativas em<br />
Meio Aberto, houve muito trabalho, reorganização, estudos, <strong>para</strong> que se pudesse superar<br />
a herança orçamentária <strong>da</strong>s gestões anteriores e ressaltou: “lembro que ficávamos até<br />
mais tarde trabalhando, <strong>para</strong> finalizarmos projetos e planos de trabalho e os vigias <strong>da</strong><br />
instituição querendo fechar os portões”. Nos anos seguintes (2006, 2007 e 2008), como<br />
salientou o coordenador, “pudemos colher os frutos do trabalho do primeiro ano de<br />
gestão e tivemos muitas conquistas, como inclusão de programas no PPA 12 , ampliação<br />
de metas de atendimento, recursos externos <strong>para</strong> a manutenção <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des dos<br />
projetos”.<br />
Em 2009 (segun<strong>da</strong> gestão 2009-2012), houve uma reestruturação política e<br />
foi cria<strong>da</strong> a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), através <strong>da</strong> Lei<br />
Complementar nº 0061, de 22 de janeiro de 2009, com o objetivo de “promover e<br />
coordenar a política de direitos humanos <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, atuando de forma transversal a<br />
todos os órgãos <strong>da</strong> gestão municipal” (FORTALEZA, 2010, p. 11). Na perspectiva de<br />
desenvolver ações relaciona<strong>da</strong>s às políticas de geração (infância, adolescência e<br />
população idosa), população negra, diversi<strong>da</strong>de sexual e pessoas com deficiência, a<br />
SDH instituiu coordenadorias que definem as políticas específicas <strong>para</strong> tais grupos.<br />
De acordo com o texto institucional (2010), elaborado <strong>para</strong> a compreensão<br />
do organograma <strong>da</strong> SDH, esta possui três eixos de atuação, quais sejam: (i) promoção<br />
dos Direitos Humanos, abrangendo o acesso a serviços e equipamentos públicos, a não<br />
violação de direitos, a incorporação <strong>da</strong> temática nas políticas públicas e o atendimento<br />
<strong>para</strong> a efetivação, restauração e notificação do direito violado; (ii) defesa dos Direitos<br />
Humanos, que consiste em acompanhar os procedimentos e processos de<br />
responsabilização dos agressores, assim como de acolhimento inicial e encaminhamento<br />
<strong>da</strong> vítima <strong>para</strong> a Rede de Retaguar<strong>da</strong> e (iii) divulgação dos Direitos Humanos,<br />
11 Estratégia de enfrentamento à exclusão <strong>social</strong> e <strong>da</strong> precarização do trabalho, sustenta<strong>da</strong> em formas<br />
coletivas, justas e solidárias de geração de trabalho e ren<strong>da</strong>.<br />
12 O plano plurianual (PPA) estabelece os projetos e os programas de longa duração do governo,<br />
definindo objetivos e metas <strong>da</strong> ação pública <strong>para</strong> um período de quatro anos. Informação retira<strong>da</strong> do site:<br />
http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/PPA/elaboracao:PL. Acesso em 23 de<br />
dezembro de 2011.
26<br />
significando a construção e reconstrução de espaços de diálogo permanente dos direitos<br />
humanos.<br />
Para a organização dos três eixos de atuação, a SDH conta com um (a)<br />
secretário (a) municipal e seis coordenadorias, Coordenadoria Administrativa<br />
Financeira-CAF 13 , Coordenadoria do Idoso 14 , Coordenadoria <strong>da</strong> Diversi<strong>da</strong>de Sexual 15 ,<br />
Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial-COPPIR 16 , Coordenadoria de<br />
Pessoas com Deficiência-COOPEDEF 17 e Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-<br />
Funci, além de dois projetos especiais (Raízes <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia 18 e Laboratório de Direitos<br />
Humanos-LEDH 19 ). Porém, o que me interessa aqui é ter um maior aprofun<strong>da</strong>mento<br />
acerca <strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci 20 que, ao vincular-se ao<br />
conjunto <strong>da</strong>s coordenadorias <strong>da</strong> SDH, iniciou um novo processo de mu<strong>da</strong>nças em sua<br />
estrutura organizacional e orçamentária.<br />
Como já mencionado, com a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza, a<br />
Funci passou a ser uma coordenação <strong>da</strong> SDH, recebendo a denominação de<br />
Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci. Optou-se em não suprimir a sigla<br />
“Funci” em virtude de sua referência, instituí<strong>da</strong> ao longo <strong>da</strong> história, com a socie<strong>da</strong>de e,<br />
sobretudo, <strong>para</strong> a socie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong> e a população atendi<strong>da</strong>.<br />
Apesar <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça em seu nome, a Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do<br />
Adolescente-Funci, de acordo com os documentos analisados, manteve a sua missão e<br />
linha política de ação, defini<strong>da</strong>s em 2005, havendo apenas uma redefinição em seus<br />
13 A CAF comporta a coordenação financeira, supervisão de compras, procuradoria jurídica, contratos e<br />
convênios, planejamento, tesouraria, setor de informática e protocolo.<br />
14 A Coordenadoria do Idoso é responsável por articular as diferentes políticas públicas municipais<br />
volta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> pessoas idosas, como questões relaciona<strong>da</strong>s a transporte, assistência <strong>social</strong>, saúde e<br />
educação. Também visa mobilizar essa população em torno <strong>da</strong> garantia de seus direitos.<br />
15 A Coordenadoria <strong>da</strong> Diversi<strong>da</strong>de Sexual possui como missão coordenar, elaborar e implementar<br />
políticas públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação por orientação sexual e identi<strong>da</strong>de<br />
de gênero no município de Fortaleza, articulando com as demais secretarias e áreas de atuação<br />
governamental.<br />
16 A COPPIR é responsável em coordenar e desenvolver políticas volta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> a questão racial e étnica,<br />
como forma de garantir direitos e construir a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a justiça <strong>para</strong> negros e outros grupos étnico<br />
raciais historicamente discriminados.<br />
17 A COOPEDEF é responsável pelas articulações contínuas com os gestores municipais e a socie<strong>da</strong>de<br />
civil, numa tentativa de integrar as políticas de forma intersetorial <strong>para</strong> atender às deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
referentes às necessi<strong>da</strong>des específicas <strong>da</strong>s pessoas com deficiência.<br />
18 As Raízes <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia são a Secretaria de Direitos Humanos nos bairros, numa atuação que considera<br />
as especifici<strong>da</strong>des dos territórios e que está fortemente liga<strong>da</strong> às organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil.<br />
19 O LEDH é a referência <strong>da</strong> SDH na sistematização de <strong>da</strong>dos e de conhecimento produzido sobre direitos<br />
humanos, assessora os projetos de pesquisas <strong>da</strong> Secretaria e gerencia o acervo sobre o tema.<br />
20 É importante registrar que apesar de ter se tornado uma coordenadoria, a Funci não perdeu o status de<br />
fun<strong>da</strong>ção, o que facilita a captação de recursos externos.
27<br />
princípios norteadores 21 e no seu organograma 22 , ain<strong>da</strong> com a responsabili<strong>da</strong>de pela<br />
execução e proposição de políticas públicas “<strong>para</strong> meninas e meninos de Fortaleza,<br />
dialogando diretamente com o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos <strong>da</strong> Criança e<br />
do Adolescente (COMDICA), que também está vinculado à SDH” (FORTALEZA,<br />
2010, p. 12).<br />
O organograma institucional, além <strong>da</strong> formatação própria de gestão e<br />
serviços, ain<strong>da</strong> apresenta sete programas: Programa Se Garanta, Programa Ponte de<br />
Encontro, Programa Rede Aquarela, Programa Famílias Defensoras, Programa Disque<br />
Direitos Criança e Adolescente, Programa Adolescente Ci<strong>da</strong>dão e Programa Crescer<br />
com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Com a criação <strong>da</strong> SDH, tornou-se necessária uma nova composição<br />
organizacional, que trouxe retrocessos <strong>para</strong> a Funci, principalmente em relação ao<br />
orçamento. O pouco que se tinha, cerca de 1% do orçamento <strong>da</strong> prefeitura, teve que ser<br />
redimensionado <strong>para</strong> to<strong>da</strong>s as demais coordenadorias no primeiro ano.<br />
Quanto à questão acima, o coordenador do Programa Crescer com Arte e<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia relatou que vivenciou literalmente a per<strong>da</strong> de quase tudo que foi construído<br />
na primeira gestão, como demonstrou na fala: “vimos nossos carros, computadores,<br />
armários, materiais em geral sendo pulverizados nas demais coordenadorias. Tudo foi<br />
conquistado com muito esforço e não poderia ter sido desfeito sem um mínimo de<br />
planejamento”.<br />
O coordenador também relatou que a execução orçamentária <strong>da</strong> política <strong>da</strong>s<br />
medi<strong>da</strong>s socioeducativas e de erradicação do trabalho infantil passou a ser de<br />
responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), causando<br />
dispari<strong>da</strong>de salarial entre profissionais <strong>da</strong> mesma categoria dentro <strong>da</strong> instituição; as<br />
ativi<strong>da</strong>des de arte-educação e informática, desenvolvi<strong>da</strong>s nos Núcleos <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de<br />
Assisti<strong>da</strong>, foram dissemina<strong>da</strong>s em outros projetos, levando muito tempo <strong>para</strong> serem<br />
21 O leitor que tiver interesse em conhecer os princípios norteadores <strong>da</strong> Funci com mais detalhes<br />
encontrará no Plano de Ação 2010/2012, <strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci,<br />
documento institucional que se encontra na Coordenação de Gestão <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> instituição. Em suma, os<br />
princípios são: universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> política, centrali<strong>da</strong>de na criança e no adolescente, foco na família e na<br />
comuni<strong>da</strong>de, ação articula<strong>da</strong>, garantia <strong>da</strong> participação real de crianças e adolescentes, respeito à equi<strong>da</strong>de<br />
de gênero, garantia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia plena e garantia <strong>da</strong> inserção produtiva (FORTALEZA, Plano de Ação,<br />
2010-2012).<br />
22 No anexo <strong>da</strong> pesquisa consta o desenho do organograma <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci, <strong>para</strong> facilitar a sua<br />
compreensão.
28<br />
reinstala<strong>da</strong>s e ocasionando a extinção <strong>da</strong> categoria de educador <strong>social</strong> nos Núcleos; e os<br />
projetos passaram a funcionar com insuficiência de recursos e dotação orçamentária.<br />
Outro fato relatado pelo coordenador, que denota insatisfação após a criação<br />
<strong>da</strong> SDH, foi a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci do “Parque <strong>da</strong>s Crianças”. Todos os<br />
programas 23 foram instalados em um imóvel situado à Rua Guilherme Rocha, nº 1503,<br />
Bairro Jacarecanga. Segundo o profissional, a mu<strong>da</strong>nça gerou insatisfação <strong>da</strong><br />
população, que já possuía a referência <strong>da</strong> Funci no Parque e gozava de fácil acesso,<br />
como relatou: “ficávamos em uma região central e a população, além de já conhecer o<br />
local, aproveitava <strong>para</strong> resolver outros problemas e deman<strong>da</strong>s no centro <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de,<br />
utilizando apenas um transporte”.<br />
A implantação <strong>da</strong> Secretaria de Direitos Humanos, na visão do profissional,<br />
quase que comprometeu por completo a efetivação dos Direitos Humanos <strong>da</strong>s Crianças<br />
e dos Adolescentes em situação de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza, além<br />
de ter gerado certa disputa de egos, sobretudo entre a SDH e a SEMAS, quanto à<br />
responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> execução orçamentária <strong>da</strong>s ações desenvolvi<strong>da</strong>s, como ressaltou:<br />
os profissionais <strong>da</strong> SEMAS sem terem vivenciado o processo de construção<br />
<strong>da</strong>s políticas chegavam na Funci dizendo-se fiscalizadores <strong>da</strong>s ações e<br />
cobrando projetos <strong>para</strong> a liberação dos recursos, quando bastavam planos de<br />
trabalhos, já que eram ações continua<strong>da</strong>s, assim reconheci<strong>da</strong>s pelo<br />
financiador – o Governo Federal (Coordenador do Programa Crescer com<br />
Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia).<br />
Essa suposta disputa entre SDH e SEMAS, relata<strong>da</strong> pelo coordenador do<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, é caracteriza<strong>da</strong> por Costa (2008) como a<br />
fragmentação <strong>da</strong> burocracia pública, um dos limites encontrados nos programas sociais.<br />
Para Costa (2008, p. 29):<br />
as disputas burocráticas, a busca de liderança institucional ou pessoal nos<br />
papeis-chave de execução ou a defesa de espaços de poder por parte de<br />
grupos ou instituições, não são exclusivi<strong>da</strong>des dos programas e políticas<br />
sociais, mas contingências <strong>da</strong> ação em contextos e organizações complexas.<br />
Entretanto, no âmbito do Estado, prejudicam de forma mais acentua<strong>da</strong> a<br />
organici<strong>da</strong>de dos programas sociais, já que esses dependem geralmente <strong>da</strong><br />
ação concerta<strong>da</strong> de diversos órgãos e instâncias decisórias.<br />
23 Apenas a Coordenadoria e a coordenação de gestão permaneceram na Casa Branca do Parque.
29<br />
Aqui não me cabe o aprofun<strong>da</strong>mento acerca <strong>da</strong>s disputas entre as duas<br />
secretarias, apenas comentei a questão por ter sido relata<strong>da</strong> por um dos sujeitos<br />
entrevistados quando estava contextualizando a transformação <strong>da</strong> Funci em<br />
Coordenadoria.<br />
Ain<strong>da</strong> segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia,<br />
em termos de dotação orçamentária 24 , a SDH alcançou alguns avanços ao longo dos<br />
anos, mas ain<strong>da</strong> persistem a não apropriação <strong>da</strong> população quanto às ações<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s e o comprometimento <strong>da</strong> política volta<strong>da</strong> <strong>para</strong> as crianças e os<br />
adolescentes, sobretudo pela fragili<strong>da</strong>de financeira e a não efetivação do Princípio <strong>da</strong><br />
Priori<strong>da</strong>de Absoluta. “O orçamento criança é mascarado com recursos diluídos nas<br />
políticas de saúde e educação, havendo uma publicização não transparente dos valores<br />
que, de fato, são repassados às ações destina<strong>da</strong>s a esse segmento populacional”<br />
(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia).<br />
Esse fenômeno demonstra o que Edite e Eleonora Cunha (2008, p. 23)<br />
afirmaram:<br />
a política <strong>social</strong> não tem se constituído como priori<strong>da</strong>de de governo, ficando<br />
a reboque <strong>da</strong> política econômica, o que veio confirmar o que Draibe, ain<strong>da</strong> no<br />
início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, apontava como uma possível tendência: a<br />
assistencialização <strong>da</strong>s políticas, ou seja, o restrito financiamento destinado a<br />
elas, comprometendo seus resultados e empurrando as classes médias <strong>para</strong> a<br />
compra dos serviços no mercado. Seus usuários passaram a ser as parcelas<br />
mais pauperiza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> população, <strong>da</strong>ndo-lhe um caráter residual.<br />
Portanto, é neste cenário que situo os sujeitos desta pesquisa <strong>para</strong> alcançar<br />
melhor uma compreensão histórica do educador <strong>social</strong> em Fortaleza, seus lugares,<br />
experiências e <strong>sentidos</strong> construídos em torno do trabalho <strong>da</strong> Educação Social.<br />
1.2. <strong>Os</strong> programas e os sujeitos <strong>da</strong> pesquisa<br />
Como visto até aqui, esta pesquisa preza por uma abor<strong>da</strong>gem contextual e<br />
histórica de questões relaciona<strong>da</strong>s à política desenvolvi<strong>da</strong> pela Coordenadoria-Funci,<br />
<strong>para</strong> melhor compreensão do universo geral <strong>da</strong> investigação. Porém, <strong>para</strong> maior<br />
24 Detalhes do orçamento <strong>da</strong> SDH podem ser encontrados nas seguintes leis: Lei Orçamentária Anual<br />
(LOA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no PPA, disponíveis no site <strong>da</strong> Secretaria de Finanças<br />
do Município (SEFIN), a saber: www.sefin.fortaleza.ce.gov.br.
30<br />
aproximação dos sujeitos selecionados <strong>para</strong> o estudo, <strong>jovens</strong> entre 18 e 29 anos de<br />
i<strong>da</strong>de, <strong>educadores</strong> sociais e/ou arte-<strong>educadores</strong> e que já foram atendidos em projetos<br />
sociais, busquei delimitar um locus de realização do estudo.<br />
Iniciei, assim, uma pesquisa exploratória junto aos programas <strong>da</strong><br />
Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente-Funci, a partir <strong>da</strong> aplicação de um<br />
questionário com ca<strong>da</strong> coordenador 25 , no sentido de identificar o quantitativo geral de<br />
profissionais e o quantitativo dos profissionais que estavam no perfil <strong>da</strong> pesquisa. Esta<br />
metodologia revelou que o Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia possui o maior<br />
número de profissionais no perfil, razão pela qual escolhi realizar, no primeiro<br />
momento, a pesquisa de campo no referido programa envolvendo os seus profissionais.<br />
A tabela abaixo sintetiza o quadro de profissionais dos programas <strong>da</strong><br />
Coordenadoria 26 .<br />
TABELA1<br />
QUANTITATIVO DOS PROFISSIONAIS DA COORDENADORIA-FUNCI<br />
Maio de 2010 a Fevereiro de 2011<br />
PROGRAMAS/SUPERVISÕES<br />
QUANTIDADE DE<br />
PROFISSIONAIS<br />
QUANTIDADE<br />
DE<br />
EDUCADORES<br />
EDUCADORES<br />
NO PERFIL DA<br />
PESQUISA<br />
Coordenação de Gestão 04 - -<br />
Disque Direitos Criança e<br />
47 24 04<br />
Adolescente-DDCA<br />
Supervisão dos Conselhos<br />
04 - -<br />
Tutelares<br />
Rede Aquarela 58 15 -<br />
Adolescente Ci<strong>da</strong>dão 14 02 -<br />
Famílias Defensoras 27 07 01<br />
Se Garanta 65 - -<br />
Acolhimento Institucional 18 12 -<br />
Ponte de Encontro 77 51 05<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia 96 54 17<br />
TOTAL 410 165 27<br />
FONTE: Pesquisa direta junto aos programas <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci. Elaboração <strong>da</strong> própria autora.<br />
25 Saliento que, antes de minha inserção no campo de investigação, apresentei um requerimento junto à<br />
Funci, solicitando autorização <strong>para</strong> a realização <strong>da</strong> pesquisa. Recebi a resposta oficial no dia 31 de maio<br />
de 2010. No mesmo dia, antes <strong>da</strong> realização de uma reunião entre os gestores <strong>da</strong> Instituição, realizei um<br />
momento de esclarecimento em relação à pesquisa e a importância quanto ao preenchimento dos<br />
questionários. Desse modo, após sensibilização prévia, fui recebendo as respostas aos poucos, tendo<br />
recebido o último questionário em fevereiro de 2011.<br />
26 É importante salientar que existe alto índice de rotativi<strong>da</strong>de profissional na Coordenadoria-Funci, o que<br />
pode gerar a desatualização dos <strong>da</strong>dos com muita veloci<strong>da</strong>de. Este fator pode estar relacionado a<br />
diferentes motivações de cunho objetivo como baixos salários, uma vez que existem dispari<strong>da</strong>des salariais<br />
entre as Secretarias <strong>da</strong> prefeitura <strong>para</strong> um mesmo cargo, além de condições de trabalho precárias, e de<br />
cunho subjetivas, como processo de identificação com o trabalho, sensação de reconhecimento ou não <strong>da</strong><br />
profissão, distanciamento de valores tradicionais de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de no trabalho com crianças, balanço <strong>da</strong><br />
autoestima, entre outros.
31<br />
Após a avaliação <strong>da</strong> banca de qualificação 27 , seguindo as sugestões<br />
metodológicas de ampliação do quantitativo de sujeitos e de ampliação <strong>da</strong><br />
representativi<strong>da</strong>de feminina, redimensionei a pesquisa 28 . Passei a envolver <strong>educadores</strong><br />
inseridos nos Programas Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro, utilizandome<br />
de nova produção de <strong>da</strong>dos 29 , realiza<strong>da</strong> entre os meses de novembro e dezembro de<br />
2011, assim configura<strong>da</strong>:<br />
TABELA 2<br />
QUANTITATIVO DOS PROFISSIONAIS DA COORDENADORIA-FUNCI<br />
Novembro a Dezembro de 2011<br />
PROGRAMAS/SUPERVISÕES<br />
QUANTIDADE DE<br />
PROFISSIONAIS<br />
QUANTIDADE<br />
DE<br />
EDUCADORES<br />
EDUCADORES<br />
NO PERFIL<br />
DA PESQUISA<br />
Coordenação de Gestão 08 - -<br />
Disque Direitos Criança e<br />
47 25 02<br />
Adolescente-DDCA<br />
Supervisão dos Conselhos<br />
05 - -<br />
Tutelares<br />
Rede Aquarela 54 14 -<br />
Erradicação do Trabalho Infantil 30 08 01 -<br />
Adolescente Ci<strong>da</strong>dão 14 02 -<br />
Famílias Defensoras 26 06 -<br />
Se Garanta 70 - -<br />
Acolhimento Institucional 18 12 -<br />
Ponte de Encontro 95 65 07<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia 145 76 12<br />
TOTAL 490 201 21<br />
FONTE: Pesquisa direta junto aos programas <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci. Elaboração <strong>da</strong> própria autora.<br />
O com<strong>para</strong>tivo entre os levantamentos denota o aumento no número de<br />
profissionais em geral e <strong>educadores</strong> sociais na Instituição, mas redução no número de<br />
<strong>educadores</strong> no perfil <strong>da</strong> pesquisa. Esse último indicativo requer alguns esclarecimentos,<br />
quais sejam: (i) o Programa DDCA possuía quatro <strong>educadores</strong> no perfil, mas dois<br />
desses foram remanejados <strong>para</strong> outros programas (Crescer e Ponte); (ii) o Programa<br />
27 A avaliação <strong>da</strong> banca de qualificação ocorreu em 30 de agosto de 2011.<br />
28 Antes <strong>da</strong> qualificação, a pesquisa envolvia seis <strong>educadores</strong> sociais do Programa Crescer com Arte e<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, sendo cinco homens e uma mulher e o coordenador do Programa. A representativi<strong>da</strong>de<br />
feminina foi coloca<strong>da</strong> em risco, uma vez que optei por um sorteio aleatório contendo o nome de todos os<br />
<strong>educadores</strong> no perfil (homens e mulheres), desse modo obtive, inicialmente, a fala de apenas uma<br />
educadora.<br />
29 Outra recomen<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> banca de qualificação foi a necessi<strong>da</strong>de de melhor delimitar o objeto de estudo,<br />
o que exigiu novo roteiro de entrevista, sendo aplicado com os doze sujeitos envolvidos.<br />
30 No levantamento realizado em maio de 2010, a política de erradicação do trabalho infantil era<br />
vincula<strong>da</strong> ao Programa Rede Aquarela. Hoje, apesar de não possuir status de programa, alcançou<br />
autonomia frente ao referido programa, por isso fiz a se<strong>para</strong>ção no segundo quadro.
32<br />
Famílias Defensoras apresentava um educador no perfil, mas este completou 30 (trinta)<br />
anos de i<strong>da</strong>de, em 2011, saindo do perfil; (iii) o Programa Ponte possuía cinco<br />
<strong>educadores</strong> no perfil, porém, em 2011, dois foram desligados, três foram contratados e<br />
um veio remanejado de outro projeto, totalizando sete <strong>educadores</strong> no perfil; (iv) o<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia apresentava 17 (dezessete) <strong>educadores</strong> no<br />
perfil, mas sete foram desligados em 2011, assim como um foi contratado e um veio<br />
remanejado de outro projeto, totalizando 12 (doze) <strong>educadores</strong> sociais no perfil.<br />
Tais números confirmam a informação, utiliza<strong>da</strong> no relatório de<br />
qualificação em 2010, de que na Coordenadoria-Funci existe um alto índice de<br />
rotativi<strong>da</strong>de, que leva a desatualização dos <strong>da</strong>dos com muita veloci<strong>da</strong>de.<br />
Assim, diante do novo quantitativo, defini envolver a totali<strong>da</strong>de dos<br />
<strong>educadores</strong> sociais dos Programas Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro,<br />
12 (doze) e 7 (sete), respectivamente. Além dos coordenadores de ca<strong>da</strong> programa e um<br />
profissional <strong>da</strong> coordenação de gestão 31 . O critério de escolha <strong>para</strong> a investigação, que<br />
envolve os referidos programas, é a característica de atuação dos <strong>educadores</strong> sociais, ou<br />
seja, de desenvolverem ações de Educação Social, em sua multiplici<strong>da</strong>de de contextos,<br />
diretamente com os adolescentes e o fato de possuírem projetos de monitoria junto aos<br />
adolescentes atendidos.<br />
Apesar do Programa DDCA possuir dois <strong>educadores</strong> sociais no perfil, esses<br />
atuam de forma diferencia<strong>da</strong>, ou seja, não atendem diretamente as crianças e os<br />
adolescentes, mas averiguam denúncias de violações de direitos junto a esses sujeitos, e<br />
não possui projeto de monitoria.<br />
De posse dos nomes e contatos de todos os <strong>educadores</strong> sociais que estavam<br />
no perfil, iniciei nova mobilização <strong>para</strong> a concretização <strong>da</strong>s entrevistas e demais ações<br />
necessárias <strong>para</strong> a efetivação dos objetivos <strong>da</strong> pesquisa. Dos 19 (dezenove) <strong>educadores</strong><br />
mobilizados, compareceram <strong>para</strong> as entrevistas 12 (doze), sendo 9 (nove) vinculados ao<br />
Programa Crescer com Arte e 3 (três) vinculados ao Programa Ponte de Encontro.<br />
Para preservar a identi<strong>da</strong>de dos profissionais, utilizei a denominação de<br />
educador <strong>social</strong>, segui<strong>da</strong> de uma letra do alfabeto (de A até L), obedecendo à ordem <strong>da</strong>s<br />
entrevistas realiza<strong>da</strong>s. Portanto, as suas falas, durante todo o trabalho, foram<br />
identifica<strong>da</strong>s dessa maneira. Assim, nos meses de novembro e dezembro de 2011,<br />
31 Setor responsável pela contratação e desligamento dos profissionais <strong>da</strong> Instituição.
33<br />
apliquei um questionário de identificação junto aos <strong>educadores</strong>, antes de ca<strong>da</strong> entrevista,<br />
que me possibilitou traçar um perfil dos sujeitos <strong>da</strong> pesquisa.<br />
É importante salientar que a aplicação do referido instrumental, a princípio,<br />
pareceu-me um momento frio, com perguntas objetivas, mas a conclusão <strong>da</strong> tarefa<br />
sempre desembocava em uma conversa descontraí<strong>da</strong>, servindo de quebra gelo <strong>para</strong> o<br />
momento posterior, a entrevista.<br />
No item a seguir, apresento os sujeitos envolvidos na pesquisa, enfocando<br />
os seus perfis e contextualizando suas experiências na condição de <strong>educadores</strong> sociais<br />
<strong>da</strong> Coordenadoria-Funci. Assim, apresento ao leitor oito homens e quatro mulheres<br />
<strong>jovens</strong>, que são sujeitos e protagonistas de suas histórias e <strong>da</strong> história dos Programas<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro, que enriqueceram este trabalho com<br />
seus depoimentos e enriquecem suas atuações profissionais mediante a <strong>social</strong>ização <strong>da</strong><br />
ressignificação de suas vi<strong>da</strong>s.<br />
1.3. Jovens <strong>educadores</strong> sociais: protagonistas de suas histórias e <strong>da</strong>s histórias do<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro<br />
Como já informei anteriormente, defini previamente alguns critérios<br />
objetivos <strong>para</strong> a escolha dos sujeitos <strong>da</strong> pesquisa, como a faixa etária (18 a 29 anos), a<br />
categoria profissional (<strong>educadores</strong> sociais e/ou arte-<strong>educadores</strong>), o local de trabalho<br />
(Programas Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro) e o fato de já terem sido<br />
atendidos em projetos sociais, resultando em uma entrevista com o coordenador de ca<strong>da</strong><br />
programa, com uma supervisora de gestão e doze entrevistas com <strong>educadores</strong> sociais, já<br />
denominados de educador de A até L.<br />
As perguntas fecha<strong>da</strong>s conti<strong>da</strong>s no questionário de identificação, aplicado<br />
junto aos <strong>educadores</strong> sociais, possibilitou-me traçar um perfil desses sujeitos,<br />
sintetizado na tabela abaixo:<br />
Tabela 3 – Perfil dos Jovens Educadores Sociais<br />
Referência I<strong>da</strong>de Sexo Cargo Tempo no<br />
Escolari<strong>da</strong>de<br />
(Identificação/Programa)<br />
Programa<br />
A<br />
Crescer com Arte<br />
26 M Educador<br />
Social<br />
3 anos e 8 meses Superior Incompleto<br />
Educação Física<br />
B<br />
Crescer com Arte<br />
21 M Arte<br />
Educador<br />
3 anos e 6 meses Ensino Médio<br />
Completo<br />
C 21 M Educador 4 anos Ensino Médio
34<br />
Crescer com Arte Social Completo<br />
D<br />
Crescer com Arte<br />
29 F Arte<br />
Educadora<br />
1 ano Ensino Médio<br />
Incompleto<br />
E<br />
Crescer com Arte<br />
25 M Educador<br />
Social<br />
5 anos Superior Incompleto<br />
Pe<strong>da</strong>gogia<br />
F<br />
Crescer com Arte<br />
25 M Arte<br />
Educador<br />
7 anos Ensino Médio<br />
Completo<br />
G<br />
Ponte de Encontro<br />
19 M Educador<br />
Social<br />
3 anos Ensino Médio<br />
Incompleto<br />
H<br />
Ponte de Encontro<br />
22 M Educador<br />
Social<br />
3 meses Ensino Médio<br />
Completo<br />
I<br />
Ponte de Encontro<br />
22 M Educador<br />
Social<br />
3 meses Superior Completo<br />
Licenciatura em Artes<br />
J<br />
Crescer com Arte<br />
24 F Arte<br />
Educadora<br />
7 anos Ensino Médio<br />
Completo<br />
K<br />
Crescer com Arte<br />
21 F Educadora<br />
Social<br />
3 anos Ensino Médio<br />
Completo<br />
L<br />
Crescer com Arte<br />
24 F Educadora<br />
Social<br />
2 anos e 8 meses Superior Incompleto<br />
Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Elaboração <strong>da</strong> própria autora.<br />
Dos doze <strong>educadores</strong> sociais entrevistados, nove são vinculados ao<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, sendo cinco homens e quatro mulheres, e três<br />
são vinculados ao Programa Ponte de Encontro, todos do sexo masculino. Em relação à<br />
faixa de i<strong>da</strong>de, apenas um educador está compreendido na faixa etária de 18 a 20 anos;<br />
cinco estão compreendidos na faixa etária de 21 a 23 anos; assim como cinco<br />
correspondem à faixa etária de 24 a 26 anos e um educador na faixa etária de 27 a 29<br />
anos.<br />
A maioria dos entrevistados é solteira, com exceção <strong>da</strong>s educadoras D e L;<br />
eles são vinculados à Instituição através de empresa de terceirização, com registros em<br />
suas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) como <strong>educadores</strong> sociais (A, C,<br />
E, G, H, I, K, L) ou instrutores de oficinas (B, D, F, J); possuem rendimento individual<br />
correspondente a R$ 703,53 (setecentos e três reais e cinquenta e três centavos) e um<br />
salário mínimo, respectivamente; trabalham no Programa há mais de dois anos, com<br />
exceção <strong>da</strong> educadora D, que trabalha há um ano, e dos <strong>educadores</strong> H e I, que trabalham<br />
há três meses.<br />
Quanto à escolari<strong>da</strong>de, um possui ensino superior completo (I –<br />
Licenciatura em Artes); três <strong>educadores</strong> possuem ensino superior incompleto (A –<br />
Educação Física, E e L – Pe<strong>da</strong>gogia), seis possuem ensino médio completo (B, C, F, H,<br />
J e K) e dois estão cursando o ensino médio (D e G).<br />
Todos fazem parte do quadro de profissionais <strong>da</strong> Funci, que comumente<br />
contrata <strong>jovens</strong>, que já foram acompanhados por projetos sociais, em busca de
35<br />
enriquecer o processo de aprendizagem, compartilhando suas experiências de vi<strong>da</strong> com<br />
as crianças e os adolescentes inseridos nos projetos. Foram admitidos pela Instituição<br />
através de convite, embora todos tenham se submetido à entrega de currículo. Alguns<br />
vivenciaram um processo seletivo mais rigoroso, como os <strong>educadores</strong> D, E e L,<br />
passando por avaliações escritas, entrevistas coletivas e vivências práticas.<br />
Na intenção de compartilhar com o leitor um pouco dessas experiências, a<br />
partir <strong>da</strong>s questões abertas conti<strong>da</strong>s no questionário de identificação, elaborei uma breve<br />
contextualização acerca dos <strong>educadores</strong> sociais no ambiente institucional, a saber:<br />
Tabela 4<br />
Ativi<strong>da</strong>des, Habili<strong>da</strong>des, Motivações e Experiências dos Jovens Educadores Sociais<br />
Educador Projeto/Área 32 Ativi<strong>da</strong>de Habili<strong>da</strong><br />
de<br />
A Crescer Santa Esporte Futebol Sente-se motivado<br />
Filomena<br />
em desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de por ter<br />
aptidão. “Sempre<br />
fui louco por<br />
futebol”.<br />
Motivação Experiência O que almeja<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido na<br />
escolinha de<br />
futebol do projeto<br />
Crescer com Arte.<br />
Foi voluntário,<br />
auxiliando o<br />
instrutor, depois se<br />
tornou monitor <strong>da</strong><br />
ativi<strong>da</strong>de,<br />
recebendo bolsa de<br />
monitoria, até<br />
tornar-se educador<br />
<strong>social</strong>, responsável<br />
pela ativi<strong>da</strong>de.<br />
Ser professor de<br />
Educação<br />
Física.<br />
B<br />
Crescer Bela<br />
Vista<br />
Arte-educação<br />
Artes<br />
visuais<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de por<br />
possuir habili<strong>da</strong>de<br />
com desenho,<br />
gostar de <strong>da</strong>r aula<br />
e aprender.<br />
“Através dessa<br />
linguagem e do<br />
fato de ser<br />
educador, a ca<strong>da</strong><br />
dia que passa eu<br />
aprendo mais”.<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido no projeto<br />
Crescer com Arte.<br />
Depois se tornou<br />
monitor com bolsa<br />
e por destacar-se<br />
foi convi<strong>da</strong>do a<br />
assumir a ativi<strong>da</strong>de.<br />
Adquirir mais<br />
teoria <strong>para</strong><br />
desenvolver a<br />
sua ativi<strong>da</strong>de<br />
profissional.<br />
C<br />
Crescer Bela<br />
Vista<br />
Educação Social:<br />
acompanhamento<br />
dos adolescentes,<br />
desenvolvimento<br />
de oficinas<br />
Teatro<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pela<br />
possibili<strong>da</strong>de de<br />
multiplicar com os<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido no projeto<br />
Crescer com Arte.<br />
Tornou-se monitor<br />
Viajar,<br />
participar de<br />
companhias de<br />
teatro.<br />
32 O leitor deve observar que os Programas Crescer com Arte e Ponte de Encontro acontecem em algumas<br />
áreas de Fortaleza, <strong>da</strong>í levar o nome de alguns bairros <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, como Santa Filomena, Bela Vista entre<br />
outros que aparecem no quadro.
36<br />
temáticas.<br />
adolescentes o seu<br />
aprendizado. “O<br />
que a gente<br />
vivencia em<br />
oficina, em<br />
dinâmica é muito<br />
bom, é muito<br />
construtivo”.<br />
de teatro, depois<br />
arte-educador <strong>da</strong><br />
ativi<strong>da</strong>de e hoje é<br />
educador <strong>social</strong>.<br />
D<br />
Crescer<br />
Palmeiras<br />
Arte-educação Dança Sente-se motiva<strong>da</strong><br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de por que<br />
sempre gostou de<br />
ensinar. “Comecei<br />
a <strong>da</strong>nçar com 12<br />
anos de<br />
brincadeira, mas<br />
não imaginava que<br />
iria ensinar. Hoje<br />
não me vejo<br />
fazendo outra<br />
coisa”.<br />
Foi atendi<strong>da</strong> em<br />
uma ONG<br />
(Escuta) 33 <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de desde<br />
os 15 anos de<br />
i<strong>da</strong>de, na ativi<strong>da</strong>de<br />
de <strong>da</strong>nça. Depois<br />
passou a ministrar a<br />
oficina. Essa<br />
experiência foi<br />
preponderante <strong>para</strong><br />
assumir a ativi<strong>da</strong>de<br />
de <strong>da</strong>nça na Funci.<br />
Não deixar a<br />
<strong>da</strong>nça morrer e<br />
cultivar as<br />
raízes<br />
nordestinas.<br />
E<br />
Crescer<br />
Jangurussu<br />
Educação Social:<br />
acompanhamento<br />
dos adolescentes,<br />
desenvolvimento<br />
de oficinas<br />
temáticas.<br />
Teatro e<br />
Dança<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de por<br />
gostar do que faz.<br />
“É o que eu gosto<br />
de fazer. Quando<br />
me imagino<br />
fazendo outra<br />
coisa, não consigo<br />
me encontrar”.<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido em<br />
projetos <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de civil,<br />
desenvolvidos pela<br />
DIACONIA 34 .<br />
Sempre exerceu<br />
liderança, foi<br />
monitor e considera<br />
tais experiências<br />
fun<strong>da</strong>mentais <strong>para</strong><br />
ter assumido uma<br />
vaga na Funci.<br />
Ser pe<strong>da</strong>gogo,<br />
sem deixar de<br />
lado a Educação<br />
Social.<br />
F<br />
Crescer<br />
Granja<br />
Portugal<br />
Arte-educação<br />
Artes<br />
visuais<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de por ter<br />
aptidão com o<br />
desenho e por<br />
gostar muito.<br />
“Desenvolvendo<br />
esse trabalho, eu<br />
me satisfaço pra<br />
„caralho‟”.<br />
Iniciou como<br />
adolescente no<br />
projeto Crescer<br />
com Arte. Tornouse<br />
monitor, depois<br />
foi contratado<br />
como auxiliar <strong>da</strong><br />
oficina. Em segui<strong>da</strong><br />
foi convi<strong>da</strong>do a ser<br />
o arte-educador<br />
responsável.<br />
Possuir uma<br />
formação na<br />
área de cinema.<br />
G<br />
Ponte/Casa de<br />
Passagem<br />
Educação Social:<br />
abor<strong>da</strong>gem de<br />
rua e redução de<br />
<strong>da</strong>nos.<br />
Música<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pela<br />
possibili<strong>da</strong>de de<br />
retribuir aos<br />
adolescentes o que<br />
ele pôde vivenciar.<br />
“O que me motiva<br />
a exercer essa<br />
função é o mesmo<br />
amor que me<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido em<br />
diversos projetos<br />
<strong>da</strong> Funci. Tornouse<br />
monitor, foi<br />
protagonista de<br />
alguns filmes <strong>da</strong><br />
Instituição, até<br />
tornar-se educador<br />
<strong>social</strong> do Ponte de<br />
Quer ser músico<br />
profissional.<br />
33 Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, ONG situa<strong>da</strong> no Bairro Planalto Pici, em Fortaleza/CE.<br />
34 ONG representa<strong>da</strong> por sete igrejas evangélicas que desenvolvem ações nos bairros Bom Jardim,<br />
Jangurussu e Planalto Pici. O nome significa serviço, ou seja, igrejas evangélicas a serviço <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.
37<br />
repassaram. E a<br />
vontade de querer<br />
aju<strong>da</strong>r a melhorar<br />
outras<br />
comuni<strong>da</strong>des,<br />
além <strong>da</strong> minha”.<br />
Encontro.<br />
H<br />
Ponte/Siqueira<br />
e Bom Jardim<br />
Educação Social:<br />
abor<strong>da</strong>gem de<br />
rua e esportes.<br />
Futebol<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pelo<br />
desejo de aju<strong>da</strong>r ao<br />
próximo. “A<br />
Educação Social<br />
me aju<strong>da</strong> muito,<br />
me faz aju<strong>da</strong>r esse<br />
pessoal que tá<br />
precisando no<br />
momento”.<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido pelo Ponte<br />
de Encontro.<br />
Tornou-se monitor<br />
<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de<br />
esporte e<br />
recentemente foi<br />
contratado pela<br />
Funci como<br />
educador <strong>social</strong>.<br />
Deseja que o<br />
educador <strong>social</strong><br />
tenha mais<br />
autonomia na<br />
Instituição.<br />
I<br />
Ponte/Siqueira<br />
e Barra do<br />
Ceará<br />
Educação Social:<br />
abor<strong>da</strong>gem de<br />
rua e esportes<br />
Surfe<br />
Sente-se motivado<br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pela<br />
oportuni<strong>da</strong>de de<br />
ser uma referência<br />
na sua comuni<strong>da</strong>de<br />
e por ter aptidão<br />
<strong>para</strong> o esporte.<br />
“Sou considerado<br />
uma referência na<br />
minha<br />
comuni<strong>da</strong>de,<br />
através do surfe,<br />
esporte que amo,<br />
posso possibilitar<br />
a transformação”.<br />
Iniciou como<br />
adolescente<br />
atendido em<br />
projetos na sua<br />
comuni<strong>da</strong>de<br />
(ARCA,<br />
Associação Barra<br />
Surfe Clube) 35 . Foi<br />
monitor de esporte<br />
em um dos projetos<br />
atendidos.<br />
Conheceu o<br />
trabalho <strong>da</strong> Funci,<br />
entregou currículo,<br />
por orientação de<br />
<strong>educadores</strong> <strong>da</strong><br />
referi<strong>da</strong> instituição<br />
e foi selecionado.<br />
Almejava ser<br />
um surfista<br />
profissional,<br />
mas esse sonho<br />
foi adiado. Hoje<br />
busca facilitar<br />
conhecimentos.<br />
J<br />
Crescer Santa<br />
Filomena<br />
Arte-educação Música Sente-se motiva<strong>da</strong><br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pela<br />
possibili<strong>da</strong>de de<br />
promover a<br />
<strong>social</strong>ização <strong>da</strong>s<br />
pessoas. “Somos<br />
educa<strong>da</strong>s <strong>para</strong><br />
competir com o<br />
outro; a Educação<br />
Social permite o<br />
contato com o<br />
outro, a<br />
afetivi<strong>da</strong>de, a<br />
sociabili<strong>da</strong>de”.<br />
Foi atendi<strong>da</strong> em<br />
projeto <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de<br />
(ENXAME) 36 .<br />
Depois foi atendi<strong>da</strong><br />
pela Funci (Crescer<br />
com Arte), foi<br />
monitora e tornouse<br />
arte-educadora.<br />
Quer ter uma<br />
formação em<br />
Arte.<br />
K<br />
Crescer<br />
Granja<br />
Portugal<br />
Educação Social:<br />
acompanhamento<br />
dos adolescentes,<br />
Teatro<br />
Sente-se motiva<strong>da</strong><br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pela<br />
Foi atendi<strong>da</strong> em<br />
projetos <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de<br />
Quer ser<br />
assistente <strong>social</strong>.<br />
35 A ARCA (Associação Recreativa e Esportiva <strong>para</strong> Crianças e Adolescentes) é uma ONG que trabalha o<br />
esporte como fator <strong>social</strong>izador, com intervenção em diversos bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza. Já a<br />
Associação Barra Surfe Clube, era uma associação dos moradores <strong>da</strong> Barra do Ceará que incentivava a<br />
profissionalização do surfe junto às crianças e adolescentes <strong>da</strong> região. Foi extinta, mas não tenho a<br />
informação <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta precisa de sua extinção.<br />
36 ONG situa<strong>da</strong> no Bairro Mucuripe, que trabalha com foco na arte-educação.
38<br />
desenvolvimento<br />
de oficinas<br />
temáticas.<br />
identificação com<br />
o trabalho. “Eu<br />
não me vejo<br />
trabalhando em<br />
outra área a não<br />
ser a área <strong>social</strong>”.<br />
(Káritas,<br />
CEDECA/CE) 37 .<br />
Atuou como<br />
voluntária. Depois<br />
foi atendi<strong>da</strong> pela<br />
Funci (Adolescente<br />
Ci<strong>da</strong>dão 38 ), foi<br />
monitora e tornouse<br />
educadora<br />
<strong>social</strong>.<br />
L<br />
Crescer Santa<br />
Filomena<br />
Educação Social:<br />
acompanhamento<br />
dos adolescentes,<br />
desenvolvimento<br />
de oficinas<br />
temáticas.<br />
Teatro<br />
Sente-se motiva<strong>da</strong><br />
a desenvolver a<br />
ativi<strong>da</strong>de pela<br />
oportuni<strong>da</strong>de de<br />
efetivar direitos.<br />
“Luto pelos<br />
direitos <strong>da</strong>s<br />
crianças e dos<br />
adolescentes,<br />
desde quando era<br />
adolescente <strong>da</strong><br />
Rede OPA 39 ”.<br />
Foi atendi<strong>da</strong> em<br />
projetos <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de<br />
(DIACONIA e<br />
CEDECA/CE).<br />
Destacou-se como<br />
protagonista<br />
juvenil. Fez seleção<br />
<strong>para</strong> a Funci.<br />
Iniciou no<br />
DDCA 40 , depois foi<br />
remaneja<strong>da</strong> <strong>para</strong> o<br />
Crescer.<br />
Ser pe<strong>da</strong>goga.<br />
Elaboração <strong>da</strong> própria autora.<br />
Como evidenciou o perfil e a contextualização, existem os <strong>educadores</strong><br />
sociais e os arte-<strong>educadores</strong>. Todos possuem responsabili<strong>da</strong>des e ativi<strong>da</strong>des que se<br />
confundem, mas com carga horária e salários diferenciados 41 . <strong>Os</strong> <strong>jovens</strong> sequer<br />
mencionaram as diferenças quanto ao registro em suas CTPS e as diferenciações<br />
existentes entre os Programas.<br />
Tendo como base o Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico do Programa Crescer com<br />
Arte, no tocante às atribuições dos <strong>educadores</strong> sociais e arte-<strong>educadores</strong> (instrutores de<br />
oficinas) existe uma ativi<strong>da</strong>de específica <strong>para</strong> ca<strong>da</strong> cargo – realizar ativi<strong>da</strong>des de cunho<br />
socioeducativo e realizar oficinas na sua linguagem artística, respectivamente. Mas<br />
37 Káritas Diocesana do Brasil, instituição vincula<strong>da</strong> à Igreja católica, com projetos desenvolvidos em<br />
diversos bairros de Fortaleza. E o Centro de Defesa <strong>da</strong> Criança e do Adolescente do Ceará, que<br />
desenvolve ações de empoderamento de crianças e adolescentes <strong>para</strong> atuarem ativamente na construção<br />
do orçamento público do segmento.<br />
38 Projeto desenvolvido pela Coordenadoria-Funci que está inserido no Programa que recebe o mesmo<br />
nome e visa o desenvolvimento de ações de formação e profissionalização <strong>para</strong> <strong>jovens</strong> de 16 a 21 anos.<br />
39 A Rede OPA é uma ação de formação junto a crianças, adolescentes e <strong>jovens</strong>, desenvolvi<strong>da</strong> pelo<br />
CEDECA/CE e que tem por objetivo possibilitar a discussão do orçamento público <strong>para</strong> o referido<br />
segmento.<br />
40 Disque Direitos Criança e Adolescente, serviço municipal de defesa dos direitos <strong>da</strong>s crianças e dos<br />
adolescentes que recebe denúncias de violação dos direitos desses sujeitos.<br />
41 O educador <strong>social</strong> trabalha 8h diárias e recebe o equivalente a R$ 703,53 (setecentos e três reais e<br />
cinquenta e três centavos). O instrutor de oficina trabalha 4h diárias e recebe o equivalente a R$ 545,00<br />
(quinhentos e quarenta e cinco reais). Ressalta-se que a partir de janeiro de 2012 o salário mínimo passou<br />
a ser o equivalente a R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais).
39<br />
inúmeras ativi<strong>da</strong>des devem ser desenvolvi<strong>da</strong>s por ambos, como visitas domiciliares,<br />
promover ativi<strong>da</strong>des externas etc., sob a justificativa de complementari<strong>da</strong>de.<br />
No que diz respeito às diferenciações na carga horária, salários e registros<br />
nas CTPS, não houve nenhuma explicação. Afinal, porque o profissional responsável<br />
por desenvolver o esporte é contratado como educador <strong>social</strong> e trabalha oito horas e a<br />
profissional de <strong>da</strong>nça é instrutora de oficina e trabalha quatro horas? Tal questão pode<br />
estar relaciona<strong>da</strong> à valorização do cunho artístico em detrimento do perfil genérico do<br />
educador <strong>social</strong>? Mais adiante, em capítulo posterior, retomo a questão.<br />
No Programa Ponte de Encontro não existe essa diferenciação entre<br />
categorias profissionais de educador <strong>social</strong> e arte-educador. Todos são contratados<br />
como <strong>educadores</strong> sociais e devem realizar a ativi<strong>da</strong>de de abor<strong>da</strong>gem de rua durante oito<br />
horas diárias. <strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> que porventura possuírem alguma habili<strong>da</strong>de artística e/ou<br />
esportiva podem utilizá-la como reforço na aproximação e fortalecimento dos vínculos<br />
com as crianças e os adolescentes atendidos.<br />
Outro aspecto observado na contextualização é o fato de tanto a habili<strong>da</strong>de<br />
como a aptidão por alguma linguagem artística serem preponderantes, assim como a<br />
identificação e a paixão pelo que exercem. Mesmo os que vislumbram outras<br />
possibili<strong>da</strong>des de atuação – ser professor de educação física, pe<strong>da</strong>gogo e cineasta –<br />
como relataram os <strong>educadores</strong> A, E, F, respectivamente, as possíveis ativi<strong>da</strong>des que<br />
venham desenvolver no futuro possuem relação com as do presente.<br />
Na maioria dos casos se concretizou o que denominamos “juntou-se o útil<br />
ao agradável”, uma vez que estavam desenvolvendo suas ativi<strong>da</strong>des, recebendo bolsas<br />
de monitoria e puderam <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de, agora sendo mais bem remunerados. Porém,<br />
esta melhoria salarial soma<strong>da</strong> à paixão e o fato de desenvolverem o que gostam podem<br />
mascarar uma consciência crítica quanto à possível exploração <strong>da</strong> força de trabalho,<br />
percebi<strong>da</strong> nas entrelinhas <strong>da</strong>s falas e na análise dos documentos institucionais.<br />
Mas, afinal, o que credencia uma pessoa a ser um educador <strong>social</strong>? O fato<br />
de ter sido atendido em projetos sociais contribui <strong>para</strong> melhor atuação profissional?<br />
Existe um perfil mínimo? Que competências e habili<strong>da</strong>des são exigi<strong>da</strong>s? A habili<strong>da</strong>de e<br />
a aptidão artística são condições necessárias? Como essa categoria se inseriu no âmbito<br />
<strong>da</strong>s políticas públicas/projetos sociais? E o que os sujeitos pesquisados percebem sobre<br />
isso?
40<br />
Essas questões serão respondi<strong>da</strong>s ao longo de todo o trabalho, levando em<br />
consideração a política desenvolvi<strong>da</strong> pela Coordenadoria-Funci e, especificamente, as<br />
ações dos programas onde os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais estão inseridos, que apresento<br />
no capítulo seguinte.
41<br />
CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO SOCIAL NOS PROGRAMAS CRESCER COM<br />
ARTE E CIDADANIA E PONTE DE ENCONTRO: INTERVENÇÕES<br />
POSSÍVEIS<br />
Tanto a criança quanto o adolescente ocu<strong>para</strong>m espaços consideráveis na<br />
agen<strong>da</strong> política <strong>da</strong>s intenções; faltou, infelizmente, que sua causa se inserisse<br />
na agen<strong>da</strong> política <strong>da</strong>s ações, efetivamente.<br />
Rejane Batista Vasconcelos<br />
No Brasil, houve um grande crescimento dos grupos etários de 15 a 24 anos<br />
durante a déca<strong>da</strong> de 1990. Esse processo foi o resultado <strong>da</strong> dinâmica demográfica do<br />
passado recente e é conhecido como a “on<strong>da</strong> jovem” (RIBEIRO; LOURENÇO, 2003).<br />
Porém, ressaltam as autoras, que não se desconhece que, quando um determinado<br />
segmento se amplia significativamente na pirâmide populacional, emerge a exigência de<br />
planificação de ações públicas <strong>para</strong> atender as deman<strong>da</strong>s que se instalam a partir do<br />
fenômeno.<br />
As mu<strong>da</strong>nças sociais 42 <strong>da</strong>s últimas déca<strong>da</strong>s colocaram a juventude em<br />
evidência. <strong>Os</strong> reflexos de tais mu<strong>da</strong>nças acabam por atingir, violentamente, as crianças<br />
e os <strong>jovens</strong>, revelando o aumento de alguns fenômenos como: a exploração sexual<br />
infanto-juvenil, a exploração do trabalho infantil, a exclusão dos <strong>jovens</strong> do acesso à<br />
educação e ao mercado de trabalho e, sobretudo, o elevado índice de mortes violentas<br />
entre os <strong>jovens</strong>.<br />
Segundo Diógenes (2003, p. 52), “a juventude tem se projetado como<br />
vitrine <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>social</strong>”. Porém, a vitrine que ganha expressão pública, hoje, é a <strong>da</strong><br />
violência causa<strong>da</strong> e sofri<strong>da</strong> pelos <strong>jovens</strong>, que acabam sendo estigmatizados e percebidos<br />
como “perigosos”, “marginais”. Não convém reforçar ou ficar apático frente à utilização<br />
de adjetivos negativos <strong>para</strong> ilustrar a “fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>” de um jovem, levando à equivoca<strong>da</strong><br />
concepção de que a juventude é homogênea.<br />
Não há unanimi<strong>da</strong>de acerca do conceito de juventude, mas adoto aqui a sua<br />
conceituação enquanto produção sócio-histórica-cultural, já que ca<strong>da</strong> época e socie<strong>da</strong>de<br />
admitem sua concepção própria e lhe atribui funções específicas.<br />
42 Indicadores sociais do IBGE e do Relatório Mundial sobre a Juventude, produzido em 2005, pela<br />
Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s (ONU) informam que na faixa etária correspondente à população jovem<br />
se encontram os piores índices de evasão escolar, de desemprego, de falta de formação profissional, <strong>da</strong>s<br />
mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com a criminali<strong>da</strong>de.
42<br />
Em consonância com a perspectiva de juventude como construto histórico<strong>social</strong>,<br />
trago a eluci<strong>da</strong>tiva fala de Groppo (2000, p. 13):<br />
as faixas etárias reconheci<strong>da</strong>s pela socie<strong>da</strong>de moderna sofreram várias<br />
alterações, abandonos, retornos, supressões e acréscimos ao longo dos dois<br />
últimos séculos. Do mesmo modo, as categorias sociais que delas se<br />
originaram também tiveram mu<strong>da</strong>nças e até supressões. Giraram em torno de<br />
termos como infância, adolescência, juventude, jovem-adulto, adulto,<br />
maturi<strong>da</strong>de, idoso, velho, terceira i<strong>da</strong>de e outros. No tocante aos três<br />
momentos básicos do curso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>social</strong> – nascimento-ingresso na<br />
socie<strong>da</strong>de, fase de transição e maturi<strong>da</strong>de –, muitas divisões e subdivisões<br />
foram cria<strong>da</strong>s, recria<strong>da</strong>s e suprimi<strong>da</strong>s ao sabor <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças sociais,<br />
culturais, e de mentali<strong>da</strong>de, pelo reconhecimento legal e na prática cotidiana.<br />
E, acrescenta o autor, “encontramos, do século XIX até o início do século<br />
XX, uma noção de juventude engendra<strong>da</strong> pelas práticas e discursos <strong>da</strong>s instituições<br />
sociais oficiais, estatais, liberais, burguesas, capitalistas etc., noção legitima<strong>da</strong> pelas<br />
ciências modernas” (GROPPO, 2000, p. 18).<br />
De acordo com Ribeiro e Lourenço (2003, p. 48), a juventude tem sido<br />
objeto de sucessivas mitificações, conforme assinalam, “a própria abstração <strong>da</strong> categoria<br />
juventude, hoje ca<strong>da</strong> vez mais manipula<strong>da</strong>, impede o mapeamento cognitivo<br />
indispensável a sua transformação em sujeito”.<br />
Levi e Schmitt (1996, p. 08), conceituando a juventude, afirmam que:<br />
a juventude é uma construção <strong>social</strong> e cultural [...]. Se situa no interior <strong>da</strong>s<br />
margens móveis entre a dependência infantil e a autonomia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> adulta,<br />
naquele período de pura mu<strong>da</strong>nça e de inquietude em que se realizam as<br />
promessas <strong>da</strong> adolescência, entre a formação e o pleno florescimento <strong>da</strong>s<br />
facul<strong>da</strong>des mentais, entre a falta e a aquisição de autori<strong>da</strong>de e de poder.<br />
Nesse sentido, nenhum limite fisiológico basta <strong>para</strong> identificar analiticamente<br />
uma fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que se pode explicar melhor pela determinação cultural <strong>da</strong>s<br />
socie<strong>da</strong>des humanas segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de<br />
atribuir ordem e sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer,<br />
caótico e desordenado.<br />
Pais (2003, p. 31) destaca, no entanto, que a juventude “só começou a ser<br />
vulgarmente encara<strong>da</strong> como fase de vi<strong>da</strong> quando, na segun<strong>da</strong> metade do século XIX, os<br />
problemas e tensões a ela associados a tornaram objeto de consciência <strong>social</strong>”.<br />
É importante mencionar que as políticas volta<strong>da</strong>s à juventude sempre foram<br />
pensa<strong>da</strong>s como possibili<strong>da</strong>des de intervenção junto aos problemas e tensões a ela
43<br />
associados, como assinalou Pais (2003). Na maioria <strong>da</strong>s vezes, encarando-a numa<br />
perspectiva geracional 43 , que apresenta a noção de juventude entendi<strong>da</strong> no sentido de<br />
fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> (homogênea) e ou classista, que acredita que a reprodução <strong>social</strong> é<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente vista em termos de reprodução <strong>da</strong>s classes sociais. Para Pais (2003,<br />
p. 37), “a juventude deve ser olha<strong>da</strong> não apenas na sua aparente uni<strong>da</strong>de, mas também<br />
na sua diversi<strong>da</strong>de”.<br />
Conforme alerta Abramo (1997, p. 26), “no Brasil, [...], nunca existiu uma<br />
tradição de políticas especificamente destina<strong>da</strong> aos <strong>jovens</strong>, como alvo diferenciado do<br />
<strong>da</strong>s crianças, <strong>para</strong> além <strong>da</strong> educação formal”. Acrescenta a autora que a maior parte <strong>da</strong>s<br />
ações desenvolvi<strong>da</strong>s junto à juventude divide-se em dois tipos de programas: os<br />
programas de res<strong>social</strong>ização, por meio <strong>da</strong> educação não-formal, oficinas ocupacionais,<br />
ativi<strong>da</strong>des de esporte e arte; e os programas de capacitação profissional, que nem<br />
sempre qualificam efetivamente o jovem <strong>para</strong> o mercado de trabalho. Segundo Abramo<br />
(1997, p. 26), “todos eles visando dirimir ou pelo menos diminuir as dificul<strong>da</strong>des de<br />
integração <strong>social</strong> desses adolescentes em desvantagem”.<br />
De acordo com Cohn (2004, p. 161), “os <strong>jovens</strong>, [...], situam-se numa<br />
categoria transitória – <strong>da</strong> infância <strong>para</strong> a maturi<strong>da</strong>de –, a eles cabendo a garantia do<br />
acesso à educação e à saúde”. Segundo a autora, a juventude não tem lugar no sistema<br />
de proteção <strong>social</strong> brasileiro, a não ser em programas pontuais que, na maioria <strong>da</strong>s<br />
vezes, não apresentam uma concepção mais ampla que fun<strong>da</strong>mente um sistema de<br />
seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Nessa perspectiva, a juventude acaba não sendo contempla<strong>da</strong> pelas<br />
políticas de proteção <strong>social</strong>, ou seja, “na prática ain<strong>da</strong> prevalece no país a concepção de<br />
seguro <strong>social</strong> em detrimento <strong>da</strong>quela de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>” (COHN, 2004, p. 161).<br />
É nesse contexto, portanto, que apresento os Programas Crescer com Arte e<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro, <strong>para</strong> situar o leitor quanto aos locais de atuação dos<br />
<strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, a partir <strong>da</strong> leitura e análise dos seus Projetos Político-<br />
Pe<strong>da</strong>gógicos (PPPs), que me foram disponibilizados em fevereiro de 2010 e dezembro<br />
de 2011, respectivamente.<br />
Antes de apresentar os dois programas, considerei pertinente relatar<br />
brevemente as origens <strong>da</strong> Educação Social, uma vez que ela é considera<strong>da</strong> o “carro<br />
43 <strong>Os</strong> instrumentos normativos que versam acerca dos direitos <strong>da</strong>s crianças, adolescentes e <strong>jovens</strong><br />
claramente utilizam o critério etário como forma de identificar as fases <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.
44<br />
chefe” <strong>da</strong>s ações desenvolvi<strong>da</strong>s pela Coordenadoria-Funci e alguns leitores podem não<br />
possuir familiari<strong>da</strong>de com a temática.<br />
Em segui<strong>da</strong>, após a apresentação dos programas, analiso como a Educação<br />
Social é desenvolvi<strong>da</strong> no âmbito desses programas e como esse desenvolvimento é<br />
percebido pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e pelos gestores envolvidos na pesquisa. Em<br />
todo o texto, além <strong>da</strong> leitura e análise dos documentos institucionais, trago como<br />
complementação os depoimentos de alguns <strong>educadores</strong> sociais e dos coordenadores dos<br />
programas que, de certa forma, registram conflitos com os PPPs.<br />
2.1. Educação Social: passos históricos<br />
De acordo com Machado (2011, p. 260), “a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Social como campo teórico tem apresentado um processo marcante de discussão <strong>da</strong><br />
construção histórica <strong>da</strong> área e <strong>da</strong> busca de seus antecedentes.” Ressalta a autora que os<br />
estudos sobre o fenômeno apresentam um cenário abrangente, global, diversificado e<br />
sem fronteiras, que, inicialmente, estiveram centralizados em alguns países <strong>da</strong> Europa 44 ,<br />
depois se espalharam por todo o continente, e se estenderam <strong>para</strong> a América Latina 45 ,<br />
América do Norte e países <strong>da</strong> África.<br />
A autora, utilizando-se <strong>da</strong> classificação elabora<strong>da</strong> por Caride (2005),<br />
apresenta as etapas <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Social, a partir <strong>da</strong> sequência cronológica e <strong>da</strong><br />
identificação de suas produções relevantes relaciona<strong>da</strong>s à área, de:<br />
(i)<br />
(ii)<br />
(iii)<br />
Antecedentes, que se referem à existência de uma pe<strong>da</strong>gogia-Educação<br />
Social implícita. Nessa etapa estão incluídos os primórdios dos<br />
processos educativos, mesmo entre povos sem tradição escrita,<br />
destacando-se o período compreendido entre a época clássica e<br />
metade do século XVIII, considerado período <strong>da</strong> evolução do<br />
pensamento “pe<strong>da</strong>gógico-educativo <strong>social</strong>”;<br />
Origens, que se referem ao tempo histórico em que surge uma<br />
Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> explícita. Corresponde ao período que compreende<br />
desde o início <strong>da</strong> referência à expressão Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong>, passando<br />
pela incorporação do conceito e que segue até os anos trinta do<br />
século XX;<br />
Retrocessos e transição. O período do retrocesso, compreendido entre<br />
os anos trinta e início dos anos quarenta, corresponde à fase em que<br />
a Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> se submete aos poderes políticos, de tendência<br />
fascista e autoritária. Representou um rompimento com os princípios<br />
44 Na Alemanha, Espanha, Itália e França.<br />
45 Especialmente Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e México.
45<br />
(iv)<br />
iniciais. Já o período de transição se refere à retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
congruência entre o pensamento pe<strong>da</strong>gógico, práticas educacionais e<br />
necessi<strong>da</strong>des sociais. Situa-se entre os anos quarenta e até os anos<br />
setenta, no pós-guerra e no Estado de Bem-Estar que se implantou<br />
na Europa e que reconceituou Educação e Trabalho Social na teoria<br />
e nas metodologias;<br />
Expansão, que se refere ao período atual que se iniciou nos anos<br />
oitenta e no qual se verifica crescente institucionalização e<br />
consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> no campo científico, acadêmico e<br />
profissional. Com a socie<strong>da</strong>de globaliza<strong>da</strong>, há um progressivo<br />
reconhecimento <strong>da</strong>s contribuições pe<strong>da</strong>gógicas sociais <strong>para</strong> a<br />
construção de novos horizontes sociais (MACHADO, 2011, p. 261<br />
apud CARIDE, 2005).<br />
Machado (2011) afirma que existem alguns consensos acerca do fenômeno<br />
– Educação, Pe<strong>da</strong>gogia Social –, quais sejam: o primeiro está relacionado ao fato de se<br />
considerar que o período compreendido entre o final do século XIX e início do século<br />
XX, que revolucionou a Pe<strong>da</strong>gogia, sob o olhar atual, não foi o primeiro momento em<br />
que houve a inclusão do <strong>social</strong> nas referências à educação na socie<strong>da</strong>de. Afinal, desde o<br />
mundo clássico, segundo a autora, surgiram precursores que se expressaram em<br />
diferentes manifestações teóricas ou que desenvolveram ações com a intencionali<strong>da</strong>de<br />
de incluir e atender a questão <strong>social</strong> pela via <strong>da</strong> educação, como Platão 46 (430-347 a.C),<br />
Aristóteles 47 (384-322 a.C), Santo Tomás de Aquino 48 (1225-1274), Comenius 49 (1592-<br />
1670), Locke 50 (1632-1704), Rousseau 51 (1712-1778), entre outros; o segundo consenso<br />
relaciona-se ao fato de que as bases <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Social, como teoria, foram<br />
construí<strong>da</strong>s na Alemanha.<br />
Sobre o segundo consenso, Silva (2011, p. 56), utilizando-se <strong>da</strong> obra de<br />
Santos (2007), demonstra que a Educação Social remonta ao século XIX, na<br />
46 De acordo com Machado (2011), Platão, na obra A República, apresenta um ver<strong>da</strong>deiro tratado de<br />
pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> <strong>para</strong> a ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> época e em As Leis, apresenta a organização <strong>da</strong> escola e defende uma<br />
educação integral.<br />
47 Ain<strong>da</strong> segundo Machado (2011), Aristóteles, na obra A Política, apresenta sem diferenciação uma<br />
pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> com a política e trata <strong>da</strong> dimensão <strong>social</strong> <strong>da</strong> educação na família, nos grupos e na ci<strong>da</strong>de.<br />
48 Santo Tomás de Aquino, de acordo com Machado (2011), entende a educação como um processo<br />
intencional e retoma a obra de Aristóteles, acrescentando as questões <strong>da</strong> fé, <strong>da</strong> espirituali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
religião.<br />
49 Afirma Machado (2011) que Comenius propõe uma ruptura com os modelos já consoli<strong>da</strong>dos de<br />
educação <strong>da</strong>s elites governantes, com uma educação <strong>para</strong> todos, independentemente <strong>da</strong> situação <strong>social</strong> e<br />
econômica.<br />
50 Locke defende uma educação utilitária, no sentido moral, intelectual e físico.<br />
51 Rousseau, na obra Contrato Social, defende a construção de um novo projeto de socie<strong>da</strong>de baseado nos<br />
princípios de igual<strong>da</strong>de e fraterni<strong>da</strong>de volta<strong>da</strong>s à justiça e à paz <strong>social</strong>.
46<br />
Alemanha 52 , visando se apresentar como alternativa à educação escolar, vista como<br />
“elitista e verbalista, enfatizando apenas o desenvolvimento individual em detrimento<br />
<strong>da</strong> dimensão <strong>social</strong>.” Nesse contexto, salienta o autor que, a Educação Social aparece<br />
como proposta educativa, com caráter de intervenção na reali<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, sobretudo por<br />
meio do desenvolvimento e integração <strong>da</strong>s pessoas em seus grupos sociais.<br />
A proposta educativa <strong>da</strong> Educação Social com caráter de intervenção na<br />
socie<strong>da</strong>de perdurou no século XX 53 . Segundo Silva (2008), embasado na obra de<br />
Ribeiro (2006), “Espanha e Portugal no pós-guerra viram nascer esta forma de<br />
intervenção <strong>social</strong> <strong>para</strong> enfrentar as problemáticas que envolviam as crianças e <strong>jovens</strong><br />
que haviam perdido suas famílias na Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial” (SILVA, 2008, p. 17).<br />
Utilizando-se <strong>da</strong> obra de Romans, Petrus e Trilla (2003), Silva (2008) relata<br />
que em 1990, a Espanha inaugurou a formação universitária de educador <strong>social</strong> segui<strong>da</strong><br />
por Portugal. Segundo o autor, as duas formações, em busca de construir a identi<strong>da</strong>de<br />
do educador <strong>social</strong>, definem algumas características desejáveis <strong>para</strong> este profissional.<br />
Considera que na formação espanhola há ênfase em algumas características como “ser<br />
criativo, otimista e realista, capaz de ações construtivas e otimizadoras, pertinentes à<br />
possibili<strong>da</strong>de de transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de vivencia<strong>da</strong>” (SILVA 2008, p. 17 apud<br />
ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003). Quanto à reali<strong>da</strong>de portuguesa, Silva (2008)<br />
afirma, com apoio em Carvalho e Baptista (2004), que o saber profissional do educador<br />
exige a “reflexibili<strong>da</strong>de, polivalência técnica, criativi<strong>da</strong>de, a<strong>da</strong>ptabili<strong>da</strong>de e dinamismo”<br />
(SILVA, 2008, p. 17 apud CARVALHO; BAPTISTA, 2004).<br />
Buscando definir as funções e competências do educador <strong>social</strong>, Romans,<br />
Petrus e Trilla (2003, p. 125) afirmam que<br />
o educador <strong>social</strong> é o profissional <strong>da</strong> Educação Social que deve traduzir em<br />
objetivos educativos a incumbência que a organização lhes confere; que seus<br />
usuários podem ser pessoas, grupos e instituições; que tem definido um<br />
marco de atuação; que pode estar integrado em equipes de trabalho; que<br />
dispõe de recursos institucionais públicos e/ou privados e que requer uma<br />
52 Hoje, a Alemanha é reconheci<strong>da</strong> como a pátria-mãe <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Social, que assume diferentes<br />
configurações em outros países europeus. In: NETO; SILVA; MOURA. Pe<strong>da</strong>gogia Social. São Paulo:<br />
Expressão e Arte, 2009.<br />
53 Segundo Silva (2011), já no século XX, Paul Nartop, considerado o pai <strong>da</strong> Educação Social, publicou o<br />
livro Pe<strong>da</strong>gogia Social, mantendo a diferenciação entre a educação escolar e a extra-escolar, assinalando<br />
que a primeira não atenderia a alguns valores como a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, nem seria capaz de promover os<br />
“marginalizados”. In: SILVA. Vou <strong>para</strong> a rua e bebo a tempestade: representações de <strong>educadores</strong> de rua<br />
de Fortaleza. UFC, 2011 (dissertação de mestrado).
47<br />
formação contínua <strong>para</strong> otimizar seu desenvolvimento pessoal e melhorar no<br />
exercício de sua profissão.<br />
Convém ressaltar, antes de abor<strong>da</strong>r a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Educação Social na<br />
América Latina, que além dos cursos de bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado<br />
em Educação Social, desenvolvidos nos países europeus (Espanha e Portugal), existe<br />
uma consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> organização desses trabalhadores em enti<strong>da</strong>des políticas, por meio <strong>da</strong><br />
Associação Internacional de Educadores Sociais (AIEJI), atualmente sedia<strong>da</strong> na Suíça,<br />
possuindo mais de vinte países sócios (SILVA, 2011).<br />
Quanto às origens <strong>da</strong> Educação Social na América Latina, segundo Silva<br />
(2011), ain<strong>da</strong> embasado na obra de Santos (2007), emergiu em meio aos regimes<br />
ditatoriais e processos de redemocratização, como no Uruguai 54 e Brasil,<br />
respectivamente. Segundo o autor, o foco de atuação nesse período eram as crianças e<br />
adolescentes que viviam nas ruas, excluídos <strong>da</strong> educação escolar. A Pe<strong>da</strong>gogia de Paulo<br />
Freire era utiliza<strong>da</strong> como referencial teórico <strong>para</strong> embasar as práticas dos <strong>educadores</strong><br />
sociais nos dois países. No entanto, Silva (2011) considera que o Uruguai avançou na<br />
organização desses profissionais, pois hoje vivencia o processo de construção de um<br />
currículo acadêmico <strong>para</strong> a formação de <strong>educadores</strong> sociais.<br />
No Brasil, a Educação Social ain<strong>da</strong> hoje é costumeiramente associa<strong>da</strong> ao<br />
enfrentamento <strong>da</strong>s problemáticas que envolvem crianças e adolescentes em situação de<br />
rua 55 , por meio <strong>da</strong> atuação de <strong>educadores</strong> sociais, voluntários, vinculados à Igreja ou<br />
organizações não-governamentais, que desenvolvem suas ações na própria rua,<br />
mediante programas sociais governamentais como o que explicitei aqui, o caso dos<br />
programas <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci.<br />
A imagem <strong>da</strong> vinculação com instituições priva<strong>da</strong>s, como ONGs e Igreja,<br />
vem sendo desconstruí<strong>da</strong> historicamente, mas é fruto dos primórdios <strong>da</strong> Educação<br />
Social no Brasil, especificamente <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, quando se intensificou a luta pelo<br />
54 “Na América do Sul, a maior referência <strong>para</strong> a Pe<strong>da</strong>gogia Social é o Uruguai” (NETO; SILVA;<br />
MOURA, 2009, p. 24).<br />
55 Aqui, é interessante abrir um parêntese <strong>para</strong> explicitar a conceituação do termo “situação de rua”, que<br />
evoluiu <strong>da</strong>s classificações iniciais de “crianças de rua” e “crianças na rua”. Segundo Oliveira (2004, p.<br />
28), “a classificação em “crianças de rua” e “crianças na rua” foi proposta pelo UNICEF, <strong>para</strong> diferenciar<br />
as crianças que já não mantém vínculo com família ou grupo substitutivo (as “de rua”) <strong>da</strong>s que passam<br />
grande parte de seu tempo “na rua”, mas mantém vínculos com suas famílias e comuni<strong>da</strong>des de origem”.<br />
Mas, Paludo e Koller (2008), utilizando-se <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação de Alves (1991), consideram que tais<br />
classificações estão supera<strong>da</strong>s por serem tênues e de difícil limitação precisa acerca dos vínculos e <strong>da</strong><br />
utilização do espaço <strong>da</strong> rua. Nesse sentido, Koller e Hutz (1996) sugeriram a denominação deste grupo<br />
como “crianças em situação de rua”.
48<br />
fim <strong>da</strong> segregação e institucionalização de crianças e adolescentes em instituições<br />
públicas. Como é sabido, retirar do convívio <strong>social</strong>, segregar as crianças e adolescentes<br />
em instituições, era uma característica marcante <strong>da</strong>s práticas governamentais adota<strong>da</strong>s,<br />
sobretudo em relação às crianças e adolescentes em situação de rua.<br />
Surgiram, nesse cenário, os <strong>educadores</strong> sociais ou <strong>educadores</strong> de rua. Eram<br />
os profissionais encarregados <strong>da</strong> educação dos meninos e meninas em situação de rua<br />
responsáveis pela disseminação <strong>da</strong>s novas ideias e do ideal de solucionar os problemas<br />
desse contingente populacional em seu próprio ambiente, valorizando o potencial, a<br />
opinião, o ideal e os sonhos de ca<strong>da</strong> criança e adolescente. Tratava-se de um movimento<br />
<strong>para</strong> <strong>da</strong>r respostas à deman<strong>da</strong> crescente de crianças e adolescentes em situação de<br />
moradia nas ruas <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des.<br />
Ao longo do tempo, o locus de atuação do educador <strong>social</strong> se ampliou e este<br />
passou a integrar significativamente o quadro <strong>da</strong>s instituições governamentais (abrigos,<br />
centros educacionais, projetos sociais em geral), com a intenção de superar as ações<br />
meramente formais e disciplinadoras, pelo menos no discurso institucional.<br />
Segundo Silva (2011), o Estado do Ceará é pioneiro em pautar e ampliar os<br />
espaços de atuação e mobilização dos <strong>educadores</strong> sociais. O autor cita como exemplos,<br />
<strong>para</strong> essa afirmação, a existência do Sindicato dos Trabalhadores em Instituições de<br />
Estudos, Pesquisas e Assistência ao Bem Estar <strong>da</strong> Criança e do Adolescente –<br />
SINTBEM/CE 56 , bem como <strong>da</strong> Associação de Educadores Sociais do Ceará – AESC 57 .<br />
Silva (2011) também destaca o fato do Estado do Ceará ter instituído o dia<br />
municipal e estadual dos <strong>educadores</strong> sociais, comemorado no dia 19 de setembro, em<br />
homenagem ao educador Paulo Freire, uma vez que esse dia e mês é a <strong>da</strong>ta de seu<br />
aniversário natalício. Esse dia é marcado por mobilizações, protestos e audiências<br />
públicas <strong>para</strong> a discussão <strong>da</strong>s questões que envolvem a categoria profissional.<br />
É importante mencionar que se encontra em trâmite no Congresso Nacional<br />
(Câmara dos Deputados) o Projeto de Lei (PL-05346/2009), de autoria do deputado<br />
56 O SINTBEM/CE recebeu essa denominação em 1995, a partir de um redimensionamento <strong>da</strong>do pela<br />
Associação dos Servidores <strong>da</strong> FEBEMCE, cria<strong>da</strong> em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980. De acordo com Silva<br />
(2011), hoje o SINTBEM/CE possui, como membros, servidores e terceirizados <strong>da</strong> Secretaria do<br />
Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Ceará – STDS, Secretaria de Direitos<br />
Humanos de Fortaleza – SDH e funcionários de ONGs que atuam na mesma área.<br />
57 Ain<strong>da</strong> segundo Silva (2011), a AESC foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no ano de 2004; é sedia<strong>da</strong> no Centro de Fortaleza e<br />
tem centrado seus esforços na luta pelo reconhecimento <strong>da</strong> profissão. Assim como mantém relações com<br />
a AIEJI.
49<br />
federal Chico Lopes (PCdoB/CE), apresentado em 03 de junho de 2009, que dispõe<br />
sobre a criação <strong>da</strong> profissão de educador e educadora <strong>social</strong> no Brasil.<br />
Agora, após a breve explanação <strong>da</strong>s origens <strong>da</strong> Educação Social, passo a<br />
apresentar aos leitores os programas Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro.<br />
2.2. O Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: a arte-educação como<br />
possibili<strong>da</strong>de de transformação<br />
O Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico (PPP) do Programa Crescer com Arte e<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, elaborado em outubro de 2010, constituiu-se na minha principal fonte<br />
documental acerca do Programa. Ele apresenta um apanhado geral do histórico, <strong>da</strong>s<br />
ações desenvolvi<strong>da</strong>s, metodologias, critérios de inserção e desligamento dos<br />
adolescentes, entre outras informações sobre o Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Assim, no referido documento, consta que o Programa foi criado em 1996<br />
(na gestão do prefeito Antônio Cambraia), mediante convênio firmado entre a Funci e o<br />
Exército Brasileiro. <strong>Os</strong> projetos funcionavam em quatro quartéis de Fortaleza,<br />
localizados nos bairros Fátima, Dias Macedo, Jardim América e Antônio Bezerra 58 .<br />
Àquela época, eram realiza<strong>da</strong>s intervenções diretas com crianças e adolescentes em<br />
situação de rua, com o desenvolvimento de ativi<strong>da</strong>des musicais (ban<strong>da</strong> musical),<br />
serigrafia e produção de materiais de limpeza. Naquele período, observou-se grande<br />
interesse do público atendido pelas artes e pela educação ambiental.<br />
58 Para situar o leitor, apresento um pouco <strong>da</strong> história dos bairros de Fátima, Dias Macedo, Jardim<br />
América e Antônio Bezerra, tendo como fonte de pesquisa as matérias elabora<strong>da</strong>s pela TV Verdes Mares<br />
– Meu Bairro na TV – veicula<strong>da</strong>s no ano de 2009, a saber: a religiosi<strong>da</strong>de é a maior referência do bairro<br />
de Fátima. No bairro tudo faz lembrar nossa senhora de Fátima que dá nome ao lugar. A igreja de um<br />
lado, do outro a imagem <strong>da</strong> santa no centro <strong>da</strong> praça. Segundo os moradores, a Aveni<strong>da</strong> 13 de Maio<br />
recebeu esse nome por causa do dia <strong>da</strong> abolição <strong>da</strong> escravatura no Brasil. Este é um bairro, antes de tudo,<br />
acolhedor. Todo mês recebe visitantes de várias partes de Fortaleza e até de outros municípios <strong>para</strong> as<br />
missas, sempre nos dias 13; o bairro Dias Macedo surgiu na déca<strong>da</strong> de 1960, quando a área cheia de sítios<br />
e uma fazen<strong>da</strong> começou a receber moradores vindos do interior do Estado. A localização, próxima a BR-<br />
116, facilitou o crescimento. A família Macedo, deu nome ao bairro, pois era a que possuía mais terras na<br />
região; o bairro Jardim América é antigo. A praça principal, no limite com o bairro Damas, é referência<br />
no local. “A praça veio primeiro de tudo. O primeiro nome do bairro é <strong>da</strong> ligação com a praça Presidente<br />
Roosevelt. O bairro se desenvolveu ao redor <strong>da</strong> praça. A ideia <strong>da</strong> época de quem desenvolveu era<br />
realmente criar o jardim <strong>da</strong>s Américas”, explica um dos diretores <strong>da</strong> associação de moradores, Márcio<br />
Martins; o bairro Antônio Bezerra homenageia um importante cearense (Antônio Bezerra de Menezes,<br />
poeta, historiador e naturalista brasileiro, nascido no Ceará). Ain<strong>da</strong> no século XIX, era um ponto de<br />
encontro de intelectuais como Justiniano de Serpa e Antônio Sales. 150 anos depois, não resta na<strong>da</strong> desse<br />
passado. Hoje um bairro completamente urbanizado. Fonte: http://tvverdesmares.com.br, pesquisa<br />
realiza<strong>da</strong> em 22 de maio de 2011.
50<br />
Ain<strong>da</strong> em 1996, houve ampliação do público atendido, tendo sido<br />
identifica<strong>da</strong> a importância de desenvolver trabalhos com filhos e filhas de presidiárias.<br />
Desde então, foi instituído um projeto no Centro Social Urbano Marta Cambraia 59 com<br />
oficinas de música. Em 1997, outras parcerias foram firma<strong>da</strong>s, originando as oficinas de<br />
teatro de bonecos e <strong>da</strong>nça, ambas desenvolvi<strong>da</strong>s nas casinhas do “Parque <strong>da</strong>s Crianças”.<br />
No ano 2000 (gestão do prefeito Juraci Magalhães), foram defini<strong>da</strong>s três<br />
uni<strong>da</strong>des do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. A primeira e mais antiga no<br />
bairro Centro 60 , que realizava ativi<strong>da</strong>des de música e serigrafia; a segun<strong>da</strong> no bairro<br />
Vila União 61 , que desenvolvia ativi<strong>da</strong>des de <strong>da</strong>nça, teatro e teatro de bonecos, e a<br />
terceira no bairro Jangurussu 62 , que desenvolvia ativi<strong>da</strong>des de flauta, canto coral e<br />
ban<strong>da</strong>.<br />
É importante registrar que a uni<strong>da</strong>de do Jangurussu foi instala<strong>da</strong> por uma<br />
exigência do Ministério Público Estadual, em virtude do processo de desativação <strong>da</strong><br />
rampa de lixo localiza<strong>da</strong> no bairro. Inicialmente, o projeto funcionava na Escola André<br />
Luis, que ficava na região do entorno <strong>da</strong> desativa<strong>da</strong> rampa. Porém, em setembro de<br />
2000, após parceria firma<strong>da</strong> entre a Funci e a Empresa Municipal de Limpeza e<br />
Urbanização de Fortaleza (EMLURB), o projeto passou a funcionar na usina de<br />
resíduos sólidos do Jangurussu.<br />
Em 2005 (gestão <strong>da</strong> prefeita Luizianne Lins), o Programa Crescer com Arte<br />
passou por algumas mu<strong>da</strong>nças em sua metodologia de trabalho e objetivos. Assim,<br />
segundo consta em seu projeto político-pe<strong>da</strong>gógico, o programa passou a ter a<br />
finali<strong>da</strong>de de desenvolver ações que estimulem o exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o<br />
59 <strong>Os</strong> Centros Sociais Urbanos (CSUS) foram instalados à época <strong>da</strong> gestão do prefeito Antônio Cambraia<br />
(1993-1996), que homenageou a sua esposa Marta Cambraia colocando o seu nome em um CSU. A partir<br />
do ano de 2005, os equipamentos sociais são denominados Centros de Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
60 O bairro Centro abriga a maior concentração de comércios e serviços de Fortaleza. Além dos serviços,<br />
as pessoas podem desfrutar dos lugares históricos de grande importância e beleza, tais como: a Catedral<br />
<strong>da</strong> Sé – Catedral Metropolitana de Fortaleza e o Theatro José de Alencar. Fonte:<br />
http://www.omelhordobairro.com.br/fortaleza-centro/page8840htm, pesquisa realiza<strong>da</strong> em 19 de agosto<br />
de 2011.<br />
61 O bairro Vila União é cortado por uma linha férrea que liga os bairros Parangaba e Mucuripe, desde<br />
1940. Tem um hospital referência no atendimento infantil, Hospital Albert Sabin. A praça e a igreja foram<br />
inaugura<strong>da</strong>s em 1968. A Vila União é vizinha do antigo terminal de passageiros do Aeroporto de<br />
Fortaleza. Fica perto também <strong>da</strong> rodoviária. Fonte: http://tvverdesmares.com.br, pesquisa realiza<strong>da</strong> em 22<br />
de maio de 2011.<br />
62 O bairro Jangurussu, cujo nome tem origem indígena, é o terceiro <strong>da</strong> Capital em tamanho. A Aveni<strong>da</strong><br />
Castelo de Castro é a principal via de acesso ao Jangurussu. Ao lado, ficava o antigo lixão <strong>da</strong> Capital.<br />
Desativado há 11 anos, o aterro acabou modificando a paisagem com uma montanha de lixo de 20 m.<br />
Hoje, o mato cresceu, e o verde tomou conta do lugar. O lixo cedeu lugar ao pasto. Alguns moradores que<br />
viviam do lixão agora fazem parte de uma cooperativa de reciclagem. Fonte: http://tvverdesmares.com.br,<br />
pesquisa realiza<strong>da</strong> em 22 de maio de 2011.
51<br />
reconhecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos<br />
direitos humanos por meio de oficinas de arte-educação e esporte. A sua área de atuação<br />
também foi expandi<strong>da</strong> <strong>para</strong> dez 63 bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de: Bela Vista, Barra do Ceará, Caça e<br />
Pesca, Centro 64 , Conjunto Palmeiras, Jangurussu, Joaquim Távora, Pio XII, Santa<br />
Filomena e Vila União.<br />
Com a mu<strong>da</strong>nça metodológica, o objetivo era intervir na participação dos<br />
adolescentes, levando-os a condição de autogestores <strong>da</strong>s ações nos projetos, os trabalhos<br />
com as famílias e a inserção dos <strong>jovens</strong> em suas comuni<strong>da</strong>des.<br />
Percebi, a partir dos depoimentos dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong>, que a participação<br />
real dos adolescentes ain<strong>da</strong> é muito limita<strong>da</strong>, conforme expresso na fala: “ain<strong>da</strong> é <strong>da</strong><strong>da</strong><br />
pouca oportuni<strong>da</strong>de <strong>para</strong> as crianças e os adolescentes participarem” (Educador A). Nas<br />
minhas observações identifiquei que a participação ocorre principalmente por meio de<br />
apresentações artísticas e ativi<strong>da</strong>des de cerimonial, em eventos promovidos pela<br />
Instituição. Ações essas que não representam participação real na proposição de<br />
políticas, como ratificou o educador F em seu depoimento: “dentro dessa perspectiva de<br />
construção <strong>da</strong> política, a participação <strong>da</strong> juventude é bastante falha, porque não é<br />
construí<strong>da</strong> por eles, mas pelos adultos” (Educador F).<br />
Existe, na prática, um espaço de participação, mas sem a garantia real <strong>da</strong><br />
efetivação <strong>da</strong>s deliberações construí<strong>da</strong>s pelas crianças e os adolescentes, ou seja, uma<br />
aparente autonomia, uma vez que não existem mecanismos <strong>para</strong> a execução <strong>da</strong>s<br />
propostas. O depoimento do educador C ao afirmar: “quando acontece algum momento<br />
de participação tudo já vem construído pelos adultos, a juventude escolhe dentre as<br />
opções impostas, ou seja, não há construção ver<strong>da</strong>deiramente”, ratifica a minha<br />
percepção sobre a aparente autonomia que ocorre nos projetos.<br />
Outro fator muito relatado pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> em relação à<br />
participação <strong>da</strong> juventude é a consideração de que os <strong>jovens</strong> são desinteressados pelo<br />
processo de construção <strong>da</strong>s políticas, como salientou a educadora D: “os <strong>jovens</strong> não<br />
estão nem aí, não têm interesse de participar de na<strong>da</strong>”. No entanto, essa culpa atribuí<strong>da</strong><br />
63 O leitor que tiver interesse na história dos dez bairros aonde funcionam os projetos do Programa<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia pode acessar o site: http://tvverdesmares.com.br. Como já informado, a TV<br />
Verdes Mares veiculou matéria sobre a história dos bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza, no ano de 2009.<br />
64 No período de realização <strong>da</strong> pesquisa exploratória (maio de 2010 a fevereiro de 2011) o Projeto Crescer<br />
com Arte Centro estava sem sede, funcionando no auditório <strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do<br />
Adolescente, no Parque <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de. Por dificul<strong>da</strong>des na locação de espaço na área do Centro, o projeto<br />
foi instalado no Bairro Granja Portugal, passando a funcionar nas mesmas instalações do Projeto Casa<br />
Brasil, do Governo Federal.
52<br />
ao jovem me remete a pensar com cui<strong>da</strong>do, sem propagá-la como uma ver<strong>da</strong>de absoluta.<br />
Afinal, que metodologias estão sendo aplica<strong>da</strong>s <strong>para</strong> atrair a participação? Como se dá a<br />
mobilização desses sujeitos? Quais mecanismos existem no âmbito dos projetos e na<br />
própria Ci<strong>da</strong>de <strong>para</strong> o exercício <strong>da</strong> participação?<br />
O orçamento participativo (OP) – instrumento de participação popular<br />
existente na ci<strong>da</strong>de de Fortaleza <strong>para</strong> a construção coletiva do orçamento – foi citado<br />
por alguns <strong>educadores</strong> como um avanço <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de quanto à participação do segmento<br />
criança e adolescente, como expressou os <strong>educadores</strong>: “o orçamento participativo de<br />
crianças e adolescentes, que ocorre na Ci<strong>da</strong>de é um meio de participação, é o começo de<br />
um processo de mu<strong>da</strong>nça” (Educador A) e “apesar <strong>da</strong> participação dos <strong>jovens</strong> ser falha,<br />
nessa gestão teve uma ação que foi o diferencial em relação a isso, que foi o OP”<br />
(Educador F). Particularmente, considero o OP um avanço, mas ain<strong>da</strong> distante de<br />
representação do segmento em questão, sobretudo pela fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mobilização e real<br />
apropriação dos poucos que participam acerca do que está sendo discutido e proposto.<br />
É importante registrar que não se configura tarefa fácil a efetivação de<br />
espaços de diálogo e participação <strong>da</strong> juventude nas políticas públicas. Para Pontual<br />
(2008), a tarefa exige inúmeros desafios, e ele destaca seis como os mais importantes,<br />
quais sejam:<br />
o primeiro é a questão do reconhecimento <strong>da</strong>s especifici<strong>da</strong>des do segmento<br />
<strong>da</strong> juventude e <strong>da</strong>s suas necessi<strong>da</strong>des. [...]. No reconhecimento dessas<br />
especifici<strong>da</strong>des, cabe a criação de espaços específicos. [...]. Um segundo<br />
desafio colocado no campo <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de é o reconhecimento de que existe<br />
uma diversi<strong>da</strong>de na própria juventude. [...]. A juventude é diversa. [...]. É<br />
importante que a política pública reconheça essa diversi<strong>da</strong>de e crie programas<br />
e ações que levem isso em conta. [...]. Um terceiro desafio é como<br />
transformar a temática <strong>da</strong> juventude num tema transversal às políticas<br />
públicas, ao mesmo tempo em que ela requer [...] uma abor<strong>da</strong>gem matricial.<br />
[...]. Um quarto desafio tem a ver com a importância dos canais de<br />
participação e dos espaços de diálogos. É preciso pensar a mais ampla<br />
diversi<strong>da</strong>de de instrumentos <strong>para</strong> isso. [...]. Também o desafio <strong>da</strong> formação<br />
dos atores sociais é fun<strong>da</strong>mental, cabendo tanto às organizações nãogovernamentais,<br />
às organizações <strong>da</strong> própria juventude e ao poder público, o<br />
papel de formar e informar as pessoas, se quiserem, de fato, construir canais<br />
substantivamente democráticos. [...]. O sexto desafio é aquele de trabalhar<br />
diferentes formas de linguagem na dimensão do diálogo e <strong>da</strong> participação<br />
(PONTUAL, 2008, p. 115-118).<br />
Levando em consideração os desafios apontados pelo autor, os programas<br />
<strong>da</strong> Coordenadoria-Funci que afirmam possuir espaços de diálogo e discussão junto às
53<br />
crianças e os adolescentes atendidos, <strong>para</strong> a construção de políticas públicas, possuem<br />
grande tarefa pela frente, visto que estão distantes <strong>da</strong> concretização de tais desafios.<br />
Voltando às ações do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, segundo<br />
consta no PPP, o Programa desenvolve oficinas de arte-educação, oficinas de esporte,<br />
oficinas temáticas relaciona<strong>da</strong>s aos direitos humanos, encontro com famílias, monitoria<br />
com adolescentes, visitas culturais, dentre outras ações, visando alcançar os objetivos<br />
específicos, quais sejam: (i) estimular as potenciali<strong>da</strong>des artísticas bem como outras<br />
habili<strong>da</strong>des (comunicação, trabalho em grupo, liderança) de crianças e adolescentes; (ii)<br />
fortalecer os vínculos familiares e comunitários; (iii) estimular a sensibili<strong>da</strong>de,<br />
criativi<strong>da</strong>de, visão estética e critici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças e adolescentes; (iv) propiciar o<br />
sentimento de autonomia, co-responsabili<strong>da</strong>de, coletivi<strong>da</strong>de e empoderamento, por meio<br />
<strong>da</strong> participação de crianças e adolescentes; (v) estimular o engajamento e permanência<br />
no ensino escolar e (vi) capacitar profissionais na área de Educação Social e arteeducação<br />
<strong>para</strong> uma ação qualifica<strong>da</strong> no atendimento.<br />
As ações que estão registra<strong>da</strong>s em um projeto político pe<strong>da</strong>gógico nem<br />
sempre ocorrem efetivamente no dia a dia. Portanto, não bastam apenas o engajamento<br />
e a criativi<strong>da</strong>de dos profissionais que, muitas vezes, são sacrificados pela falta de<br />
estrutura mínina <strong>para</strong> o desenvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des. Este comentário pode ser<br />
ilustrado pelas falas dos <strong>educadores</strong> quando in<strong>da</strong>gados sobre a avaliação <strong>da</strong> política<br />
desenvolvi<strong>da</strong>:<br />
ain<strong>da</strong> falta desenvolver um pouco mais. Por exemplo, tem um mês que as<br />
ativi<strong>da</strong>des estão <strong>para</strong><strong>da</strong>s por falta de material. De vez em quando aparece,<br />
mas depois falta (Educador B);<br />
a questão de recurso influi muito na questão metodológica. Para você<br />
desenvolver a metodologia é necessário um material básico, <strong>para</strong> que o<br />
educador possa desenvolver a sua ativi<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong>mente (Educador C).<br />
A situação, no meu entender, é ain<strong>da</strong> mais questionável, quando a prática de<br />
aquisição de materiais, mediante recursos dos próprios profissionais, é legitima<strong>da</strong> e<br />
encara<strong>da</strong> com naturali<strong>da</strong>de, como ilustram os <strong>educadores</strong>:<br />
na semana passa<strong>da</strong> fizemos o encerramento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des do projeto e<br />
tivemos que tirar dinheiro do nosso bolso, <strong>para</strong> comprar material <strong>para</strong> a<br />
apresentação [...]; quando queremos passar um filme <strong>para</strong> os meninos, temos
54<br />
que baixar em nossas casas ou alugar em uma locadora, pagando com o nosso<br />
dinheiro (Educador C);<br />
o que eu vejo de positivo na instituição é a alternativi<strong>da</strong>de dos profissionais<br />
[...]; a equipe lançou a proposta de trabalhar a linguagem cinematográfica,<br />
sem depender dos recursos <strong>da</strong> instituição. Utilizamos câmera particular,<br />
exploramos também um pouco dos produtos digitais que os próprios garotos<br />
têm, por exemplo: um celular com câmera. Então explorar isso é a<br />
alternativi<strong>da</strong>de que eu falo (Educador F).<br />
Esta reali<strong>da</strong>de, revela<strong>da</strong> nas falas dos <strong>educadores</strong>, permite-me questionar<br />
quanto ao impacto dessas ações na vi<strong>da</strong> dos sujeitos alvo dessa política. Grosso modo, é<br />
como se, <strong>para</strong> as pessoas que se encontram em vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, qualquer coisa<br />
bastasse, ou seja, a preocupação com a quali<strong>da</strong>de parece ser mínima ou nula. O que me<br />
faz concluir que a proposta de desenvolver uma habili<strong>da</strong>de artística é sacrifica<strong>da</strong>, uma<br />
vez que o projeto não dispõe de materiais básicos <strong>para</strong> estimular as potenciali<strong>da</strong>des<br />
artísticas a que se propõe. Há, portanto, um descompasso entre o que está escrito no<br />
Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico e a sua prática.<br />
Quanto à metodologia <strong>da</strong>s ações pe<strong>da</strong>gógicas desenvolvi<strong>da</strong>s no Crescer com<br />
Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, de acordo com o Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico, é basea<strong>da</strong> no método<br />
dialógico de Paulo Freire 65 , a partir de ativi<strong>da</strong>des que construam conhecimentos com<br />
significados que possibilitem a percepção e transformação <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des dos<br />
educandos, visando o estímulo <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong>de, o fortalecimento <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des e a<br />
sensibili<strong>da</strong>de, aliados ao exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia mediante ações de intervenção<br />
comunitária.<br />
Embora não tenha existido referência direta ao educador Paulo Freire, as<br />
falas dos <strong>educadores</strong>, quando in<strong>da</strong>guei sobre suas práticas pe<strong>da</strong>gógicas, revelaram<br />
aproximação com o seu método, pelo menos em relação aos objetivos, como ilustram os<br />
<strong>educadores</strong>:<br />
na hora em que estou com eles numa ro<strong>da</strong> de conversa [...] busco possibilitar<br />
uma forma de olhar <strong>para</strong> o mundo diferenciado [...]. Acredito ser importante<br />
a participação e a opinião de ca<strong>da</strong> um [...]. Busco abrir os olhos de uma<br />
65<br />
Segundo Brandão, Paulo Freire foi o educador que instituiu um método de alfabetização<br />
compreendendo três fases: levantamento do universo vocabular, escolha <strong>da</strong>s palavras seleciona<strong>da</strong>s do<br />
universo vocabular pesquisado e criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai<br />
trabalhar. Para o autor, são situações desafiadoras, codifica<strong>da</strong>s e carrega<strong>da</strong>s de elementos que serão<br />
descodificados pelo grupo com a mediação do educador. São situações locais que discuti<strong>da</strong>s abrem<br />
perspectivas <strong>para</strong> a análise de problemas regionais e nacionais. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que<br />
é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.
55<br />
forma com que eles se questionem até se aquilo que eu estou falando é<br />
ver<strong>da</strong>deiro ou não (Educador A);<br />
sempre tento mostrar que as nossas conquistas conseguimos em ca<strong>da</strong><br />
caminha<strong>da</strong>. Multiplico isso no dia a dia e isso instiga os adolescentes. Sempre<br />
digo <strong>para</strong> eles que estão buscando uma transformação e que ela é possível.<br />
Não é porque eu moro em determinado canto, por que meus amigos foram<br />
trilhar determinado caminho, que eu também vou fazer o mesmo. Existe a<br />
possibili<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça (Educador C);<br />
cabe ao educador mostrar que os <strong>jovens</strong> são sujeitos transformadores, que<br />
precisam modificar a reali<strong>da</strong>de, que precisam estar à frente <strong>da</strong> transformação<br />
[...]. Trabalhamos a formação enquanto ci<strong>da</strong>dão, enquanto ser humano, a<br />
questão dos valores [...]. No projeto a gente instiga a questão do<br />
protagonismo <strong>para</strong> que eles possam de fato despertar <strong>para</strong> a própria reali<strong>da</strong>de,<br />
sabendo que tem muita coisa que não está legal, muita dificul<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de, e que eles podem se mobilizar e buscar melhorias (Educador E);<br />
no nosso planejamento mensal a gente faz uma avaliação com os<br />
adolescentes, onde é feita uma ro<strong>da</strong> de conversa <strong>para</strong> que o coletivo deci<strong>da</strong>.<br />
O planejamento é construído por todos e os adolescentes sugerem o que eles<br />
querem vivenciar, o que eles querem aprender [...]. O educando participa <strong>da</strong><br />
construção metodológica do que ele vai vivenciar. Isso é uma estratégia <strong>para</strong><br />
que ele se aproprie e se envolva (Educador F).<br />
Como já salientei, embora não façam referência a Paulo Freire, se utilizam<br />
de palavras como ro<strong>da</strong> de conversa (que podem ser com<strong>para</strong><strong>da</strong>s aos círculos de<br />
cultura 66 ); participação e avaliação <strong>da</strong> construção metodológica (que se assemelham à<br />
pesquisa e conhecimento do grupo ou levantamento do universo vocabular); sujeitos<br />
transformadores, mu<strong>da</strong>nças, enfim, práticas pe<strong>da</strong>gógicas movi<strong>da</strong>s pelo desejo <strong>da</strong><br />
transformação societária ou, ao menos, pelo desejo de in<strong>da</strong>gação acerca <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />
Em relação ao engajamento do adolescente no Projeto, existem dois<br />
mecanismos praticados: o encaminhamento interno, que se dá através dos programas e<br />
projetos <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci e o externo, por meio <strong>da</strong> rede de proteção <strong>social</strong> e<br />
Sistema de Garantia de Direitos, como conselhos tutelares, CRAS 67 .<br />
Ao ser engajado no Projeto, o adolescente e seu responsável assinam um<br />
termo de compromisso, <strong>da</strong>ndo ciência de seus direitos e deveres. Em relação à questão,<br />
ressaltou o coordenador do Programa, “esse termo visa também à responsabilização e o<br />
66 O círculo de cultura foi teorizado por Paulo Freire como operacionalização de sua proposta de<br />
investigação dialógica, que tinha a preocupação com a construção coletiva do conhecimento.<br />
67 O Centro de Referência <strong>da</strong> Assistência Social (CRAS) é uma uni<strong>da</strong>de pública de assistência <strong>social</strong>,<br />
localiza<strong>da</strong> em áreas de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. <strong>Os</strong> CRAS atuam com famílias e indivíduos em seu<br />
contexto comunitário, visando à orientação <strong>para</strong> o fortalecimento dos convívios sócio-familiar e<br />
comunitário. Suas equipes executam serviços <strong>da</strong> Proteção Social Básica no âmbito municipal. Em<br />
Fortaleza existem 23 CRAS, distribuídos nas seis Secretarias Executivas Regionais. Fonte:<br />
http://www.fortaleza.ce.gov.br/semas, pesquisa realiza<strong>da</strong> no dia 21 de maio de 2011.
56<br />
envolvimento <strong>da</strong> família junto ao projeto”. Em segui<strong>da</strong>, há uma apresentação acerca <strong>da</strong>s<br />
ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s (artes visuais, música, teatro, futebol e oficinas temáticas 68 )<br />
<strong>para</strong> que o adolescente possa optar pela ativi<strong>da</strong>de que se identifica. A sua permanência<br />
no Projeto é de dois anos. Durante esse período, além <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de artística, é realizado<br />
acompanhamento individual <strong>para</strong> que possa construir seu projeto de vi<strong>da</strong>. Ao final dos<br />
dois anos, é realiza<strong>da</strong> uma avaliação acerca <strong>da</strong> superação <strong>da</strong> violação de direito que<br />
possibilitou o seu engajamento no Projeto, discutindo os encaminhamentos realizados<br />
<strong>para</strong> a transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />
Esses processos de acompanhamento e desligamento <strong>da</strong>s crianças e<br />
adolescentes não ocorrem de forma tão linear como está descrita no PPP. Isso pode ser<br />
percebido pela grande rotativi<strong>da</strong>de e evasão <strong>da</strong>s pessoas atendi<strong>da</strong>s; pela rotativi<strong>da</strong>de dos<br />
profissionais, cuja vaga nem sempre é substituí<strong>da</strong> imediatamente à saí<strong>da</strong> do anterior,<br />
além do tempo necessário de apropriação acerca <strong>da</strong> situação de ca<strong>da</strong> criança e<br />
adolescente por parte de quem está assumindo a função; pelas dificul<strong>da</strong>des estruturais,<br />
que dificultam um acompanhamento sistemático e a própria dificul<strong>da</strong>de de possibilitar a<br />
transformação <strong>da</strong> situação de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> vivencia<strong>da</strong> pelas crianças e<br />
adolescentes atendidos, conforme salientou o educador C em seu depoimento:<br />
no papel está tudo legalzinho, mas quando a gente sai do projeto à tarde, vai<br />
no mercado ou está an<strong>da</strong>ndo no meio <strong>da</strong> rua, encontra o adolescente caçando<br />
lata, trabalhando, vendendo bala ou vendendo alguma coisa no sinal, isso<br />
mexe com a gente e percebemos que precisamos fazer mais.<br />
Para o desenvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des, ca<strong>da</strong> projeto crescer com arte conta<br />
com, pelo menos, uma equipe composta por um supervisor, um agente administrativo,<br />
dois instrutores de oficinas, dois <strong>educadores</strong> sociais, uma cozinheira, uma auxiliar de<br />
cozinha e um profissional de serviços gerais. De acordo com o coordenador do<br />
Programa: “esta é a equipe mínima que deve conter em ca<strong>da</strong> projeto <strong>para</strong> o seu<br />
funcionamento, mas existem projetos com um número maior de profissionais”.<br />
68 Segundo consta no Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico, na oficina de artes visuais é trabalhado o grafite,<br />
desenho, pintura em tela, artes plásticas; na oficina de música são trabalhados quatro eixos: teoria<br />
musical, prática musical, construção de instrumentos musicais e visitas culturais; no teatro é trabalha<strong>da</strong> a<br />
expressão corporal, técnicas de alongamento, relaxamento, voz, leitura dramática e criação de esquetes;<br />
nos treinos, além de aprender as técnicas básicas <strong>para</strong> jogar futebol busca-se o desenvolvimento do corpo,<br />
a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e a discussão sobre disciplina, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e direitos humanos e as oficinas temáticas,<br />
como o próprio nome sugere, são trabalhados temas com os adolescentes em formato de oficinas.
57<br />
Quanto à capaci<strong>da</strong>de de atendimento, existe uma meta máxima estipula<strong>da</strong> de<br />
80 (oitenta) adolescentes por projeto, com exceção do Caça e Pesca, que corresponde a<br />
130 (cento e trinta) crianças, e <strong>da</strong> Barra do Ceará, que corresponde a 200 (duzentos)<br />
crianças e adolescentes. Segundo o coordenador do Programa, alguns projetos só<br />
desenvolvem suas ativi<strong>da</strong>des às segun<strong>da</strong>s, quartas e sextas, em virtude <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des<br />
financeiras, e salientou: “essa medi<strong>da</strong> emergencial foi toma<strong>da</strong> <strong>para</strong> garantir a<br />
alimentação, os materiais pe<strong>da</strong>gógicos e o vale transporte dos adolescentes”.<br />
Uma ativi<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong> pelo Crescer com Arte que merece destaque, é<br />
a de monitoria, pois, como salientei anteriormente, a maioria dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
envolvidos na pesquisa vivenciou o papel de monitor antes de se tornarem <strong>educadores</strong><br />
sociais. No Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a ativi<strong>da</strong>de de monitoria, segundo<br />
consta no PPP, foi instituí<strong>da</strong> como uma ferramenta de fortalecimento de<br />
potenciali<strong>da</strong>des, exercício de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e toma<strong>da</strong> de decisões por parte dos adolescentes.<br />
Hoje, o Programa dispõe de 107 (cento e sete) bolsas de monitoria, no valor de R$<br />
100,00 (cem reais).<br />
Ain<strong>da</strong> segundo o PPP, as vagas de monitoria são distribuí<strong>da</strong>s pelos projetos,<br />
e o adolescente, <strong>para</strong> tornar-se monitor, vivencia um processo de escolha. Inicialmente,<br />
os <strong>educadores</strong> sociais divulgam o processo de escolha e explicam os procedimentos<br />
adotados e os critérios de elegibili<strong>da</strong>de 69 . Em segui<strong>da</strong>, os adolescentes manifestam o<br />
interesse de participação, depois é realizado um debate, seguido de eleição, envolvendo<br />
os demais adolescentes e os profissionais do Projeto. O período de monitoria<br />
corresponde a seis meses, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. A ca<strong>da</strong> três<br />
meses, é realiza<strong>da</strong> uma avaliação, por parte dos <strong>educadores</strong> e adolescentes, <strong>para</strong><br />
definirem a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de.<br />
Como já mencionei, a maioria dos sujeitos envolvidos na pesquisa<br />
vivenciou um processo de aprendizagem, sendo contemplados com algum tipo de bolsa<br />
de monitoria, seja no próprio Projeto ou em outros. Eles afirmam a importância dessa<br />
etapa em suas vi<strong>da</strong>s, considerando-a fun<strong>da</strong>mental <strong>para</strong> a condição que hoje vivenciam,<br />
de <strong>educadores</strong> sociais, como evidenciam as falas:<br />
69 Critérios: estar frequentando o projeto há, pelo menos, dois meses; possuir a i<strong>da</strong>de de 13 anos a 18 anos<br />
incompletos; não estar próximo ao fim de permanência no projeto (dois anos); não ter sido eleito por mais<br />
de dois man<strong>da</strong>tos.
58<br />
a minha experiência como monitor <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de de esportes foi o fun<strong>da</strong>mento<br />
<strong>para</strong> eu chegar a essa história de educador <strong>social</strong>. O meu instrutor também foi<br />
muito importante, pois me orientava sempre como conviver e como ter um<br />
bom relacionamento com os meus colegas de ativi<strong>da</strong>des (Educador A);<br />
como monitor pude exercer a questão <strong>da</strong> liderança no grupo, pois sempre<br />
puxava a oficina, chamava <strong>para</strong> fazer isso e aquilo, mesmo sem ter o<br />
educador. Essa experiência foi importante e contribuiu <strong>para</strong> eu receber o<br />
convite <strong>para</strong> ser educador <strong>social</strong>. Antes de entrar no projeto eu era muito<br />
tímido, quando fui monitor fiquei ativo e participativo (Educador C).<br />
Como se observa nas falas acima, esses <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> eram monitores e<br />
receberam o convite <strong>para</strong> serem <strong>educadores</strong> sociais, agora responsáveis pela ativi<strong>da</strong>de<br />
que antes auxiliavam. Eles percebem esse processo como uma experiência, uma espécie<br />
de estágio necessário <strong>para</strong> o possível alcance de uma vaga de educador <strong>social</strong>. Na<br />
reali<strong>da</strong>de, as probabili<strong>da</strong>des de contratação, <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> que foram atendidos na<br />
própria Coordenadoria-Funci, giram em torno dos monitores, que extrapolam a simples<br />
condição de educandos e passam a ser considerados auxiliares do educador <strong>social</strong>,<br />
inclusive assumindo integralmente as ativi<strong>da</strong>des na ausência do profissional.<br />
É exatamente nessa experiência de monitoria que os adolescentes passam,<br />
ain<strong>da</strong> que involuntariamente, a serem avaliados, pois existe possibili<strong>da</strong>de de suas<br />
competências e habili<strong>da</strong>des serem aflora<strong>da</strong>s e, nesse sentido, serem convi<strong>da</strong>dos a fazer<br />
parte do quadro de profissionais <strong>da</strong> Instituição. E tal prática tornou-se costumeira e<br />
demonstra a possibili<strong>da</strong>de de os <strong>jovens</strong> se tornarem protagonistas de suas histórias e <strong>da</strong><br />
história do próprio programa.<br />
2.3. O Programa Ponte de Encontro: a rua como espaço de intervenção<br />
Assim como ocorreu com o Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o<br />
Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico do Programa Ponte de Encontro, elaborado em outubro de<br />
2010, constituiu-se na minha principal fonte documental acerca do Programa, que tive<br />
acesso em dezembro de 2011.<br />
De forma sucinta, o documento apresenta diretamente as ações<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s, metodologias, entre outras informações sobre o Programa Ponte de<br />
Encontro, sem dispor do histórico, <strong>da</strong>tas, tampouco eluci<strong>da</strong>r as possíveis evoluções ou<br />
regressos na política de atendimento volta<strong>da</strong> às crianças e adolescentes em situação de<br />
moradia e frequência nas ruas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza.
59<br />
Pelo fato de ter acompanhado a estruturação do Programa, ain<strong>da</strong> que não<br />
diretamente, posso afirmar que o Programa Ponte de Encontro foi idealizado como<br />
redimensionamento do projeto Da Rua <strong>para</strong> a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia 70 , no ano de 2005,<br />
alcançando, paulatinamente, avanços em relação à estruturação física e ampliação <strong>da</strong><br />
força de trabalho até os dias atuais. Tal redimensionamento, segundo consta no PPP,<br />
buscou a efetivação de intervenções sociais no ambiente <strong>da</strong>s ruas, possibilitando a<br />
concretização de ações <strong>para</strong> além <strong>da</strong> higienização dos espaços públicos, privilegiando a<br />
integração com as redes 71 de discussão acerca <strong>da</strong> temática dos Direitos Humanos de<br />
crianças e adolescentes e o fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos.<br />
Quanto à questão do trabalho em rede, ressalta o Projeto Político-<br />
Pe<strong>da</strong>gógico: “compondo a rede do Sistema de Garantia de Direitos [...], procuramos<br />
atuar de forma integra<strong>da</strong> com os demais órgãos e instituições [...], <strong>para</strong> fortalecer as<br />
políticas públicas específicas do público-alvo” (FORTALEZA, 2010, p. 02).<br />
Em relação ao público-alvo, as ações do Programa são volta<strong>da</strong>s <strong>para</strong><br />
crianças, adolescentes e suas famílias, que se encontram no município de Fortaleza e<br />
que tiveram seus direitos fun<strong>da</strong>mentais negados ou negligenciados, sendo vítimas dos<br />
mais variados tipos de violação de direitos, como: “vínculos familiares fragilizados ou<br />
rompidos, exploração sexual, violência doméstica, trabalho infantil, situação de moradia<br />
nas ruas, mendicância, perambulância, uso de drogas” (FORTALEZA, 2010, p. 04).<br />
O Programa Ponte de Encontro tem seu funcionamento dividido em três<br />
eixos: (i) Educação Social de rua/casa de passagem; (ii) acolhimento institucional 72 e<br />
70 Projeto instituído na gestão do prefeito Juraci Magalhães (1997-2004), em meados do ano de 1998.<br />
71 No Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico do Programa Ponte de Encontro são enumerados como espaços de<br />
discussões, que visam a qualificação do atendimento voltado às crianças e adolescentes em situação de<br />
moradia e frequência nas ruas, e que o Ponte se faz presente, quais sejam: (i) Núcleo de Articulação dos<br />
Educadores Sociais, que possui como principal objetivo criar um processo institucional dialógico que<br />
possibilite um avanço metodológico <strong>da</strong>s ações dos <strong>educadores</strong> sociais de rua; (ii) Equipe Interinstitucional<br />
de Abor<strong>da</strong>gem de Rua, que possui o intuito de articular as ações existentes (abor<strong>da</strong>gem de rua e abrigos) e<br />
otimizar os encaminhamentos <strong>da</strong>s crianças e adolescentes; (iii) Conselho de Apoio a 17ª Promotoria <strong>da</strong><br />
Parangaba, que tem como objetivo discutir acerca <strong>da</strong>s problemáticas existentes no bairro, como a situação<br />
de crianças e adolescentes em situação de moradia e frequência nas ruas; ABRA (Rede Brasileira de Arte<strong>educadores</strong>),<br />
que objetiva, por meio de suas ações artísticas e educacionais, a transformação <strong>social</strong><br />
pessoal e coletivas e (iv) Rede Fortaleza, que tem por objetivo o atendimento a crianças e adolescentes<br />
em situação de uso e abuso de drogas na ci<strong>da</strong>de de Fortaleza.<br />
72 O eixo acolhimento institucional (casa dos meninos e casa <strong>da</strong>s meninas) configura-se nos espaços de<br />
acolhimento de caráter provisório, destinado a adolescentes de ambos os sexos, visando promover e<br />
garantir o direito à convivência familiar e comunitária e articular a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> com foco na<br />
inserção socioprodutiva e nas relações solidárias.
60<br />
(iii) abrigos conveniados 73 . Atendo-me à necessi<strong>da</strong>de de delimitação do estudo, optei<br />
em focar a análise no primeiro eixo de atuação, cujas ações são desenvolvi<strong>da</strong>s e/ou<br />
possuem como ponto de apoio o Espaço Ponte de Encontro, situado à Rua São Paulo, nº<br />
1750, Bairro Jacarecanga, Fortaleza/Ceará.<br />
O Espaço Ponte de Encontro, segundo consta em seu PPP, possui a<br />
finali<strong>da</strong>de de promover a participação e o empoderamento do público-alvo, visando à<br />
garantia e vivência de seus direitos fun<strong>da</strong>mentais, tendo como objetivos (i) estimular a<br />
construção de projetos de vi<strong>da</strong> do público-sujeito, baseado no processo criativo e<br />
reflexivo de valores positivos; (ii) favorecer o fortalecimento e a interação dos vínculos<br />
familiares e comunitários saudáveis <strong>para</strong> a promoção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; (iii) legitimar a promoção<br />
e a defesa dos direitos do público-sujeito, através <strong>da</strong>s ações executa<strong>da</strong>s pelo projeto; (iv)<br />
minimizar o contato de crianças e adolescentes com o ambiente desfavorável de<br />
moradia e permanência na rua; (v) favorecer ações de enfrentamento a situações de<br />
violência, através do trabalho de busca ativa e prevenção e redução de <strong>da</strong>nos.<br />
A minha observação em relação ao descompasso entre o que está escrito no<br />
PPP e a prática efetiva também se aplica ao Programa Ponte de Encontro, sobretudo em<br />
relação ao trabalho voltado aos adolescentes em situação de rua, que apresenta inúmeras<br />
descontinui<strong>da</strong>des, <strong>da</strong><strong>da</strong> a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação. Posso afirmar isso com certa<br />
proprie<strong>da</strong>de, pois trabalhei dois anos com crianças e adolescentes em situação de rua e a<br />
sensação que eu tinha era de caminhar dois passos e retroceder quatro. Ou seja, na<br />
prática, as ações não funcionam tão linearmente como registra<strong>da</strong>s nos documentos.<br />
Ain<strong>da</strong> segundo o PPP, <strong>para</strong> a efetivação dos objetivos institucionais, a<br />
abor<strong>da</strong>gem de rua, como o próprio nome sugere, realiza abor<strong>da</strong>gem às crianças e<br />
adolescentes, em 24 (vinte e quatro) áreas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, contando com uma equipe<br />
composta por 37 (trinta e sete) <strong>educadores</strong> sociais que desenvolvem ações de arteeducação<br />
74 , esporte/lazer 75 e busca ativa 76 .<br />
73 O eixo abrigos conveniados corresponde a subvenções sociais destina<strong>da</strong>s às enti<strong>da</strong>des de abrigos<br />
volta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> crianças e adolescentes em situação de rua, de forma a garantir o fortalecimento <strong>da</strong> rede de<br />
retaguar<strong>da</strong>/atendimento a esses sujeitos. Atualmente existem cinco enti<strong>da</strong>des parceiras.<br />
74 Segundo o PPP, a arte-educação consiste em ações educativas que possuem como estratégia a interação<br />
positiva com as diversas manifestações artísticas, possibilitando o contato <strong>da</strong>s crianças e adolescentes<br />
atendidos com o universo simbólico e humanizador <strong>da</strong> Arte.<br />
75 Ain<strong>da</strong> segundo o PPP, o esporte e o lazer são utilizados como estratégia de aproximação e mobilização<br />
dos sujeitos atendidos e proporcionam a organização, a participação coletiva, a redução de <strong>da</strong>nos, o<br />
desenvolvimento físico e psicológico e o fortalecimento dos vínculos afetivos.<br />
76 De acordo com o PPP, a busca ativa configura-se numa ativi<strong>da</strong>de de observação, aproximação e<br />
formação de vínculos junto às crianças e adolescentes em situação de violação de direitos.
61<br />
O coordenador do Programa ressalta que o educador <strong>social</strong> “faz desde a<br />
abor<strong>da</strong>gem <strong>social</strong>, que é aquele primeiro contato de conversar, até pre<strong>para</strong>r ativi<strong>da</strong>des<br />
no ambiente <strong>da</strong> rua, como oficinas educativas e esportivas”. Em relação às ativi<strong>da</strong>des<br />
esportivas, o educador H, declara que essas não se limitam à questão esportiva, mas<br />
também compreende “a parte <strong>social</strong>, de aju<strong>da</strong>r a comuni<strong>da</strong>de, de aju<strong>da</strong>r a família, um<br />
trabalho mais profundo”.<br />
Quanto à casa de passagem, essa possui capaci<strong>da</strong>de de atender 10 crianças<br />
e/ou adolescentes, em regime de plantão 24 horas, contando com uma equipe de 28<br />
(vinte e oito) <strong>educadores</strong> sociais <strong>para</strong> <strong>da</strong>r fluxo às deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> casa e realizar os<br />
encaminhamentos necessários <strong>para</strong> a efetivação dos direitos dos sujeitos atendidos.<br />
Nesse aspecto <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de, é perceptível a fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> política, já que<br />
10 (dez) vagas estão muito aquém <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de real do município de Fortaleza, <strong>da</strong>do<br />
o crescente número de denúncias de violação de direitos 77 , que muitas vezes, numa<br />
única denúncia existem cinco irmãos necessitando do acolhimento institucional. Ou<br />
seja, se o Programa Ponte fornecer retaguar<strong>da</strong> às deman<strong>da</strong>s oriun<strong>da</strong>s de apenas um<br />
serviço municipal, como o Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA), sua<br />
capaci<strong>da</strong>de de atendimento fica comprometi<strong>da</strong>. Afora a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s outras<br />
deman<strong>da</strong>s. Associo tal questão à afirmação de Menezes (1998, p. 11), citando Marx,<br />
“propostas que se traduzem em tentativas inglórias de amenizar ain<strong>da</strong> que minimamente<br />
os contrastes reais”.<br />
De acordo com o Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico, “to<strong>da</strong> ação educativa deve<br />
privilegiar a prática como norteadora <strong>da</strong> reflexão, em vista de uma práxis<br />
transformadora que se dá a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> experiência na rua” (FORTALEZA,<br />
2010, p. 04).<br />
O trecho acima denota o embasamento na teoria <strong>da</strong> Educação Popular, que<br />
prima pela efetivação de uma práxis transformadora. Assim como Silva (2011), percebi,<br />
ao longo de todo o texto do PPP, a influência do pensamento de Paulo Freire a partir <strong>da</strong><br />
utilização de designações, tais como: troca de saberes, mobilizações, transformação<br />
etc. Também são visíveis práticas e valores influenciados pela doutrina cristã, como<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e amor ao próximo.<br />
77 Segundo o Coordenador do DDCA, em 2008, o programa registrou um quantitativo geral de 1.990 (mil<br />
novecentos e noventa) denúncias; em 2009, 2.791 (duas mil setecentas e noventa e uma) denúncias; em<br />
2010, 2.492 (duas mil quatrocentas e noventa e duas) denúncias.
62<br />
É perceptível o caráter de militância em detrimento do caráter técnico na<br />
elaboração do Projeto Político-Pe<strong>da</strong>gógico (Silva, 2011), reafirmado pela concepção do<br />
coordenador do Programa ao ser in<strong>da</strong>gado acerca do perfil do educador <strong>social</strong>: “não tem<br />
um perfil desenhado, mas o trabalho de Educação Social chega muito próximo de<br />
militância” (Coordenador do Programa Ponte de Encontro) 78 .<br />
Ao contrário do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o Programa Ponte<br />
de Encontro não diferencia o educador <strong>social</strong> do arte-educador. Todos são contratados<br />
como <strong>educadores</strong> sociais de rua, independentemente de possuírem alguma habili<strong>da</strong>de<br />
artística, como afirmou o coordenador: “todos são <strong>educadores</strong> sociais e alguns têm<br />
algumas habili<strong>da</strong>des de arte ou de esporte que vão aju<strong>da</strong>r e colaborar com esse processo<br />
metodológico de intervenção junto às crianças e adolescentes”.<br />
Posteriormente, quando eu estiver aprofun<strong>da</strong>ndo a análise acerca do<br />
trabalho desenvolvido pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, retomo algumas questões<br />
relaciona<strong>da</strong>s ao perfil profissional, fazendo <strong>para</strong>lelos entre as percepções dos gestores e<br />
dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong>. Nesse momento, prezei por apresentar ao leitor os programas<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e Ponte de Encontro, de forma breve. No item a seguir,<br />
apresento como a Educação Social é desenvolvi<strong>da</strong> na Coordenadoria-Funci, levando em<br />
consideração as especifici<strong>da</strong>des dos referidos programas.<br />
2.4. A Educação Social no âmbito dos programas: o “carro chefe” <strong>da</strong><br />
Coordenadoria-Funci<br />
Questionei junto aos gestores por que a Educação Social nos programas <strong>da</strong><br />
Coordenadoria-Funci e como tal prática começou a ser instituí<strong>da</strong>. Apesar de<br />
considerarem a Educação Social como “o grosso, o carro chefe e a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
Instituição”, como declarou o coordenador do Programa Ponte de Encontro, os gestores<br />
entrevistados não souberam exatamente como se instituiu a sua prática no âmbito<br />
institucional, conforme ilustra a fala: “eu não sei dizer como iniciou a Educação Social<br />
na Funci, quando eu cheguei essa história já estava formata<strong>da</strong>” (Coordenador do<br />
Programa Ponte de Encontro).<br />
78 Em capítulo específico (Capítulo 3) aprofundo a discussão acerca do perfil militante do jovem educador<br />
<strong>social</strong>.
63<br />
os gestores afirmaram:<br />
Quanto ao porquê de sua utilização nos programas e projetos <strong>da</strong> Instituição,<br />
é importante frisar que a escola formal hoje não consegue suprir to<strong>da</strong>s as<br />
carências, as lacunas e necessi<strong>da</strong>des de uma criança e de um adolescente. A<br />
escola ain<strong>da</strong> é muito limita<strong>da</strong> a sua grade curricular, não consegue ampliar<br />
<strong>para</strong> uma dimensão de fato humana, que atinja e reflita diretamente na vi<strong>da</strong><br />
desses sujeitos. Daí a necessi<strong>da</strong>de de se trabalhar na perspectiva <strong>da</strong> Educação<br />
Social, <strong>para</strong>lela à educação formal. Então é fun<strong>da</strong>mental o ingresso <strong>da</strong><br />
Educação Social nos programas, pois ela vai trabalhar justamente essa<br />
dimensão humana, a sociabili<strong>da</strong>de do público atendido, dimensões essas que<br />
não são trata<strong>da</strong>s na escola com profundi<strong>da</strong>de. A Educação Social surge no<br />
sentido de suprir a carência <strong>da</strong> escola formal. Se a escola trabalhasse outros<br />
aspectos além dos conteúdos, não seria necessário outro espaço trabalhar<br />
(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia);<br />
a Educação Social é, na ver<strong>da</strong>de, uma forma <strong>da</strong> gente trabalhar com o público<br />
a fim de conseguir pessoas sensíveis que possam adentrar na reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
pessoas que estão em situação de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. A Educação Social<br />
permite esse acesso, esse contato, esse vínculo com as famílias de crianças e<br />
adolescentes que são acompanha<strong>da</strong>s pela Coordenadoria (Supervisora de<br />
gestão).<br />
<strong>Os</strong> relatos acima denotam que a Educação Social é percebi<strong>da</strong> como uma<br />
prática de intervenção, uma forma de agir perante os sujeitos, superando as deficiências<br />
<strong>da</strong> educação escolar e em busca <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong> situação de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />
<strong>da</strong>s pessoas atendi<strong>da</strong>s. Portanto, reconhecem-na segundo o uso habitual vigente de que<br />
os seus processos educativos<br />
dirigem-se prioritariamente ao desenvolvimento <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de dos sujeitos,<br />
têm como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de<br />
conflito <strong>social</strong> e têm lugar em contextos ou por meios educativos não-formais<br />
(ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 28).<br />
O discurso institucional, tanto do Programa Ponte de Encontro quanto do<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, aponta a utilização <strong>da</strong> Educação Social como meio de<br />
desenvolver ações que estimulem o exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o reconhecimento <strong>da</strong><br />
identi<strong>da</strong>de, o sentimento de pertença, a participação, o empoderamento <strong>da</strong>s crianças,<br />
adolescentes e suas respectivas famílias, através de oficinas de arte-educação e esporte.<br />
A metodologia e o espaço de atuação determinam as diferenças entre os dois programas,<br />
como salienta a fala:
64<br />
o educador <strong>social</strong> do Crescer está no projeto e a deman<strong>da</strong> vem até ele. Ele<br />
tem um trabalho mais interno, embora em alguns momentos ele precise<br />
visitar locais estratégicos, mas a diferença é exatamente esta: a localização do<br />
trabalho. No Crescer, os <strong>educadores</strong> fazem visitas domiciliares, fazem<br />
acompanhamento escolar, realizam oficinas com crianças e adolescentes,<br />
reuniões com as famílias, tem esse acompanhamento sistemático do públicoalvo.<br />
No caso do Ponte, a atuação do educador <strong>social</strong> se diferencia porque<br />
eles estão diretamente na rua, em pontos estratégicos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e trabalham<br />
muito mais através <strong>da</strong> busca ativa, que é visualizar as situações de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e a partir disso ver a possibili<strong>da</strong>de de algum<br />
encaminhamento ou do devido encaminhamento <strong>para</strong> ca<strong>da</strong> caso. A<br />
metodologia do Ponte se diferencia <strong>da</strong> metodologia do Crescer porque os<br />
seus <strong>educadores</strong> estão nas ruas circulando e procurando a deman<strong>da</strong><br />
(Supervisora de gestão).<br />
Essa diferença metodológica e de espaço de atuação são preponderantes no<br />
delineamento <strong>da</strong> arte-educação desenvolvi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> programa. No Crescer com Arte e<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia existe uma perspectiva <strong>da</strong> arte-educação enquanto profissionalização, ain<strong>da</strong><br />
que superficialmente, em virtude <strong>da</strong>s precárias condições estruturais.<br />
Embora não exista objetivamente no PPP do referido programa a intenção<br />
de profissionalizar, o depoimento do coordenador do programa me leva a considerar<br />
essa perspectiva:<br />
a gente não tem um direcionamento real <strong>para</strong> que esse menino se insira em<br />
projetos sociais nessa função, porém nós temos o instrumento <strong>da</strong> monitoria<br />
que facilita essas inserções, pois ele passa por formações e é<br />
instrumentalizado caso ele queira <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de (Coordenador do<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia).<br />
Outra evidência <strong>da</strong> perspectiva de profissionalização, ain<strong>da</strong> que vela<strong>da</strong>, é a<br />
declara<strong>da</strong> diferença entre o educador <strong>social</strong> e o arte-educador. Grosso modo, é como se<br />
o arte-educador fosse o professor designado a repassar o conhecimento de sua<br />
linguagem artística específica (teatro, música, <strong>da</strong>nça, artes plásticas) junto às crianças e<br />
adolescentes, ou seja, o seu olhar possui como foco principal o desenvolvimento <strong>da</strong><br />
técnica; o educador <strong>social</strong> dá suporte ao arte-educador, bem como volta-se às questões<br />
sociais e outras dimensões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s crianças, dos adolescentes e de suas famílias, ou<br />
seja, possui uma atuação mais generaliza<strong>da</strong>.<br />
No entanto, o coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />
salientou que a arte-educação desenvolvi<strong>da</strong> no Programa “traz consigo, além <strong>da</strong>s<br />
técnicas, to<strong>da</strong> uma reflexão, formação ci<strong>da</strong>dã, formação política, não é a técnica pela<br />
técnica, não é a arte, pela arte”. Ele acrescentou que:
65<br />
o arte-educador trabalha muito articulado com o educador <strong>social</strong>; as temáticas<br />
de Direitos Humanos são trabalha<strong>da</strong>s pelo educador <strong>social</strong> nas oficinas e o<br />
arte-educador busca trabalhar a técnica vinculando as discussões<br />
(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia).<br />
Quanto à questão, avalio que os discursos “não queremos formar artistas” e<br />
“não nos preocupamos com um espetáculo final” são imbuídos de um fracasso <strong>da</strong>s<br />
ações de arte-educação desenvolvi<strong>da</strong>s pelo Programa, uma vez que assumindo tais<br />
discursos não há obrigatorie<strong>da</strong>de nos resultados concretos <strong>da</strong> profissionalização, sendo<br />
suficiente apenas a <strong>social</strong>ização <strong>da</strong>s crianças e dos adolescentes.<br />
Em relação ao Programa Ponte de Encontro, a arte-educação não possui<br />
intenção de profissionalizar. É desenvolvi<strong>da</strong> como estratégia de interação, aproximação<br />
junto às crianças e adolescentes atendidos. Isso pode ser evidenciado pelo fato de não<br />
existir diferenciação entre educador <strong>social</strong> e arte-educador. Como já salientei<br />
anteriormente, no Programa Ponte de Encontro, todos são contratados como <strong>educadores</strong><br />
sociais, porém, se possuírem alguma habili<strong>da</strong>de artística e/ou esportiva, podem<br />
desenvolvê-las como incremento em suas atuações.<br />
Já o esporte, nos dois programas, é encarado como um fenômeno <strong>social</strong> e<br />
um fator <strong>social</strong>izador à luz <strong>da</strong> concepção de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 99):<br />
se educar supõe incidir nas estruturas cognitivas e afetivas do sujeito, se<br />
educar é facilitar uma mu<strong>da</strong>nça no repertório de condutas e adquirir as<br />
habili<strong>da</strong>des necessárias <strong>para</strong> se integrar no grupo, o esporte não pode ser<br />
ignorado pela Pe<strong>da</strong>gogia Social.<br />
Como evidenciaram os gestores, a Educação Social na Coordenadoria-Funci<br />
é responsabili<strong>da</strong>de precípua do educador <strong>social</strong>, seja na arte-educação, no esporte ou nas<br />
ações mais generaliza<strong>da</strong>s. Ao afirmarem que o educador <strong>social</strong> “é o meio <strong>da</strong> gente<br />
conseguir chegar nas crianças, nos adolescentes e nas famílias e ter um impacto positivo<br />
nas ações” (Supervisora de gestão), e “tem to<strong>da</strong> uma leitura acerca dessas reali<strong>da</strong>des do<br />
público-sujeito” (Coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia), estão<br />
reconhecendo a importância desse profissional na execução dos objetivos institucionais.<br />
No entanto, existe descompasso entre o reconhecimento <strong>da</strong> importância <strong>da</strong><br />
categoria e a sua real valorização, sobretudo levando-se em consideração aspectos<br />
objetivos, como o salário, por exemplo, conforme afirmou claramente o gestor do<br />
Programa Ponte de Encontro ao ser in<strong>da</strong>gado sobre o que o educador <strong>social</strong> necessita
66<br />
<strong>para</strong> ser contratado pela Instituição: “a primeira coisa é aceitar o perfil salarial <strong>da</strong><br />
gente”. Referia-se a um salário baixo diante <strong>da</strong> dimensão <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> profissão.<br />
Na perspectiva institucional, além de submeter-se ao salário proposto pela<br />
Instituição, é exigido que o educador <strong>social</strong> tenha, preferencialmente, experiência com<br />
trabalhos comunitários, experiência com trabalho voltado <strong>para</strong> crianças e adolescentes e,<br />
necessariamente, sensibili<strong>da</strong>de, compromisso, disponibili<strong>da</strong>de e desejo de<br />
transformação, como expressaram os gestores ao serem in<strong>da</strong>gados acerca do perfil do<br />
educador <strong>social</strong>:<br />
uma coisa que é muito importante é a experiência comunitária e vivências de<br />
trabalho na área de crianças e adolescentes. Também compõe o perfil<br />
profissional a habili<strong>da</strong>de com grupos, a facili<strong>da</strong>de de redigir documentos, de<br />
elaborar planejamentos, de proposição de ideias, ou seja, uma pessoa que se<br />
mostre sempre ativa, que queira construir coletivamente e que reconheça a<br />
necessi<strong>da</strong>de de atuar articula<strong>da</strong>mente em rede (Coordenador do Programa<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia);<br />
precisam ser pessoas que tenham um mínimo de sensibili<strong>da</strong>de, que<br />
preten<strong>da</strong>m causar impacto positivo na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s outras pessoas, contribuir com<br />
a instituição no sentido de fazer com que a política pública se realize na<br />
ponta. Devem ter a compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des e serem<br />
propositivas <strong>para</strong> poderem contribuir de alguma forma. Por isso o educador<br />
<strong>social</strong> é muito importante <strong>para</strong> a instituição. É uma política pública que<br />
precisa minimamente de cui<strong>da</strong>dos <strong>para</strong> ser executa<strong>da</strong>, então se você não tem<br />
no quadro de profissionais alguém que se preocupa em fazer aquilo ali bem<br />
feito, que tenha disponibili<strong>da</strong>de, inviabiliza esse trabalho (Supervisora de<br />
gestão).<br />
<strong>Os</strong> depoimentos dos gestores, em relação ao perfil do educador <strong>social</strong>,<br />
foram consoantes com o que observei nos Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos dos Programas.<br />
No PPP do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, existe menção direta acerca desse<br />
perfil profissional, como salientou o gestor do Programa e como consta no documento:<br />
habili<strong>da</strong>des em desenvolver ativi<strong>da</strong>des socioeducativas e artísticas com<br />
crianças, adolescentes, famílias e ativi<strong>da</strong>des comunitárias; conhecimento<br />
sobre direitos humanos, especificamente na área <strong>da</strong> infância e adolescência;<br />
desenvolver ativi<strong>da</strong>des de grupo; capaci<strong>da</strong>de de planejamentos e facilitação<br />
com metodologias participativas (FORTALEZA, 2010, p. 20).<br />
Já o PPP do Programa Ponte de Encontro não possui menção direta em<br />
relação ao perfil do educador <strong>social</strong>, o documento destaca algumas posturas básicas <strong>para</strong><br />
o seu trabalho, como “compreender as crianças e os adolescentes como sujeitos de
67<br />
direitos; despojar-se de todo tipo de preconceitos; abrir-se a novos valores; procurar<br />
sempre atualizar os seus conhecimentos” (FORTALEZA, 2010, p. 05).<br />
Essa informação é ratifica<strong>da</strong> pelo gestor do Programa que afirmou que o<br />
educador <strong>social</strong> “não tem um perfil definido, estamos adotando há algum tempo um<br />
perfil muito próximo <strong>da</strong> militância, do envolvimento, do comprometimento e estamos<br />
encontrando esse perfil em <strong>jovens</strong> que já foram atendidos e que são de comuni<strong>da</strong>des”<br />
(Coordenador do Programa Ponte de Encontro).<br />
Tal afirmação me intrigou sobremaneira e me fez dedicar uma atenção<br />
especial à questão. Afinal, por que o envolvimento e o comprometimento são<br />
característicos de <strong>jovens</strong> que já foram atendidos e que estão inseridos em comuni<strong>da</strong>des<br />
que apresentam um contexto de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>? Que contradições podemos<br />
identificar nesse processo de inserção? E como os gestores e os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
percebem tal reali<strong>da</strong>de?<br />
No capítulo seguinte, faço uma reflexão em busca de compreender as<br />
in<strong>da</strong>gações acima, apresentando breve contextualização acerca <strong>da</strong>s construções sóciohistóricas<br />
sobre o trabalho e suas relações com as reconfigurações do trabalho <strong>social</strong><br />
<strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais no âmbito <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci, bem como faço<br />
uma análise sobre a contratação desses sujeitos pela referi<strong>da</strong> instituição, partindo de<br />
suas percepções e <strong>da</strong>s percepções dos gestores, em busca de problematizar aspectos<br />
relacionados ao fazer profissional, à profissionalização e às condições de trabalho.
68<br />
CAPÍTULO 3 – FAZER PROFISSIONAL, PROFISSIONALIZAÇÃO E<br />
CONDIÇÕES DE TRABALHO DO JOVEM EDUCADOR SOCIAL NA<br />
COORDENADORIA-FUNCI<br />
<strong>Os</strong> que lutam contra a exploração, a opressão, a dominação e a alienação –<br />
isto é, contra o domínio do capital – têm como tarefa educacional a<br />
“transformação <strong>social</strong> ampla emancipadora”.<br />
Emir Sader<br />
Inicio as discussões desse capítulo abor<strong>da</strong>ndo as imagens e representações<br />
sobre o trabalho <strong>social</strong>, em especial aquele realizado pelo educador <strong>social</strong>, apresentando<br />
a relação dessas construções sócio-históricas com as reconfigurações do trabalho <strong>social</strong><br />
<strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais no âmbito <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci.<br />
É importante ressaltar que optei em abor<strong>da</strong>r a temática do trabalho em razão<br />
dos depoimentos dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, que não raras vezes, se desdobravam<br />
acerca do trabalho e suas condições e por considerar que tais fatos estão relacionados e<br />
compõem as suas construções de <strong>sentidos</strong> sobre a Educação Social e suas práticas<br />
profissionais. Assim, abordo as percepções desses sujeitos acerca de suas contratações<br />
pela referi<strong>da</strong> instituição, fazendo um <strong>para</strong>lelo entre as suas percepções e as dos gestores,<br />
analisando aspectos relacionados ao fazer profissional no âmbito <strong>da</strong>s políticas públicas,<br />
à profissionalização e às condições do trabalho.<br />
3.1. Imagens e representações do trabalho <strong>social</strong> <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> <strong>da</strong><br />
Coordenadoria-Funci: missões vocacional-religiosa, técnico-profissional e de<br />
militância-política<br />
Acredito que a discussão sobre a categoria trabalho nunca perdeu a sua<br />
importância no meio acadêmico, ao contrário, torna-se ca<strong>da</strong> vez mais fun<strong>da</strong>mental <strong>para</strong><br />
que possamos compreender diversos fenômenos sociais, econômicos e a sua relação<br />
com a atuali<strong>da</strong>de.<br />
Em concordância com Martins (2010), citando o pensamento de Marx e<br />
Engels (1984), considero que<br />
o processo histórico que se desdobrou ao longo dos tempos e que fez a<br />
humani<strong>da</strong>de ser como é nos dias atuais traz a marca indelével do trabalho.<br />
Foi por meio dele que o homem se impôs sobre a natureza, transformando-a
69<br />
segundo suas necessi<strong>da</strong>des e intencionali<strong>da</strong>des, tendo como decorrência, ao<br />
transformar a natureza, a sua própria transformação (MARTINS, 2010, p. 41<br />
apud MARX; ENGELS, 1984).<br />
Ao refletir acerca <strong>da</strong> categoria trabalho, não poderia deixar de mencionar as<br />
contradições existentes nas construções sócio-históricas que a permeiam (ARAÚJO,<br />
1997). Na formação do Brasil, por exemplo, as contradições podem ser vistas sem<br />
rodeios ou eufemismos, afinal, quem desfrutava do berço <strong>da</strong> preguiça, gozando de um<br />
ócio, graças à exploração, era exatamente o mais rude nas penalizações dos chamados<br />
“vadios” ou “vagabundos”.<br />
Segundo Araújo (1997, p. 150), “a maioria <strong>da</strong> população brasileira vivia à<br />
margem <strong>da</strong> grande produção (monocultura ou mineradora), a única que, no fundo,<br />
interessava à Coroa”. Acrescenta o autor, “era to<strong>da</strong> uma população desajusta<strong>da</strong> e sem<br />
inserção produtiva – negros forros e brancos pobres – que assombrava a vi<strong>da</strong> dos que<br />
pagavam impostos e frequentavam a igreja” (ARAÚJO, 1997, p. 160).<br />
A reali<strong>da</strong>de apresenta<strong>da</strong> me remete ao pensamento de Marx (1984), quando<br />
abor<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> expropriação dos camponeses – no texto „A chama<strong>da</strong> acumulação<br />
primitiva‟ –, um processo que se utilizou <strong>da</strong> violência e gerou muita oferta de terra e<br />
força de trabalho. Desse modo, acabou gerando uma massa de pessoas sem meios de<br />
produção e sem espaço de inserção, ocasionando a “vadiagem”, que era puni<strong>da</strong> através<br />
de leis arbitrárias e sem qualquer observância aos direitos humanos.<br />
No Brasil, havia um <strong>para</strong>sitismo regulamentado, bastava a pessoa pagar os<br />
seus impostos e esta seria considera<strong>da</strong> honesta, distinta e até nobre (ARAÚJO, 1997).<br />
Quanto ao “desclassificado”, que pesava à coletivi<strong>da</strong>de, este deveria ser reprimido e<br />
controlado, pois escapava “às normas de convivência, de sobrevivência e de<br />
conveniência minimamente aceitáveis por uma socie<strong>da</strong>de que só admitia o <strong>para</strong>sitismo<br />
que fosse considerado honesto” (ARAÚJO, 1997, p. 174).<br />
Frente à repressão e ao controle <strong>da</strong> população que estava à margem <strong>da</strong><br />
produção – “os desclassificados” –, o Estado e a Igreja, juntos, passaram a disseminar o<br />
espírito <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, capaz de assegurar a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas de posse e,<br />
ain<strong>da</strong>, a salvação de suas almas. Nessa lógica, nascem as primeiras experiências de<br />
trabalho <strong>social</strong>, atrela<strong>da</strong>s à Igreja católica, com o objetivo de se aju<strong>da</strong>r na construção de<br />
uma socie<strong>da</strong>de mais justa.
70<br />
Essas imagens, construí<strong>da</strong>s à época <strong>da</strong> colonização do Brasil, ain<strong>da</strong><br />
perpassam o imaginário <strong>da</strong> população brasileira na atuali<strong>da</strong>de, sobretudo as imagens<br />
vincula<strong>da</strong>s ao trabalho <strong>social</strong>, ain<strong>da</strong> que remodela<strong>da</strong>s e com novas reconfigurações.<br />
No imaginário dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, ain<strong>da</strong> é muito presente a<br />
perspectiva do trabalho <strong>social</strong> atrelado à missão, à vocação, como ilustram os<br />
depoimentos:<br />
desenvolvo minha função de educadora <strong>social</strong> como uma missão, uma<br />
vocação. Eu luto pelos direitos <strong>da</strong>s pessoas, de crianças e adolescentes.<br />
Nunca me imaginei trabalhando em uma loja, no comércio e também não me<br />
preocupo apenas com o dinheiro (Educadora L);<br />
eu estou aqui por uma causa, por uma missão e eu vou lutar por ela, até<br />
porque eu passei por essa causa, eu passei por todo esse processo. Eu não<br />
estou trabalhando só pelo dinheiro, estou por sensibili<strong>da</strong>de e <strong>para</strong> tentar<br />
amenizar ou mu<strong>da</strong>r a história <strong>da</strong>quela criança ou adolescente (Educador G).<br />
Exatamente em virtude desse caráter missionário, a superação <strong>da</strong>s<br />
construções atrela<strong>da</strong>s à cari<strong>da</strong>de, à aju<strong>da</strong> como premissas do trabalho <strong>social</strong> ain<strong>da</strong> não é<br />
predominância entre os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais. Na maioria dos depoimentos os<br />
<strong>educadores</strong> sociais, ao mesmo tempo em que se policiam <strong>para</strong> não utilizar termos como<br />
“aju<strong>da</strong>”, “cari<strong>da</strong>de”, simplesmente por uma questão de linguagem, caracterizam suas<br />
ações como “amor ao próximo”, “soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de”, que trazem o “engrandecimento<br />
pessoal”, ou seja, premissas de valores morais religiosos e fun<strong>da</strong>ntes do espírito <strong>da</strong><br />
cari<strong>da</strong>de. Em suma, a maioria dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais configura as suas atuações<br />
no âmbito <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci como uma missão vocacional-religiosa.<br />
Salientando a importância <strong>da</strong> tensão entre o consenso e a diversi<strong>da</strong>de<br />
(SPINK; MEDRADO, 2000) na minha análise, apresento a ruptura dessa perspectiva<br />
vocacional-religiosa, defendi<strong>da</strong> com muita ênfase pela educadora J:<br />
temos que ter muito cui<strong>da</strong>do com esse lance de amor, senão estaremos<br />
disseminando o discurso do Governador 79 , de trabalhar por amor. Antes de<br />
tudo, o meu trabalho possui um valor, pois é através dele que eu “como”, que<br />
me visto e que posso me capacitar <strong>para</strong> melhorar a minha atuação e<br />
ver<strong>da</strong>deiramente ter condições de facilitar um processo de transformação.<br />
Não significa que eu não tenha amor pelo que faço, mas o profissionalismo é<br />
importante.<br />
79 A educadora referiu-se a um pronunciamento do governador do Estado do Ceará (Cid Gomes) quando<br />
estava em negociação salarial com a categoria de professor em greve no período entre agosto e novembro<br />
de 2012, ao mencionar que antes de qualquer valor, o professor deveria trabalhar por amor.
71<br />
Esse relato reflete à missão técnico-profissional do trabalho <strong>social</strong><br />
desenvolvido na Coordenadoria-Funci, caracterizado pela intenção de promover os<br />
direitos <strong>da</strong>s crianças e dos adolescentes em busca <strong>da</strong> justiça <strong>social</strong>. Ele se difere,<br />
sobremaneira, do aspecto anterior (vocacional-religioso) porque as pessoas consideram<br />
a importância do trabalho técnico-profissional, remunerado, <strong>para</strong> além de missão e<br />
vocação, mas como compromisso político <strong>para</strong> a transformação societária.<br />
Outra missão que identifiquei no relato dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> foi a<br />
militância-política, que não exclui a técnico-profissional. Embora eles não utilizem esse<br />
termo “militância”, acabou ficando subtendido em algumas falas, como a que expressa:<br />
“agora eu sou remunerado, pelo que antes eu fazia de graça, por ideologia” (Educador<br />
E). Nesse depoimento, o educador estava ratificando a fala <strong>da</strong> presidenta <strong>da</strong> Funci em<br />
um evento <strong>da</strong> instituição que, segundo o profissional, ela afirmara: “gente, vocês são<br />
felizardos em trabalharem na Funci, porque estão recebendo dinheiro, pelo que antes<br />
vocês faziam de graça, militando nos partidos de esquer<strong>da</strong>”.<br />
É importante salientar que essa missão de militância-política aparece,<br />
sobretudo, nos depoimentos dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais oriundos de projetos <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong>. Embora, depois, estando representando o poder público,<br />
ain<strong>da</strong> se identificam como representantes dos movimentos sociais, como salientado no<br />
depoimento: “antes de estar na Funci eu represento a periferia, a minha comuni<strong>da</strong>de, a<br />
socie<strong>da</strong>de civil” (Educadora J).<br />
Nenhum jovem atendido pela própria Coordenadoria-Funci expressou essa<br />
questão em suas falas. Considero que o fato está relacionado às estruturas institucionais<br />
do poder público e os espaços reais de participação oferecidos aos <strong>jovens</strong> e ao próprio<br />
lugar de reivindicação que os <strong>jovens</strong> oriundos <strong>da</strong>s Organizações não-governamentais<br />
ocupavam anteriormente.<br />
Essa reali<strong>da</strong>de é permea<strong>da</strong> de contradições, pois antes assumiam uma<br />
posição de apenas reivindicar, segundo eles, sem conhecerem os trâmites burocráticos<br />
<strong>para</strong> a efetivação de uma ação, conforme o depoimento: “quando eu estava no projeto<br />
eu só reivindicava, só queria a solução, hoje eu tenho que responder às reivindicações e<br />
vejo que as coisas não são fáceis” (Educadora L). Como expressa a educadora, hoje tem<br />
que <strong>da</strong>r respostas às mesmas reivindicações de outrora. Talvez por isso seja mais<br />
cômodo se considerar representante do movimento <strong>social</strong> do que do poder público, já<br />
que não possui as respostas concretas.
72<br />
Abrindo um parêntese, mas sem fugir desse contexto, é importante salientar<br />
o enfraquecimento do movimento <strong>social</strong> de defesa dos direitos <strong>da</strong>s crianças e dos<br />
adolescentes na ci<strong>da</strong>de de Fortaleza, pois muitas pessoas militantes <strong>da</strong> área acabaram<br />
assumindo cargos no poder público municipal, estadual e federal. Percebi essa reali<strong>da</strong>de<br />
quando ocupava a presidência do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos <strong>da</strong>s<br />
Crianças e dos Adolescentes (COMDICA), biênio 2010/2012, representando a SDH,<br />
que apresentava total harmonia e quase nenhum embate entre poder público e socie<strong>da</strong>de<br />
civil.<br />
Voltando às missões ou ao que posso denominar estilos de <strong>educadores</strong><br />
sociais, em concordância com o pensamento de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 131<br />
apud P. AYERBE, 1995), “a fuga entre dois estilos de <strong>educadores</strong>, que iriam dos perfis<br />
<strong>da</strong> filantropia e <strong>da</strong> benevolência ou ao dos rebeldes ou contestatórios, pode ser evita<strong>da</strong><br />
garantindo aspectos técnicos em suas competências”. No entanto, não seria uma<br />
excessiva tecnicização, nas palavras de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 132)<br />
“excessivamente aplicador dos recursos e com atitudes abertamente desvincula<strong>da</strong>s do<br />
<strong>social</strong>”, mas “<strong>educadores</strong> transformadores <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, sujeitos ativos e<br />
reflexivos” (p. 133).<br />
Na reali<strong>da</strong>de dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais desse estudo, o perfil de<br />
educador <strong>social</strong> ativo e reflexivo, salientado acima, ain<strong>da</strong> está distante, uma vez que a<br />
maioria está inseri<strong>da</strong> em situações de precarie<strong>da</strong>de, de dependência dos empregadores, o<br />
que acaba evitando uma postura mais crítica no âmbito institucional.<br />
Minha análise foi construí<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s percepções dos próprios <strong>jovens</strong><br />
<strong>educadores</strong> sociais e dos gestores acerca do processo de contratação na Coordenadoria-<br />
Funci, levando em consideração aspectos relacionados ao fazer profissional, à<br />
profissionalização e às condições de trabalho que envolvem esses sujeitos, conforme<br />
apresento no item que segue.<br />
3.2. Percepções dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e dos gestores sobre o processo de<br />
contratação na Coordenadoria-Funci: o fazer profissional, a profissionalização e as<br />
condições de trabalho<br />
A Coordenadoria-Funci vem adotando a prática de contratar <strong>jovens</strong> que já<br />
foram atendidos em projetos sociais, sejam em projetos <strong>da</strong> própria instituição ou de
73<br />
organizações não-governamentais. Parti <strong>da</strong> hipótese de que tal prática é utiliza<strong>da</strong> como<br />
forma de enriquecer o processo de aprendizagem <strong>da</strong>s crianças e dos adolescentes<br />
atendidos a partir <strong>da</strong> <strong>social</strong>ização <strong>da</strong>s experiências de vi<strong>da</strong> desses <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong>,<br />
que outrora vivenciaram o lugar <strong>da</strong>queles sujeitos.<br />
Essa minha hipótese, construí<strong>da</strong> numa primeira observação um tanto quanto<br />
superficial, embora não tenha sido invali<strong>da</strong><strong>da</strong> em sua integrali<strong>da</strong>de, evidenciou<br />
contradições importantes na análise do fenômeno. A contratação dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
é encara<strong>da</strong> de forma diferencia<strong>da</strong>, dependendo do lugar que ocupa o informante. Ela<br />
pode ser caracteriza<strong>da</strong> como reconhecimento <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des juvenis, como<br />
exploração ou até mesmo um misto entre as duas caracterizações.<br />
A maioria dos <strong>educadores</strong> sociais caracteriza essa contratação como uma<br />
valorização <strong>da</strong> juventude por parte <strong>da</strong> instituição, como salienta o depoimento: “eu acho<br />
bem bacana essa iniciativa. É uma forma de <strong>da</strong>r oportuni<strong>da</strong>de aos <strong>jovens</strong> que já fizeram<br />
parte de projetos; emprego hoje está difícil, principalmente <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong>” (Educador<br />
B). Apenas dois <strong>educadores</strong> sociais, percebem-na como um misto de valorização e<br />
exploração, não em relação à exploração <strong>da</strong> força de trabalho, mas, sobretudo, em prol<br />
do fortalecimento <strong>da</strong> imagem institucional, como trazem os depoimentos: “querendo ou<br />
não é uma estratégia <strong>para</strong> a política, por que hoje as coisas não funcionam sem<br />
propagan<strong>da</strong>. Mas, além disso, acredito que existe sim uma valorização desse jovem”<br />
(Educador F); “é uma iniciativa positiva, pois houve a necessi<strong>da</strong>de de contratação,<br />
existia o jovem capacitado, ele foi valorizado e foi bem visto <strong>para</strong> a imagem <strong>da</strong><br />
instituição” (Educador C).<br />
Quanto aos gestores, existem mais variações de percepções acerca <strong>da</strong><br />
contratação dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais. A supervisora de gestão considera que tal<br />
prática não é frequente, <strong>da</strong><strong>da</strong> a dificul<strong>da</strong>de de encontrar <strong>jovens</strong> no perfil, mas, quando<br />
isso ocorre, ela considera muito interessante <strong>para</strong> o projeto; o coordenador do Programa<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia considera que a instituição está reduzindo essa prática,<br />
por considerar importante não só a padronização no processo de contratação dos<br />
profissionais como a importância <strong>da</strong> qualificação; já o coordenador do Programa Ponte<br />
de Encontro considera que essa prática está sendo fortaleci<strong>da</strong>, uma vez que esses <strong>jovens</strong><br />
demonstram envolvimento em suas monitorias e facilitam o processo de atuação no<br />
âmbito <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des, conforme ilustram os seus depoimentos:
74<br />
na ver<strong>da</strong>de não é uma situação muito corriqueira, porque nem to<strong>da</strong>s as<br />
pessoas têm o perfil <strong>para</strong> trabalhar com o <strong>social</strong>. Quando a gente consegue<br />
trazer alguém que foi atendido enquanto público-alvo <strong>para</strong> ser um<br />
profissional <strong>da</strong> instituição isso é importante, porque ele tem a visão dos<br />
meninos que já estiveram lá sendo atendidos recebendo os “cui<strong>da</strong>dos”, entre<br />
aspas, o atendimento do projeto (Supervisora de gestão);<br />
hoje nós temos absorvido bem menos <strong>jovens</strong> que foram educandos do próprio<br />
projeto, pois existe uma padronização quanto à contratação de profissionais,<br />
que é realiza<strong>da</strong> pelo setor de desenvolvimento humano junto com a<br />
coordenação de gestão, em parceria com a coordenação do programa. O exeducando<br />
não é mais contratado diretamente, pois ele pode ser absorvido por<br />
qualquer outro programa desde que tenha qualificação (Coordenador do<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia);<br />
já é o terceiro monitor <strong>da</strong> escolinha de surf que a gente contrata como<br />
educador e essa reali<strong>da</strong>de vem se intensificando, porque são pessoas que se<br />
destacam em suas ativi<strong>da</strong>des, possuem envolvimento com a comuni<strong>da</strong>de e<br />
abertura com as crianças e os adolescentes. Isso facilita o processo de<br />
compromisso, de atuação dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Fica muito mais fácil pra<br />
gente trazer uma pessoa que já foi atendi<strong>da</strong> pela gente, que vivenciou a<br />
história, do que de repente trazer uma pessoa com mais experiência, mas<br />
cheia de vícios (Coordenador do Programa Ponte de Encontro).<br />
Unanimemente, gestores e <strong>educadores</strong> descartaram a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
contratações serem uma política institucional, conforme observei nos depoimentos: “a<br />
contratação de quem já foi atendido não é uma política <strong>da</strong> instituição, até porque não<br />
existe um quadro de vagas <strong>para</strong> egressos do programa” (Coordenador do Programa<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia); “não é uma política <strong>da</strong> instituição, pois a contratação<br />
não é adota<strong>da</strong> por todos os programas, vai depender de ca<strong>da</strong> gestor individualmente.<br />
Inclusive tem gestores que tem medo de fazer isso” (Coordenador do Programa Ponte<br />
de Encontro); “não consigo perceber essa prática como uma política <strong>da</strong> instituição, acho<br />
que é um processo de valorização, sem ser instituído oficialmente” (Educadora J).<br />
Gestores e <strong>educadores</strong> consideram importante a ampliação dessas<br />
contratações e não desconsideram a possibili<strong>da</strong>de de haver uma regulamentação dessa<br />
prática, como ressaltaram: “o Demitri (secretário <strong>da</strong> SDH) disse pra mim: vamos adotar<br />
essa política de contratar as pessoas que já foram atendi<strong>da</strong>s?” (Coordenador do<br />
Programa Ponte de Encontro); “podemos trabalhar na perspectiva de adotar essa prática<br />
como política, é uma ideia” (Coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia)<br />
e “os vários exemplos que deram certo acabaram estimulando essa prática e talvez ela<br />
possa ser transforma<strong>da</strong> em política” (Educador C).<br />
Quanto à escolha dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong>, existem diferenciações entre os<br />
dois programas. Segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, “o
75<br />
jovem é avaliado pela equipe que o acompanha e convi<strong>da</strong>do a participar do processo<br />
seletivo como outra pessoa qualquer”. Já no Programa Ponte de Encontro, o processo de<br />
escolha é baseado no destaque de ca<strong>da</strong> jovem como monitor de alguma ativi<strong>da</strong>de do<br />
Programa e há priorização <strong>para</strong> quem reside nas áreas de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, como<br />
salientou o coordenador: “acabamos de contratar três <strong>jovens</strong> que eram monitores e que<br />
se destacaram muito; um <strong>da</strong> Barra do Ceará, um do Bom Jardim e outro do Oitão<br />
Preto”. Bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza que possuem índices elevados de situações de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />
Acredito que a diferença no processo de escolha está relaciona<strong>da</strong> ao objetivo<br />
de atuação de ca<strong>da</strong> programa, ou seja, no Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia prioriza-se a<br />
técnica <strong>da</strong> pessoa que será contrata<strong>da</strong> tendo em vista a perspectiva de<br />
profissionalização, ain<strong>da</strong> que não assumi<strong>da</strong> propriamente. Tal afirmação pode ser<br />
encontra<strong>da</strong> no depoimento do coordenador do Programa, ao salientar que:<br />
quando o jovem é contratado automaticamente logo que sai <strong>da</strong> condição de<br />
educando é porque teve méritos, ele mostrou que tinha capaci<strong>da</strong>de; mas<br />
quando ele estagna, não vai buscar uma formação técnica ou acadêmica <strong>da</strong><br />
linguagem que ele se propôs a trabalhar, ele acaba se perdendo no processo e<br />
não se reconhece como educador.<br />
Importante salientar que, <strong>para</strong> os gestores, independentemente <strong>da</strong> função, é<br />
imprescindível que o jovem que será contratado tenha tido, além de alguma habili<strong>da</strong>de,<br />
comprometimento na sua experiência de educando, entendido como assidui<strong>da</strong>de,<br />
participação ativa, entre outros.<br />
<strong>Os</strong> próprios <strong>educadores</strong> também reconhecem tais aspectos como<br />
preponderantes <strong>para</strong> as suas contratações, conforme os depoimentos: “com esse tempo<br />
que eu passei lá no projeto eu sempre fui um dos mais dedicados. Sempre que rolava<br />
ativi<strong>da</strong>des fora, rolava um debate, eu estava participando. Também me destaquei no<br />
desenho” (Educador B); “tive uma participação muito ativa no projeto, uma consciência<br />
muito crítica e também o desenvolvimento artístico” (Educador C).<br />
Quanto à habili<strong>da</strong>de e à aptidão artística serem condições necessárias à<br />
contratação dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, percebi contradições entre as falas dos<br />
gestores e o que de fato é praticado. Salientaram os coordenadores: “a habili<strong>da</strong>de<br />
esportiva ou artística não são condição <strong>para</strong> a contratação no Programa” (Coordenador<br />
do Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia); “não priorizamos a contratação de quem
76<br />
possui habili<strong>da</strong>des artísticas ou esportivas, mas alguns <strong>educadores</strong> possuem e vão<br />
colaborar com o processo metodológico e de intervenção” (Coordenador do Programa<br />
Ponte de Encontro).<br />
No primeiro programa (Crescer com Arte), a contratação do arte-educador<br />
necessariamente está relaciona<strong>da</strong> a tais habili<strong>da</strong>des, e, em ambos os programas, embora<br />
a contratação dos <strong>educadores</strong> sociais não esteja vincula<strong>da</strong> às habili<strong>da</strong>des, todos os<br />
<strong>jovens</strong> deste estudo, contratados como <strong>educadores</strong> sociais, possuem alguma aptidão<br />
artística ou esportiva. Tal reali<strong>da</strong>de me remete à ideia de intensificação do trabalho, ou<br />
seja, exploração <strong>da</strong> força do trabalho tido como polivalente, que abordo mais adiante.<br />
Em relação às potenciali<strong>da</strong>des e limites <strong>da</strong> prática educativa, desenvolvi<strong>da</strong><br />
pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais no âmbito institucional, os gestores destacaram como<br />
potenciali<strong>da</strong>des: (i) a <strong>social</strong>ização de suas experiências junto às crianças e os<br />
adolescentes atendidos; (ii) a facili<strong>da</strong>de de inserção comunitária; (iii) o compromisso<br />
com a transformação <strong>da</strong> situação de vulnerabili<strong>da</strong>de.<br />
Esse último aspecto carrega contradições, uma vez que o fato de vivenciar<br />
situações de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é considerado um limite à atuação desses <strong>jovens</strong>,<br />
como salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro: “esses <strong>jovens</strong> muitas<br />
vezes vêm de situações complica<strong>da</strong>s, muitas vezes estavam em situação de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de e essa situação não se supera quando ele é contratado”.<br />
No depoimento acima também é possível identificar a fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
proposta institucional em promover a transformação <strong>da</strong> situação de vulnerabili<strong>da</strong>de, já<br />
que os poucos que conseguem certo destaque ain<strong>da</strong> sim não conseguem alterar suas<br />
condições de vulnerabili<strong>da</strong>de. O próprio documento que versa acerca <strong>da</strong> proposta de<br />
atuação reconhece tal fragili<strong>da</strong>de ao afirmar:<br />
tendo consciência desse contexto e do enorme desafio a ser enfrentado, não<br />
podemos ser prepotentes em apontar soluções imediatas, contudo não seria<br />
possível nos omitirmos de nossas obrigações em fazer cumprir o Estatuto <strong>da</strong><br />
Criança e do Adolescente (FORTALEZA, 2010, p. 02).<br />
Ain<strong>da</strong> como limites <strong>da</strong> prática educativa desenvolvi<strong>da</strong> pelos <strong>jovens</strong><br />
<strong>educadores</strong>, os gestores destacaram: (i) a fragili<strong>da</strong>de na educação escolar, que<br />
compromete a eficácia nas ações mais formais exigi<strong>da</strong>s, como a elaboração de
77<br />
relatórios; (ii) e a dificul<strong>da</strong>de na condução de grupos, por não se perceberem na<br />
condição de <strong>educadores</strong>.<br />
Para os gestores, a primeira limitação pode ser identifica<strong>da</strong> pelo fato <strong>da</strong><br />
contratação se efetivar ain<strong>da</strong> que o profissional não tenha concluído o ensino médio, e<br />
pela resistência deste em registrar e planejar antecipa<strong>da</strong>mente as suas ações, assim como<br />
em responder às solicitações <strong>da</strong>s coordenações dos programas. Particularmente, pude<br />
identificar essa fragili<strong>da</strong>de pelo vocabulário e conotação <strong>da</strong>s ideias apreendi<strong>da</strong>s nas<br />
entrevistas, bem como pelo contato com o parco material produzido pelos <strong>jovens</strong><br />
<strong>educadores</strong> no período <strong>da</strong> pesquisa, como planos de aula, respostas de questionários<br />
sobre interesse de formações, entre outros. Se percebi<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> assim essa limitação não<br />
foi verbaliza<strong>da</strong> pelos <strong>educadores</strong>.<br />
Quanto à segun<strong>da</strong> limitação, identifica<strong>da</strong> pelo coordenador do Programa<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a justificativa mais parece um desejo de silenciar uma<br />
postura crítica do que uma real limitação, conforme expresso no depoimento:<br />
ao invés de contribuir <strong>para</strong> a organização <strong>da</strong> oficina, ele está junto na<br />
discussão. Se os meninos se reúnem <strong>para</strong> fazer uma manifestação contrária,<br />
pela falta de material digamos, ele não tenta mediar a situação, ele é tão<br />
incisivo, ele entra no embate no ritmo dos meninos (Coordenador do<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia).<br />
Nesse depoimento, o coordenador critica o fato de o jovem educador não<br />
saber mediar conflitos, uma vez que ele entra no embate junto com o adolescente <strong>para</strong><br />
reivindicar melhores condições de trabalho e quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des. Ou seja, uma<br />
postura crítica do educador <strong>social</strong> e não simplesmente uma limitação, haja vista também<br />
a complexa tarefa de mediação de conflitos.<br />
Abrindo um parêntese, esse depoimento me fez lembrar um episódio que<br />
vivenciei quando trabalhava na Coordenadoria-Funci. Depois de inúmeras tentativas de<br />
diálogo, de envio de comunicação interna e de relatos contendo situações de perigo,<br />
<strong>para</strong> realizar a troca de um automóvel, uma Kombi (que os bancos estavam soltos, os<br />
pneus carecas, a porta pendura<strong>da</strong> e faltava freio), disponibiliza<strong>da</strong> <strong>para</strong> o transporte dos<br />
adolescentes, suas famílias e profissionais, decidimos realizar uma passeata no Parque<br />
<strong>da</strong>s Crianças, com cartazes e pe<strong>da</strong>ços <strong>da</strong> própria Kombi. Fomos então recebidos pela<br />
presidenta <strong>da</strong> Funci, àquela época, que frisou nossa atitude equivoca<strong>da</strong> ao considerar a<br />
manifestação a última opção de solução de um conflito, sobretudo quando aderi<strong>da</strong> por
78<br />
gestores. Eu, particularmente, recebi a bronca, mas considerava legítima a reivindicação<br />
mediante manifestação pacífica. O fato é que, após o episódio, a Kombi foi troca<strong>da</strong> no<br />
dia seguinte, o que solicitávamos há mais de quatro meses.<br />
Voltando à questão <strong>da</strong> limitação, os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais relataram<br />
sentir insegurança na condução dos grupos, principalmente no início de suas<br />
contratações, por estar ocupando uma posição nova e por, há pouco tempo, ter estado do<br />
outro lado, conforme se apresenta nos depoimentos: “no começo foi um pouco<br />
complicado, porque eu não me a<strong>da</strong>ptava, mas o tempo foi passando e eu fui me<br />
aprofun<strong>da</strong>ndo mais nas ativi<strong>da</strong>des, nas temáticas” (Educador B); “tive um pouco de<br />
insegurança, porque tudo que é novo, querendo ou não, vai te causar uma insegurança,<br />
surgem pensamentos que não somos capazes de fazer aquilo” (Educador F); “no início<br />
eu tive muita dificul<strong>da</strong>de de me ver na condição de educador, pois eu chamava a minha<br />
parceira de trabalho outro dia de “tia”, ela me atendia. Demorou <strong>para</strong> cair a ficha e eu<br />
me acostumar com a ideia de companheira de trabalho” (Educador H); “agora eu estou<br />
mais madura e compreendendo o meu espaço e o meu papel, mas demorei muito <strong>para</strong><br />
compreender que eu não era mais uma educan<strong>da</strong>” (Educadora J).<br />
Levando em consideração os dois últimos depoimentos, os gestores não<br />
percebem um tratamento diferenciado por parte dos demais <strong>educadores</strong> sociais <strong>para</strong> com<br />
os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong>, conforme relatado: “eu não percebo qualquer rejeição. Inclusive<br />
eles são muito respeitados dentro <strong>da</strong> equipe, pela experiência de vi<strong>da</strong> deles, mesmo<br />
sendo <strong>jovens</strong>” (Coordenador do Programa Ponte de Encontro).<br />
Para a educadora J essa rejeição ocorreu apenas no início, pelo fato de ser<br />
jovem e tal característica não ser dota<strong>da</strong> de credibili<strong>da</strong>de, conforme ressaltou:<br />
quando eu cheguei <strong>para</strong> facilitar a minha primeira oficina, os <strong>educadores</strong> do<br />
projeto olhavam pra mim com cara de quem pensava assim: olha essa<br />
doidinha, bem novinha, crente que sabe facilitar alguma coisa (Educadora J).<br />
In<strong>da</strong>guei dos gestores acerca <strong>da</strong> existência de algum tipo de processo de<br />
transição dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> que já foram atendidos no próprio projeto e/ou algum<br />
acompanhamento diferenciado <strong>para</strong> os que são oriundos de outras instituições, com o<br />
objetivo de superar as limitações relata<strong>da</strong>s e fortalecer as suas atuações. <strong>Os</strong> dois<br />
coordenadores afirmaram não existir, mas, que <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> que são contratados sem<br />
o ensino médio completo, a sua permanência na Instituição é condiciona<strong>da</strong> à conclusão.
79<br />
Também foi relatado que não existe diferenciação nos processos de<br />
formação. Esses são caracterizados por encontros realizados no âmbito institucional<br />
e/ou promovidos por instituições que compõem a rede de proteção às crianças e<br />
adolescentes, onde são discuti<strong>da</strong>s as temáticas pertinentes ao fazer profissional,<br />
conforme salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro:<br />
temos um processo de formação permanente. To<strong>da</strong> segun<strong>da</strong>-feira nos<br />
reunimos com todos os profissionais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de e discutimos temas ligados à<br />
reali<strong>da</strong>de do trabalho, como o sistema de garantia de direitos, a rede que a<br />
gente pode encaminhar, passando por ética, por várias temáticas que dizem<br />
respeito ao cotidiano do educador.<br />
Essa reali<strong>da</strong>de foi identifica<strong>da</strong> como um fenômeno comum <strong>da</strong>s instituições<br />
que trabalham com a categoria do educador <strong>social</strong>, conforme afirmou Caliman (2011, p.<br />
238): “a formação dos <strong>educadores</strong> sociais se dá em geral através de reuniões periódicas<br />
de revisão e avaliação <strong>da</strong> prática sociope<strong>da</strong>gógica cotidiana”.<br />
Nesse sentido, existe valorização <strong>da</strong> ação prática nos momentos de<br />
formação institucional, identifica<strong>da</strong> no discurso: “to<strong>da</strong> ação educativa deve privilegiar a<br />
prática como norteadora <strong>da</strong> reflexão” (FORTALEZA, 2010, p. 03) e no relato:<br />
a formação do educador <strong>social</strong> seria a rua mesmo; formação por formação na<br />
escola você já tem; acho que a Educação Social é um trabalho mais sensível,<br />
é mais o olhar mesmo, a magia <strong>da</strong>quele momento e sentir o próximo<br />
(Educador G).<br />
Ain<strong>da</strong> quanto à valorização do saber prático, reconheci no depoimento <strong>da</strong><br />
maioria dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> a priorização do conhecimento prático e sua<br />
identificação como fator preponderante na conquista de suas posições atuais, como<br />
salientou o educador F: “a escola formal não influenciou em na<strong>da</strong> <strong>para</strong> a ativi<strong>da</strong>de que<br />
hoje exerço. O que influenciou foram as minhas vivências práticas. Hoje estou como<br />
arte-educador, graças às vivências práticas”.<br />
Contraditoriamente, ain<strong>da</strong> sobre os fatores que contribuíram <strong>para</strong> se tornar<br />
um educador <strong>social</strong>, o educador F inicialmente não dá importância ao saber teórico, mas<br />
em segui<strong>da</strong> reconhece a pesquisa e o aprofun<strong>da</strong>mento sobre a linguagem artística que<br />
desenvolve como importantes <strong>para</strong> alcançar a sua posição atual, conforme se apresenta<br />
no relato: “primeiramente a minha vivência com a construção civil, que me despertou a
80<br />
sensibili<strong>da</strong>de <strong>para</strong> as artes visuais e as minhas vivências no projeto, depois eu me<br />
apropriei e despertei o interesse em pesquisar e me aprofun<strong>da</strong>r sobre essa linguagem”<br />
(Educador F).<br />
A pesquisa e o aprofun<strong>da</strong>mento teórico, que denomino nesse trabalho de<br />
teorização <strong>da</strong> prática, são incipientes na Coordenadoria-Funci. Apesar do Programa<br />
Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia desenvolver um momento de nivelamento junto aos<br />
profissionais, voltado às linguagens artísticas desenvolvi<strong>da</strong>s e às discussões temáticas,<br />
pouca coisa é registra<strong>da</strong> e quase na<strong>da</strong> produzi<strong>da</strong> e transforma<strong>da</strong> em textos e material de<br />
consulta, assim como o aperfeiçoamento real <strong>da</strong>s técnicas, o aprofun<strong>da</strong>mento teórico, a<br />
formação técnica ou acadêmica é de inteira responsabili<strong>da</strong>de do educador <strong>social</strong>, ain<strong>da</strong><br />
que não disponha de um salário que possa lhe propiciar tais garantias.<br />
No Programa Ponte de Encontro, diferentemente, as limitações e<br />
fragili<strong>da</strong>des nas atuações profissionais são tolera<strong>da</strong>s e até aceitas, levando-se em<br />
consideração que a Instituição ain<strong>da</strong> tem um caminho de acertos pela frente, já que é<br />
uma escola de Educação Social onde os profissionais aprendem na prática, conforme<br />
salientou o coordenador do programa: “a Funci acaba sendo uma escola de Educação<br />
Social em Fortaleza, porque você não tem isso formalmente instituído. Inclusive tem<br />
um movimento de trazer uma escola de Educação Social <strong>para</strong> Fortaleza, através <strong>da</strong><br />
equipe interinstitucional”.<br />
Em relação à regulamentação <strong>da</strong> profissão, apenas um educador <strong>social</strong><br />
afirmou categoricamente não conhecer o debate. <strong>Os</strong> demais relataram ser importante o<br />
reconhecimento <strong>da</strong> categoria, embora não tenham demonstrado proprie<strong>da</strong>de perante a<br />
discussão, como salientou o educador G: “escuto falar sobre a regulamentação,<br />
considero importante, mas confesso que não conheço o debate profun<strong>da</strong>mente”.<br />
<strong>Os</strong> <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais que afirmaram conhecer tal debate sabem que<br />
ele está ocorrendo, mas desconhecem as suas argumentações, o que está em pauta, e<br />
consideram como fator decisivo <strong>para</strong> o não aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> discussão, o não<br />
engajamento no sindicato dos <strong>educadores</strong>, conforme identifiquei no depoimento:<br />
o que eu sei sobre a regulamentação é por cima, justamente por essa ausência<br />
de estar no sindicato. Sem hipocrisia ou ignorância, eu não vou <strong>para</strong> uma<br />
reunião que vai ter três pessoas, onde existem quase oitenta <strong>educadores</strong> na<br />
instituição (Educador F).
81<br />
Importante salientar que nenhum dos <strong>educadores</strong> sociais desse estudo<br />
participa ativamente do sindicato e <strong>da</strong> associação dos <strong>educadores</strong> do Estado. A maioria<br />
só tem conhecimento sobre o sindicato quando vem deduzi<strong>da</strong> a contribuição sindical no<br />
contracheque.<br />
A regulamentação <strong>da</strong> profissão, pela não apropriação <strong>da</strong>s discussões, ain<strong>da</strong><br />
parece muito confusa <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais. Em seus depoimentos,<br />
encontrei menção à necessi<strong>da</strong>de de valorização salarial e melhoria na estrutura do<br />
trabalho, como afirmou o educador E: “a regulamentação tocará na questão <strong>da</strong><br />
valorização do salário, pela estrutura do trabalho”; menção à valorização subjetiva <strong>da</strong><br />
atuação, como salientou o educador H: “essa regulamentação é precisa <strong>para</strong> valorizar<br />
mais o educador <strong>social</strong>, não é querendo falar, mas a gente faz praticamente a mesma<br />
coisa que esse pessoal que tem facul<strong>da</strong>de, só porque tem diploma são mais valorizados”.<br />
Foi justamente a discussão sobre a necessi<strong>da</strong>de ou não de uma formação<br />
superior em Educação Social que gerou mais polêmica e posicionamentos divergentes.<br />
<strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> sociais que já possuem formação superior completa ou em an<strong>da</strong>mento,<br />
com exceção <strong>da</strong> educadora L, são categóricos em afirmar a necessi<strong>da</strong>de de uma<br />
formação específica e condiciona<strong>da</strong> <strong>para</strong> a atuação profissional, conforme identifiquei<br />
nos depoimentos:<br />
acredito que o educador <strong>social</strong> deve passar por uma formação superior, <strong>para</strong><br />
que seja reconhecido e valorizado como profissional, como acontece com<br />
outras profissões. Só a partir disso as pessoas vão ter outro olhar <strong>para</strong> a<br />
Educação Social também. No dia a dia o educador <strong>social</strong> tem feito a<br />
diferença na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, portanto a ideia <strong>da</strong> Educação Social como<br />
profissão é primordial <strong>para</strong> um processo político de reconhecimento <strong>da</strong><br />
categoria, de reconhecimento <strong>da</strong>s suas ações (Educador A);<br />
o educador <strong>social</strong> precisa ter um processo de formação sim, porque você está<br />
trabalhando diretamente com crianças, que estão em processo de<br />
crescimento, de descoberta e você é referência. O educador <strong>social</strong> tem que ter<br />
um processo de formação de graduação, mas também uma formação humana,<br />
<strong>para</strong> quebrar essa visão preconceituosa que muitos têm. Por isso eu digo que<br />
não é qualquer pessoa que você coloca ali <strong>para</strong> estar à frente de uma oficina.<br />
O educador <strong>social</strong> é responsável por vi<strong>da</strong>s e isso não é tão simples. Acho que<br />
a formação é de suma importância (Educador E);<br />
apesar de estar flutuando nessa discussão, acho que o sonho de todo educador<br />
é ter sua profissão reconheci<strong>da</strong> como uma categoria que desenvolve uma<br />
função importantíssima na instituição. E <strong>para</strong> isso acontecer, vejo que o curso<br />
de nível superior em Educação Social tem que ser inserido no nosso contexto,<br />
pois essa área está ca<strong>da</strong> vez mais complexa e precisamos de um<br />
conhecimento teórico específico, pois só a prática não está trazendo<br />
eficiência <strong>para</strong> o trabalho (Educador I).
82<br />
Esse último depoimento traz a importância <strong>da</strong> teorização <strong>da</strong> prática<br />
profissional, pois como o próprio educador salienta: “só a prática não está trazendo<br />
eficiência <strong>para</strong> o trabalho” (Educador I).<br />
<strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> de nível médio possuem mais dissensos quanto à questão,<br />
mas consideram importante a existência de uma formação, seja superior, de extensão,<br />
especialização, como alternativas opcionais, mas jamais como condição obrigatória <strong>para</strong><br />
inserção na ativi<strong>da</strong>de profissional, conforme os relatos:<br />
eu acho que a profissão deve ser regulamenta<strong>da</strong>, mas não sei se a<br />
obrigatorie<strong>da</strong>de de ter o nível superior seria o grande diferencial, porque<br />
quando se trabalha com seres humanos, quando se trabalha com gente tudo<br />
pode acontecer. Você vai passar dois, três, quatro anos numa cadeira<br />
estu<strong>da</strong>ndo, tendo a parte teórica, mas quando você for <strong>para</strong> a ponta, ca<strong>da</strong> caso<br />
é um caso. Sei lá, a vi<strong>da</strong> é quem mais te ensina. E na Funci tem grandes<br />
exemplos desse tipo, pessoas autodi<strong>da</strong>tas e que exercem um trabalho<br />
fantástico, são ótimos profissionais sem ter a facul<strong>da</strong>de. Todo o contexto<br />
deve ser levado em consideração, não só o diploma (Educador C);<br />
acho importante essa formação acadêmica, mas não sei se ela seria necessária<br />
<strong>para</strong> o engajamento de um profissional na instituição. Como já foi salientado,<br />
existem pessoas autodi<strong>da</strong>tas que fazem um trabalho igual ou até melhor do<br />
que aquelas que vivenciaram um processo teórico. A exigência do diploma<br />
excluirá pessoas capacita<strong>da</strong>s, mesmo que não tenham o nível superior. Espero<br />
que a valorização <strong>da</strong> profissão não aconteça condiciona<strong>da</strong> a uma formação<br />
acadêmica, mas que essa formação seja opcional, ao tempo de ca<strong>da</strong> um<br />
(Educador F);<br />
eu acho extremamente importante a regulamentação <strong>da</strong> profissão, <strong>para</strong><br />
valorizar a categoria, mas isso deve ser feito com todo cui<strong>da</strong>do, <strong>para</strong> não<br />
perder o caráter popular <strong>da</strong> atuação. Acho que deve existir um curso de<br />
especialização, mas também acho muito complicado exigir essa participação<br />
como requisito de contratação, porque senão a gente cai na contradição de<br />
exigir um diploma <strong>para</strong> executar a ativi<strong>da</strong>de. A qualificação é uma<br />
necessi<strong>da</strong>de nossa, de melhorar a nossa atuação, mas não deve ser encara<strong>da</strong><br />
como uma exigência mercadológica, <strong>para</strong> não perder o popular e o nosso<br />
jeito de atuar. O diploma não deve ser crucial na contratação de um educador<br />
<strong>social</strong> (Educadora J).<br />
Como demonstraram os depoimentos, a questão necessita de mais debates,<br />
argumentações e decisões, no mínimo, cui<strong>da</strong>dosas <strong>para</strong> não excluir do mercado de<br />
trabalho inúmeros trabalhadores, preocupação principal dos <strong>educadores</strong> sociais que são<br />
contrários à exigência de uma formação superior como condição necessária à inserção<br />
na ativi<strong>da</strong>de profissional.<br />
Nessa questão <strong>da</strong> regulamentação <strong>da</strong> profissão, percebi a destrutiva<br />
se<strong>para</strong>ção entre os profissionais “qualificados”, que já alcançaram ou estão prestes a
83<br />
alcançar um patamar mais elevado na concorrência desleal do mercado de trabalho, e os<br />
que buscam se manter nesse posto, ain<strong>da</strong> que não estejam caminhando rumo às<br />
exigências desse mercado. No entanto, todos eles – “qualificados ou desqualificados” –<br />
vivenciam a “contraditória processuali<strong>da</strong>de do trabalho, que emancipa e aliena,<br />
humaniza e sujeita, libera e escraviza” (ANTUNES, 2009, p. 12).<br />
O pensamento de Antunes (2009), ain<strong>da</strong> que utilizado <strong>para</strong> ilustrar as novas<br />
formas de intensificação do processo de trabalho produtivo, serve-me <strong>para</strong> ilustrar a<br />
reali<strong>da</strong>de dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci, que prega o discurso<br />
do “envolvimento participativo” dos trabalhadores, salientado por Antunes (2009, p.<br />
54), como uma “participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do<br />
trabalho alienado e estranhado”.<br />
Tanto os gestores como os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> não relacionaram suas falas<br />
diretamente com possíveis características relaciona<strong>da</strong>s à intensificação <strong>da</strong>s condições de<br />
exploração <strong>da</strong> força de trabalho, mas pude identificar, nas entrelinhas dos depoimentos e<br />
ao longo <strong>da</strong>s minhas observações no âmbito institucional, tais características.<br />
Essas características podem ser ilustra<strong>da</strong>s: (i) na redução dos postos de<br />
trabalho, já que um único profissional pode desenvolver as mais varia<strong>da</strong>s funções e<br />
substituir outro que está de férias, somando à nova ativi<strong>da</strong>de as suas funções, como<br />
relatado pela educadora J: “se um dia falta um educador de determina<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de,<br />
temos que estar prontos e dispostos a assumi-la nesse dia”; (ii) na desregulamentação<br />
dos direitos do trabalho, presente nas inúmeras trocas de empresa de terceirização, como<br />
salientou o educador E: “vejo como negativo na Funci o troca-troca de prestadoras de<br />
serviços”. Essa reali<strong>da</strong>de muitas vezes obriga os trabalhadores a abrirem mão de seus<br />
direitos trabalhistas, <strong>para</strong> garantirem suas permanências na Instituição, tendo como meio<br />
de defesa um “sindicalismo de empresa 80 ”; (iii) na precarização do trabalho,<br />
considera<strong>da</strong> passível de transformação graças à competência individual de ca<strong>da</strong><br />
profissional, que deve ser criativo, propositivo e garantir, em virtude dos seus poderes<br />
de mobilização e articulação com outras instituições, condições estruturais de trabalho<br />
sem depender do que deveria ser obrigação <strong>da</strong> instituição em garantir-lhes, como<br />
ressaltou o educador I: “trabalhar na Funci é tirar leite de pedra. Não temos estrutura<br />
adequa<strong>da</strong> e dependemos <strong>da</strong> boa vontade <strong>da</strong>s mães e <strong>da</strong>s associações do bairro que nos<br />
80 Traduzido por Antunes (2009, p. 55) como a “destruição do sindicalismo de classe e sua conversão<br />
num sindicalismo dócil, de parceria”.
84<br />
cedem espaço”; (iv) na terceirização <strong>da</strong> força de trabalho e na absorção de profissionais<br />
<strong>para</strong> fins políticos de governabili<strong>da</strong>de, salienta<strong>da</strong>s no depoimento <strong>da</strong> educadora J:<br />
“deveria existir concurso público ou ao menos a garantia de uma seleção pública por<br />
edital, <strong>para</strong> evitar as indicações políticas, que muitas vezes não entram na Funci com<br />
disposição de trabalho”. No meu entendimento, a excessiva terceirização é uma prática<br />
ilegal, visto que a função de educador <strong>social</strong> configura-se em uma ativi<strong>da</strong>de fim <strong>da</strong><br />
instituição, e a indicação política <strong>para</strong> a ocupação de postos de trabalho é um absurdo e<br />
total desrespeito aos princípios <strong>da</strong> Administração Pública.<br />
Considero que os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais estão inseridos em um contexto<br />
instável e precário de trabalho, onde vigora a “boa” vontade e o compromisso de ca<strong>da</strong><br />
um como fatores primordiais na efetivação dos objetivos institucionais. E a exigência de<br />
um profissional polivalente e propositivo, desam<strong>para</strong>do <strong>da</strong>s condições estruturais<br />
mínimas de trabalho, coaduna <strong>para</strong> a evidente intensificação/exploração do trabalho<br />
desses sujeitos, ain<strong>da</strong> que eles não percebam essa reali<strong>da</strong>de, caracteriza<strong>da</strong> por Antunes<br />
(2009) como inibição do afloramento de uma subjetivi<strong>da</strong>de autêntica, ou seja, uma<br />
subjetivi<strong>da</strong>de à disposição do capital.<br />
Por considerar importante a necessi<strong>da</strong>de de teorização <strong>da</strong> prática<br />
profissional, inicio o capítulo seguinte com uma discussão acerca <strong>da</strong> Educação Social,<br />
os seus conceitos e como os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais percebem essa educação em<br />
termos conceituais, primando pelo constante diálogo entre teoria e empiria, e que<br />
<strong>sentidos</strong> eles constroem em torno <strong>da</strong> Educação Social, a partir de suas trajetórias de<br />
vi<strong>da</strong>, problematizando sobre a real possibili<strong>da</strong>de desta ressignificar a vi<strong>da</strong> dos sujeitos.
85<br />
CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIAL PARA OS JOVENS EDUCADORES<br />
SOCIAIS DA COORDENADORIA-FUNCI: UM CONCEITO EM<br />
CONSTRUÇÃO E POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA<br />
A única concretização efetiva <strong>da</strong> emancipação consiste em que aquelas<br />
poucas pessoas interessa<strong>da</strong>s nesta direção orientem to<strong>da</strong> a sua energia <strong>para</strong><br />
que a educação seja uma educação <strong>para</strong> a contestação e <strong>para</strong> a resistência.<br />
Theodor Adorno<br />
Inicio este capítulo ressaltando a complexa tarefa de delimitar uma<br />
conceituação acerca <strong>da</strong> Educação Social. Por tal razão, convido o leitor a construir e<br />
reconstruir esta conceituação, em conjunto, tendo como caminho o diálogo entre o que<br />
me foi revelado pelo campo de pesquisa e a teorização sobre a questão, considerando a<br />
concepção de Rey (2010, p. 30) de que<br />
o empírico representa o momento em que a teoria se confronta com a<br />
reali<strong>da</strong>de, sendo representado pela informação que resulta dessa<br />
confrontação, e que se desenvolve por diferentes vias. Assim, o empírico é<br />
inseparável do teórico, é um momento de seu desenvolvimento e<br />
organização.<br />
Segundo Silva (2011), o surgimento <strong>da</strong>s práticas de Educação Social devese<br />
a um movimento histórico particular que produziu teorias e tradições 81 que<br />
alimentam divergências conceituais. O fenômeno ora é denominado como Educação<br />
Social, ora Pe<strong>da</strong>gogia Social, embora os discursos apontem a necessi<strong>da</strong>de de se alcançar<br />
uma educação completa capaz de possibilitar ao sujeito a transformação de sua<br />
reali<strong>da</strong>de, independentemente <strong>da</strong>s denominações.<br />
Em concordância com o referido autor, considero a Educação Social como<br />
uma ativi<strong>da</strong>de prática de atendimento e a Pe<strong>da</strong>gogia Social como a teoria que subsidia<br />
essa ativi<strong>da</strong>de. Porém, assim como os sujeitos envolvidos na pesquisa, considero que o<br />
subsídio <strong>para</strong> tal ativi<strong>da</strong>de prática não advém exclusivamente <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Social, mas<br />
81 Para um aprofun<strong>da</strong>mento acerca <strong>da</strong>s teorias e tradições construí<strong>da</strong>s historicamente em torno <strong>da</strong><br />
Educação Social/Pe<strong>da</strong>gogia Social ver em: ROMANS; PETRUS; TRILLA. Profissão: educador <strong>social</strong>.<br />
Porto Alegre: Artmed Editora, 2003; NETO; SILVA; MOURA. Pe<strong>da</strong>gogia Social. São Paulo: Expressão<br />
e Arte Editora, 2009; GARRIDO [et al.]. Desafios e perspectivas <strong>da</strong> Educação Social: um mosaico em<br />
construção. São Paulo: Expressão e Ate Editora, 2010; SILVA [et al.]. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong>: contribuições<br />
<strong>para</strong> uma teoria geral <strong>da</strong> Educação Social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011 e SILVA. Vou <strong>para</strong><br />
a rua e bebo a tempestade: representações de <strong>educadores</strong> de rua de Fortaleza. UFC, 2011 (dissertação de<br />
mestrado).
86<br />
de outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, entre outras,<br />
conforme expresso no depoimento: “não temos um conhecimento específico na nossa<br />
área, mas pegamos emprestado de várias áreas como a Psicologia, Serviço Social,<br />
Sociologia” (Educador I).<br />
Quanto à questão, Machado (2011, p. 264), ancora<strong>da</strong> pelo pensamento de<br />
Saez (1988), ressalta que “na Pe<strong>da</strong>gogia Social o suporte teórico, apesar de existente,<br />
ain<strong>da</strong> não se encontra claramente explicitado”, havendo necessi<strong>da</strong>de de se ampliar e<br />
aprofun<strong>da</strong>r as discussões, relacionando teoria e prática. Afirma também que “novas<br />
alternativas do pensar sobre a reali<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e educacional sugerem campos <strong>para</strong><br />
investigação” (MACHADO, 2011, p. 264).<br />
Machado (2011) esclarece ain<strong>da</strong> que, <strong>para</strong> a área socioeducativa, “apenas a<br />
referência <strong>da</strong>s práticas, que vigorou e ain<strong>da</strong> vigora em muitos espaços, se torna<br />
insuficiente numa socie<strong>da</strong>de que se complexifica nas tramas de novos conhecimentos,<br />
novas tecnologias e novas deman<strong>da</strong>s” (MACHADO, 2011, p. 264). Portanto, é<br />
premente “a necessi<strong>da</strong>de de um referencial teórico consoli<strong>da</strong>do específico <strong>para</strong> a área,<br />
<strong>para</strong> <strong>da</strong>r suporte às discussões e propostas e, principalmente, impulsionar e fun<strong>da</strong>mentar<br />
pesquisas e produção de conhecimentos” (MACHADO, 2011, p. 264).<br />
Para a autora,<br />
com o apoio de áreas básicas à formação de pe<strong>da</strong>gogos, como Filosofia,<br />
Sociologia, Psicologia, [...], ou com a contribuição de conhecimentos <strong>da</strong>s<br />
áreas afins e participação dos próprios profissionais que atuam nas ações<br />
socioeducacionais, é que se está construindo a teoria e a prática no fazer<br />
cotidiano (MACHADO, 2011, p. 265).<br />
Machado (2011, p. 265) salienta que, “apesar <strong>da</strong> evidência <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>de<br />
expressa por falta de referencial teórico e de formação específica, as ações nesse campo<br />
têm se intensificado”. Nesse sentido, acrescenta que “a construção <strong>da</strong> área ocorre de<br />
maneira aleatória, [...], que expressam mais as suas trajetórias de vi<strong>da</strong> do que<br />
conhecimentos <strong>da</strong> área ou formação acadêmica” (MACHADO, 2011, p. 265).<br />
Para Graciani (2011), o processo de construção do conhecimento que<br />
envolve a Educação Social também ocorre tendo como ponto de parti<strong>da</strong> sempre a<br />
prática. Segundo a autora, a prática
87<br />
nos dá os <strong>da</strong>dos sensoriais, via percepção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de objetiva, e a abstração<br />
nos permite realizar um ordenamento lógico dessas percepções,<br />
relacionando-as entre si, até formularmos conceitos. Com o descobrimento<br />
<strong>da</strong>s contradições internas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, podemos elaborar deduções e<br />
juízos próprios, passando do conhecimento empírico a um conhecimento<br />
racional teórico (GRACIANI, 2011, p. 293).<br />
Assim, atentando-me ao pensamento de Machado (2011) e Graciani (2011),<br />
em relação à construção teórica e prática no fazer cotidiano, passo a apresentar como<br />
<strong>educadores</strong> sociais dialogam entre teoria e empiria, abor<strong>da</strong>ndo como eles conceituam a<br />
Educação Social, e que concepções e tendências teóricas se baseiam, salientando o<br />
desafio de teorização de suas práticas profissionais.<br />
Em segui<strong>da</strong>, levando em consideração que a subjetivi<strong>da</strong>de “está constituí<strong>da</strong><br />
tanto no sujeito individual, como nos diferentes espaços sociais em que este vive”<br />
(REY, 2010, p. 24), passo a analisar os <strong>sentidos</strong> construídos pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais, inseridos na Coordenadoria-Funci, em torno <strong>da</strong> Educação Social, a partir de<br />
suas trajetórias de vi<strong>da</strong>, problematizando sobre a real possibili<strong>da</strong>de desta ressignificar a<br />
vi<strong>da</strong> dos sujeitos.<br />
4.1. Diálogos e especifici<strong>da</strong>des de <strong>educadores</strong> sociais: o desafio de teorização <strong>da</strong><br />
prática profissional<br />
Não foi tarefa fácil <strong>para</strong> os <strong>educadores</strong> sociais entrevistados falar<br />
prontamente sobre o que é a Educação Social, em termos conceituais. Essa reali<strong>da</strong>de era<br />
espera<strong>da</strong>, levando em consideração a complexa tarefa enfatiza<strong>da</strong> pela teoria como um<br />
conceito em construção.<br />
Para eles, é quase natural a com<strong>para</strong>ção entre os processos desencadeados<br />
pelos conteúdos que se encontram nos livros e orientam o processo de aprendizagem <strong>da</strong><br />
educação escolar e entre as possibili<strong>da</strong>des de complexificação <strong>da</strong> visão de mundo, do<br />
gosto de fazer em grupo, possibilitados por meio <strong>da</strong>s práticas pe<strong>da</strong>gógicas<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s na Educação Social.<br />
A pergunta era: o que é Educação Social? Imediatamente iniciavam com<br />
uma com<strong>para</strong>ção entre Educação Social e educação escolar e entre as formas de atuação<br />
do educador <strong>social</strong> e do professor, como ilustram as falas:
88<br />
na Educação Social a gente aprende a conviver com tudo, aprende a respeitar<br />
e o que a gente vivencia em oficina, em dinâmica é muito bom, é muito<br />
construtivo, ao contrário <strong>da</strong> escola e ao contrário do ensino formal. Na escola<br />
a gente vê muito que o professor chega na sala, passa a matéria, não olha pra<br />
você, não olha nos seus olhos, depois você tem que responder tudo o que ele<br />
escreveu e ele vai embora, e aí chega outro e assim quatro, cinco professores<br />
em uma tarde ou em uma manhã e acontece dessa forma (Educador C);<br />
a Educação Social é aquela coisa mais informal, mais distraí<strong>da</strong>, mais<br />
espontânea. Quando se fala em professor parece que os meninos já ficam<br />
meio assim [...] E a gente (educador) não; é aquela coisa mais solta, deixa<br />
mais à vontade, não é aquela coisa tão rígi<strong>da</strong> (Educadora D);<br />
a Educação Social e o educador trabalham a questão <strong>da</strong> formação, <strong>da</strong><br />
construção do ser humano. Trabalha em cima de valores. Para o professor, na<br />
prática, é muito mais complicado trabalhar esses valores, porque é<br />
pressionado a apresentar um resultado, precisa ensinar a matemática, o<br />
português e isso é muito cansativo <strong>para</strong> o professor, ele se preocupa em<br />
passar o conteúdo (Educador E).<br />
Aqui utilizei as falas que melhor expressaram a minha afirmação, mas<br />
acrescento que foi unânime, entre os entrevistados, a percepção de que o professor<br />
limita-se à transmissão do conteúdo de forma robotiza<strong>da</strong>, e o educador <strong>social</strong> possui um<br />
olhar diferenciado, preocupado com a formação ci<strong>da</strong>dã em sua integrali<strong>da</strong>de.<br />
Na percepção dos <strong>educadores</strong>, observa<strong>da</strong> nos trechos <strong>da</strong>s falas, há rigidez<br />
nas práticas pe<strong>da</strong>gógicas desenvolvi<strong>da</strong>s na educação escolar contrapondo-se às práticas<br />
pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong> Educação Social. Para eles, a Educação Social prima pela utilização de<br />
técnicas e métodos que envolvam a ludicici<strong>da</strong>de, a arte, o espontaneísmo, sem distanciar<br />
o processo educativo do <strong>social</strong>, ou seja, sem apartá-lo <strong>da</strong> dinâmica de vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong><br />
educando.<br />
É possível perceber apenas na fala do educador E menção a uma relação<br />
professor/educador como algo estrutural, ou seja, não simplesmente como um perfil de<br />
atuação, mas uma exigência do contexto que envolve o professor: “<strong>para</strong> o professor, na<br />
prática, é muito mais complicado trabalhar esses valores, porque é pressionado a<br />
apresentar um resultado”.<br />
Quanto à questão, não podemos esquecer as estruturais sociais que<br />
envolvem a relação conflituosa entre as formas de educação. No caso <strong>da</strong> Educação<br />
Social, há uma atenção especial <strong>para</strong> que ela não se transforme em “uma espécie de<br />
colchão, de suavizador <strong>da</strong>s contradições existentes no seio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, camuflando e<br />
ocultando as desigual<strong>da</strong>des e as injustiças sociais, tentando simplesmente a<strong>da</strong>ptar o<br />
indivíduo às coordena<strong>da</strong>s sociais existentes” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p.
89<br />
131 apud AYERBE, 1995), como diria Foucault (2003), instituindo o poder disciplinar,<br />
que opera por meio de estratégias, táticas e técnicas sutis de adestramento: uma<br />
conformação física, política e moral dos corpos.<br />
O educador <strong>social</strong> parece se constituir na perspectiva de ser um agente<br />
<strong>social</strong> crítico, informal, inserido em movimentos sociais em busca de transformação <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de, portanto, incapaz de se submeter aos caprichos de uma “ordem alienante”<br />
(MARTINELLI, 2010), seja no campo <strong>da</strong> educação, seja no <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, que<br />
pode transformá-lo em apenas mais um profissional programado pelo Estado.<br />
Diante destas considerações, é importante que as pesquisas não assumam a<br />
fala dos entrevistados como ver<strong>da</strong>de, sem analisar o contexto e as condições estruturais<br />
que envolvem as formas de educação, tampouco restringir a questão como sendo<br />
experiências formais e não-formais, como salientam Romans, Petrus e Trilla:<br />
admitindo que os âmbitos de atuação <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> são<br />
preferencialmente não-formais, é necessário acrescentar a seguir que o uso de<br />
ambas as expressões logo adverte que, nem o que chamamos pe<strong>da</strong>gogia<br />
<strong>social</strong> se esgota no que chamamos educação não-formal, nem vice-versa.<br />
Quer dizer, existem subsetores <strong>da</strong> educação não-formal que não costumam<br />
ser objeto <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> e há intervenções próprias desta que não se<br />
realizam em contextos, nem sob procedimentos não-formais (ROMANS;<br />
PETRUS; TRILLA, 2003, p. 22).<br />
<strong>Os</strong> autores destacam que a Educação Social forma-se por meio de processos<br />
educativos que se dirigem, prioritariamente, ao desenvolvimento <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de dos<br />
sujeitos, tendo como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de<br />
conflito <strong>social</strong>, por meios educativos não-formais. A educadora J também enfatiza a<br />
temática <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de: “a palavra <strong>social</strong> me remete à sociabili<strong>da</strong>de e a Educação<br />
Social representa sociabilizar as nossas vivências <strong>para</strong> superarmos as nossas<br />
dificul<strong>da</strong>des”.<br />
Mesmo sem uma sistematização ordena<strong>da</strong> do pensamento, os <strong>educadores</strong><br />
sociais criam o que consideram ser a Educação Social: “aju<strong>da</strong> as crianças, os<br />
adolescentes e a comuni<strong>da</strong>de; busca o direito dessas pessoas” (Educador H) e “é uma<br />
ferramenta fun<strong>da</strong>mental no processo de desenvolvimento de uma criança, adolescente,<br />
por meio <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des esportivas, os jogos cooperativos, contribuindo <strong>para</strong> o<br />
crescimento do ci<strong>da</strong>dão” (Educador I). Suas considerações são semelhantes à
90<br />
conceituação de Educação Social utiliza<strong>da</strong> por Gohn (2010), embasa<strong>da</strong> pelo pensamento<br />
de Pérez, que considera a Educação Social como:<br />
um conjunto fun<strong>da</strong>mentado e sistematizado de práticas educativas não<br />
convencionais realiza<strong>da</strong>s preferencialmente – ain<strong>da</strong> que não exclusivamente<br />
– no âmbito <strong>da</strong> educação não formal, orienta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />
adequado e competente dos indivíduos, assim como <strong>para</strong> <strong>da</strong>r respostas a seus<br />
problemas e necessi<strong>da</strong>des sociais (GOHN, 2010, p. 26 apud PÉREZ, 1999).<br />
A teoria também publica que, na Educação Social, a educação é global, é<br />
<strong>social</strong> e acontece ao longo de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, não se reduzindo à “educação escolar”, que<br />
adota certa atitude de reserva frente aos conflitos e problemas sociais dos alunos.<br />
Segundo Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 61), “na escola, por exemplo, ocorrem<br />
situações violentas, existem conflitos de convivência e emocionais que a mera instrução<br />
é incapaz de solucionar”, e o professor nem sempre está pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> intervir frente a<br />
tais contextos. Porém, salienta Caliman (2011, p. 239) que “a escola é indispensável,<br />
mas não única nem suficiente, isto é, não se pode jogar sobre seus ombros to<strong>da</strong> a<br />
responsabili<strong>da</strong>de pela luta a favor <strong>da</strong> inclusão <strong>social</strong>”.<br />
<strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> sociais desse estudo, todos oriundos de escolas públicas e<br />
com relatos de desmotivação frente à passagem pelo ensino médio, concor<strong>da</strong>m que a<br />
escola sozinha não é suficiente <strong>para</strong> promover a transformação do ser humano, assim<br />
como acreditam ser imprescindível a revisão <strong>da</strong>s práticas pe<strong>da</strong>gógicas e curriculares<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s na educação pública escolar, como ilustram as falas:<br />
nunca fui mau aluno, mas só aprendi quando me interessava pelo assunto, os<br />
demais conteúdos eu passava na marra. O que me fez conquistar autonomia<br />
foi o meu desenvolvimento enquanto ser humano, a minha evolução<br />
enquanto artista e a escola é deficiente nesses aspectos. <strong>Os</strong> projetos sociais<br />
suprem essa deficiência escolar e possibilitam que você seja um agente<br />
transformador (Educador C);<br />
o grande fracasso <strong>da</strong> escola é não proporcionar ao aluno o que ele tem<br />
interesse em estu<strong>da</strong>r, conteúdos que tenham aplicação prática <strong>para</strong> a sua vi<strong>da</strong>.<br />
Considero uma ignorância pe<strong>da</strong>gógica, por parte <strong>da</strong> escola e do Estado,<br />
repassar conteúdos sem relação com os ofícios e interesse dos alunos<br />
(Educador F).<br />
Nesse sentido, penso que experiências de Educação Social são bem vin<strong>da</strong>s<br />
na escola formal e vice-versa. A escola <strong>da</strong> rede pública de ensino é espaço público,<br />
portanto, lugar privilegiado <strong>para</strong> a fala, <strong>para</strong> a escuta, <strong>para</strong> o diálogo não só em relação a
91<br />
assuntos acadêmicos e pe<strong>da</strong>gógicos, como também no que se refere às vivências, às<br />
emoções, aos conflitos sociais, tramas e temas do cotidiano como: relacionamentos<br />
interpessoais e entre diferentes grupos e tribos juvenis; violências; drogas; sexuali<strong>da</strong>de,<br />
enfim, aquilo que os alunos vivenciam e observam no cotidiano e nas mídias, em<br />
especial a televisão e as redes sociais.<br />
Na percepção dos <strong>educadores</strong> entrevistados, é exatamente nesta forma de<br />
intervenção que, geralmente, o professor <strong>da</strong> escola se diferencia do educador <strong>social</strong>. No<br />
entanto, considero que a questão é bem mais complexa, extrapolando a duali<strong>da</strong>de<br />
percebi<strong>da</strong> pelos <strong>educadores</strong>, uma vez que existem diferentes conflitos e jogo de<br />
interesses em ambas as formas de educação.<br />
Trata-se de uma construção sócio-histórica, que tem situado a educação<br />
escolar como aquela que cui<strong>da</strong> dos conteúdos e a Educação Social como a que se<br />
preocupa com os problemas sociais, cabendo ao professor a transmissão do conteúdo e<br />
ao educador a aproximação, os encaminhamentos <strong>para</strong> a transformação dos problemas,<br />
como expresso na fala: “o professor vai <strong>para</strong> a escola só <strong>para</strong> <strong>da</strong>r aula, só faz aquilo e<br />
pronto. O educador <strong>social</strong> se aproxima, conversa, troca ideia e faz os encaminhamentos”<br />
(Educador B).<br />
Considero que a versão dos <strong>educadores</strong> sociais entrevistados perpassa por<br />
essa construção sócio-histórica, sendo, portanto, fun<strong>da</strong>mental ser compreendi<strong>da</strong> e<br />
pensa<strong>da</strong>, porém, também é importante compreender a perspectiva de que a educação<br />
escolar não é antagonismo <strong>da</strong> Educação Social. É tarefa <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Social, na<br />
concepção de Caliman (2011, p. 242) “fazer com que os processos educativos latentes<br />
na socie<strong>da</strong>de educadora sejam “intencionalmente” orientados, onde quer que<br />
aconteçam: na escola, na família, no abrigo, nos meios de comunicação”.<br />
Romans, Petrus e Trilla alertam que educação formal, não-formal e informal<br />
tem sido uma terminologia que serviu <strong>para</strong> se<strong>para</strong>r, conceitualmente, espaços<br />
educativos, mas resulta de todo incorreto recorrer a essa classificação, principalmente<br />
por ser imprecisa e criar confusão. “Educação Social e educação escolar não são duas<br />
reali<strong>da</strong>des opostas ou se<strong>para</strong><strong>da</strong>s. Pelo contrário, a reali<strong>da</strong>de é uma, embora nós, desde a<br />
academia, preten<strong>da</strong>mos divorciá-la” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 63).<br />
<strong>Os</strong> autores concluem, citando Delors (1996), que os “sistemas educativos<br />
devem formar pessoas capazes de evoluir, de se a<strong>da</strong>ptar a um mundo em rápi<strong>da</strong><br />
transformação e de dominar a mu<strong>da</strong>nça” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 63
92<br />
apud DELORS, 1996). E <strong>para</strong> consegui-lo, <strong>para</strong> alcançar a espera<strong>da</strong> formação dos<br />
ci<strong>da</strong>dãos é preciso recorrer à coordenação de todos os agentes formativos. Trata-se de<br />
fazer uma educação cooperativa, dialógica e <strong>social</strong> com o fim de alcançar essa educação<br />
completa, independentemente <strong>da</strong>s nomenclaturas.<br />
A diversi<strong>da</strong>de de nomenclaturas que envolve o fenômeno Educação<br />
Social/Pe<strong>da</strong>gogia Social, na percepção de Machado (2011, p. 266), ilustra “a<br />
flexibili<strong>da</strong>de presente na área como as relações explícitas com diversos campos de<br />
conhecimento, que nela se estabelecem”, sinalizando a importância <strong>da</strong><br />
complementari<strong>da</strong>de dos conhecimentos e <strong>da</strong> superação de possíveis espaços de disputa<br />
entre as ciências e atuações profissionais.<br />
No campo de observação, identifiquei que existem indefinições em relação<br />
ao uso <strong>da</strong>s nomenclaturas, tanto por parte dos <strong>educadores</strong> sociais e gestores quanto dos<br />
Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos dos programas, que não demonstram claramente quais<br />
referenciais teóricos se afiliam. <strong>Os</strong> referenciais são indicados nas entrelinhas, na forma<br />
de expressão, mas sem apontamento objetivo.<br />
Observei que em nenhum momento <strong>da</strong> pesquisa surgiu o termo Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Social. <strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> e gestores dos programas se utilizaram de termos como Educação<br />
Social, escolar, formal, não-formal, popular, ci<strong>da</strong>dã, educador <strong>social</strong>, arte-educação,<br />
arte-educador, arte-educador <strong>social</strong>. Um exemplo é o depoimento <strong>da</strong> educadora J: “eu<br />
sou arte-educadora <strong>social</strong>, porque <strong>para</strong> além <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> educação tenho a intenção de<br />
transformar o <strong>social</strong>. A arte e a educação são os meios <strong>para</strong> essa transformação <strong>social</strong>”.<br />
<strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> também utilizaram recorrentemente os termos “assistência” e<br />
“aju<strong>da</strong>”. Esse último, quando utilizado, foi sempre justificado, como se houvesse certo<br />
constrangimento, como se não fosse a denominação correta <strong>para</strong> expressar o<br />
pensamento, conforme é demonstrado no seguinte depoimento: “a Educação Social é<br />
isso: tentar aju<strong>da</strong>r, não sei se aju<strong>da</strong>r, acho que é aju<strong>da</strong> também, é tentar amenizar os<br />
problemas <strong>da</strong>s pessoas e se doar, se dedicar ao que você faz” (Educadora L).<br />
Outros relatos também surgiram absolutamente contrários à perspectiva <strong>da</strong><br />
Educação Social como aju<strong>da</strong>, salientado pela educadora J: “temos que superar essa<br />
história de que a Educação Social é aju<strong>da</strong> aos “bichinhos”. A Educação Social é<br />
solidária, popular e age com o coletivo <strong>para</strong> transformar a reali<strong>da</strong>de”.<br />
A maioria dos <strong>educadores</strong> entrevistados identifica a sua atuação profissional<br />
como uma prática vincula<strong>da</strong> ao trabalho <strong>social</strong> prioritariamente, sendo a educação uma
93<br />
consequência. Ao mesmo tempo, busca desmistificar a concepção histórica que envolve<br />
o trabalho <strong>social</strong> e a assistência <strong>social</strong>, como salientou a educadora J:<br />
eu, particularmente, tinha preconceito com o termo trabalho <strong>social</strong>; tinha<br />
ranço em relação à assistência <strong>social</strong>, sobretudo por não admitir a ideia de<br />
que um profissional pode salvar a periferia. Ain<strong>da</strong> mais <strong>da</strong> forma como tudo<br />
começou: mulheres burguesas que saiam de suas casas <strong>para</strong> trabalhar e<br />
garantir sua vaga no céu. Infelizmente começou assim, o que gera muito<br />
preconceito. Assim como a mídia fala mal <strong>da</strong> periferia, ela propaga essa<br />
imagem tosca <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, como uma forma de desqualificar a área.<br />
Hoje eu sei que o trabalho <strong>social</strong> e assistência <strong>social</strong> garantem direitos e não<br />
tenho problema de assumir que realizo trabalho <strong>social</strong> e acho essa área<br />
massa. Por isso adoto o termo arte-educadora <strong>social</strong>.<br />
O trabalho <strong>social</strong> apesar <strong>da</strong>s desconstruções históricas, ain<strong>da</strong> carrega a<br />
imagem <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, do assistencialismo, praticado por mulheres, com a missão<br />
vocacional de aju<strong>da</strong>r. Quanto ao trabalho do educador <strong>social</strong>, na percepção dos<br />
<strong>educadores</strong> sociais entrevistados, ain<strong>da</strong> há desconhecimento, por parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, em<br />
relação a sua atuação. Na maioria <strong>da</strong>s vezes, é confundi<strong>da</strong> com a atuação do assistente<br />
<strong>social</strong>, do professor ou qualquer outro profissional inserido no ambiente institucional,<br />
como salientou a educadora K: “as pessoas me perguntam o que é educador <strong>social</strong>, o<br />
que eu faço, se dou aula, se sou assistente <strong>social</strong>, pe<strong>da</strong>goga ou professora”.<br />
É importante registrar que o trabalho do educador <strong>social</strong>, no âmbito <strong>da</strong>s<br />
políticas públicas e em qualquer outro meio institucional, requer a definição de certas<br />
funções que nem sempre são vistas com clareza. Salientaram Romans, Petrus e Trilla<br />
(2003, p. 119) que a imprecisão <strong>da</strong>s funções “deriva <strong>da</strong>s multiformes tarefas que o<br />
educador <strong>social</strong> desenvolve e que costumam repercutir em seu nível de satisfação e<br />
possivelmente no serviço que se presta no próprio estabelecimento”. Complementam os<br />
autores que no nível de satisfação, porque os <strong>educadores</strong> “se dão conta de que não<br />
realizam o trabalho <strong>para</strong> o qual foram pre<strong>para</strong>dos ou contratados, e a instituição, porque<br />
acredita que <strong>para</strong> tarefas “varia<strong>da</strong>s”, não precisa de profissionais tão qualificados”<br />
(ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 119).<br />
A educadora J ilustra o pensamento acima, embora ela perceba como algo<br />
positivo e que deve fazer parte do perfil profissional. Seu relato revela claramente a<br />
imprecisão <strong>da</strong>s funções, ou seja, as multiformes tarefas que o educador <strong>social</strong> deve<br />
assumir no âmbito institucional, como salientou:
94<br />
o educador <strong>social</strong> deve ser jogado, desenrolado, “bombril 82 ”. Se um dia falta<br />
um educador de determina<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, temos que estar prontos e dispostos a<br />
assumi-la nesse dia. Tanto é que a maioria dos <strong>educadores</strong> saca de <strong>da</strong>nça,<br />
teatro, música. É claro que você não é tão qualificado como um musicista ou<br />
o educador que foi contratado <strong>para</strong> desenvolver a ativi<strong>da</strong>de específica, mas<br />
você destrincha, desenrola. A gente assume a turma do outro porque ele<br />
faltou ou está de férias numa boa. Eu até brinco: ei, se você não voltasse logo<br />
eu ia assumir a capoeira. Porque, de fato, a gente tem que desenrolar. Esse é<br />
o perfil maior do educador <strong>social</strong>, desenrolar. Ain<strong>da</strong> mais dentro <strong>da</strong> nossa<br />
reali<strong>da</strong>de institucional, que muitas vezes não tem recursos (Educadora J).<br />
Na concepção de Araújo e Parente (2010), tal reali<strong>da</strong>de acaba por<br />
enfraquecer a Educação Social, não <strong>da</strong>ndo a devi<strong>da</strong> visibili<strong>da</strong>de <strong>para</strong> que ela se<br />
solidifique e se constitua como uma concepção educacional claramente estabeleci<strong>da</strong>. E<br />
me remete à importância de se instituir uma prática de formação permanente que<br />
permita ao educador <strong>social</strong> manter-se atualizado, “proporcionando uma visão ampla e<br />
profun<strong>da</strong> capaz de assegurar uma boa quali<strong>da</strong>de no desempenho de sua função”<br />
(ARAÚJO; PARENTE, 2010, p. 34).<br />
O desafio, portanto, é o alcance do perfil de um intelectual orgânico, como<br />
salienta Martins (2010, p. 55), capaz de assumir a “tripla tarefa: filosófico-científica,<br />
educativo-cultural e política”, superando as formações do educador <strong>social</strong> como<br />
redentor ou mero técnico.<br />
Quanto ao referido perfil, Martins (2010) acredita ser possível quando a<br />
tendência materialista histórica e dialética 83 influenciar o processo de formação do<br />
educador <strong>social</strong>, “<strong>para</strong> que este possa efetivamente assumir-se como um intelectual<br />
orgânico às classes subalternas e, assim, colaborar no processo de transformação radical<br />
<strong>da</strong>s relações sociais globais, e não apenas dos indivíduos e <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des nas quais<br />
atua” (MARTINS, 2010, p. 41).<br />
82 Termo utilizado em referência a publici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> marca que propaga a ideia de muitas utili<strong>da</strong>des do<br />
produto.<br />
83 Para situar o leitor sobre a tendência materialista histórica e dialética, utilizo-me <strong>da</strong> síntese elabora<strong>da</strong><br />
por Martins (2010), que afirma que do ponto de vista ontológico, a tendência materialista históricodialética<br />
entende o mundo como uma totali<strong>da</strong>de dialética, isto é “o concreto é concreto porque é a síntese<br />
de múltiplas determinações, isto é, uni<strong>da</strong>de do diverso” (MARX, 1991, p. 16). Sua visão antropológica é<br />
efetivamente histórica e orienta que o processo de produção do conhecimento deve se articular com o<br />
compromisso político. Para a tendência materialista não há axiologia desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> ontologia, <strong>da</strong><br />
antropologia e <strong>da</strong> epistemologia, de maneira que a ação do homem em movimento constante de<br />
transformação deve ser a de lutar <strong>para</strong> que tais alterações possam desenvolver-se segundo uma finali<strong>da</strong>de<br />
que lhe seja adequa<strong>da</strong>. Quem tiver interesse em aprofun<strong>da</strong>r a discussão acerca <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> tendência pode<br />
encontrar em: MARTINS, M. F. Marx, Gramsci e o conhecimento: ruptura ou continui<strong>da</strong>de? Campinas:<br />
Autores Associados, 2008.
95<br />
4.2. O campo de atuação: afirmação <strong>da</strong> tendência crítico-<strong>social</strong><br />
Como já informei anteriormente, os <strong>educadores</strong> sociais e os gestores dos<br />
programas não revelaram objetivamente em quais referenciais teóricos se aportam <strong>para</strong><br />
subsidiar as suas práticas profissionais. Porém, quando indicam que o objetivo de suas<br />
ações tem como foco a transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e a conscientização <strong>da</strong>s<br />
pessoas sobre seu papel no mundo, identifico, ain<strong>da</strong> que inconscientemente, uma<br />
filiação à tendência crítico-<strong>social</strong>, que se expressa nas seguintes afirmações: “cabe ao<br />
educador <strong>social</strong> mostrar que os <strong>jovens</strong> são sujeitos transformadores, que precisam<br />
modificar a reali<strong>da</strong>de, que precisam estar à frente dessa transformação” (Educador E);<br />
“não trabalhamos só o esporte, só a <strong>social</strong>ização dos meninos; é um trabalho mais<br />
profundo, que possa despertar o senso crítico <strong>para</strong> transformar a situação deles, <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de” (Educador H).<br />
Segundo Machado (2011), a Educação Social, na tendência crítico-<strong>social</strong>, é<br />
um processo de interação <strong>social</strong>, que reflete uma dinâmica de liberação e<br />
emancipação <strong>social</strong> e pessoal. O educador <strong>social</strong> intervém no processo, por<br />
ser um agente de mu<strong>da</strong>nça <strong>social</strong>. A sua intervenção é uma prática<br />
interpretativa crítica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, com toma<strong>da</strong> de decisão na ação<br />
transformadora que se pretende atingir (MACHADO, 2011, p. 268).<br />
A autora salienta que Saez (1994) defende o modelo crítico-<strong>social</strong> 84 ,<br />
considerando que o educador <strong>social</strong> “não é um profissional externo, capaz de resolver<br />
problemas a partir de padrões estruturados fora <strong>da</strong> situação concreta, mas sim um<br />
profissional polivalente, um agente de mu<strong>da</strong>nça <strong>social</strong>” (MACHADO 2011, p. 270,<br />
apud SAEZ 1994).<br />
Alguns <strong>educadores</strong> sociais entrevistados se percebem como agentes de<br />
mu<strong>da</strong>nça, mas reconhecem as suas limitações, sobretudo em relação à necessi<strong>da</strong>de de<br />
fun<strong>da</strong>mentação de suas práticas, como ressaltou o educador E: “o educador <strong>social</strong> vai ter<br />
que estu<strong>da</strong>r, porque to<strong>da</strong> teoria será importante <strong>para</strong> a sua prática”.<br />
84 É importante salientar que Machado (2011), em seu artigo “Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong>: percursos, concepções e<br />
tendências”, discorre sobre as bases científicas que fun<strong>da</strong>mentam a Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong> na literatura<br />
internacional, assim como na brasileira, e afirma que estão presentes três tendências dominantes: a<br />
empírico-analítica, a hermenêutico-simbólica e a sociocrítica. Aqui registrei apenas a tendência<br />
sociocrítica por estar relaciona<strong>da</strong> aos sujeitos <strong>da</strong> pesquisa. Porém, o leitor que tiver interesse em conhecer<br />
as outras tendências, encontrará o referido artigo em: SILVA [et al.]. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>social</strong>: contribuições <strong>para</strong><br />
uma teoria geral <strong>da</strong> Educação Social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011.
96<br />
Nesse aspecto, Machado (2011, p. 272) esclarece que,<br />
por ser uma área que se dirige a práticas e que delas se deriva, a ação na<br />
Educação Social/Pe<strong>da</strong>gogia Social, independentemente dos subsídios de<br />
diversas áreas que a compõem, precisa estar comprometi<strong>da</strong> com as<br />
finali<strong>da</strong>des básicas <strong>da</strong> área. Ou seja, com uma visão <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de, com vistas<br />
à transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, pela inclusão de todos os segmentos sociais<br />
num processo de melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.<br />
Graciani (2011) salienta a importância <strong>da</strong> teorização <strong>da</strong> prática profissional<br />
<strong>para</strong> alcançar o avanço histórico do movimento no qual se insere a Pe<strong>da</strong>gogia Social.<br />
Para a autora, “a criação e recriação dos fun<strong>da</strong>mentos metodológicos favorecem a<br />
formação sóli<strong>da</strong> e consciente <strong>da</strong> postura do educador <strong>social</strong>, principalmente<br />
transformando-o em um agente multiplicador” (GRACIANI, 2011, p. 294).<br />
Segundo a autora, o educador <strong>social</strong> tem como desafio efetivar uma<br />
metodologia <strong>da</strong> práxis, entendendo a práxis como um “processo de integrar-se sempre<br />
mais fundo e plenamente no real e ir encontrando as formas singulares e plurais de<br />
influir na sua estrutura e no sentido do seu movimento” (GRACIANI, 2011, p. 298).<br />
É, portanto, partindo dos desafios lançados à Educação Social/Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Social e à atuação do educador <strong>social</strong>, reconhecidos tanto pela teoria quanto pela<br />
empiria, que passo a analisar, no item seguinte, os <strong>sentidos</strong> construídos pelos <strong>jovens</strong><br />
<strong>educadores</strong> sociais acerca <strong>da</strong> Educação Social em suas trajetórias de vi<strong>da</strong>.<br />
4.3. A trajetória de vi<strong>da</strong> dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e os <strong>sentidos</strong> construídos em<br />
torno <strong>da</strong> Educação Social: ressignificação ou perpetuação do existente?<br />
Compreendendo o sentido como uma construção <strong>social</strong> no plano <strong>da</strong><br />
interação, na qual as pessoas se situam <strong>para</strong> compreender e se posicionar no mundo<br />
(SPINK; MEDRADO, 2000), e levando em consideração as dinâmicas históricas e as<br />
produções culturais, in<strong>da</strong>go que <strong>sentidos</strong> os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, inseridos na<br />
Coordenadoria-Funci, que já estiveram na condição de educandos, seja na própria<br />
instituição ou em instituições não-governamentais, construíram sobre a Educação Social<br />
a partir de suas trajetórias de vi<strong>da</strong>.<br />
Considero, em concordância com Rey (2010, p. 21), que “o sentido<br />
caracteriza o processo <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de humana em seus diversos campos de ação”, bem
97<br />
como que ele se difere do significado, como conceitua Vigotsky (REY, 2010, p. 19<br />
apud VIGOTSKY, 1987):<br />
o sentido é uma formação dinâmica, flui<strong>da</strong> e complexa que tem inúmeras<br />
zonas que variam em sua instabili<strong>da</strong>de. O significado é apenas uma dessas<br />
zonas de sentido que a palavra adquire no contexto <strong>da</strong> fala. É a mais estável,<br />
unifica<strong>da</strong> e precisa dessas zonas.<br />
Desse modo, <strong>para</strong> captar os <strong>sentidos</strong> dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, utilizeime<br />
do recurso <strong>da</strong> entrevista, que me permitiu produzir informação sobre um grupo, bem<br />
como sobre os sujeitos singulares que o constituem, sendo informações complementares<br />
em relação ao que me interessa conhecer.<br />
Após a transcrição <strong>da</strong>s 12 (doze) entrevistas, efetuei a leitura dos conteúdos,<br />
buscando captar os <strong>sentidos</strong> <strong>para</strong>, só a partir <strong>da</strong>í, realizar uma classificação dos <strong>da</strong>dos<br />
produzidos, ou seja, não busquei encaixar os <strong>da</strong>dos em uma classificação existente a<br />
priori, embora eu tivesse tematizações pré-existentes, advin<strong>da</strong>s dos meus referenciais<br />
teóricos, <strong>da</strong> definição dos meus objetivos. Minhas escolhas não serviram <strong>para</strong> enquadrar<br />
os <strong>da</strong>dos produzidos, já que considero que “há um confronto possível entre <strong>sentidos</strong><br />
construídos no processo de pesquisa e de interpretação e aqueles decorrentes <strong>da</strong><br />
familiarização prévia como nosso campo de estudo (nossa revisão bibliográfica) e<br />
nossas teorias de base” (SPINK; LIMA, 2000, p. 106).<br />
Em virtude <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de sujeitos envolvidos, ficou inviabiliza<strong>da</strong> a<br />
apresentação <strong>da</strong> história de vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> um deles em sua íntegra, mas construí, a partir<br />
de seus relatos, uma espécie de mapa que apresenta a síntese dos aspectos analisados.
98<br />
TABELA 5 – PERCURSOS E SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL NA VIDA DOS JOVENS EDUCADORES DA<br />
COORDENADORIA-FUNCI<br />
Trechos <strong>da</strong>s entrevistas (histórias de vi<strong>da</strong>)<br />
Educador<br />
Porque procurou um<br />
projeto <strong>social</strong>?<br />
Como avalia a<br />
experiência que<br />
vivenciou enquanto<br />
educando?<br />
Como avalia os<br />
<strong>educadores</strong> que passaram<br />
em sua vi<strong>da</strong>?<br />
Como hoje você executa a<br />
Educação Social e o que<br />
faz de diferencial?<br />
Qual o sentido <strong>da</strong> Educação<br />
Social em sua vi<strong>da</strong>?<br />
A<br />
B<br />
Um dos motivos que<br />
me levou a procurar<br />
essa escolinha de<br />
futebol foi a<br />
necessi<strong>da</strong>de de<br />
<strong>social</strong>ização com os<br />
outros meninos.<br />
Por questão de não ter<br />
na<strong>da</strong> o que fazer em<br />
casa, de ficar ocioso.<br />
Essa escolinha de futebol<br />
foi uma forma de me<br />
libertar, de sair de dentro<br />
de casa e ter contato com<br />
a comuni<strong>da</strong>de no bairro<br />
onde eu morava.<br />
Construí amigos no<br />
bairro.<br />
Eu vi uma melhora em<br />
mim, pois pude trocar<br />
experiências e<br />
aprimorar o meu<br />
desenho.<br />
O meu educador<br />
(instrutor de esporte) me<br />
orientava sempre como<br />
conviver e como ter um<br />
bom relacionamento com<br />
os meus colegas de<br />
ativi<strong>da</strong>des. Eu queria ser<br />
jogador de futebol, mas ele<br />
sempre colocava pra gente<br />
que quando isso não der,<br />
você vai ter que procurar<br />
outra coisa <strong>para</strong> fazer, por<br />
isso o estudo é fun<strong>da</strong>mental.<br />
Eu sempre fui muito<br />
orientado<br />
pelos<br />
<strong>educadores</strong> sociais.<br />
Sempre fui humilde e<br />
reconheci que sempre existe<br />
uma pessoa acima de mim,<br />
que se deve respeitar.<br />
No meu dia a dia essa<br />
preocupação com o outro,<br />
com a Educação Social<br />
como um todo, é coloca<strong>da</strong><br />
em atitudes, em ações que<br />
eu passo nas minhas<br />
ativi<strong>da</strong>des. Busco<br />
possibilitar uma forma de<br />
olhar <strong>para</strong> o mundo<br />
diferenciado; considero<br />
necessário um feedback<br />
entre educador e educando;<br />
acredito ser importante a<br />
participação, a opinião de<br />
ca<strong>da</strong> um.<br />
A minha forma de trabalhar:<br />
sou bem doidão mesmo,<br />
chamo eles, converso,<br />
troco ideia, abraço, dou<br />
um beijo, é assim mesmo o<br />
meu jeito de trabalhar.<br />
Foi assim que eu ganhei a<br />
confiança de todos os<br />
adolescentes e eles se<br />
sentem bem.<br />
A Educação Social é<br />
idealizadora de sonhos. Ela é<br />
primordial <strong>para</strong> que haja mais<br />
pessoas saí<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s periferias e<br />
se inserindo no mercado de<br />
trabalho. Se não fosse a<br />
Educação Social eu não estaria<br />
hoje cursando uma universi<strong>da</strong>de,<br />
não teria o olhar que tenho frente<br />
ao conhecimento como um todo.<br />
Se não fosse a Educação Social<br />
eu não teria chegado aonde eu<br />
cheguei e não teria essa vontade<br />
de querer mais.<br />
Pra mim a Educação Social<br />
trouxe bastante conhecimento,<br />
durante esse tempo todinho. Hoje<br />
eu sou bem grato,<br />
principalmente a essa<br />
oportuni<strong>da</strong>de que eu tive. Hoje<br />
eu não trabalho só na Funci,<br />
trabalho como educador em<br />
vários locais de Fortaleza.
99<br />
C Por conta <strong>da</strong><br />
ociosi<strong>da</strong>de eu fui<br />
procurar o Crescer<br />
com Arte, nessa<br />
perspectiva de estar<br />
fazendo alguma<br />
ativi<strong>da</strong>de. Eu nunca<br />
fui dentro do perfil de<br />
violência, eu me<br />
encaixo mais na<br />
história<br />
de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de<br />
mesmo, por conta do<br />
bairro onde moro<br />
(Bom Jardim).<br />
Antes do projeto eu era<br />
muito tímido, muito<br />
acanhado, não falava, não<br />
gostava de aparecer.<br />
Depois tornei-me ativo e<br />
participativo e passei a<br />
exercer a liderança.<br />
“Venci a timidez”.<br />
O educador <strong>social</strong> pode<br />
facilitar na identificação de<br />
uma habili<strong>da</strong>de do<br />
adolescente. No meu caso,<br />
quem me indicou <strong>para</strong><br />
fazer um teste em uma<br />
companhia de teatro e, a<br />
partir disso eu fui tendo<br />
outras oportuni<strong>da</strong>des,<br />
conseguindo caminhar<br />
com os meus próprios pés,<br />
foi um educador. Ele me<br />
deu uma força, agradeço<br />
muito.<br />
O primeiro aspecto mais<br />
importante é o fato deles<br />
saberem que eu, em algum<br />
momento, estive na mesma<br />
situação que eles. Que eu<br />
era um educando de um<br />
projeto <strong>social</strong> e que hoje eu<br />
sou educador. Que estou<br />
tendo autonomia em vários<br />
aspectos, que estou no<br />
mercado de trabalho e que<br />
as nossas conquistas<br />
conseguimos a ca<strong>da</strong><br />
caminha<strong>da</strong>. Multiplico isso<br />
no dia a dia e isso instiga os<br />
adolescentes. Mostro <strong>para</strong><br />
eles que podem seguir outro<br />
caminho, que podem ter as<br />
mesmas oportuni<strong>da</strong>des que<br />
tive. O diferencial é a<br />
minha busca, o meu<br />
acreditar <strong>para</strong> tentar<br />
transformar o máximo,<br />
não deixar que isso seja<br />
apenas uma utopia, ou<br />
seja, transformar em<br />
reali<strong>da</strong>de.<br />
Eu tento fazer com que eles<br />
gostem <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de e<br />
entendo de ver<strong>da</strong>de o que<br />
eles estão passando. Tem<br />
uns que a gente vê que eles<br />
se espelham na gente. Tem<br />
uns que dizem assim: eu<br />
quero ser igual a ti. E isso é<br />
bom às vezes.<br />
O sentido <strong>da</strong> Educação Social<br />
pra mim é uma esca<strong>da</strong>.<br />
Significa ca<strong>da</strong> degrau que eu fui<br />
subindo, desde criança,<br />
adolescente, até agora essa esca<strong>da</strong><br />
está em construção. Ca<strong>da</strong> passo<br />
que eu dei eu agradeço a<br />
Educação Social e acho que<br />
pouquíssima gente tem a<br />
oportuni<strong>da</strong>de de ter Educação<br />
Social na sua vi<strong>da</strong>. Tem muita<br />
formal, tem muita escola, mas ela<br />
é muito importante <strong>para</strong> a<br />
formação do ser humano.<br />
D Além de gostar de Serviu até como Sempre convivi com ótimos<br />
Eu tenho um filho, tive ele com<br />
estar no meio <strong>da</strong>s experiência <strong>para</strong> entrar na <strong>educadores</strong>, a forma como<br />
14 anos. Até essa i<strong>da</strong>de eu ain<strong>da</strong><br />
movimentações, de Funci, porque eles me tratavam, como<br />
não tinha participado de projeto.<br />
<strong>da</strong>nçar, de perguntam logo a falavam seduzia, diferente<br />
A Educação Social é importante<br />
participar, era o experiência que você tem, do professor, que falava,<br />
<strong>para</strong> você ter uma cabeça feita.<br />
espaço que tinha se já trabalhou com falava e eu não entendia<br />
Hoje só tenho um filho e poderia<br />
aberto na minha criança. Minha primeira na<strong>da</strong>.<br />
ter tido outros, se não tivesse sido<br />
comuni<strong>da</strong>de, <strong>para</strong> experiência, meu primeiro<br />
orienta<strong>da</strong> pela Educação Social.<br />
aquilo que eu gostava<br />
de fazer e era todo<br />
mundo adolescente e<br />
trabalho com criança foi<br />
lá no Escuta. Não me<br />
vejo fazendo outra coisa.<br />
eu me identificava.<br />
E Procurei um projeto Esse foi o começo <strong>da</strong> Fui contratado pela Funci Faço a diferença por que Transformação e mu<strong>da</strong>nça.
100<br />
<strong>social</strong> <strong>para</strong> me<br />
entreter. Sempre fui<br />
um moleque muito de<br />
rua, de brincar na rua,<br />
de me divertir.<br />
F No ano de 98, eu acho<br />
que eu tinha uns 12 a<br />
13 anos quando lá no<br />
bairro (Pio XII) tinha<br />
uma igreja que eu<br />
pastorava carro<br />
nessa igreja e tinha<br />
uns <strong>educadores</strong><br />
sociais por lá. Eles<br />
estavam fazendo<br />
abor<strong>da</strong>gem de rua lá<br />
no espaço físico <strong>da</strong><br />
igreja e eu vi eles<br />
com uns papeis e uns<br />
lápis e aquilo me<br />
despertou curiosi<strong>da</strong>de,<br />
então eu me<br />
aproximei deles e<br />
comecei a desenhar.<br />
G Minha rotina era<br />
ficar no meio <strong>da</strong> rua,<br />
ocioso. Eu tinha tudo<br />
pra ser mais uma<br />
estatística em todo o<br />
País: mais um negro<br />
minha formação enquanto<br />
educador, porque<br />
enquanto criança,<br />
brincando na rua, não<br />
tinha muitos limites e foi<br />
dentro do projeto <strong>social</strong><br />
que eu fui percebendo<br />
alguns limites que eu<br />
deveria ter.<br />
Posso considerar essas<br />
vivências no projeto como<br />
uma capacitação. Saí do<br />
mundo <strong>da</strong> exploração<br />
<strong>para</strong> entrar no mundo<br />
<strong>da</strong> criação.<br />
Vi ali uma possibili<strong>da</strong>de<br />
deu ser alguém na vi<strong>da</strong>,<br />
de não me tornar o que<br />
todos falavam ao meu<br />
redor: um usuário de<br />
drogas, ladrão. Ali<br />
devido a construção que eu<br />
tive, pelos <strong>educadores</strong> que<br />
tive durante todo meu<br />
processo de formação. Hoje<br />
eu sou educador e um dia<br />
eu vou agradecer a uma<br />
educadora, que foi uma<br />
grande orientadora, foi de<br />
suma importância <strong>para</strong> a<br />
minha formação enquanto<br />
pessoa, enquanto educador.<br />
Outro fator principal <strong>para</strong><br />
eu me tornar um educador<br />
<strong>social</strong> foi o trabalho dos<br />
<strong>educadores</strong> sociais, as suas<br />
orientações, que me<br />
despertaram<br />
a<br />
consciência, pois mu<strong>da</strong>ndo<br />
de vi<strong>da</strong> poderia mu<strong>da</strong>r a<br />
reali<strong>da</strong>de.<br />
Carinhosamente eu chamo<br />
a pessoa que me<br />
apresentou a arte de meu<br />
padrinho. Era o educador<br />
musical que trouxe essa<br />
veia <strong>da</strong> música <strong>para</strong> o<br />
acredito nos meninos. Sei<br />
que eles não são como<br />
prega o senso comum: é<br />
pobre, é vagabundo, trilhará<br />
pelo caminho <strong>da</strong> violência,<br />
<strong>da</strong>s drogas. Acredito que<br />
são capazes de se<br />
transformar. Quero que eles<br />
tenham consciência disso,<br />
quero que percebam que a<br />
reali<strong>da</strong>de talvez não seja<br />
boa, mas que são capazes de<br />
conquistar o próprio espaço<br />
e modificar tudo que está<br />
ali.<br />
O que me torna ser<br />
diferente na instituição ou<br />
até mesmo na socie<strong>da</strong>de é<br />
ter a certeza de que eu não<br />
sou perfeito. Eu ter vindo<br />
dessa reali<strong>da</strong>de, ter<br />
vivenciado o que eles<br />
vivenciam ou poderão<br />
vivenciar, isso contribui<br />
<strong>para</strong> a minha função. Fico<br />
mais próximo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
deles, sou bem mais<br />
compreensivo e a partir <strong>da</strong>í,<br />
somando a vivência deles<br />
com a que eu tive, podemos<br />
chegar a um novo conceito.<br />
Mesmo que a reali<strong>da</strong>de<br />
seja “fudi<strong>da</strong>” podemos<br />
fazer diferente.<br />
Pelo meu jeito mesmo, não<br />
liberal, mas assim entender<br />
um pouco eles, até por que<br />
eu sou do mesmo convívio,<br />
do mesmo ambiente que é a<br />
periferia. Por que eu sinto o<br />
Falei muito isso, por que é o que<br />
sinto. A Educação Social é uma<br />
nova visão. Eu sou apaixonado<br />
pelo que faço, mesmo com to<strong>da</strong>s<br />
as dificul<strong>da</strong>des, isso também é<br />
aprendizado. A Educação Social<br />
pra mim é construir o ser humano.<br />
É uma nova forma de Pe<strong>da</strong>gogia.<br />
Não sei como farei, mas quero<br />
inserir a Educação Social dentro<br />
<strong>da</strong> escola. É por isso que sou<br />
educador e estou me formando<br />
pe<strong>da</strong>gogo.<br />
O meu próprio percurso enquanto<br />
criança, adolescente, enquanto<br />
jovem responde esse<br />
questionamento. O próprio<br />
resultado que eu tive com isso, o<br />
fato de estar <strong>da</strong>ndo essa entrevista<br />
responde a pergunta. Isso é o<br />
sentido, é fazer com que eu seja<br />
protagonista <strong>da</strong> minha própria<br />
vi<strong>da</strong>, respeitando o próximo,<br />
conhecendo meus direitos e meus<br />
deveres.<br />
Tudo. A Educação Social pra<br />
mim é tudo. Devido ao meu<br />
histórico meio complicado e ser<br />
resgatado por essa via <strong>social</strong>. É<br />
complicado atingir todos os<br />
<strong>jovens</strong>, pela dificul<strong>da</strong>de do
101<br />
H<br />
I<br />
adolescente morre<br />
vítima de bala perdi<strong>da</strong><br />
ou <strong>da</strong>s drogas.<br />
Poderia ter seguido<br />
esse caminho, mas<br />
busquei um projeto<br />
<strong>social</strong> <strong>para</strong> mu<strong>da</strong>r a<br />
minha reali<strong>da</strong>de de<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
Era um menino de<br />
comuni<strong>da</strong>de, sem ter<br />
na<strong>da</strong> <strong>para</strong> fazer,<br />
ficava ocioso e<br />
gostava de esporte,<br />
por isso procurei um<br />
projeto <strong>social</strong>.<br />
Minha comuni<strong>da</strong>de é<br />
muito vulnerável,<br />
possui diversas<br />
problemáticas. Eu via<br />
muitos colegas de<br />
infância que estavam<br />
se perdendo no<br />
caminho <strong>da</strong>s drogas e<br />
eu decidi que eu não<br />
queria aquele mesmo<br />
caminho. Procurei<br />
um caminho oposto,<br />
<strong>para</strong> que eu me<br />
tornasse um ci<strong>da</strong>dão.<br />
Por isso resolvi me<br />
dedicar ao surfe e<br />
encontrei<br />
uma<br />
possibili<strong>da</strong>de de saí<strong>da</strong> do<br />
mundo onde eu vivia.<br />
Me mostraram que eu<br />
tinha potencial e vi que<br />
eu realmente tinha só<br />
depois de me engajar em<br />
projetos.<br />
“Hoje sou um ci<strong>da</strong>dão,<br />
referência na minha<br />
comuni<strong>da</strong>de”. Pena que a<br />
maioria dos meus colegas<br />
de infância não teve as<br />
mesmas oportuni<strong>da</strong>des<br />
que eu.<br />
projeto, a percussão, que eu<br />
me identifiquei muito.<br />
Depois veio outro educador<br />
que me apresentou o Rap,<br />
um estilo mais agressivo. E<br />
graças a esses <strong>educadores</strong><br />
eu comecei a me<br />
familiarizar com a música e<br />
os ritmos e com isso<br />
descobrir o dom que eu não<br />
sabia que tinha, de cantar<br />
Rap.<br />
Quando eu era educando<br />
eu achava que o educador<br />
era apenas um treinador,<br />
não via a outra dimensão do<br />
trabalho. Via apenas como<br />
lazer.<br />
Havia um coordenador, que<br />
também era educador, que<br />
foi de grande importância<br />
na minha vi<strong>da</strong>, pois ele<br />
quem identificou o meu<br />
potencial de facilitador de<br />
conhecimentos e eu sempre<br />
procurei absorver o máximo<br />
<strong>da</strong> postura dele, de como ele<br />
conversava, de como ele<br />
fazia uma reflexão com a<br />
gente. Ele sempre tinha uma<br />
energia positiva. Porém,<br />
passaram por mim<br />
<strong>educadores</strong> com posturas<br />
autoritárias, inadequa<strong>da</strong>s,<br />
que eles sentem, fico triste<br />
por que eles ficam triste, é a<br />
sintonia mesmo.<br />
Hoje, como estou como<br />
educador vejo o outro lado<br />
<strong>da</strong> ação, me deparo com<br />
muitas situações que eu não<br />
via antigamente, como<br />
educando. Por morar na<br />
comuni<strong>da</strong>de eu sei onde<br />
estão os problemas, eu não<br />
sei a solução, isso ninguém<br />
sabe, mas facilita o fato de<br />
morar na comuni<strong>da</strong>de, me<br />
aju<strong>da</strong> muito.<br />
Pego os exemplos positivos<br />
que tive quando educando e<br />
aplico no meu dia a dia.<br />
Tento não cometer os<br />
mesmos erros dos<br />
<strong>educadores</strong> que passaram<br />
por mim. O fato de ser <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de também<br />
facilita a minha atuação e<br />
eles me respeitam como<br />
referência.<br />
sistema, que impõe a necessi<strong>da</strong>de<br />
de comprar, mas é um trabalho<br />
que tem seu lado gratificante.<br />
A Educação Social é muito<br />
importante na vi<strong>da</strong> de uma<br />
criança, de uma família. Na<br />
minha vi<strong>da</strong> eu agradeço a<br />
Educação Social, mas graças a<br />
Deus eu já estava na metade do<br />
caminho an<strong>da</strong>do, pois sempre<br />
soube o que eram as coisas<br />
certas e erra<strong>da</strong>s, apesar de ter<br />
nascido e crescido numa<br />
comuni<strong>da</strong>de muito pobre.<br />
O sentido <strong>da</strong> Educação Social é<br />
fortalecimento de vínculos<br />
familiares, comunitários. É<br />
ampliação <strong>da</strong>s perspectivas de<br />
vi<strong>da</strong> de um ser humano. É<br />
proporcionar ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.
102<br />
J<br />
K<br />
procurei um projeto<br />
<strong>social</strong> que existia na<br />
minha comuni<strong>da</strong>de.<br />
Tinha o esquema do<br />
trampo, <strong>da</strong><br />
ocupação, eu queria<br />
me ocupar, achava<br />
que eu ficava de<br />
bobeira e queria<br />
ganhar grana,<br />
fazendo algo massa.<br />
Então vi que os<br />
<strong>jovens</strong> procuravam<br />
primeiro algum curso<br />
profissionalizante,<br />
com bolsa, mas eu<br />
nunca me encaixava<br />
na faixa de i<strong>da</strong>de<br />
exigi<strong>da</strong>.<br />
Sempre participei de<br />
tudo que aparecia no<br />
meu bairro.<br />
Procurava os<br />
projetos em busca de<br />
formação, de bolsa.<br />
A Educação Social foi<br />
muito eficaz na minha<br />
vi<strong>da</strong>, principalmente por<br />
essa coisa que eu falei no<br />
começo, <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de.<br />
A gente é medrosa e<br />
educa<strong>da</strong> pra competir com<br />
a companheira, mas<br />
quando conheci a<br />
Educação Social comecei<br />
a falar mais de nós, <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />
do país. Mas também<br />
avalio que existia a falsa<br />
ideia de que poderia<br />
intervir no projeto. Eu<br />
fico com a sensação de<br />
que a gente tinha a<br />
ilusão de que tinha o<br />
poder <strong>da</strong> decisão.<br />
Desde os meus quinze<br />
anos que eu venho<br />
atuando na minha<br />
comuni<strong>da</strong>de<br />
desenvolvendo a<br />
Educação Social. Atuei<br />
como voluntária, claro<br />
que sempre foi importante<br />
ter aquele benefício,<br />
receber a bolsa, mas pra<br />
mim era algo mais. As<br />
pessoas me criticavam e<br />
perguntavam: será que<br />
você um dia vai chegar a<br />
ser educadora? Não me<br />
vejo trabalhando numa<br />
outra área a não ser a<br />
que colocavam apelidos<br />
pejorativos.<br />
Quando eu era educan<strong>da</strong>, eu<br />
achava que o ENXAME era<br />
perfeito, hoje, mais madura,<br />
eu consigo reconhecer<br />
várias posturas equivoca<strong>da</strong>s<br />
por parte dos <strong>educadores</strong> de<br />
lá, como: “ficar” com a<br />
educan<strong>da</strong>, se aproveitando<br />
de uma posição, de um<br />
espaço que está ocupando;<br />
falta de transparência e<br />
autoritarismo. Mas<br />
também existiam<br />
<strong>educadores</strong> massa, que<br />
fazia a gente pensar <strong>para</strong><br />
além <strong>da</strong> nossa reali<strong>da</strong>de.<br />
<strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> que<br />
facilitavam as ativi<strong>da</strong>des<br />
nos projetos, na época que<br />
eu era educan<strong>da</strong>, não<br />
<strong>da</strong>vam tanta importância<br />
<strong>para</strong> a conversa com o<br />
adolescente. Era mais<br />
aquele lance de centro<br />
comunitário, que você<br />
sentava, pintava, desenhava<br />
e fazia trabalhos artesanais.<br />
Como educadora eu busco<br />
um equilíbrio, pois<br />
vivenciei posturas de<br />
<strong>educadores</strong> que tinham<br />
muitos melindres e levavam<br />
os seus abacaxis pra dentro<br />
do projeto. Pra mim em<br />
primeiro lugar está o<br />
educando, a criança e o<br />
adolescente, sem me<br />
atropelar também, por isso<br />
busco sempre estar<br />
equilibra<strong>da</strong><br />
emocionalmente <strong>para</strong> não<br />
agir com autoritarismo e<br />
sem transparência. Busco<br />
permitir com que a galera<br />
possa se ver além dos meus<br />
olhos.<br />
Comigo é bem diferente, eu<br />
converso, pergunto se o<br />
educando está precisando<br />
de orientação, de<br />
aconselhamento e o<br />
acompanhamento não se<br />
resume ao projeto <strong>social</strong>.<br />
Atuo com as famílias, vou<br />
aos bairros, na escola e<br />
busco conhecer a<br />
reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong><br />
adolescente.<br />
Sociabili<strong>da</strong>de. Aprendi a abraçar<br />
sem ter preconceito, pois não me<br />
sentia segura e não era afetiva<br />
com os outros. A homofobia ela<br />
não é só algo que é colocado <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de pra nós, ela pode ser<br />
coloca<strong>da</strong> de nós pra nós mesmos.<br />
Eu cresci ouvindo dizer que<br />
sapatão dá em cima de to<strong>da</strong><br />
mulher, e por isso não podia nem<br />
chegar perto <strong>da</strong> menina com<br />
medo dela achar que eu estava<br />
<strong>da</strong>ndo em cima dela. Foi muito<br />
bacana o que eu aprendi com a<br />
Educação Social. O sentido <strong>da</strong><br />
Educação Social é a quebra de<br />
preconceitos.<br />
O sentido <strong>da</strong> Educação Social já<br />
está no nome, é educar, é<br />
mostrar <strong>para</strong> as pessoas os seus<br />
direitos, direito à cultura, direito à<br />
participação e de atuar nos<br />
projetos.
103<br />
L Tinha história de<br />
participação na<br />
comuni<strong>da</strong>de e me<br />
metia em tudo.<br />
Quando chegava<br />
algum projeto <strong>social</strong><br />
na comuni<strong>da</strong>de eu<br />
me inscrevia, às<br />
vezes nem sabia o<br />
que era, mas me<br />
metia.<br />
Fonte: elaboração <strong>da</strong> própria autora.<br />
área <strong>social</strong> e isso está<br />
relacionado com as<br />
minhas experiências<br />
enquanto educan<strong>da</strong>.<br />
Um dia desses eu era<br />
educan<strong>da</strong>, hoje eu estou<br />
como educadora, mas por<br />
isso não me sinto<br />
superior, continuo me<br />
sentindo educan<strong>da</strong>, pois<br />
quando estou facilitando<br />
um oficina estou<br />
aprendendo e isso eu<br />
aprendi graças à<br />
Educação Social. A<br />
Educação Social me<br />
ensinou limites, pois<br />
sempre fui muito<br />
atrevi<strong>da</strong>.<br />
Eu não tenho tantas críticas<br />
em relação aos <strong>educadores</strong><br />
sociais que passaram pela<br />
minha vi<strong>da</strong>, ao contrário,<br />
tenho mais coisas positivas<br />
<strong>para</strong> falar. Como eu era<br />
muito interessa<strong>da</strong>, eu<br />
tentava sugar o máximo de<br />
coisas possíveis e sempre<br />
prestava atenção nas<br />
formações, pois pensava<br />
que um dia poderia utilizálas.<br />
<strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> que eu<br />
tive contato eram ótimos<br />
facilitadores e não tinham<br />
posturas inadequa<strong>da</strong>s.<br />
Eu, ain<strong>da</strong> hoje, utilizo<br />
anotações <strong>da</strong>s formações<br />
que eu tinha enquanto<br />
educan<strong>da</strong>, é claro que eu<br />
busco atualizar as<br />
informações e utilizo uma<br />
metodologia mais lúdica<br />
<strong>para</strong> facilitar a<br />
compreensão. Busco ser<br />
flexível, mas como<br />
educadora a minha<br />
postura é totalmente<br />
diferente de quando eu<br />
era educan<strong>da</strong>, pois eu<br />
brincava muito e chegava<br />
a atrapalhar em alguns<br />
momentos, hoje eu não<br />
posso brincar desse jeito,<br />
tenho que tomar cui<strong>da</strong>do,<br />
por que de certa forma<br />
sou referência <strong>para</strong> as<br />
crianças e os adolescentes.<br />
O sentido <strong>da</strong> Educação Social é<br />
tudo isso que eu passei, tudo o<br />
que estou passando. É essa<br />
história mesmo do contato com as<br />
comuni<strong>da</strong>des, com o povo, com<br />
crianças e adolescentes. É sentir,<br />
é vivenciar situações, às vezes<br />
não tão legais e às vezes boas e<br />
enfrentar. É tentar combater a<br />
violação de direitos e lutar <strong>para</strong><br />
a sua concretização,<br />
principalmente lutar pelos direitos<br />
de crianças e adolescentes e de<br />
suas famílias.
104<br />
<strong>Os</strong> relatos <strong>da</strong>s histórias de vi<strong>da</strong> dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais são dotados<br />
de <strong>sentidos</strong> construídos não só por suas singularizações, mas, sobretudo, por meio dos<br />
valores e representações sociais dominantes em relação à pobreza e a condição de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em nossa socie<strong>da</strong>de.<br />
Todos, sem exceção, se utilizaram <strong>da</strong> caracterização de seus territórios <strong>para</strong><br />
ilustrar o motivo pelo qual procuraram um projeto <strong>social</strong>, ilustrando contextos de<br />
violência, marginalização, falta de ocupação do tempo livre (denominado de<br />
ociosi<strong>da</strong>de), entre outros aspectos, conforme ilustram os depoimentos:<br />
minha rotina era ficar no meio <strong>da</strong> rua, ocioso. Eu tinha tudo pra ser mais uma<br />
estatística em todo o País: mais um negro morre vítima de bala perdi<strong>da</strong> ou<br />
<strong>da</strong>s drogas. Poderia ter seguido esse caminho, mas busquei um projeto <strong>social</strong><br />
<strong>para</strong> mu<strong>da</strong>r a minha reali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> (Educador G);<br />
era um menino de comuni<strong>da</strong>de, sem ter na<strong>da</strong> <strong>para</strong> fazer, ficava ocioso e<br />
gostava de esporte, por isso procurei um projeto <strong>social</strong> (Educador H);<br />
minha comuni<strong>da</strong>de é muito vulnerável, possui diversas problemáticas. Eu via<br />
muitos colegas de infância que estavam se perdendo no caminho <strong>da</strong>s drogas e<br />
eu decidi que eu não queria aquele mesmo caminho. Procurei um caminho<br />
oposto, <strong>para</strong> que eu me tornasse um ci<strong>da</strong>dão. Por isso resolvi me dedicar ao<br />
surfe e procurei um projeto <strong>social</strong> que existia na minha comuni<strong>da</strong>de<br />
(Educador I).<br />
<strong>Os</strong> relatos acima ilustram a afirmação de Forrester (1997, p. 57-58), é como<br />
se “destinados de antemão a esses problemas, fundidos com eles, o desastre é sem saí<strong>da</strong><br />
e sem limites”. Para eles, assim como <strong>para</strong> o pensamento dominante, “marginais por sua<br />
condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato,<br />
eles são os excluídos por excelência” (FORRESTER, 1997, p. 57-58).<br />
O universo <strong>da</strong> pobreza encontra-se marcado por diversas determinações<br />
estigmatizantes e discriminatórias. Setores privilegiados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de atribuem<br />
comportamentos e valores aos pobres que, na ver<strong>da</strong>de, não são seus, mas fazem parte de<br />
um conjunto de representações <strong>da</strong>s classes dominantes sobre eles (os pobres).<br />
Segundo Yazbek (1993, p. 75),<br />
designações tais como ina<strong>da</strong>ptados, marginais, incapazes, problematizados,<br />
dependentes, alvo de ações promocionais e outras tantas constituem<br />
expressão de relações <strong>social</strong>mente codifica<strong>da</strong>s e marca<strong>da</strong>s por estereótipos<br />
que configuram o “olhar” sobre as classes subalternas do ponto de vista de<br />
outras classes e, ao mesmo tempo, definem as posições que os subalternos<br />
podem ter na socie<strong>da</strong>de.
105<br />
É com a preocupação nessa forma de “olhar”, olhar <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de, que os <strong>jovens</strong> desse estudo atribuem <strong>sentidos</strong> de mu<strong>da</strong>nça e transformação<br />
às suas experiências como educandos em projetos sociais. Mu<strong>da</strong>nça e transformação<br />
essas, que iniciam a partir de suas próprias escolhas de trilhar outro caminho possível,<br />
fugindo dos estereótipos que marcam as suas condições de vi<strong>da</strong>, conforme se vê nos<br />
depoimentos: “vi ali (no projeto <strong>social</strong>) uma possibili<strong>da</strong>de deu ser alguém na vi<strong>da</strong>, de<br />
não me tornar o que todos falavam ao meu redor: um usuário de drogas, ladrão. Ali<br />
encontrei uma possibili<strong>da</strong>de de saí<strong>da</strong> do mundo onde eu vivia” (Educador G); e “hoje<br />
sou um ci<strong>da</strong>dão, referência na minha comuni<strong>da</strong>de. Pena que a maioria dos meus colegas<br />
de infância não teve as mesmas oportuni<strong>da</strong>des” (Educador I).<br />
Quando esses <strong>jovens</strong> avaliaram a Educação Social na qual foram alvos, a<br />
partir <strong>da</strong> avaliação dos <strong>educadores</strong> sociais que passaram em suas vi<strong>da</strong>s, percebi uma<br />
tendência à estereotipia em suas respostas, pois poucos tiveram respostas capazes de<br />
apreciar aspectos positivos e negativos em suas análises, atribuindo tão somente aos<br />
referidos profissionais a descoberta de suas habili<strong>da</strong>des e potenciali<strong>da</strong>des, conforme as<br />
falas: “eu sempre fui muito orientado pelos <strong>educadores</strong> sociais” (Educador B); “sempre<br />
convivi com ótimos <strong>educadores</strong>, a forma como me tratavam, como falavam seduzia”<br />
(Educadora D); “eu não tenho tantas críticas em relação aos <strong>educadores</strong> sociais que<br />
passaram pela minha vi<strong>da</strong>, ao contrário, tenho mais coisas positivas <strong>para</strong> falar”<br />
(Educadora L).<br />
Não estou afirmando, com isto, que os <strong>educadores</strong> não tenham reflexivi<strong>da</strong>de<br />
em suas construções de sentido, pelo contrário, demonstram pensar sobre suas vi<strong>da</strong>s de<br />
ontem e a relação com o que fazem hoje, mas percebi que não apresentam uma<br />
dimensão mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de que os cerca, conforme se apresenta no<br />
depoimento do educador F: “outro fator principal <strong>para</strong> eu me tornar um educador <strong>social</strong><br />
foi o trabalho dos <strong>educadores</strong> sociais, as suas orientações, que me despertaram a<br />
consciência, pois mu<strong>da</strong>ndo de vi<strong>da</strong> poderia mu<strong>da</strong>r a reali<strong>da</strong>de”.<br />
A dificul<strong>da</strong>de dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais de pensarem de forma mais<br />
aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, de instituírem <strong>sentidos</strong> singulares, leva-me a considerar que essa reali<strong>da</strong>de<br />
se deve às maneiras com que hoje se fabrica a subjetivi<strong>da</strong>de em escala planetária, “a<br />
ideia de uma subjetivi<strong>da</strong>de de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente<br />
fabrica<strong>da</strong>, modela<strong>da</strong>, recebi<strong>da</strong>, consumi<strong>da</strong>” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 33).<br />
Ain<strong>da</strong> sobre a questão, acrescentam os autores que
106<br />
tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – tudo o que nos chega<br />
pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é<br />
uma questão de ideia ou de significações por meio de enunciados<br />
significantes. Tampouco se reduz a modelos de identi<strong>da</strong>de ou a identificações<br />
com pólos maternos e paternos. Trata-se de sistemas de conexão direta entre<br />
as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle <strong>social</strong> e as<br />
instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo<br />
(GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 35).<br />
Essa subjetivi<strong>da</strong>de serializa<strong>da</strong>, adquiri<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> ordem capitalística,<br />
que “incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de<br />
sentimento, de afeto” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 51), também influencia os<br />
<strong>sentidos</strong> dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais acerca de suas atuações profissionais. A maioria<br />
considera o simples fato de ter vivenciado ou ain<strong>da</strong> vivenciar uma condição de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> o diferencial em suas práticas, mesmo que tal vivência não<br />
ofereça condições de alteração <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de concretamente, como demonstra o educador<br />
H em seu depoimento: “por morar na comuni<strong>da</strong>de eu sei onde estão os problemas, eu<br />
não sei a solução, isso ninguém sabe, mas facilita o fato de morar na comuni<strong>da</strong>de, me<br />
aju<strong>da</strong> muito”.<br />
O reconhecimento <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de em atingir um resultado concreto e<br />
abrangente, por parte dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong>, junto às crianças e adolescentes atendidos,<br />
é compensado por meio <strong>da</strong> utilização de metodologias “participativas”, <strong>da</strong> aproximação,<br />
do carinho, <strong>da</strong> gratificação pessoal em poder proporcionar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, do sentimento de<br />
potência junto à comuni<strong>da</strong>de, ou seja, <strong>sentidos</strong> eufemísticos <strong>para</strong> justificar a<br />
perpetuação do existente e, consequentemente, a limitação <strong>da</strong> Educação Social na<br />
ressignificação de vi<strong>da</strong> dos sujeitos, conforme identifiquei nos depoimentos:<br />
sou bem doidão mesmo, chamo eles, converso, troco idéia, abraço, dou um<br />
beijo, é assim mesmo o meu jeito de trabalhar. Foi assim que eu ganhei a<br />
confiança de todos os adolescentes e eles se sentem bem (Educador B);<br />
a educação <strong>social</strong> pra mim é tudo. Devido ao meu histórico meio complicado<br />
e ser resgatado por essa via <strong>social</strong>. É complicado atingir a todos os <strong>jovens</strong>,<br />
pela dificul<strong>da</strong>de do sistema, que impõe a necessi<strong>da</strong>de de comprar, mas é um<br />
trabalho que tem seu lado gratificante (Educador G).<br />
Quanto à questão <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações no campo do trabalho <strong>social</strong>,<br />
Guattari e Rolnik (2011, p. 37) esclarecem que
107<br />
devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição no campo do<br />
trabalho <strong>social</strong>, todos aqueles cuja profissão consiste em se interessar pelo<br />
discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilha<strong>da</strong> política e<br />
micropolítica fun<strong>da</strong>mental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos<br />
que não só permitem criar saí<strong>da</strong>s <strong>para</strong> os processos de singularização ou, ao<br />
contrário, vão estar trabalhando <strong>para</strong> o funcionamento desses processos na<br />
medi<strong>da</strong> de suas possibili<strong>da</strong>des e dos agenciamentos que consigam pôr <strong>para</strong><br />
funcionar. Isso quer dizer que não há objetivi<strong>da</strong>de científica alguma nesse<br />
campo, nem uma suposta neutrali<strong>da</strong>de na relação, como a suposta<br />
neutrali<strong>da</strong>de analítica.<br />
As possibili<strong>da</strong>des de intervenção e os agenciamentos utilizados pelos <strong>jovens</strong><br />
<strong>educadores</strong> sociais, em busca de criar saí<strong>da</strong>s <strong>para</strong> os processos de singularização, junto<br />
aos adolescentes atendidos, na maioria <strong>da</strong>s vezes, resumem-se a discursos que sinalizam<br />
“o acreditar na transformação”, sem identificar objetivamente como alcançá-la,<br />
conforme identifiquei nos depoimentos:<br />
o diferencial é a minha busca, o meu acreditar <strong>para</strong> tentar transformar o<br />
máximo, não deixar que isso seja apenas uma utopia, ou seja, transformar em<br />
reali<strong>da</strong>de (Educador C);<br />
faço a diferença por que acredito nos meninos. Sei que eles não são como<br />
prega o senso comum: é pobre, é vagabundo, trilhará pelo caminho <strong>da</strong><br />
violência, <strong>da</strong>s drogas. Acredito que são capazes de se transformar. Quero que<br />
eles tenham consciência disso, quero que percebam que a reali<strong>da</strong>de talvez<br />
não seja boa, mas que são capazes de conquistar o próprio espaço e modificar<br />
tudo que está ali (Educador E).<br />
Guattari e Rolnik (2011) chamam atenção <strong>para</strong> o fato dos <strong>educadores</strong><br />
sociais, assim como os demais profissionais denominados de trabalhadores sociais,<br />
atuarem de alguma maneira na produção de subjetivi<strong>da</strong>de. Consideram, ain<strong>da</strong>, que <strong>para</strong><br />
esses profissionais (do <strong>social</strong>), “tudo dependerá de sua capaci<strong>da</strong>de de se articular com os<br />
agenciamentos de enunciação que assumam sua responsabili<strong>da</strong>de no plano<br />
micropolítico” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 38). No entanto, salientam que “a<br />
garantia de uma micropolítica processual só pode – e deve – ser encontra<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong><br />
passo, a partir dos agenciamentos que a constituem, na invenção de modos de<br />
referência, de modos de práxis” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 38).<br />
Na minha concepção, construí<strong>da</strong> e desconstruí<strong>da</strong> no desenrolar dessa<br />
pesquisa, os modos de referência e de práxis desenvolvidos pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais ain<strong>da</strong> não são auto-modeladores, característica defini<strong>da</strong> por Guattari e Rolnik<br />
(2011) como a capaci<strong>da</strong>de de construir seus próprios tipos de referências práticas e
108<br />
teóricas. Ou seja, as práticas dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais ain<strong>da</strong> permanecem “nessa<br />
posição constante de dependência em relação ao poder global” (GUATTARI; ROLNIK,<br />
2011, p. 55). Para os autores,<br />
a partir do momento em que os grupos adquirem essa liber<strong>da</strong>de de viver seus<br />
processos, eles passam a ter uma capaci<strong>da</strong>de de ler sua própria situação e<br />
aquilo que se passa em torno deles. Essa capaci<strong>da</strong>de é que vai lhes <strong>da</strong>r um<br />
mínimo de possibili<strong>da</strong>de de criação e permitir preservar exatamente esse<br />
caráter de autonomia tão importante (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 55).<br />
Voltando aos <strong>sentidos</strong> construídos pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais em torno<br />
<strong>da</strong> Educação Social em suas trajetórias de vi<strong>da</strong>, quando eles afirmaram: “venci a<br />
timidez”, “construí amigos no bairro”, “saí do mundo <strong>da</strong> exploração <strong>para</strong> entrar no<br />
mundo <strong>da</strong> criação”, “vi ali uma possibili<strong>da</strong>de deu ser alguém na vi<strong>da</strong>”, “hoje sou um<br />
ci<strong>da</strong>dão, referência na minha comuni<strong>da</strong>de”, estão atribuindo à Educação Social <strong>sentidos</strong><br />
de <strong>social</strong>ização, de superação <strong>da</strong> condição de vulnerabili<strong>da</strong>de e ressignificação de suas<br />
vi<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> que sejam construções advin<strong>da</strong>s de uma subjetivi<strong>da</strong>de serializa<strong>da</strong>, mas que<br />
foram verbaliza<strong>da</strong>s e por isso mesmo não poderiam ser ignora<strong>da</strong>s.<br />
Nos relatos dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, que denotam <strong>sentidos</strong> de<br />
ressignificação de vi<strong>da</strong>, está presente, com muita intensi<strong>da</strong>de, a gratidão <strong>para</strong> com o<br />
projeto <strong>social</strong> e seus <strong>educadores</strong>, conforme expresso nos depoimentos:<br />
o educador <strong>social</strong> pode facilitar na identificação de uma habili<strong>da</strong>de do<br />
adolescente. No meu caso, quem me indicou <strong>para</strong> fazer um teste em uma<br />
companhia de teatro e, a partir disso, eu fui tendo outras oportuni<strong>da</strong>des,<br />
conseguindo caminhar com os meus próprios pés, foi um educador. Ele me<br />
deu uma força, agradeço muito (Educador C);<br />
carinhosamente eu chamo a pessoa que me apresentou a arte de meu<br />
padrinho. Era o educador musical que trouxe essa veia <strong>da</strong> música <strong>para</strong> o<br />
projeto, a percussão, que eu me identifiquei muito. Depois veio outro<br />
educador que me apresentou o Rap, um estilo mais agressivo. E graças a<br />
esses <strong>educadores</strong> eu comecei a me familiarizar com a música e os ritmos e<br />
com isso descobrir o dom que eu não sabia que tinha, de cantar Rap<br />
(Educador G).<br />
<strong>Os</strong> relatos acima coadunam com a concepção de que é “possível conferir<br />
talento a alguém” (ADORNO, 1995, p. 170 apud BECKER, 1995), ou seja, o talento<br />
não se encontra previamente configurado nos homens, mas que, em seu
109<br />
desenvolvimento, ele depende do desafio a que ca<strong>da</strong> um é submetido. E na reali<strong>da</strong>de<br />
deles, isso foi possível por meio <strong>da</strong> inserção em um projeto <strong>social</strong>.<br />
É, portanto, nessa possibili<strong>da</strong>de de despertar talentos e habili<strong>da</strong>des que os<br />
<strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais dão sentido à importância do desenvolvimento de práticas<br />
pe<strong>da</strong>gógicas centra<strong>da</strong>s na Educação Social, sobretudo com enfoque na arte-educação.<br />
Consideram que o talento não é uma disposição natural, já que descobriram os seus ao<br />
se engajarem em projetos sociais, “embora eventualmente tenhamos que conceder a<br />
existência de um resíduo natural, mas que o talento, tal como verificamos na relação<br />
com a linguagem, na capaci<strong>da</strong>de de se expressar, constitui-se, em uma importantíssima<br />
proporção, em função de condições sociais” (ADORNO, 1995, p. 171-172).<br />
Desse modo, não poderia deixar de considerar o potencial individual de<br />
ca<strong>da</strong> sujeito desse estudo, que os diferencia dos demais sujeitos alvos <strong>da</strong> Educação<br />
Social, ou seja, os processos de singularização de ca<strong>da</strong> um deles possibilitaram a<br />
ressignificação de suas vi<strong>da</strong>s. Hoje alcançaram a posição de <strong>educadores</strong> sociais, se<br />
inseriram no mercado de trabalho, tornaram-se referência em suas comuni<strong>da</strong>des, mas o<br />
processo de singularização é gradual e a condição de sobrevivência, que os torna<br />
dependentes do posto de trabalho, dificulta a superação de uma posição de reforço dos<br />
sistemas de produção <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de dominante, ou seja, junto às crianças e<br />
adolescentes atendidos pelos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais ain<strong>da</strong> prevalece a perpetuação<br />
do existente.
110<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS “ACHADOS” CONSTRUÍDOS E<br />
DESCONTRUÍDOS DA PESQUISA<br />
Através do acervo bibliográfico, do discurso institucional e <strong>da</strong>s falas dos<br />
sujeitos entrevistados, analisados nesse trabalho, a Educação Social, nessa pesquisa, é<br />
entendi<strong>da</strong> como um processo sociopolítico, cultural e pe<strong>da</strong>gógico de formação <strong>para</strong> a<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e emancipação humana por meio do desenvolvimento de práticas<br />
socioeducativas, que envolvem uma multiplici<strong>da</strong>de de espaços, programas e projetos<br />
sociais (GOHN, 2010), sendo subsidia<strong>da</strong> teoricamente por diversas áreas do<br />
conhecimento.<br />
O aprendizado gerado e compartilhado na Educação Social, facilitado pelo<br />
educador <strong>social</strong>, não é espontâneo, uma vez que os processos que o produz têm<br />
intencionali<strong>da</strong>des e propostas, ou seja, existe sempre uma proposta de intervenção na<br />
reali<strong>da</strong>de dos sujeitos alvos <strong>da</strong> Educação Social, e as intervenções são construí<strong>da</strong>s com<br />
objetivos variados, a depender do público-alvo e <strong>da</strong>s intencionali<strong>da</strong>des na ação (GOHN,<br />
2010).<br />
Tendo como base a conceituação construí<strong>da</strong> nessa pesquisa, observei que as<br />
ações de Educação Social desenvolvi<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci ain<strong>da</strong><br />
funcionam como forma de mascaramento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, ou seja, não promovem a<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e emancipação humana plenas <strong>da</strong>s crianças e adolescentes atendidos.<br />
Identifiquei, nas análises documentais, a preocupação maior em modificar as<br />
denominações, os discursos ou, de tempos em tempos, realizar pseudo reformas,<br />
substituição de órgãos e departamentos que, na ver<strong>da</strong>de, continuaram e continuam sem<br />
alterar a situação <strong>da</strong>s crianças e dos adolescentes “desassistidos” e que ain<strong>da</strong> oferecem<br />
continui<strong>da</strong>de ao complexo organizacional assistencial e repressivo do Estado.<br />
Apesar de todo o envolvimento e compromisso dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais que trabalham na Instituição, é difícil desconstruir a imagem do descompasso<br />
entre os instrumentos jurídico-legais, já existentes, de reconhecimento e garantia de<br />
direitos à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia plena e universal, e as práticas efetivas, que revelaram a incidência<br />
de uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia incompleta, experimenta<strong>da</strong>, cotidianamente, por crianças,<br />
adolescentes e suas famílias pobres, que são atendidos em programas e projetos que<br />
funcionam de forma fragiliza<strong>da</strong>, sem recursos materiais básicos <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />
<strong>da</strong>s ações e ativi<strong>da</strong>des propostas em seus Projetos Político-Pe<strong>da</strong>gógicos.
111<br />
Por outro lado, a experiência de ações volta<strong>da</strong>s à arte-educação e às<br />
ativi<strong>da</strong>des esportivas, assumindo o caráter de profissionalização ou, no mínimo, de<br />
aprendizagem real <strong>para</strong> as crianças e adolescentes atendidos constitui-se em<br />
potenciali<strong>da</strong>de e é de grande valia <strong>para</strong> o trabalho <strong>social</strong>, caso seja fortaleci<strong>da</strong>. Afinal, a<br />
maioria dos <strong>jovens</strong> que conseguiu certo destaque e que <strong>social</strong>izou as suas histórias de<br />
vi<strong>da</strong> nesse trabalho, demonstrou a importância <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des esportivas em<br />
suas vi<strong>da</strong>s.<br />
Tal fortalecimento, porém, não é possível se concretizar somente por meio<br />
<strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> força de trabalho comprometi<strong>da</strong>, criativa e explora<strong>da</strong> dos <strong>educadores</strong><br />
sociais ou arte-<strong>educadores</strong>, mas com recursos financeiros necessários à aquisição de<br />
materiais <strong>para</strong> to<strong>da</strong>s as linguagens artísticas e ativi<strong>da</strong>des esportivas. Afinal, apenas “a<br />
força <strong>da</strong> palavra” e “o fechar os olhos e se imaginar tocando um instrumento”, não<br />
possibilitará o domínio de tocar um violão, uma guitarra ou qualquer outro instrumento<br />
musical. Assim como desenhar sem lápis, grafitar sem spray, surfar sem prancha, jogar<br />
sem bola acabam com to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des de criativi<strong>da</strong>de do profissional e, o que é<br />
pior, com a possibili<strong>da</strong>de de proporcionar aprendizado às crianças e adolescentes.<br />
Quanto à arte, ela não pode estar dissocia<strong>da</strong> <strong>da</strong> singularização e liber<strong>da</strong>de<br />
real dos sujeitos, já que o “desenvolvimento do indivíduo é, antes de mais na<strong>da</strong>, função<br />
de sua liber<strong>da</strong>de fática ou de suas possibili<strong>da</strong>des de liber<strong>da</strong>de” (HELLER, 1985, p. 22).<br />
No caso dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, que já foram educandos em projetos<br />
sociais, sujeitos desse estudo, essa liber<strong>da</strong>de fática ain<strong>da</strong> é limita<strong>da</strong>, visto que, apesar de<br />
terem conquistado certa autonomia em suas vi<strong>da</strong>s, como eles mesmos relataram, no<br />
ambiente institucional, essa autonomia é cercea<strong>da</strong>, seja pela não possibili<strong>da</strong>de concreta<br />
de intervenção, seja pela interiorização de que hoje ocupam outro espaço e devem<br />
mu<strong>da</strong>r suas posturas críticas, ou seja, pela necessi<strong>da</strong>de concreta de permanecerem em<br />
seus postos de trabalho, mantendo uma posição meramente defensiva.<br />
O último aspecto apareceu com maior evidência nas entrelinhas dos relatos<br />
dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e é bem ilustrado pelo pensamento de Rolnik (2011, p.<br />
16) ao afirmar que<br />
muitas vezes não há outra saí<strong>da</strong>. É que quando na desmontagem, perplexos e<br />
des<strong>para</strong>metrados, nos fragilizamos, a tendência é adotarmos posições<br />
meramente defensivas – por medo <strong>da</strong> marginalização na qual corremos o<br />
risco de ser confinados quando ousamos criar territórios singulares,<br />
independentes de serializações subjetivas; por medo de essa marginalização
112<br />
chegar a comprometer a própria possibili<strong>da</strong>de de sobrevivência (um risco<br />
real). Acabamos muitas vezes reivindicando um território no edifício <strong>da</strong>s<br />
identi<strong>da</strong>des reconheci<strong>da</strong>s: em dissonância com nossa consciência e seus<br />
ideais, tornamo-nos então os próprios produtores de algumas sequências <strong>da</strong><br />
linhagem de montagem do desejo.<br />
Pensando, portanto, em suas sobrevivências e, ao mesmo tempo, por<br />
vivenciarem ou terem vivenciado alguma situação de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e que agora<br />
são os responsáveis ou agentes <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais não se percebem como trabalhadores explorados, que vivenciam a precarização<br />
do trabalho, ao contrário, consideram apenas que a Instituição está valorizando o<br />
potencial <strong>da</strong> juventude e que devem ser criativos <strong>para</strong> que as ativi<strong>da</strong>des não parem,<br />
mesmo sem recursos.<br />
O discurso institucional assume os fracassos <strong>da</strong>s intervenções propostas,<br />
pois acabou por mostrar uma instituição acostuma<strong>da</strong> com a reincidência <strong>da</strong> situação de<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de que ocasionou o encaminhamento <strong>da</strong>s crianças e adolescentes<br />
atendidos, bem como silente diante do descumprimento do ECA e descrente em relação<br />
a uma transformação real na vi<strong>da</strong> desses meninos e meninas. Por isso, engrossa as<br />
fileiras dos que apregoam: “eles não têm mais jeito”, “os <strong>jovens</strong> não querem participar<br />
de na<strong>da</strong>”, “não podemos atender a todos”, “fazemos a nossa parte”...<br />
A Coordenadoria-Funci transfere a responsabili<strong>da</strong>de do sucesso <strong>da</strong>s ações<br />
<strong>para</strong> os <strong>educadores</strong> sociais, que devem ser comprometidos, envolvidos, polivalentes,<br />
criativos, articulados e militantes. E pouca importância dá às péssimas condições<br />
estruturais de trabalho e aos baixos salários, uma vez que os profissionais militantes e<br />
vocacionados não devem ter a preocupação maior em torno <strong>da</strong> sua remuneração, mas na<br />
justiça <strong>social</strong> que estão promovendo e em suas realizações pessoais. Afinal, antes de se<br />
inserirem na Instituição, já faziam isso de graça.<br />
Apesar dos avanços alcançados pelos <strong>educadores</strong> sociais, como a ampliação<br />
dos espaços de atuação e <strong>da</strong> discussão sobre a regulamentação <strong>da</strong> profissão no Brasil e<br />
no Estado do Ceará, pode-se dizer que existe um descompasso entre a utilização de sua<br />
força de trabalho e o seu reconhecimento profissional. Tal reali<strong>da</strong>de pode ser<br />
identifica<strong>da</strong> pelos baixos salários e a indefinição de seu papel no ambiente institucional,<br />
muitas vezes desconhecido pelo próprio profissional, que me remete à ideia de<br />
exploração do trabalho por um menor custo. Assim como pode colocar à prova a<br />
imprescindibili<strong>da</strong>de de sua atuação no âmbito <strong>da</strong>s políticas públicas, configurando-se
113<br />
um rearranjo do capital, ou seja, é mais cômodo <strong>para</strong> o Estado ou qualquer outro<br />
empregador pagar mais barato por um profissional que não tem defini<strong>da</strong> a sua atuação e<br />
que, sendo explorado, pode desenvolver as mais varia<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des.<br />
As concepções do trabalho <strong>social</strong> como missões vocacional-religiosa,<br />
técnico-profissional e de militância-política, que partem dos próprios <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais corroboram com os discursos institucionais e, consequentemente, com a não<br />
valorização profissional em termos objetivos, como melhoria salarial e estrutura de<br />
trabalho, ao passo que o capital simbólico é muito bem caracterizado pelo sentimento de<br />
valorização por parte <strong>da</strong> família e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, que agora são referência, por estarem<br />
inseridos no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, por contribuírem com a<br />
transformação e mu<strong>da</strong>nça de seus territórios, além de serem reconhecidos como<br />
parceiros de trabalho, pelos demais profissionais <strong>da</strong> Instituição, e não mais como<br />
educandos, agora estão “entre iguais”.<br />
A pesquisa também mostrou que as contratações dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais, por parte <strong>da</strong> Coordenadoria-Funci, não se caracterizam uma política<br />
institucional. Para eles, as contratações se configuram uma valorização <strong>da</strong> juventude e<br />
não representam exploração <strong>da</strong> força de trabalho. No máximo, <strong>para</strong> alguns, podem<br />
identificar uma espécie de marketing institucional, ganhando reconhecimento externo a<br />
partir <strong>da</strong> estratégia de utilização <strong>da</strong> força de trabalho juvenil.<br />
Na percepção dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais e gestores, por meio deles –<br />
<strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> – é possível alcançar maior aproximação comunitária, maior<br />
aproximação com o público-alvo, além <strong>da</strong> importante <strong>social</strong>ização de suas experiências<br />
junto às crianças e adolescentes. Mas esses aspectos não são suficientes <strong>para</strong><br />
promoverem a transformação <strong>da</strong>s condições de vulnerabili<strong>da</strong>de dos sujeitos atendidos.<br />
Esse quesito – já ter sido atendido em um projeto <strong>social</strong> – pode ser<br />
considerado de relevância, no momento <strong>da</strong> contratação, mas é preciso ficar atendo às<br />
formações anteriores e posteriores do profissional, não as encarando como<br />
responsabili<strong>da</strong>de individual, mas solidária com a Instituição.<br />
Outras construções aponta<strong>da</strong>s pela pesquisa foram: (i) a necessi<strong>da</strong>de de<br />
avançar na relação teoria-prática, <strong>para</strong> a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Educação Social nos espaços<br />
institucionais, pois, como Machado (2011) salientou, a referência apenas às práticas já<br />
não dão conta <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de do conhecimento e <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s que surgem em um<br />
cenário globalizado; (ii) a necessi<strong>da</strong>de de superar as disputas entre as ciências e
114<br />
atuações profissionais, no sentido de unir esforços <strong>para</strong> consoli<strong>da</strong>r a área por meio <strong>da</strong><br />
complementari<strong>da</strong>de dos conhecimentos; (iii) a importância dos <strong>educadores</strong> sociais<br />
assumirem e defenderem pressupostos teóricos <strong>para</strong> subsidiarem as suas práticas<br />
profissionais, de modo a superar improvisações em to<strong>da</strong>s as etapas do fazer profissional,<br />
como salientou Gohn (2010, p. 51): “o espontâneo tem lugar na criação, mas ele não é o<br />
elemento dominante no trabalho do educador <strong>social</strong>, pois o seu trabalho tem princípios,<br />
métodos e metodologias de trabalho”.<br />
Portanto, as considerações e consensos que envolvem a Educação Social,<br />
construídos pela teoria, estão também presentes nos <strong>da</strong>dos produzidos na pesquisa de<br />
campo. <strong>Os</strong> <strong>educadores</strong> sociais entrevistados manifestaram em suas falas um conceito em<br />
construção, marcado por indefinições quanto ao uso <strong>da</strong>s nomenclaturas e a relação <strong>da</strong><br />
Educação Social com os diversos campos do conhecimento; uma afirmação<br />
fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na tendência crítico-<strong>social</strong> no campo de atuação, coexistindo com a<br />
valorização do saber prático e o reconhecimento <strong>da</strong> importância de aprofun<strong>da</strong>r o saber<br />
teórico.<br />
Quanto à regulamentação <strong>da</strong> profissão de educador <strong>social</strong>, existe<br />
desconhecimento, por parte dos <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong> sociais, acerca <strong>da</strong> questão. No<br />
entanto, a maioria considera que essa regulamentação trará benefícios positivos, como<br />
melhoria salarial, melhoria <strong>da</strong>s condições de trabalho, realização de concursos públicos.<br />
Mas o medo de exclusão do mercado de trabalho aponta preocupação em relação à<br />
exigência de um curso superior em Educação Social.<br />
Nos moldes como hoje se configura a Educação Social na Coordenadoria-<br />
Funci e o fazer profissional dos <strong>educadores</strong> sociais, sobretudo os <strong>jovens</strong> <strong>educadores</strong><br />
sociais desse estudo, não existe autonomia, pois as práticas pe<strong>da</strong>gógicas são pauta<strong>da</strong>s ao<br />
sabor <strong>da</strong>s determinações dos gestores, do tema de discussão que está em voga, e do<br />
produto final que trará a apresentação artística exigi<strong>da</strong> de última hora <strong>para</strong> ilustrar uma<br />
pseudo participação de crianças e adolescentes. Tal reali<strong>da</strong>de leva-me à conclusão de<br />
que a Instituição desconhece o papel dos <strong>educadores</strong> sociais e que esses não possuem<br />
identi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> estão aprendendo na “escola <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, “fazem tudo, mas não fazem<br />
na<strong>da</strong> concretamente”, perpetuando a imagem <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> e se distanciando dos reais<br />
objetivos <strong>da</strong> Educação Social – a efetivação de direitos e a emancipação humana.<br />
Finalmente, considero urgente a regulamentação <strong>da</strong> profissão de educador<br />
<strong>social</strong>, o fortalecimento <strong>da</strong> teorização <strong>da</strong> prática profissional e a superação <strong>da</strong> dicotomia
115<br />
entre Educação Social e Educação Escolar, de modo que as práticas pe<strong>da</strong>gógicas<br />
pauta<strong>da</strong>s na Educação Social superem o simples objetivo de controle <strong>social</strong>,<br />
proporcionando, portanto, a condução efetiva do ser a mu<strong>da</strong>nças significativas. Só<br />
assim, em concordância com Vasconcelos (1997, p. 14), posso deixar de expressar que,<br />
apesar de todos os avanços, inclusive nas legislações, “<strong>da</strong> filantropia à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />
remodelam-se os discursos; renovam-se os oradores; refina-se a oratória; reinvernizamse<br />
as imagens. Todo o velho aparenta novo. Mu<strong>da</strong>-se (a fala) <strong>para</strong> perpetuar-se (a<br />
prática e seus agentes) no mesmo, ou seja, eterniza-se o velho”.
116<br />
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maio de 2011.
120<br />
ANEXOS<br />
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ<br />
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE<br />
ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA<br />
ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA<br />
PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS<br />
EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO<br />
EXISTENTE?<br />
Nome:<br />
Sexo:<br />
Estado civil:<br />
I<strong>da</strong>de:<br />
Escolari<strong>da</strong>de:<br />
Cargo/função:<br />
QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS<br />
Rendimento individual (em salários mínimos):<br />
Vínculo empregatício:<br />
Como se incorporou na instituição (seleção, convite etc.)<br />
Programa/projeto que trabalha atualmente:<br />
Tempo em que trabalha na Funci:<br />
Ativi<strong>da</strong>des que desenvolve:<br />
Como foi sua trajetória de vi<strong>da</strong> até ser atendido em um projeto <strong>social</strong> e depois tornar-se<br />
educador <strong>da</strong> Funci?<br />
Quando foi atendido em projetos sociais qual foi a instituição, qual projeto e em que<br />
gestão administrativa?
121<br />
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ<br />
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE<br />
ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA<br />
ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA<br />
PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS<br />
EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO<br />
EXISTENTE?<br />
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS JOVENS EDUCADORES SOCIAIS<br />
O que é Educação Social e qual o sentido <strong>da</strong> Educação Social em suas vi<strong>da</strong>s?<br />
Como foi a Educação Social em que foram alvos e como é a Educação Social que hoje<br />
executam?<br />
Qual o perfil de um educador <strong>social</strong>?<br />
Que fatores contribuíram <strong>para</strong> você se tornar um educador <strong>social</strong>?<br />
Vêem diferença no trabalho de Educação Social desenvolvido por vocês pelo fato de<br />
terem sido educandos?<br />
Como percebem suas absorções no quadro de profissionais <strong>da</strong> Funci?<br />
Como é trabalhar nessa instituição?<br />
Como percebem o debate sobre a regulamentação <strong>da</strong> profissão?<br />
Você considera que a Educação Social pode conduzir o ser a mu<strong>da</strong>nças significativas?
122<br />
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ<br />
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS<br />
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE<br />
ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA<br />
ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA<br />
PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS<br />
EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO<br />
EXISTENTE?<br />
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES<br />
O que é Educação Social, qual o sentido <strong>da</strong> Educação Social <strong>para</strong> vocês?<br />
Porque a utilização <strong>da</strong> Educação Social nos projetos desenvolvidos pela Funci?<br />
Qual o perfil e as atribuições dos <strong>educadores</strong> sociais e/ou arte-<strong>educadores</strong> inseridos na<br />
Funci? Levando em consideração o programa que você coordena.<br />
Porque a inserção de <strong>jovens</strong> que já foram atendidos em projetos sociais no quadro de<br />
profissionais <strong>da</strong> instituição? Essa reali<strong>da</strong>de se constitui uma política? Quais as<br />
vantagens e desvantagens de se trabalhar com profissionais com esse perfil?<br />
O que diferencia o trabalho do educador <strong>social</strong> do trabalho de um técnico?<br />
Você é a favor <strong>da</strong> regulamentação <strong>da</strong> profissão de educador <strong>social</strong>. Por quê? Com a<br />
criação de um curso superior?<br />
Você considera que a Educação Social pode conduzir o ser a mu<strong>da</strong>nças significativas?
ORGANOGRAMA DA COORDENADORIA-FUNCI<br />
123
124<br />
ORIENTAÇÕES PARA COMPREENSÃO DO ORGANOGRAMA<br />
Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente/FUNCI – responsável pela execução e<br />
proposição de políticas públicas na área de crianças e adolescentes, no município de Fortaleza.<br />
Com base nas doutrinas <strong>da</strong> Proteção Integral e <strong>da</strong> Participação Real, conti<strong>da</strong>s no Estatuto <strong>da</strong><br />
Criança e do Adolescente (ECA), desde o ano de 2005, a Coordenadoria/FUNCI passou a<br />
redefinir os seus programas e projetos na perspectiva de promoção e garantia de direitos, em<br />
detrimento de práticas pontuais e assistencialistas, trabalhando em busca do fortalecimento <strong>da</strong>s<br />
redes de proteção <strong>social</strong> e harmonia do Sistema de Garantia de Direitos.<br />
Coordenação de Gestão – Esfera de assessoramento ao coordenador especial, a partir do<br />
desenvolvimento de ações em três eixos de atuação:<br />
Político/Administrativo – acompanhamento metodológico do Plano de Ação, proposta<br />
pe<strong>da</strong>gógica e execução orçamentária dos Programas e agen<strong>da</strong> de mobilização.<br />
Pessoal – acompanhamento de seleção de novos/as profissionais, formações iniciais e<br />
continua<strong>da</strong>s, mobilização de profissionais.<br />
Estrutural – avaliação de propostas <strong>para</strong> adequação <strong>da</strong>s estruturas, memória<br />
institucional e sistematização <strong>da</strong>s experiências.<br />
Rede de Direitos – tem como foco a articulação <strong>da</strong> rede de proteção <strong>social</strong> destina<strong>da</strong> à garantia<br />
de direitos de crianças e adolescentes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza e o fortalecimento do Sistema de<br />
Garantia de Direitos.<br />
Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA) – serviço público que tem como<br />
objetivo garantir à socie<strong>da</strong>de um tele-atendimento municipal de deman<strong>da</strong>s e espaço de<br />
denúncias relativas aos direitos humanos de crianças e adolescentes.<br />
Supervisão dos Conselhos Tutelares – objetiva o fortalecimento dos conselhos tutelares<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza, desenvolvendo ações de acompanhamento e controle <strong>da</strong>s<br />
deman<strong>da</strong>s administrativas, execução orçamentária, projetos de captação de recursos,<br />
articulações com a rede de retaguar<strong>da</strong>, discussões políticas e assessoria em geral.
125<br />
Programa Se Garanta – gerencia os projetos que atuam com as Medi<strong>da</strong>s Socioeducativas em<br />
Meio Aberto do município de Fortaleza.<br />
Prestação de Serviços à Comuni<strong>da</strong>de (PSC) – atendimento e acompanhamento aos<br />
adolescentes em cumprimento de PSC, através de uma equipe especializa<strong>da</strong>, volta<strong>da</strong><br />
<strong>para</strong> a identificação <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des dos adolescentes,<br />
articulação/monitoramento/avaliação dos locais <strong>para</strong> o cumprimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>,<br />
acompanhamento dos profissionais de referência, dentre outros.<br />
Liber<strong>da</strong>de Assisti<strong>da</strong> Municipaliza<strong>da</strong> (LAM) – atendimento e acompanhamento aos<br />
adolescentes em cumprimento de LA, através de cinco núcleos especializados, com<br />
equipe técnica volta<strong>da</strong> <strong>para</strong> o atendimento formal <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> e encaminhamentos <strong>para</strong> a<br />
rede de retaguar<strong>da</strong>, a fim de possibilitar o acesso à escolarização, profissionalização,<br />
saúde, lazer e demais direitos dos adolescentes.<br />
Programa Ponte de Encontro – voltado às ações diretas com crianças e adolescentes em<br />
situação de rua e abrigamento. O Programa Ponte de Encontro tem seu funcionamento dividido<br />
em três eixos: Educação Social de Rua, Casa de Passagem, Acolhimento institucional, conforme<br />
se apresenta:<br />
Abor<strong>da</strong>gem de Rua/Casa de Passagem – responsável pela abor<strong>da</strong>gem às crianças e<br />
adolescentes na rua <strong>para</strong> posterior encaminhamento, com casa de passagem em regime<br />
de plantão 24 horas (equipamento de acolhi<strong>da</strong> temporária), contando com uma equipe<br />
de <strong>educadores</strong> sociais <strong>para</strong> <strong>da</strong>r fluxo às deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> casa de passagem e outra que<br />
desenvolve ações de arte-educação em 24 áreas de atuação (terminais de ônibus, praças,<br />
cruzamentos de aveni<strong>da</strong>s, centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, orla marítima e algumas comuni<strong>da</strong>des<br />
como: Bom Jardim, Barra do Ceará, dentre outras), como forma atrativa <strong>para</strong> a<br />
conquista e o fortalecimento de vínculos entre educador e<br />
crianças/adolescentes/comuni<strong>da</strong>de, com a intenção de conhecer o cotidiano vivenciado<br />
por esses sujeitos a fim de conjuntamente construir alternativas <strong>para</strong> a ressignificação de<br />
suas vi<strong>da</strong>s.<br />
Acolhimento institucional (Casa dos Meninos/Casa <strong>da</strong>s Meninas/Abrigos Conveniados)<br />
– espaço de acolhimento de caráter provisório destinado a adolescentes de ambos os<br />
sexos, visando promover e garantir o direito à convivência familiar e comunitária e<br />
articular a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> com foco na inserção socioprodutiva e nas relações
126<br />
solidárias. O eixo abrigos conveniados corresponde a subvenções sociais destina<strong>da</strong>s às<br />
enti<strong>da</strong>des de abrigos volta<strong>da</strong>s <strong>para</strong> crianças e adolescentes em situação de rua, de forma<br />
a garantir o fortalecimento <strong>da</strong> rede de retaguar<strong>da</strong>/atendimento a esses sujeitos.<br />
Atualmente existem cinco enti<strong>da</strong>des parceiras.<br />
Programa Rede Aquarela – abrange a articulação <strong>da</strong>s ações de enfrentamento à violência<br />
sexual em Fortaleza.<br />
Disseminação PAIR – É uma equipe de disseminação <strong>da</strong> metodologia do Pair no<br />
Município, com foco nos territórios referenciados pela Pesquisa, “Sete sentimentos<br />
capitais <strong>da</strong> exploração sexual comercial de crianças e adolescentes”, com maior<br />
recorrência de casos de exploração. A equipe já implementou ações nos Bairros <strong>da</strong><br />
Serrinha e Jangurussu e está em fase de disseminação na Barra do Ceará.<br />
Espaço Aquarela – abrigo especializado <strong>para</strong> adolescentes vítimas de tráfico <strong>para</strong> fins<br />
sexuais e exploração sexual e atendimento psicos<strong>social</strong> a vitimas de violência sexual e<br />
suas famílias.<br />
Rede Aquarela DCECA – Equipe que faz o acolhimento, acompanhamento e<br />
encaminhamento no atendimento <strong>da</strong>s crianças, adolescentes e famílias junto a DCECA<br />
(Delegacia Especializa<strong>da</strong>).<br />
Depoimento Especial – Sala junto à 12ª Vara Criminal <strong>para</strong> a escuta qualifica<strong>da</strong> de<br />
crianças e adolescentes utilizando a metodologia do Depoimento sem <strong>da</strong>nos.<br />
Supervisão Especial de Políticas de Enfrentamento ao Trabalho Infantil – Política com<br />
atuação na prevenção, sensibilização e mobilização <strong>para</strong> o enfrentamento ao trabalho<br />
infantil e proteção ao trabalhador adolescente.<br />
Programa Famílias Defensoras – direcionado às ações que visam fortalecer a rede de<br />
atendimento às famílias de origens <strong>da</strong>s crianças e adolescentes que tiveram seus direitos<br />
violados e são atendi<strong>da</strong>s pela FUNCI, além do gerenciamento <strong>da</strong>s bolsas disponibiliza<strong>da</strong>s às<br />
famílias.<br />
Família Ci<strong>da</strong>dã – desenvolve ações de acompanhamento direto no sentido de contribuir<br />
<strong>para</strong> a ressignificação dos vínculos afetivos, familiares e comunitários, compondo
127<br />
outras formas de valorar as relações entre os membros <strong>da</strong> família, auxiliando na<br />
construção de formas de li<strong>da</strong>r com as dificul<strong>da</strong>des que surgem, facilitando o acesso à<br />
rede socioassistencial, fortalecendo a confiança nos próprios potenciais e favorecendo o<br />
exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
NAPSI – tem como proposta oferecer atendimentos psicológicos clínicos, individuais e<br />
grupais, bem como realizar ações de acompanhamento psicos<strong>social</strong> com crianças e<br />
adolescentes atendidos pelos projetos <strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente,<br />
tendo em vista a valorização do sujeito, o fortalecimento dos vínculos familiares e<br />
comunitários e a ampliação de práticas de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a partir de uma compreensão do<br />
ser humano considerado em suas múltiplas dimensões.<br />
Programa Adolescente Ci<strong>da</strong>dão – desenvolve projetos de profissionalização <strong>para</strong> adolescentes<br />
e <strong>jovens</strong> de 16 a 21 anos de i<strong>da</strong>de, em situação de vulnerabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, estabelecendo como<br />
priori<strong>da</strong>de aqueles/as que estejam em situação de rua, exploração sexual ou cumprindo medi<strong>da</strong>s<br />
socioeducativas em meio aberto.<br />
Projeto Adolescente Ci<strong>da</strong>dão – é um projeto de transferência de ren<strong>da</strong> que tem como<br />
objetivo geral uma formação básica e vivência prática visando o desenvolvimento<br />
humano, <strong>social</strong>, ci<strong>da</strong>dão, político e profissional, além de fomentar espaços sociais nos<br />
quais estes/as adolescentes e <strong>jovens</strong> possam ter uma aprendizagem profissional e<br />
humanizadora. O programa atende prioritariamente adolescentes e <strong>jovens</strong> egressos dos<br />
programas e projetos <strong>da</strong> Coordenadoria.<br />
Projeto Cozinha Criativa – promove ações de formação e informação em Gastronomia,<br />
por meio de curso profissionalizante, junto aos adolescentes e <strong>jovens</strong> acompanhados<br />
pelos projetos <strong>da</strong> Coordenadoria <strong>da</strong> Criança e do Adolescente.<br />
Projeto Estilo Solidário – atende <strong>jovens</strong> entre 16 e 19 anos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Fortaleza,<br />
através de um aprendizado inovador e criativo em Estilismo e Mo<strong>da</strong>, pautado em<br />
vivências de mo<strong>da</strong>, arte e cultura que possam lhes <strong>da</strong>r subsídios <strong>para</strong> a construção de<br />
um projeto de vi<strong>da</strong> autônomo e, assim, possibilitar o exercício pleno <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Programa Crescer com Arte e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia – se propõe a atender crianças e adolescentes (de 07<br />
a 17 anos) com a finali<strong>da</strong>de de desenvolver ações que estimulem o exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o<br />
reconhecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos direitos
128<br />
humanos através de oficinas de arte-educação. Partindo dessa premissa, a participação real dos<br />
adolescentes nesse processo é fun<strong>da</strong>mental <strong>para</strong> a implementação de ações conjuntas <strong>para</strong> a<br />
auto-gestão, os trabalhos com a família e a inserção dos <strong>jovens</strong> em suas comuni<strong>da</strong>des.<br />
Projeto Crescer com Arte – trabalha com crianças e adolescentes por meio <strong>da</strong> arteeducação<br />
através de quatro linguagens artísticas: música, <strong>da</strong>nça, artes visuais e teatro.<br />
UNIDADES – Aquitãbaquara, Caça e Pesca, Centro, Bela Vista, Jangurussu, Parque<br />
Rio Branco, Palmeiras, Pio XII, Santa Filomena e Vila União.