Arte e tecnologia no Brasil Gilbertto Prado Resumo: Vivemos em ...
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<strong>Arte</strong> e <strong>tec<strong>no</strong>logia</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong><br />
<strong>Gilbertto</strong> <strong>Prado</strong><br />
<strong>Resumo</strong>:<br />
As experimentações com arte e <strong>tec<strong>no</strong>logia</strong> vêm-se multiplicando nestes três últimos decênios com a utilização, pelos artistas,<br />
de diversas formas de realização, produção e distribuição, possibilidade acentuada com a introdução da web. Apresentar<strong>em</strong>os<br />
um breve pa<strong>no</strong>rama, desde os artistas pioneiros e da inserção do computador <strong>no</strong> universo da arte até a diversidade da<br />
produção cont<strong>em</strong>porânea, com foco maior <strong>no</strong> trabalho <strong>em</strong> redes e na produção brasileira.<br />
<strong>Viv<strong>em</strong>os</strong> <strong>em</strong> uma sociedade que já incorporou, pelo uso do telefone e outros mecanismos de comunicação, essa<br />
relação de contato a distância independent<strong>em</strong>ente da localização e da mobilidade geográfica de seus usuários,<br />
<strong>em</strong> particular pela internet com sua popularização <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 90 e, mais recent<strong>em</strong>ente, com os dispositivos vestíveis<br />
e wireless. As <strong>no</strong>vas possibilidades de relação usuário/dispositivo, mediada por computadores <strong>no</strong> ambiente de<br />
rede, proporcionam um espaço interativo que permite participar de eventos, experiências de presença e ação<br />
explorando a sensação de ubiqüidade, deslocamento e simultaneidade. Com base nesses sist<strong>em</strong>as de percepção,<br />
redescobrimos e reconstruímos <strong>no</strong>ssas relações com o mundo, <strong>no</strong>s habituamos a conviver de forma crescente com<br />
e<strong>no</strong>rme quantidade de dados e de interfaces que se distribu<strong>em</strong> <strong>em</strong> infinitos percursos e interconexões. Ao mesmo<br />
t<strong>em</strong>po, a individuação e a mobilidade <strong>no</strong> uso dos meios apontam para diferenças culturais na interpretação do<br />
que perceb<strong>em</strong>os e processamos. Acelera-se a transformação da maneira como passamos a <strong>no</strong>s relacionar e <strong>no</strong>s<br />
organizar social, política e eco<strong>no</strong>micamente.<br />
O funcionamento atual das redes <strong>no</strong>s faz vislumbrar um <strong>no</strong>vo paradigma com a possibilidade tec<strong>no</strong>lógica de<br />
difusão de “Muitos” para “Muitos”, <strong>em</strong> que um indivíduo com acesso a recursos mínimos pode funcionar<br />
como um produtor significativo de informação, de forma isolada ou criando redes, comunidades, grupos, que<br />
potencialmente pod<strong>em</strong> “concorrer” ou “relativizar” o fluxo de informação unidirecionado e prevalente das<br />
mídias tradicionais. Hoje existe uma tendência de o fluxo de informação não se dar mais de um centro para<br />
uma periferia silenciosa, há, portanto, uma reversão não alcançada por outros meios. Como conseqüência<br />
dessas transformações encontra-se a re<strong>no</strong>vação da percepção dos usuários das <strong>no</strong>vas <strong>tec<strong>no</strong>logia</strong>s de informação<br />
<strong>em</strong> relação à <strong>no</strong>ção de t<strong>em</strong>poralidade, de espacialidade e de materialidade, gerando a possibilidade de <strong>no</strong>vas<br />
construções e utopias.<br />
Os artistas, ao explorar as mídias, os instrumentos e as interfaces tec<strong>no</strong>lógicas de maneiras não tradicionais,<br />
promov<strong>em</strong> uma estética de surpresas e de colaboração. É importante salientar o uso desviado das estruturas já<br />
estabelecidas, com desafios aos limites e convenções vigentes, evitando <strong>em</strong> alguns casos, como a arte <strong>em</strong> rede,<br />
por ex<strong>em</strong>plo, o sist<strong>em</strong>a oficial com sua prática curatorial, mercantilização e valor de julgamento.<br />
No início da década de 1970 já existia por parte de alguns artistas a vontade e a intenção de utilizar meios e<br />
procedimentos instantâneos de comunicação e suportes “imateriais”. Era preciso fazer depressa e diretamente,<br />
passar do assíncro<strong>no</strong> ao sincrônico. O desejo de instantaneidade e de transmissão <strong>em</strong> direto revelava que as<br />
questões de ubiqüidade e de t<strong>em</strong>po real já estavam presentes. Uma outra particularidade dos a<strong>no</strong>s 70, segundo<br />
Carl Eugene Loeffler, era a característica “instrumental”. Nesse período, começavam a se estabelecer e desenvolver<br />
as bases de uma relação entre arte e telecomunicações, com artistas que criavam projetos de ord<strong>em</strong> global.<br />
Experiências dessa natureza proliferaram, utilizando satélites, SSTV, redes de computadores pessoais, telefone,
fax e outras formas de produção e distribuição por meio das telecomunicações e da eletrônica.<br />
Os t<strong>em</strong>pos são outros. Antes os artistas acreditavam que era suficiente colocar os trabalhos ao alcance de todos<br />
(como tentaram e/ou acreditaram vários artistas dos a<strong>no</strong>s 60 e 70). Mais “realistas”, os que hoje experimentam<br />
os <strong>no</strong>vos meios de difusão procuram me<strong>no</strong>s esse grande público, quase mítico e sonhado, e optam por um<br />
público que tenha mais afinidade com suas idéias e propostas. É o espectador qu<strong>em</strong> “estabelece o contato da<br />
obra com o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualificações profundas e, dessa maneira, adiciona<br />
sua própria contribuição ao processo criativo”, como dizia Marcel Duchamp.<br />
Nos a<strong>no</strong>s 90 com a popularização da internet, o uso das mídias ganha fôlego, o que propicia o aparecimento<br />
de ambientes multiusuário e mídia tática com grupos e coletivos de ação artística – formas distintas, porém não<br />
excludentes <strong>em</strong> rede. Uma, trabalhando a questão da imersão e eventual realidade virtual partilhada; a outra,<br />
de cunho mais social, mas ambas, interativas, tipicamente autorais e independentes. E vêm colocar a questão da<br />
relação ambiente real ou virtual, da possibilidade de se transitar entre o ciberespaço e o mundo físico, capacitando<br />
talvez o usuário de várias “dobras”, pla<strong>no</strong>s de existência. A possibilidade de agenciar constant<strong>em</strong>ente esses<br />
distintos “pla<strong>no</strong>s” potencializa a geração de singularidades e faz pensar: poderia ser uma proposta diferente de<br />
“organização do hom<strong>em</strong>”, uma possibilidade de modulação da “auto-referência”? Porém, dev<strong>em</strong>os l<strong>em</strong>brar que<br />
o artista ainda está <strong>no</strong> mundo real, arraigado nisso, aliás, como a própria <strong>tec<strong>no</strong>logia</strong> que ele usa.<br />
Em outras palavras, as <strong>no</strong>vas formas de engajamento social direto baseadas nas redes, as mídias táticas, a<br />
utilização de sist<strong>em</strong>as de distribuição multiusuário para a criação de obras colaborativas, partilhadas, a busca de<br />
<strong>no</strong>vas políticas do corpo, a expressão de identidades culturais diferenciadas etc. vêm sendo objeto da indagação e<br />
da crítica de artistas que usam os meios como práticas desviantes e experimentais. Nós viv<strong>em</strong>os hoje num mundo<br />
onde tudo está intimamente imbricado, interdependente. A estrutura de rede, as interfaces e os dispositivos de<br />
comunicação <strong>no</strong>s possibilitam <strong>no</strong>vos esqu<strong>em</strong>as de ação e de participação artística. O trabalho artístico e o artista<br />
estão <strong>em</strong> profunda transformação. Trata-se de reorganizar a maneira de ver o mundo, de reconhecer-se nele, de<br />
reinserir-se como interator. É uma tomada de consciência por meio de gestos de existência e de resistência.<br />
<strong>Gilbertto</strong> <strong>Prado</strong><br />
curador da exposição, artista e professor de artes plásticas na ECA/USP<br />
Texto produzido para o ciclo de palestras Contatos com <strong>Arte</strong> e Tec<strong>no</strong>logia, realizado <strong>em</strong> agosto e set<strong>em</strong>bro de 2004. Programação paralela<br />
à exposição Emoção Art.ficial 2.0.