Edição em PDF - Fapemig
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EXPEDIENTE<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA<br />
Assessora de Comunicação Social e Editora Geral:<br />
Ariadne Lima (MG09211/JP)<br />
Editor Executivo: Fabrício Marques<br />
Assessora Editorial: Vanessa Fagundes<br />
Redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa<br />
Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr.,<br />
Ana Flávia de Oliveira, Marcus Vinicius dos Santos,<br />
Hely Costa Jr., Kátia Brito (Bolsista de Iniciação Científica).<br />
Diagramação: Beto Paixão<br />
Revisão: Glísia Rejane<br />
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.<br />
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing<br />
Montag<strong>em</strong> e impressão: Lastro Editora<br />
Tirag<strong>em</strong>: 20.000 ex<strong>em</strong>plares<br />
Capa: Hely Costa Jr.<br />
Uma grande<br />
oportunidade<br />
AO LEITOR<br />
Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São<br />
Pedro - CEP 30330-080<br />
Belo Horizonte - MG - Brasil<br />
Telefone: +55 (31) 3280-2105<br />
Fax: +55 (31) 3227-3864<br />
E-mail: revista@fap<strong>em</strong>ig.br<br />
Site: http://revista.fap<strong>em</strong>ig.br<br />
Blog: http://fap<strong>em</strong>ig.wordpress.com/<br />
Facebook: http://www.facebook.com/FAPEMIG<br />
Twitter: @fap<strong>em</strong>ig<br />
GOVERNO DO ESTADO<br />
DE MINAS GERAIS<br />
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia<br />
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA<br />
E ENSINO SUPERIOR<br />
Secretário: Narcio Rodrigues<br />
Fundação de Amparo à Pesquisa<br />
do Estado de Minas Gerais<br />
Presidente: Mario Neto Borges<br />
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José<br />
Policarpo G. de Abreu<br />
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo<br />
Kleber Duarte Pereira<br />
Conselho Curador<br />
Presidente: João Francisco de Abreu<br />
M<strong>em</strong>bros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon<br />
Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini,<br />
José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto<br />
Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo<br />
Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva,<br />
Rodrigo Corrêa de Oliveira<br />
Um projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional, o Código Nacional<br />
de Ciência, Tecnologia e Inovação, pode trazer, se aprovado, mudanças positivas<br />
para o País. Como observa o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, <strong>em</strong> artigo<br />
nesta edição, “importantes avanços foram feitos na política da área e também<br />
nos investimentos – mas ainda existe um obstáculo fundamental a ser superado.<br />
A legislação vigente é fragmentada, ultrapassada e inadequada ao contexto do<br />
Século do Conhecimento”.<br />
Em outro artigo, o secretário de C&T do Amazonas e presidente do Conselho<br />
Nacional de Secretarias Estaduais para Assuntos de C,T&I (Consecti),<br />
Odenildo Sena, observa que a proposta para o novo “Código da Ciência” “significa<br />
uma revolução nos marcos regulatórios que reg<strong>em</strong> a vida de instituições<br />
e pessoas que faz<strong>em</strong> Ciência no país. Agora está nas mãos do Congresso e do<br />
Executivo”. Trata-se de uma grande oportunidade para o País avançar nas áreas<br />
científica, tecnológica e de inovação.<br />
Cientistas, pesquisadores e professores universitários afirmam, <strong>em</strong> consenso,<br />
que a chamada Lei de Licitações, as subvenções, os financiamentos e as<br />
compras no exterior são as maiores dificuldades impostas pela legislação vigente.<br />
Se aprovada a nova Lei, por ex<strong>em</strong>plo, as aquisições e contratações observarão o<br />
primado da qualidade sobre o preço. Esta nova etapa da política científica nacional é<br />
o t<strong>em</strong>a da reportag<strong>em</strong> de capa, que procura apresentar ao leitor a importância desse<br />
novo arcabouço legal.<br />
Outro destaque deste número promove um recuo no t<strong>em</strong>po, mais precisamente<br />
para 1981, quando o mundo enfrentava uma doença misteriosa, que<br />
intrigava a comunidade científica. Naquele ano, estudiosos descobriram que se<br />
tratava de um vírus causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, <strong>em</strong><br />
português, Sida, ou Aids, nome <strong>em</strong> inglês, como ficou internacionalmente conhecido.<br />
Ao longo de três décadas, o HIV mostrou que não escolhe idade, raça,<br />
crença ou classe social. Ele está aí e a prevenção é o meio mais importante para<br />
combatê-lo. Em um esforço de reportag<strong>em</strong>, Ana Flávia de Oliveira apresenta algumas<br />
das principais pesquisas e ações relacionadas ao combate à Aids.<br />
Também na área de Saúde, Marcus Vinicius dos Santos conversou com<br />
um dos mais reconhecidos geneticistas do Brasil, o mineiro Sérgio Danilo<br />
Pena, que t<strong>em</strong> a firme convicção de que os avanços na tecnologia pod<strong>em</strong><br />
promover uma mudança substancial na Medicina ainda mais rapidamente, na<br />
medida <strong>em</strong> que a sociedade e a comunidade médica absorv<strong>em</strong> os avanços da<br />
ciência genômica e os incorporam às informações preditivas e preventivas na<br />
rotina de manutenção da saúde.<br />
Mas há muito mais nesta edição da MINAS FAZ CIÊNCIA que, fiel à sua<br />
linha editorial, cont<strong>em</strong>pla diversas áreas do conhecimento, cobrindo assuntos<br />
que vão da Biologia à Engenharia, da Agricultura à História.
6<br />
Especial<br />
Aids: 30 anos de luta, esperança<br />
e descobertas científicas que<br />
transformaram a sociedade e a vida<br />
dos portadores da doença<br />
ÍNDICE<br />
12<br />
Casas resistentes<br />
Pesquisa desenvolve projeto<br />
de construção alternativa<br />
economicamente viável e<br />
resistente, principalmente a<br />
ventos fortes<br />
36<br />
Pulverizador<br />
agrícola<br />
Insumo utiliza princípios da<br />
Física Eletrostática para aumentar<br />
eficiência do equipamento<br />
16<br />
Postes<br />
fotovoltaicos<br />
Pesquisadores estudam<br />
aplicações e aperfeiçoamento de<br />
materiais da cadeia de produção<br />
de energia solar<br />
38<br />
Entrevista<br />
O médico e cientista Sérgio Pena<br />
avalia como os avanços no estudo<br />
do genoma pod<strong>em</strong> auxiliar na<br />
prevenção e manutenção da saúde<br />
26<br />
Artigos<br />
Odenildo Sena, secretário de<br />
C&T do Amazonas e presidente<br />
do Consecti, e o presidente da<br />
FAPEMIG e Confap, Mario Neto<br />
Borges, opinam sobre o Novo<br />
Código da Ciência<br />
42<br />
Jovens de futuro<br />
Estudantes vencedores do III<br />
S<strong>em</strong>inário de Iniciação Científica<br />
da FAPEMIG se destacam pelo<br />
ineditismo dos trabalhos e também<br />
pela garra, foco e superação<br />
28<br />
Som e imag<strong>em</strong><br />
Projetos da Escola de Belas da<br />
UFMG dedicam-se à pesquisa das<br />
artes digitais e computacionais,<br />
permitindo inovadoras interações<br />
poéticas entre sons e imagens<br />
45<br />
Dicionário operário<br />
Livro reúne diversos<br />
momentos históricos do<br />
trabalho <strong>em</strong> Minas Gerais<br />
35<br />
L<strong>em</strong>bra dessa?<br />
Propriedades fitoterápicas do<br />
repolho são utilizadas na produção<br />
de pomadas e bálsamo que têm a<br />
capacidade de cicatrizar feridas<br />
48 Leituras<br />
Ciência de cabeceira: “Uma história<br />
da Ciência: experiência, poder e<br />
paixão; e “Design e Método”<br />
49<br />
5 perguntas para...<br />
Rodrigo Mendes, pesquisador da<br />
Embrapa, que encontrou um novo<br />
mecanismo de defesa para as<br />
plantas, livre de agrotóxicos
20<br />
Lei mais moderna<br />
Proposta de “Novo Código”<br />
promete avanços para a<br />
Ciência no Brasil, estimulando<br />
pesquisadores e cientistas<br />
Esta é uma revista voltada para um público<br />
inteligente que se interessa principalmente<br />
por t<strong>em</strong>as discutidos na atualidade.<br />
T<strong>em</strong> uma diagramação b<strong>em</strong> limpa<br />
que chama a atenção do leitor para os<br />
textos que, <strong>em</strong> sua maioria, são longos,<br />
porém interessantes.<br />
Karina Marques<br />
Estudante / Curso de Comunicação Social<br />
Instituto Metodista Izabela Hendrix<br />
Belo Horizonte/MG<br />
CARTAS<br />
31<br />
Taxonomia<br />
Espécie de moluscos<br />
terrestres na região da<br />
Zona da Mata mineira é<br />
mapeada e classificada por<br />
pesquisadores da UFJF<br />
Lendo “novos t<strong>em</strong>pos para os resíduos”,<br />
aprendi que, para haver redução no consumo,<br />
e assim a consequente redução<br />
de lixo, primeiramente precisamos ter a<br />
consciência de que somos responsáveis<br />
por nossas escolhas, por nossos resíduos,<br />
pois ele v<strong>em</strong> do que consumimos e<br />
que nossa existência t<strong>em</strong> um impacto no<br />
ambiente <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os.<br />
Marilia Soldatelli Britto<br />
Estudante / Curso de Comunicação Social<br />
Instituto Metodista Izabela Hendrix<br />
Belo Horizonte/MG<br />
Estou me formando agora <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro de<br />
2011, e desde o inicio do meu curso <strong>em</strong><br />
2008 recebo as edições da MINAS FAZ CI-<br />
ÊNCIA. Quero parabenizar a revista por tantas<br />
reportagens importantes, artigos ricos,<br />
que me ajudaram tanto na minha formação e<br />
no crescimento do meu conhecimento.<br />
Francismeire dos Santos de Souza<br />
Estudante de Licenciatura<br />
<strong>em</strong> Ciências Biológicas<br />
Fundação Helena Antipoff<br />
Ibirité/MG<br />
Um diferencial da revista é a gratuidade. Isto<br />
prova que conteúdo de qualidade não precisa<br />
ser o fator que eleva o custo do produto.<br />
A ideia de que publicações gratuitas não<br />
prezam pela boa informação não se encaixa<br />
com a linha editorial da publicação.<br />
Luis Felipe Amaral<br />
Produtor<br />
Rádio Inconfidência<br />
Belo Horizonte/MG<br />
Gostei! Sinceramente gostei da revista MINAS<br />
FAZ CIÊNCIA. Só de olhar a capa eu fiquei feliz.<br />
Depois de 15 anos vivendo de produção de<br />
revistas, vi nessa publicação um aglomerado<br />
raro de pontos que muito me agradam.<br />
Mas não adianta ser bonitinha, t<strong>em</strong> que ter<br />
conteúdo. Aí a MINAS FAZ CIÊNCIA fala alto.<br />
Com textos escritos de modo claro e acessível,<br />
a revista explora todos os conteúdos que todo<br />
mundo adora: tecnologia, inovação, sustentabilidade,<br />
crescimento e conhecimento.<br />
A revista Faz Ciência e fez a minha cabeça.<br />
Não deu para dividir a leitura, parei tudo e<br />
li toda de uma só vez. E claro, entrei no site<br />
e me cadastrei assinante. Agora vou esperar<br />
a próxima edição <strong>em</strong> casa.<br />
José Ary Stambassi Jr.<br />
Assessor de Comunicação<br />
Belo Horizonte/MG<br />
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/<br />
<strong>em</strong>presa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fap<strong>em</strong>ig.br ou para o seguinte<br />
endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro -<br />
Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA t<strong>em</strong> por finalidade divulgar a produção científica e<br />
tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é<br />
permitida, desde que citada a fonte.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 5
ESPECIAL<br />
Aids, 30 anos:<br />
um desafio<br />
permanente<br />
Ana Flávia de Oliveira<br />
Ao longo de três<br />
décadas, o HIV<br />
mostrou seu poder<br />
de destruição. Saiba<br />
o que t<strong>em</strong> sido feito<br />
para entender e<br />
prevenir essa ameaça<br />
No final dos anos 1970 e início dos<br />
anos 1980, o mundo soube do surgimento<br />
de uma nova doença misteriosa, que<br />
intrigava a comunidade científica. Os primeiros<br />
casos foram registrados nos Estados<br />
Unidos, Haiti e África Central. Várias<br />
pesquisas foram realizadas para entender<br />
o que estava acontecendo e os primeiros<br />
estudos apontaram que homossexuais,<br />
h<strong>em</strong>ofílicos, usuários de heroína e profissionais<br />
do sexo, hookers, <strong>em</strong> inglês,<br />
eram os grupos mais vulneráveis à doença,<br />
t<strong>em</strong>porariamente denominada 5H. Os<br />
pesquisadores concluíram, ainda, que a<br />
contaminação acontecia pelo contato sexual,<br />
compartilhamento de agulhas entre<br />
usuários de drogas e exposição a sangue<br />
e seus derivados. Ninguém sabia direito o<br />
6 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
que provocava tais reações e mortes, mas,<br />
<strong>em</strong> 1981, estudiosos descobriram que se<br />
tratava de um vírus causador da Síndrome<br />
da Imunodeficiência Adquirida, <strong>em</strong> português,<br />
Sida, ou Aids, nome <strong>em</strong> inglês,<br />
como ficou internacionalmente conhecido.<br />
No Brasil, o primeiro caso foi registrado<br />
no Estado de São Paulo <strong>em</strong> 1980 e<br />
classificado como Aids, dois anos depois.<br />
A partir daí, o País, ainda assustado com o<br />
surgimento de um grave probl<strong>em</strong>a de saúde,<br />
viu os primeiros casos <strong>em</strong> uma mulher<br />
e criança, <strong>em</strong> 1983. Dois anos mais tarde,<br />
foi registrado o primeiro caso de transmissão<br />
vertical, ou seja, passado de mãe para<br />
filho. Diante da nova realidade, foi criado<br />
nesse mesmo ano, o Grupo de Apoio à<br />
Prevenção da Aids (Gapa), a primeira ONG<br />
do Brasil e da América Latina de luta contra<br />
a doença. No ano seguinte, foi criado o<br />
Programa Nacional de DST (Doenças Sexualmente<br />
Transmissíveis) – Aids.<br />
Em 1987, quando o Brasil registrava<br />
2.775 casos notificados da doença, o<br />
AZT, medicamento utilizado <strong>em</strong> tratamento<br />
de câncer, foi indicado também para o<br />
controle do HIV, uma esperança para os<br />
pacientes. No ano seguinte, com a criação<br />
do Sist<strong>em</strong>a Único de Saúde, o SUS,<br />
os medicamentos que evitam infecções<br />
oportunistas começam a ser distribuídos<br />
gratuitamente no País. No início dos anos<br />
1990, o governo brasileiro passou a distribuir<br />
gratuitamente os medicamentos para o<br />
tratamento do HIV/Aids pelo SUS.<br />
Um dos fatores de destaque no programa<br />
brasileiro de controle e combate<br />
do HIV/Aids é o acesso universal ao tratamento.<br />
Desde 1996, o SUS disponibiliza<br />
medicamentos para todos os pacientes.<br />
Isso só é possível porque o Brasil passou<br />
a produzir localmente, por meio de laboratórios<br />
públicos, antirretrovirais de qualidade,<br />
sendo que hoje, dos 20 medicamentos<br />
distribuídos, dez são produzidos aqui. Um<br />
deles, o Efavirenz, foi através de licença<br />
compulsória ou “quebra de patente”, enquanto<br />
outro, o Tenofovir, após o não reconhecimento<br />
da solicitação de patente.<br />
Em 1999, Marylin, um chimpanzé fêmea,<br />
ajudou a confirmar que o SIV (simian<br />
immunodeficiency virus ou vírus da imunodeficiência<br />
dos símios) foi transmitido<br />
para seres humanos e sofreu mutações,<br />
transformando-se no HIV. Testes genéticos<br />
mostram que o HIV é bastante similar ao<br />
SIV, que infecta os chimpanzés, porém não<br />
os deixa doentes.<br />
No ano de 2001, o Brasil ameaça quebrar<br />
patentes e consegue negociar com a<br />
indústria farmacêutica internacional a redução<br />
no preço dos medicamentos para Aids.<br />
Em 2006, o País reduz <strong>em</strong> mais de 50% o<br />
número de casos de transmissão vertical e<br />
um acordo reduz <strong>em</strong> 50% o preço do antirretroviral<br />
Tenofovir, representando uma<br />
economia imediata de US$ 31,4 milhões<br />
por ano. Dois anos mais tarde, o Brasil, que<br />
é referência mundial no combate e controle<br />
do HIV/Aids, investe US$ 10 milhões na<br />
instalação de uma fábrica de medicamentos<br />
antirretrovirais <strong>em</strong> Moçambique.<br />
Mesmo com as políticas públicas no<br />
que diz respeito à doença, o Brasil registra<br />
atualmente, <strong>em</strong> média, 35.000 novos casos<br />
todos os anos. Desde 1980, quando se tomou<br />
conhecimento do probl<strong>em</strong>a, 229.222<br />
mortes foram registradas <strong>em</strong> decorrência da<br />
doença. Teoricamente, ser soropositivo hoje<br />
<strong>em</strong> dia não significa viver com a ideia de<br />
morte iminente, e apesar de todos os avanços<br />
da medicina nesses últimos 30 anos, falar<br />
e conviver com a Aids, ainda hoje, é uma<br />
questão delicada. O assunto continua sendo<br />
um tabu na nossa sociedade, apesar de sabermos<br />
que o HIV não é transmitido pelo<br />
ar, por um aperto de mão ou por compartilhamento<br />
do mesmo espaço físico. Ainda<br />
assim, vários portadores ainda escond<strong>em</strong><br />
o probl<strong>em</strong>a a fim de evitar o preconceito. É<br />
o caso de Juan (nome fictício), um jov<strong>em</strong><br />
de 23 anos, que descobriu ser portador do<br />
vírus aos 21, quando foi fazer exames pré-<br />
-operatórios para a realização de uma cirurgia.<br />
“Quando recebi a notícia, fiquei <strong>em</strong><br />
estado de choque e desde então entrei <strong>em</strong><br />
depressão porque não tenho o apoio da minha<br />
família, conto apenas com a ajuda de<br />
pouquíssimos amigos”, relata.<br />
Atualmente, o jov<strong>em</strong> faz o tratamento<br />
pela rede pública de saúde <strong>em</strong> Belo Horizonte<br />
e diz que é b<strong>em</strong> tratado pela equipe<br />
que o acompanha, mas não conseguiu se<br />
livrar da depressão e confessa que já tentou<br />
o suicídio uma vez porque, segundo ele, os<br />
efeitos colaterais dos medicamentos “tiraram<br />
a sua alegria de viver”. “Um conselho<br />
que posso dar é dizer que todos se previnam<br />
s<strong>em</strong>pre, pois infelizmente esse é o tipo<br />
de coisa que não dá pra voltar atrás, então<br />
cuid<strong>em</strong>-se antes para não se arrepender<strong>em</strong><br />
amargamente depois”, ensina.<br />
O caso de Juan ilustra uma constatação<br />
feita pela professora Maria Imaculada de<br />
Fátima Freitas, da Escola de Enfermag<strong>em</strong> da<br />
Universidade Federal do Estado de Minas<br />
Gerais (UFMG). De acordo com ela, a condição<br />
social dos pacientes é determinante na<br />
adesão do tratamento. “A nossa experiência e<br />
as pesquisas mostram que pessoas que são<br />
mais desfavorecidas, financeira e socialmente,<br />
sofr<strong>em</strong> muito e têm mais dificuldade de<br />
adesão. Há muito mais tristeza, descrença e<br />
desmotivação, isto é inegável, além da discriminação<br />
da sociedade”, lamenta.<br />
Uma pesquisa que deu jogo<br />
Entre 1988 e 1991, a pesquisadora<br />
mineira Virgínia Schall desenvolveu um trabalho<br />
no Laboratório de Educação <strong>em</strong> Ambiente<br />
e Saúde do Instituto Osvaldo Cruz, no<br />
Rio de Janeiro, de educação com crianças<br />
e adolescentes de escolas do município. O<br />
objetivo era saber quais doenças os alunos<br />
conheciam. Foi quando Virgínia, <strong>em</strong><br />
parceria com duas outras pesquisadoras e<br />
psicólogas, Simone Monteiro e Sandra Rebello,<br />
introduziu questões referentes à Aids.<br />
Os estudantes, com idade entre 9 e 18 anos,<br />
desconheciam o termo, muito menos os<br />
sintomas e forma de contágio com o vírus.<br />
Após experimentos com textos didáticos, a<br />
equipe criou um jogo, o Zig Zaids. “Quando<br />
desenvolv<strong>em</strong>os o protótipo do jogo, nós já<br />
sabíamos quais eram as dúvidas dos jovens.<br />
Nós mesmas desenhamos os tabuleiros,<br />
plastificamos, compramos os dados e pinos<br />
<strong>em</strong> papelarias. As cartas de baralhos fiz<strong>em</strong>os<br />
no computador, imprimimos e levamos<br />
para as escolas, onde jogávamos com as<br />
crianças. À medida que testávamos o jogo,<br />
fazíamos mudanças, até que chegamos nesse<br />
protótipo”, conta. O Zig Zaids chegou a<br />
ser comercializado, e a pesquisadora l<strong>em</strong>bra<br />
que grandes lojas de departamento com<br />
seção de brinquedos colocaram-no à venda,<br />
mas houve uma polêmica: a sociedade reagiu<br />
negativamente. Por isso as lojas tiveram<br />
que retirá-lo das suas prateleiras.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 7
“Os jovens conhec<strong>em</strong> pouco<br />
sobre a camisinha f<strong>em</strong>inina.<br />
N<strong>em</strong> meninos n<strong>em</strong> meninas<br />
sab<strong>em</strong> que ela pode ser<br />
colocada até oito horas antes<br />
da relação sexual, o que<br />
daria a elas maior chance de<br />
negociação com os parceiros”<br />
Virgínia Schall<br />
Pesquisadora<br />
Apesar da polêmica, Virgínia Schall<br />
conta que o jogo foi solicitado por escolas<br />
e <strong>em</strong>presas. “Quando fiz<strong>em</strong>os, tiv<strong>em</strong>os<br />
recursos de projeto de pesquisa, deu para<br />
fazermos alguns ex<strong>em</strong>plares. Posteriormente,<br />
tiv<strong>em</strong>os o auxílio do Sesc Nacional,<br />
que nos deu 250 ex<strong>em</strong>plares. Essas<br />
unidades foram doadas às instituições que<br />
nos pediam”, recorda. A editora que fez a<br />
primeira edição recebeu encomendas por<br />
parte de grandes <strong>em</strong>presas, como Petrobras,<br />
Volkswagen, Cenibra (que fabrica<br />
celulose) e o Ministério da Saúde, que<br />
comprou 100 mil ex<strong>em</strong>plares. O jogo teve<br />
muitas variações e hoje está disponível no<br />
site do Instituto Osvaldo Cruz. Basta fazer o<br />
donwload no site: http://www.fiocruz.br/<br />
piafi/zigzaids/index.html<br />
O jogo é composto por um tabuleiro<br />
e 23 cartas com perguntas e respostas.<br />
Onde aparece uma camisinha, há um baralho<br />
surpresa, com informações adicionais<br />
sobre o HIV e a Aids. As cartas tratam<br />
desde questões relativas ao sist<strong>em</strong>a imune<br />
até questões sociais. Tudo com uma linguag<strong>em</strong><br />
b<strong>em</strong> simples, porque ele é voltado<br />
para crianças de 9 a 12 anos. “Entend<strong>em</strong>os<br />
que eles precisam ter informações antes de<br />
começar<strong>em</strong> a vida sexual. A pesquisa avaliou<br />
o conhecimento, 30 dias, seis meses<br />
e um ano após o exercício do jogo. Verificamos<br />
que os alunos que jogaram<br />
tiveram mais conhecimento”,<br />
explica.<br />
O papel da educação<br />
Virgínia Schall acredita que os jovens<br />
dev<strong>em</strong> receber as orientações sobre<br />
formas de contágio e prevenção das DSTs<br />
antes do início da vida sexual. Atualmente,<br />
a professora coordena o Programa de Pós-<br />
-Graduação <strong>em</strong> Ciências da Saúde do Centro<br />
de Pesquisa René Rachou, da Fiocruz,<br />
<strong>em</strong> Belo Horizonte. Entre um dos trabalhos<br />
orientados por ela, está a dissertação de<br />
Helena Campos, coordenadora do Programa<br />
Afetivo Sexual de Juventude da Secretaria<br />
de Estado de Educação. A pesquisa foi<br />
desenvolvida com jovens com idade entre<br />
13 e 15 anos de escolas estaduais. “O que<br />
nós perceb<strong>em</strong>os é que eles conhec<strong>em</strong><br />
pouco sobre a camisinha f<strong>em</strong>inina. N<strong>em</strong><br />
os meninos e n<strong>em</strong> as meninas sab<strong>em</strong> que<br />
ela pode ser colocada até oito horas antes<br />
da relação sexual, o que daria a elas maior<br />
chance de negociação com os parceiros e<br />
evita probl<strong>em</strong>as na “hora H”, porque n<strong>em</strong><br />
s<strong>em</strong>pre o preservativo está por perto ou, se<br />
está, eles não usam”, diz Schall.<br />
O estudo usou como referência informações<br />
da Pesquisa Nacional de Saúde<br />
do Escolar (Pense), feita pelo Instituto Brasileiro<br />
de Geografia e Estatística (IBGE). O<br />
acesso à informação sobre DSTs/Aids na<br />
escola foi outro fator analisado. Em Belo<br />
Horizonte, a proporção de alunos que receberam<br />
orientação sobre DSTS/Aids foi de<br />
89,1% nas escolas públicas e de 91,2%<br />
nas escolas privadas. Os altos percentuais<br />
suger<strong>em</strong> que a maioria dos alunos do 9º<br />
ano do Ensino Fundamental recebeu algum<br />
tipo de orientação. O estudo aponta<br />
que existe um consenso de que o uso<br />
da camisinha, masculina ou f<strong>em</strong>inina,<br />
é a única forma de<br />
evitar as doenças sexualmente<br />
transmissíveis<br />
(DSTs),<br />
incluindo<br />
o HIV/<br />
8 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Aids. Entretanto, como a saúde sexual e reprodutiva<br />
das mulheres depende, <strong>em</strong> grande<br />
medida, da habilidade <strong>em</strong> negociar com<br />
seus parceiros o sexo seguro, a saúde das<br />
mulheres pode estar ameaçada.<br />
Dados da Pesquisa Nacional de D<strong>em</strong>ografia<br />
e Saúde da Criança e da Mulher,<br />
realizada <strong>em</strong> 2006, revelam que 90% das<br />
mulheres brasileiras sab<strong>em</strong> que existe um<br />
preservativo f<strong>em</strong>inino, no entanto, apenas<br />
3,1% das entrevistadas já fizeram uso da<br />
camisinha f<strong>em</strong>inina, pelo menos uma vez na<br />
vida. Um fator de proteção à saúde sexual<br />
e reprodutiva seria tornar o conhecimento<br />
e o acesso à camisinha f<strong>em</strong>inina universal.<br />
“Acho que precisa de uma mídia forte<br />
para a familiarização com o preservativo<br />
f<strong>em</strong>inino, que a mulher pode colocar antes<br />
e não depende do parceiro aceitar usar. Ela<br />
chega dizendo que está protegida e que não<br />
vai tirar a sua proteção. Dá para fazer uma<br />
negociação com o parceiro, com mais segurança.<br />
Nas entrevistas, as meninas falam<br />
muito mal do preservativo f<strong>em</strong>inino, acham<br />
grande, difícil de colocar. Se os postos tivess<strong>em</strong>,<br />
distribuíss<strong>em</strong> e ensinass<strong>em</strong> como<br />
usar, seria um avanço”, argumenta.<br />
O Programa Saúde e Prevenção nas<br />
Escolas (SPE) é uma iniciativa conjunta<br />
entre os ministérios da Saúde e Educação.<br />
Criado <strong>em</strong> 2003, hoje está presente <strong>em</strong> cerca<br />
de 66 mil instituições de ensino do País.<br />
Além de distribuir camisinhas, o programa<br />
insere a t<strong>em</strong>ática de prevenção e promoção<br />
da saúde sexual e reprodutiva e a discussão<br />
dos diversos aspectos da sexualidade<br />
no cotidiano das escolas públicas.<br />
A Aids na vida de casais<br />
Doenças graves, mas que têm tratamento,<br />
como hanseníase e tuberculose,<br />
afetam a vida do portador e de sua família.<br />
Com o vírus HIV e a Aids, a situação se repete.<br />
As alterações interfer<strong>em</strong> <strong>em</strong> questões<br />
como relacionamentos sociais, adesão ao<br />
tratamento, perspectiva e qualidade de vida.<br />
Pensando no dia a dia dos infectados pelo<br />
HIV, a professora da Escola de Enfermag<strong>em</strong><br />
da UFMG, Maria Imaculada de Fátima Freitas,<br />
iniciou, nos anos 1990, estudos ligados<br />
ao t<strong>em</strong>a. Em 1993, havia realizado estudo<br />
sobre as interações de cônjuges quando um<br />
deles estava <strong>em</strong> tratamento para hanseníase<br />
e, <strong>em</strong> 1996/1997, quando os antirretrovirais<br />
foram introduzidos no Brasil, realizou a mesma<br />
pesquisa com casais com Aids, para, <strong>em</strong><br />
seguida, comparar os resultados dos dois<br />
estudos. A partir daí, desenvolveu diversas<br />
pesquisas sobre questões psicossociais de<br />
pessoas vivendo com HIV ou Aids, como<br />
aquelas relativas à adesão ao tratamento,<br />
maternidade e HIV, experiências sociais considerando<br />
faixas etárias, além de outras.<br />
“Antes só se usava o AZT, mas o<br />
governo brasileiro passou a distribuir gratuitamente<br />
os antirretrovirais e houve uma<br />
diferença no controle da infecção e no tratamento<br />
dos pacientes”, diz. Durante o estudo<br />
acompanhou casais da rede pública<br />
de saúde, <strong>em</strong> que o marido, a mulher ou os<br />
dois estavam infectados, <strong>em</strong> Belo Horizonte.<br />
Foram ouvidos casais com relacionamentos<br />
com mais de um ano até aqueles que estavam<br />
juntos há mais de duas décadas <strong>em</strong><br />
que os dois estavam infectados. O objetivo<br />
era acompanhar uma narrativa das vidas<br />
dessas pessoas com a finalidade de saber<br />
como viviam. Enfim, a ideia era fazer com<br />
que pensass<strong>em</strong> sobre os seus probl<strong>em</strong>as.<br />
Dez anos depois, <strong>em</strong> 2006, uma nova<br />
pesquisa foi feita com outros casais, e o<br />
que se constatou é que houve mudança no<br />
perfil epid<strong>em</strong>iológico <strong>em</strong> decorrência da<br />
queda das taxas de mortalidade e das melhorias<br />
no controle da doença. Ambos os<br />
estudos evidenciaram que a revelação do<br />
diagnóstico é s<strong>em</strong>pre um grande susto. “A<br />
pergunta que eles se faz<strong>em</strong> é: ‘por que eu?’.<br />
O sentimento de culpa também existe e, no<br />
momento da revelação, o medo da morte<br />
ainda é muito forte”, comenta. De acordo<br />
com a professora, os homens, <strong>em</strong> geral,<br />
descobr<strong>em</strong> primeiro.<br />
Nas duas pesquisas, notou que eles<br />
têm muito receio de falar sobre o assunto.<br />
“Há s<strong>em</strong>pre um silenciamento inicial.<br />
O cônjuge percebe que algo está errado,<br />
mas não sabe o que é. É um momento de<br />
muita fragilidade no casal. Quando há a<br />
revelação, leva-se mais susto, e eu digo<br />
que a Aids é um revelador de traição, do<br />
que já se sabia antes, mas não tinha certeza.<br />
Um revelador da fragilidade ou da<br />
força da relação, do desamor. A Aids se<br />
torna naquele momento uma tela <strong>em</strong> que<br />
ambos enxergam o relacionamento. É um<br />
momento de muito questionamento e sofrimento”,<br />
observa. A pesquisa mostra que<br />
a grande questão <strong>em</strong> todo o t<strong>em</strong>po da Aids<br />
é a gestão do segredo, não apenas sobre a<br />
doença, mas sobre os medos, fragilidade,<br />
culpa, como cada um se vê diante do mundo,<br />
não é só o t<strong>em</strong>or de ser excluído.<br />
O diagnóstico da Aids obriga o casal<br />
a se reestruturar, como <strong>em</strong> qualquer outra<br />
doença grave, como um Acidente Vascular<br />
Cerebral (AVC) ou um infarto do miocárdio,<br />
explica a pesquisadora. O modo como cada<br />
pessoa vai tratar o assunto com seu parceiro<br />
é que pode mudar. Segundo Maria Imaculada,<br />
exist<strong>em</strong> três possibilidades: fugir; esperar<br />
o impacto da notícia passar s<strong>em</strong> aprofundar<br />
verdades que não se quer (ou não<br />
se pode) encarar; ou enfrentar o probl<strong>em</strong>a,<br />
restabelecendo ou terminando o relacionamento.<br />
Os que continuaram juntos foram os<br />
casais que participaram das duas pesquisas.<br />
Nelas, houve relatos de mulheres sobre a<br />
descoberta do diagnóstico do marido, como<br />
a que só ficou sabendo porque, precisando<br />
de dinheiro, mexeu na carteira do marido,<br />
quando ele dormia, e encontrou o resultado<br />
aí guardado há mais de um mês. Estarrecida,<br />
sentindo-se duplamente traída, essa mulher<br />
viveu um período de sentimentos contraditórios<br />
entre raiva e medo de estar infectada.<br />
Fazer o exame e esperar o resultado neste<br />
caso é considerado uma tortura na relação<br />
do casal. O hom<strong>em</strong> se sente culpado, “não<br />
t<strong>em</strong> o que dizer” e sente fort<strong>em</strong>ente o desejo<br />
de morrer, na maioria dos casos.<br />
Em 1996, era o conflito da dor do<br />
sentimento, do medo da morte rápida, e este<br />
medo continua existindo hoje, mas agora<br />
há um jogo interativo mais fácil de ser feito,<br />
porque se vive mais t<strong>em</strong>po mesmo com a<br />
doença. Nessa reestruturação da vida a dois,<br />
o que se percebe é que os casais que permanec<strong>em</strong><br />
juntos, após o diagnóstico, vão<br />
buscar a mesma lógica interativa que eles tinham<br />
antes, como observa a pesquisadora:<br />
“Se havia negação, silenciamento, conflitos<br />
explícitos e uma interação conflituosa, após<br />
a descoberta do diagnóstico e após um período<br />
há uma ‘acalmada’ na relação porque<br />
aparece naquele momento o sofrimento do<br />
outro e uma solidariedade amorosa. Mas,<br />
com o passar do t<strong>em</strong>po, a lógica anterior de<br />
‘tapas e beijos’ volta como antes”.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 9
A doença t<strong>em</strong> o poder de reorganizar<br />
o relacionamento, mas isso aconteceria<br />
por causa do impacto da notícia. Já nas<br />
relações <strong>em</strong> que havia uma solidariedade<br />
entre o casal, diálogo, vida amorosa e sexual<br />
estável e alegre, tudo isso se perde no<br />
momento da revelação da doença. “É um<br />
conflito, e quando eles se entend<strong>em</strong> voltam<br />
para a fase anterior. Isso é muito forte nas<br />
duas pesquisas. Há um período mais longo<br />
ou curto de calmaria ou de caos na relação,<br />
e isso é determinado pelo grau do adoecimento<br />
de um dos cônjuges”, destaca.<br />
Entre os casais de 1996, a atividade<br />
sexual estava comprometida, não havia<br />
desejo, e sim raiva, impotência e descaso,<br />
diferent<strong>em</strong>ente das entrevistas de 2006. As<br />
pessoas ouvidas dez anos depois estariam<br />
mais dispostas fisicamente e menos adoecidas.<br />
“Não pod<strong>em</strong>os afirmar, mas a possibilidade<br />
de alcançar uma vida melhor inclui<br />
o sexo porque existe mais disposição física<br />
e também porque os medicamentos foram<br />
aprimorados. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, o desejo<br />
do outro, a atividade sexual prazerosa não<br />
existe só porque você t<strong>em</strong> vigor, ela v<strong>em</strong><br />
pelo desejo <strong>em</strong>ocional e psicológico do<br />
relacionamento”, conta.<br />
Outro fator diretamente ligado à<br />
adesão do tratamento é a condição social<br />
dos pacientes. Na pesquisa realizada pela<br />
professora Maria Imaculada Freitas foram<br />
entrevistados desde casais de classe média<br />
alta até pessoas menos favorecidas economicamente.<br />
Mesmo que sejam assistidos<br />
por um médico particular ou vinculado<br />
a um plano de saúde, todos também são<br />
acompanhados no serviço público, que faz<br />
a distribuição dos antirretrovirais. “Casais<br />
mais sólidos tend<strong>em</strong> a aderir melhor ao<br />
tratamento. O casal que é mais unido vive<br />
a sua história com mais força e se ajuda<br />
nos momentos difíceis”, diagnostica.<br />
Durante as entrevistas, a professora<br />
encontrou uma situação, que ela caracteriza<br />
como anedota. Maria Imaculada Freitas<br />
conheceu um casal jov<strong>em</strong>, que tinham um<br />
relacionamento longo, de aproximadamente<br />
oito anos. Eles se destacavam pela beleza,<br />
aparência “saudável” e boa condição<br />
financeira, mas o rapaz descobriu que era<br />
soropositivo. “A namorada dele não tinha<br />
corag<strong>em</strong> de fazer o exame e, quando se decidiu,<br />
soube que não estava contaminada.<br />
Eles continuaram juntos, principalmente<br />
quando ele teve uma fase mais doente,<br />
e depois terminaram. T<strong>em</strong>pos depois,<br />
este hom<strong>em</strong> conheceu uma outra mulher,<br />
não-infectada, casaram-se, hoje têm uma<br />
criança nascida por meio de ins<strong>em</strong>inação<br />
artificial e eles têm um casamento feliz.<br />
Isso mostra que houve um acordo entre<br />
este casal de só ter<strong>em</strong> relação sexual<br />
protegida e porque ele teve corag<strong>em</strong> de se<br />
abrir com ela. Chamo de anedota por ser<br />
um caso raro <strong>em</strong> vários aspectos, e parte<br />
desta história só foi possível graças à boa<br />
condição financeira dele”, destaca.<br />
Pesquisas e Vacina Anti-HIV<br />
Entre os anos de 2004 e 2010, o Ministério<br />
da Saúde financiou 244 projetos<br />
de pesquisa, totalizando R$ 55,9 milhões,<br />
a partir de 15 editais de pesquisa lançados<br />
<strong>em</strong> todas as áreas de conhecimento do<br />
HIV, por meio de editais públicos anuais.<br />
De acordo com o coordenador do Departamentode<br />
DST/AIDS e Hepatites Virais,<br />
Dirceu Greco, o Estado de Minas Gerais<br />
t<strong>em</strong> contribuição relevante <strong>em</strong> todas as<br />
pesquisas executadas pelo Ministério da<br />
Saúde. “Pod<strong>em</strong>os citar como ex<strong>em</strong>plo<br />
o estudo de prevalência entre conscritos<br />
das Forças Armadas, o estudo de sentinela<br />
parturientes, Qualiaids, e estudos de sobrevida,<br />
além de estudos de coortes que<br />
vêm sendo executado há muitos anos <strong>em</strong><br />
Minas. Estes estudos traz<strong>em</strong> dados importantes<br />
a fim de definir políticas específicas<br />
para prevenção, melhora da qualidade de<br />
vida e também para futuros ensaios com<br />
vacinas candidatas anti-HIV”, explica.<br />
Além disto, a FAPEMIG e o Departamento<br />
de DST, Aids e Hepatites Virais da Secretaria<br />
de Vigilância <strong>em</strong> Saúde do MS estão<br />
<strong>em</strong> processo de estabelecer um acordo<br />
para editais de pesquisa <strong>em</strong> Aids, financiado<br />
pelas duas instituições.<br />
Segundo Greco, de 2006 a 2010, o<br />
Departamento de DST/AIDS e Hepatites<br />
Virais financiou 16 projetos de pesquisa<br />
relacionadas às vacinas e microbicidas,<br />
totalizando R$ 5,4 milhões. Também foi<br />
lançado o “Plano Brasileiro de Vacinas anti-HIV<br />
2008-2012”. “O objetivo é fortalecer<br />
a participação do Brasil no esforço global<br />
para descobrir, avaliar, produzir e propiciar<br />
acesso a vacinas anti-HIV. O Plano propicia<br />
maior integração da comunidade científica<br />
e tecnológica brasileira no esforço<br />
internacional e na estratégia global para o<br />
desenvolvimento de uma vacina anti-HIV”,<br />
conta. Esta iniciativa deverá viabilizar, também,<br />
a inserção da pesquisa e desenvolvimento<br />
nesta área, na política tecnológica<br />
e industrial brasileira, envolvendo-o numa<br />
perspectiva multisetorial. O médico destaca<br />
que, para que se uma vacina eficaz seja<br />
desenvolvida, é necessário considerar os<br />
aspectos logísticos, comportamentais, de<br />
custo e disponibilidade, as implicações na<br />
prevenção e éticos, entre outros el<strong>em</strong>entos.<br />
Efeitos colateriais<br />
A qualidade de vida e as condições<br />
de saúde das pessoas que viv<strong>em</strong> com HIV<br />
e Aids são b<strong>em</strong> melhores do que há alguns<br />
anos, graças à medicação disponível. Uma<br />
pessoa recém-diagnosticada <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po<br />
adequado, que se utilizar dos medicamentos<br />
de maneira correta e constante (adesão<br />
ao tratamento), provavelmente não evoluirá<br />
para a Aids no Brasil. No entanto, exist<strong>em</strong><br />
impactos no uso prolongado de antirretrovirais.<br />
Se, por um lado, eles reduziram a<br />
taxa de mortalidade diretamente causada<br />
por Aids, por outro, o aparecimento de<br />
efeitos adversos e suas consequências pod<strong>em</strong><br />
fazer parte da vida do paciente.<br />
Entre essas consequências estão o<br />
aumento do risco de eventos cardiovasculares<br />
(como infartos, devido às alterações<br />
metabólicas, como elevações de colesterol),<br />
lipodistrofia, que pode afetar a autoestima, toxicidade<br />
renal e hepática (fígado). “É preciso<br />
que o paciente tenha acesso a cuidados profissionais<br />
de qualidade, com capacidade para<br />
ajudá-lo a enfrentar as dificuldades inerentes<br />
ao tratamento prolongado. E também para<br />
estimular e dar acesso a dieta equilibrada e<br />
exercícios físicos”, ensina Dirceu Greco.<br />
A polêmica da descoberta<br />
No mundo acadêmico existiu uma<br />
polêmica sobre a descoberta do vírus da<br />
Aids. Uma equipe francesa e outra norte-<br />
-americana lutaram durante anos pelo título<br />
da descoberta. Enquanto os pacientes<br />
viviam com a esperança de que os cientistas<br />
10 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
descobriss<strong>em</strong> a cura da Aids, na década de<br />
1980, a autoria pela descoberta do vírus HIV<br />
e a criação do primeiro exame capaz de detectar<br />
o vírus gerou uma disputa científica<br />
e comercial entre França e EUA. O cientista<br />
estadunidense Robert Gallo, também citado<br />
como descobridor do vírus, chegou a ser<br />
acusado de fraude por uma equipe francesa.<br />
Em 1987, os então presidentes da<br />
França, Jacques Chirac, e dos EUA, Ronald<br />
Reagan, decidiram que os dois países iriam<br />
dividir o crédito pela descoberta. No entanto,<br />
nos anos 1990, os Estados Unidos reconheceram<br />
que os franceses mereciam uma parcela<br />
maior dos royalties dos produtos derivados<br />
da descoberta, solidificando a posição de<br />
Luc Montagnier como principal descobridor.<br />
Em 2008, três cientistas dividiram o Prêmio<br />
Nobel de Medicina daquele ano, sendo os<br />
franceses Françoise Barre-Sinoussi e Luc<br />
Montagnier, pela descoberta do vírus causador<br />
da Aids, o HIV; e o al<strong>em</strong>ão Harald zur<br />
Hausen, pela descoberta de que o papilomavírus<br />
humano (HPV) pode provocar câncer<br />
de colo do útero. Robert Gallo não recebeu<br />
o prêmio, apesar de ter seu nome destacado<br />
na documentação que justifica a pr<strong>em</strong>iação,<br />
divulgada pelo Comitê Nobel.<br />
Os números da Aids<br />
Os números da Aids impressionam,<br />
apesar das campanhas de conscientização<br />
e todos os avanços da medicina no<br />
controle e combate à doença. O Departamento<br />
de DST, Aids e Hepatites Virais do<br />
Ministério da Saúde contabiliza, <strong>em</strong> média,<br />
11.000 óbitos <strong>em</strong> decorrência da doença<br />
no Brasil. Em Minas Gerais, desde 1980,<br />
foram notificados 41.791 casos e 15.154<br />
pessoas perderam a vida vítimas da Aids. A<br />
maior incidência de casos ainda é entre os<br />
homens, mas, a cada ano, essa diferença<br />
v<strong>em</strong> diminuindo. O aumento proporcional<br />
do número de casos entre mulheres pode<br />
ser observado pelo número de casos <strong>em</strong><br />
homens dividido pelo número de casos <strong>em</strong><br />
mulheres. Em 1989, para cada seis casos<br />
de Aids no sexo masculino havia um caso<br />
no sexo f<strong>em</strong>inino. Em 2009, a proporção<br />
diminuiu, passando de 1,6 caso <strong>em</strong> homens<br />
para cada caso <strong>em</strong> mulheres.<br />
A faixa etária <strong>em</strong> que a Aids é mais incidente,<br />
<strong>em</strong> ambos os sexos, é a de 20 a 59<br />
anos de idade. Entre 13 e 19 anos, o número<br />
de casos é maior entre as mulheres. São, <strong>em</strong><br />
média, oito casos <strong>em</strong> meninos para cada dez<br />
<strong>em</strong> meninas. Mas, <strong>em</strong> relação aos jovens,<br />
os dados apontam que, <strong>em</strong>bora eles tenham<br />
elevado conhecimento sobre prevenção<br />
das DSTs, há tendência de crescimento do<br />
HIV. Contudo, a maioria dos casos, no sexo<br />
masculino, se dá entre jovens homossexuais<br />
(26,8%) e bissexuais (10,2%).<br />
Estima-se que 630 mil pessoas vivam<br />
com o vírus no Brasil e, pelo menos,<br />
255 mil não sab<strong>em</strong> que são portadoras ou<br />
nunca fizeram o teste de HIV. Entre 2005<br />
e 2009, com a adoção do Programa Fique<br />
Sabendo, testes de HIV distribuídos e pagos<br />
pelo SUS mais que dobraram: passaram<br />
de 3,3 milhões para 8,9 milhões de<br />
unidades. Os testes realizados para o HIV<br />
no País passaram de 23,9% <strong>em</strong> 1998 para<br />
38,4% <strong>em</strong> 2008.<br />
A epid<strong>em</strong>ia da Aids no Brasil está<br />
estabilizada <strong>em</strong> patamar ainda não satisfatório,<br />
com a taxa de incidência <strong>em</strong> torno<br />
de 20 casos por 100 mil habitantes. Em<br />
2009, foram notificados 38.538 casos da<br />
doença. Os dados do Ministério da Saúde<br />
refer<strong>em</strong>-se apenas aos casos de Aids e não<br />
àqueles infectados pelo HIV.<br />
Apesar de o número total de casos no<br />
sexo masculino ser maior entre heterossexuais,<br />
a epid<strong>em</strong>ia no País é concentrada.<br />
Isso significa que a prevalência da infecção<br />
na população de 15 a 49 anos é menor que<br />
1% (0,61%), mas é maior do que 5% nos<br />
subgrupos de maior vulnerabilidade para a<br />
infecção pelo HIV – como homens que faz<strong>em</strong><br />
sexo com homens (HSH), usuários de<br />
drogas (UD) e profissionais do sexo (PS).<br />
Óbitos e discriminação<br />
“O percentual significativo dos óbitos<br />
ocorre pelo diagnóstico ou acesso tardio<br />
ao tratamento, e o Ministério t<strong>em</strong> buscado<br />
junto com os estados e municípios aumentar<br />
as oportunidades para o diagnóstico e<br />
reforçar com os profissionais de saúde a<br />
necessidade de oferecimento de sorologia,<br />
com os devidos aconselhamentos, não só<br />
para o HIV, mas também para sífilis e hepatites<br />
virais”, anuncia Dirceu Greco.<br />
Segundo o médico, esses números<br />
relativamente baixos <strong>em</strong> todas as avaliações,<br />
seja prevalência, incidência e até mesmo<br />
na mortalidade, mostram o lado positivo<br />
do enfrentamento da epid<strong>em</strong>ia. Por outro<br />
lado, há muitos desafios e dificuldades.<br />
“Por ex<strong>em</strong>plo, o acesso universal aos insumos<br />
de diagnóstico, prevenção e tratamento,<br />
ex<strong>em</strong>plo para muitos outros países, pode<br />
levar a certa complacência, à sensação no<br />
imaginário popular de que a epid<strong>em</strong>ia está<br />
controlada. Isto pode diminuir os cuidados<br />
na prevenção e pode dificultar o necessário<br />
espaço na mídia para esta discussão”, argumenta.<br />
E acrescenta que, apesar do “medo<br />
generalizado” que existia antigamente ter<br />
diminuído, ainda há longo caminho a percorrer<br />
para diminuir o preconceito e impedir<br />
a discriminação que ainda afeta as populações<br />
com maior vulnerabilidade ao HIV.<br />
A cura<br />
Diversas pesquisas estão sendo realizadas<br />
<strong>em</strong> centros de pesquisa do Brasil e<br />
do exterior, e toda a comunidade científica<br />
mundial está <strong>em</strong>penhada na busca da cura<br />
para a doença. No entanto, apesar de todos<br />
os esforços, esta ainda não foi alcançada<br />
e n<strong>em</strong> a perspectiva a curto prazo para a<br />
disponibilização de uma vacina eficaz. O<br />
que explica essa dificuldade é a complexidade<br />
e a grande capacidade de mutação do<br />
vírus. De acordo com Greco, há pesquisas<br />
buscando tecnologias para a cura da AIDS<br />
e, atualmente, exist<strong>em</strong> ensaios clínicos<br />
internacionais buscando novos medicamentos<br />
para ser<strong>em</strong> usados <strong>em</strong> associação<br />
para combater os vírus latentes. “Estes são<br />
responsáveis pela manutenção da infecção<br />
mesmo entre pessoas que receb<strong>em</strong> hoje<br />
tratamento eficaz, pois são incapazes de<br />
eliminá-los”, afirma.<br />
@<br />
Saiba mais:<br />
Acesse o nosso blog e leia mais<br />
sobre os 30 anos da Adis, além<br />
da entrevista completa com a<br />
professora Virgínia Schall.<br />
fap<strong>em</strong>ig.wordpress.com<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 11
ENGENHARIA<br />
Forte<br />
como rocha<br />
Pesquisa apresenta projeto de construção<br />
resistente a terr<strong>em</strong>otos e furacões<br />
Ariadne Lima<br />
Prático trabalhou dias a fio para<br />
construir sua casa de pedra, tão firme e<br />
b<strong>em</strong> acabada que n<strong>em</strong> o sopro forte do<br />
Lobo conseguiu derrubar. Seus irmãos,<br />
Cícero e Heitor, mais preguiçosos e menos<br />
engenhosos, não tiveram a mesma<br />
sorte: viram suas casinhas de palha e<br />
madeira caír<strong>em</strong> por terra, diante do me-<br />
nor sopro do malfeitor. A história dos Três<br />
Porquinhos, tão presente no imaginário<br />
das crianças, poderia ter um final mais<br />
feliz se os irmãos mal sucedidos tivess<strong>em</strong><br />
aplicado engenharia às suas construções.<br />
“Se os porquinhos tivess<strong>em</strong> noções de<br />
equilíbrio, eles estariam protegidos. Bastava<br />
colocar os contrapontos no lugar<br />
certo”, diz o engenheiro civil, mestre e<br />
doutor na área, Ernani de Araújo, recordando<br />
a história infantil. Ele orientou uma<br />
pesquisa de mestrado na Universidade<br />
Federal de Ouro Preto (Ufop) que propõe<br />
uma estrutura mais estável e segura às<br />
edificações, mesmo quando submetidas a<br />
fortes ventos e terr<strong>em</strong>otos.<br />
12 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
A proposta foi t<strong>em</strong>a da dissertação<br />
de Cristina Evangelista Silva e consiste<br />
<strong>em</strong> um modelo arquitetônico e estrutural<br />
específico, voltado para a construção residencial<br />
para famílias de baixa à média<br />
renda, respeitando os conceitos de sustentabilidade.<br />
A pesquisa começou há 10<br />
anos, com a dissertação da aluna Laila<br />
Nuique, que propôs o desenvolvimento<br />
de uma estrutura metálica <strong>em</strong> aço, mais<br />
econômica para construções comerciais.<br />
A ideia foi amadurecida e ganhou nova<br />
forma na dissertação de Evangelista.<br />
A nova pesquisa apresenta um projeto<br />
de construção alternativa industrializada,<br />
viável economicamente e resistente,<br />
principalmente ao vento. Isso se dá por<br />
meio do pórtico desenvolvido, que é<br />
confeccionado <strong>em</strong> aço e é bidirecional,<br />
ou seja, posicionado <strong>em</strong> duas direções,<br />
garantindo a segurança da construção.<br />
Segundo descreve Evangelista, os pórticos<br />
apresentados são modelos espaciais<br />
formados por arcos que se cruzam e proporcionam<br />
a estabilidade de uma construção<br />
<strong>em</strong> duas direções perpendiculares,<br />
quando submetidos a ações externas,<br />
como abalos sísmicos e ventos de até 200<br />
km/h. “Com esse tipo de pórtico, o vento<br />
pode bater <strong>em</strong> qualquer direção e a construção<br />
fica segura”, afirma Ernani Araújo.<br />
O trabalho incluiu uma análise estrutural<br />
por meio da construção de maquetes<br />
físicas e de simulações virtuais, que indicaram<br />
questões como resistência e deformações<br />
provocadas na estrutura <strong>em</strong> razão<br />
do vento. “Também foi feita a análise da<br />
arquitetura, com o estudo da modelag<strong>em</strong><br />
da estrutura, da geometria e do espaço a<br />
ser ganho. Depois, foram feitas as outras<br />
análises, como deslocamento, vinculação<br />
e condições de contorno”, relata Araújo.<br />
Para as análises, foram utilizados os programas<br />
de computador AutoCad (projeto<br />
arquitetônico e estrutural); SketchUp<br />
(modelag<strong>em</strong> <strong>em</strong> 3D) e Ansys (análise estrutural<br />
dos pórticos bidirecionais). Uma<br />
El<strong>em</strong>ento estrutural que dá equilíbrio<br />
e rigidez à construção no ponto <strong>em</strong><br />
que é aplicado, podendo ser retangular,<br />
quadrangular ou circular.<br />
análise comparativa com outros modelos<br />
estruturados <strong>em</strong> aço e com a construção<br />
convencional foi realizada por meio do<br />
programa Cypecad. “Com os resultados<br />
obtidos, concluímos que o perfil de análise<br />
suportou os carregamentos aplicados,<br />
não houve rompimento da estrutura e sua<br />
deformação e deslocamento foram muito<br />
pequenos”, relata Cristina Evangelista.<br />
O modelo proposto também se difere<br />
dos convencionais pelo uso de formas arredondadas.<br />
Pela análise estrutural do formato,<br />
usando conceitos de engenharia civil, foram<br />
investigadas as tipologias estruturais, apontando<br />
que o formato <strong>em</strong> arco é mais fácil de<br />
ser executado e eficiente. Esse principio também<br />
foi aplicado na construção dos pórticos.<br />
“Os romanos já sabiam que modelos circulares<br />
e parabólicos são os melhores. No Coliseu,<br />
por ex<strong>em</strong>plo, muita coisa é feita <strong>em</strong> arco.<br />
O mais eficiente é o modelo parabólico, mas,<br />
por ser mais difícil de executar, o circular é<br />
mais usado”, elucida Ernani Araújo.<br />
Ação e reação<br />
Qu<strong>em</strong> já passou do ensino médio e<br />
não matou as aulas de Física certamente vai<br />
se l<strong>em</strong>brar da 3ª Lei de Newton (Lei da Ação<br />
e Reação), segundo a qual um corpo A, que<br />
exerce força sobre um corpo B, recebe deste<br />
uma força de mesma intensidade, mesma<br />
direção e <strong>em</strong> sentido contrário. É o que acontece<br />
nas construções a todo o momento, <strong>em</strong><br />
razão de ações externas como peso, ventos<br />
e impactos. “Quando um vento bate <strong>em</strong> uma<br />
construção, ele provoca pressão e sucção.<br />
Quando esses dois efeitos se somam, ele<br />
tende a arrancar parte da construção. Assim,<br />
o vento pode arrancar janelas, portas e telhas<br />
de uma edificação”, explica Araújo.<br />
As reações acontec<strong>em</strong> <strong>em</strong> movimentos<br />
internos e, com base nesses esforços, os<br />
pesquisadores chegaram às medidas exatas<br />
e mais adequadas aos tubos que formam os<br />
pórticos. Outra inovação apresentada na pesquisa<br />
é a flexibilidade desses tubos, alcançada<br />
por meio de indução eletromagnética. “Ela<br />
permite a curvatura do material, formando<br />
pórticos <strong>em</strong> arcos que se cruzam no espaço,<br />
<strong>em</strong> direções travadas, deixando a construção<br />
livre de ações horizontais (ventos). Não existe<br />
na história da engenharia, n<strong>em</strong> da arquitetura,<br />
o conceito de pórticos de estabilização bidire-<br />
“Com os resultados obtidos,<br />
concluímos que o perfil<br />
de análise suportou os<br />
carregamentos aplicados,<br />
não houve rompimento da<br />
estrutura e sua deformação<br />
e deslocamento foram muito<br />
pequenos”.<br />
Cristina Evangelista<br />
Pesquisadora<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 13
cionais. Esta é a grande inovação do projeto”,<br />
diz Araújo. “Além disso, nossa construção é<br />
mais leve, mais resistente estruturalmente,<br />
mais barata e dentro do conceito de sustentabilidade,<br />
com poucos resíduos e poucas<br />
perdas”, completa.<br />
De acordo com o engenheiro, para a<br />
próxima etapa, o ideal é fazer a análise numérica<br />
da estrutura, desenvolver um protótipo<br />
e testá-lo <strong>em</strong> um laboratório apropriado<br />
para a simulação de vento <strong>em</strong> estruturas,<br />
o que ainda não existe na Universidade. A<br />
ideia é fazer o pedido da patente do projeto,<br />
que será apresentado no ano que v<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
um congresso na Inglaterra.<br />
Sons e t<strong>em</strong>peraturas<br />
A preocupação com o conforto térmico<br />
e acústico do tipo de construção proposta<br />
também fez parte da pesquisa. Para<br />
isso, Cristina Evangelista teve a orientação<br />
do engenheiro mecânico, mestre e doutor<br />
na área de Engenharia Térmica, Henor Artur<br />
de Souza. De acordo com o orientador,<br />
os resultados da pesquisa apontaram que,<br />
no que se refere aos confortos térmico e<br />
acústico, o projeto apresenta des<strong>em</strong>penho<br />
adequado, considerando as características<br />
do material utilizado. “O projeto t<strong>em</strong> todas<br />
as aberturas propostas e material adequado<br />
de fechamento de alto des<strong>em</strong>penho. Ele<br />
se adequa às varias regiões climáticas do<br />
país. A única alteração que poderia ser proposta<br />
diz respeito à ventilação, que pode<br />
ser alterada de acordo com as condições<br />
locais do clima”, diz.<br />
Segundo Souza, a intenção é continuar<br />
a avaliação do des<strong>em</strong>penho térmico<br />
da construção, <strong>em</strong> uma fase de continuidade<br />
ao trabalho. As avaliações são realizadas<br />
por meio de simulação numérica,<br />
utilizando um programa de computador<br />
chamado Energyplus. São considerados<br />
os dados de dimensão do projeto (volume)<br />
e os materiais utilizados no fechamento,<br />
como piso e cobertura, com simulações de<br />
variados climas, para analisar o comportamento<br />
da estrutura.<br />
No sist<strong>em</strong>a convencial: a estrutura das construções é<br />
composta por pilares e vigas de concreto armado.<br />
Na construção proposta: a estrutura que sustenta a<br />
cobertura é composta por dois módulos de pórticos bidirecionais.<br />
14 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
País Tropical<br />
Popularmente, o Brasil é considerado<br />
alvo das dádivas divinas pelo clima tropical<br />
e por não ser um país propenso à ocorrência<br />
de terr<strong>em</strong>otos e furacões. O que torna<br />
interessante, então, a construção de edifícios<br />
resistentes a desastres naturais desse<br />
tipo? De acordo com o Secretário Executivo<br />
do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas<br />
Globais, Milton Nogueira, <strong>em</strong>bora não sejam<br />
de grande impacto, o Brasil registra tr<strong>em</strong>ores<br />
<strong>em</strong> vários pontos, devido a situações<br />
como o ajuntamento de camadas de terra.<br />
Conforme mostra o site do Observatório<br />
Sismológico da Universidade de<br />
Brasília (UNB), disponível <strong>em</strong> http://www.<br />
obsis.unb.br/, os abalos mais recentes<br />
ocorreram <strong>em</strong> Minas Gerais, nas cidades de<br />
Nova Lima, Montes Claros, Caraíbas e Ijaci.<br />
Os tr<strong>em</strong>ores ocorr<strong>em</strong>, principalmente, <strong>em</strong><br />
regiões de solos calcários, mais propensos<br />
ao ajuntamento de terra, e onde há prática<br />
da mineração, devido aos impactos provocados<br />
pela atividade. Segundo Nogueira, o<br />
aumento de casos conhecidos nos últimos<br />
anos não deve ser atribuído ao aumento de<br />
ocorrências, mas ao desenvolvimento de<br />
sismógrafos mais sensíveis. Apesar das alterações<br />
no clima global, o Brasil permanece<br />
pouco vulnerável a grandes terr<strong>em</strong>otos,<br />
uma vez que não está sob ação de placas<br />
tectônicas <strong>em</strong> seu território.<br />
Já no caso de ventos fortes, o Brasil está<br />
mais propenso, <strong>em</strong>bora nunca tenha registrado<br />
grandes furacões. Nogueira afirma que é<br />
possível que as mudanças climáticas afet<strong>em</strong><br />
a velocidade dos ventos <strong>em</strong> todo o mundo,<br />
mas não é possível prever casos assim nas<br />
microrregiões, como Minas Gerais, por<br />
ex<strong>em</strong>plo. Diante disso, o especialista acredita<br />
na importância da pesquisa para a prevenção<br />
de ações provocadas pelas alterações no<br />
clima. “As mudanças climáticas vão afetar<br />
as construções não só pela velocidade dos<br />
ventos, mas também pelo aumento do volume<br />
de água e as variações de t<strong>em</strong>peratura. A<br />
construção deve ser resistente na estrutura,<br />
mas também não deve estar sujeita a mofo,<br />
excesso de umidade ou trincas na época da<br />
Aparelhos que registram a ocorrência<br />
e a intensidade de tr<strong>em</strong>ores de terra<br />
seca. É preciso que a arquitetura e a engenharia<br />
estejam preparadas para isso”, alerta.<br />
De acordo com Ernani Araújo, uma<br />
construção leve como as mais modernas<br />
está vulnerável à ação de ventos mais fortes.<br />
“Até quando ter<strong>em</strong>os estruturas seguras?”,<br />
indaga. “A ciência não consegue prever<br />
quando pode ocorrer o próximo terr<strong>em</strong>oto<br />
<strong>em</strong> qualquer lugar no mundo. Por isso,<br />
prevenir é importante”, afirma. “No Brasil, já<br />
t<strong>em</strong>os registros de fortes ventos <strong>em</strong> cidades<br />
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São<br />
Paulo, etc. Os casos de coberturas arrancadas<br />
<strong>em</strong> postos de gasolina são ex<strong>em</strong>plos da<br />
ação de ventanias, que provocam pressão e<br />
sucção sobre as construções.”<br />
Mercado<br />
Ernani Araújo afirma que, ainda que<br />
o Brasil não represente um amplo mercado<br />
para os edifícios resistentes, o produto<br />
poderá ser exportado para países mais propensos<br />
à ocorrência de terr<strong>em</strong>otos e furacões.<br />
“É uma forma de agregar valor à nossa<br />
matéria-prima, que vai para outros países a<br />
preços irrisórios. Precisamos de gente que<br />
invista nisso”, diz.<br />
Para o presidente da regional Minas<br />
Gerais da Associação Brasileira de Engenheiros<br />
Civis (Abenc) e vice-presidente<br />
da Abenc Nacional, Iocanan Moreira, é<br />
importante trabalhar o t<strong>em</strong>a da construção<br />
resistente, especialmente <strong>em</strong> casos como<br />
o da pesquisa da Ufop, que também inclui<br />
a preocupação com a questão ambiental, a<br />
geração de resíduos e a redução de custos.<br />
“Nossa engenharia t<strong>em</strong> sido uma engenharia<br />
de exportação, mas ainda estamos engatinhando<br />
<strong>em</strong> termos de avanços e eles têm<br />
que ser colocados no mercado por meio de<br />
estudos como este”, destaca. O engenheiro<br />
também alerta para a importância da preocupação<br />
com a prevenção de impactos <strong>em</strong><br />
todas as etapas de uma construção. “A falta<br />
de estudo real de questões relacionadas à<br />
urbanização da cidade t<strong>em</strong> causado catástrofes<br />
como as que t<strong>em</strong>os visto na televisão.<br />
É preciso estudar criteriosamente a situação<br />
do terreno e a estrutura do local, e é importante<br />
que órgãos públicos façam um trabalho<br />
de prevenção. Na engenharia não há<br />
obras que não possam existir. Tudo precisa<br />
ser estudado”, alerta.<br />
Vantagens<br />
do modelo<br />
proposto sobre<br />
as construções<br />
convencionais<br />
• Rapidez e facilidade<br />
na execução da obra.<br />
• Possibilidade de desmontag<strong>em</strong> e<br />
reutilização <strong>em</strong> outro local.<br />
• Canteiro de obra limpo e com menos<br />
entulho.<br />
• Racionalização de materiais, diminuindo<br />
o desperdício.<br />
• Sist<strong>em</strong>a estrutural mais eficiente que<br />
o convencional, apresentando maior<br />
resistência estrutural a fortes ventos e<br />
até mesmo a abalos sísmicos.<br />
• Economia e menor<br />
consumo de aço da estrutura.<br />
• Apresenta uma solução de construção<br />
com menor impacto ao meio ambiente.<br />
• Economia e ganhos <strong>em</strong> área apresentando<br />
maior área construída com menor<br />
consumo de aço.<br />
• Apresenta maior eficiência econômica<br />
e estrutural com o uso de pórticos<br />
bidirecionais.<br />
• Apresenta melhor organização espacial<br />
dos ambientes com área íntima mais<br />
reservada da área social.<br />
• Possui área de serviço b<strong>em</strong> planejada<br />
e coberta.<br />
• Possui possibilidade de ampliação<br />
da casa s<strong>em</strong> sofrer alterações na sua<br />
volumetria.<br />
FONTE: SILVA, Cristina Evangelista. Sist<strong>em</strong>a de<br />
Cobertura com pórticos de estabilizações bidirecionais<br />
<strong>em</strong> perfis metálicos de seção circular<br />
com costura para construção residencial industrializada.<br />
2011, 176f. Dissertação (Mestrado<br />
<strong>em</strong> Construções Metálicas) - Programa de Pós-<br />
-Graduação <strong>em</strong> Engenharia Civil, Universidade<br />
Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2011.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 15
ENERGIA<br />
Pesquisadores estudam aplicações e<br />
aperfeiçoamento de dispositivos da<br />
cadeia de produção de energia solar<br />
Virgínia Fonseca<br />
O Sol possui uma massa 330 mil vezes<br />
maior que a da Terra. No seu interior, a<br />
t<strong>em</strong>peratura média pode chegar a 15 milhões<br />
de graus Celsius. É neste núcleo que<br />
ocorr<strong>em</strong> reações químicas, como a fusão<br />
entre átomos de hidrogênio, produzindo<br />
energia que é transferida para as regiões externas<br />
do astro e alcança o espaço como luz<br />
solar. A luz <strong>em</strong>itida por esta estrela, distante<br />
150 milhões de quilômetros, é a principal<br />
fonte de energia do planeta e el<strong>em</strong>ento indispensável<br />
para a vida no globo terrestre.<br />
Nas últimas décadas, pesquisas <strong>em</strong><br />
todo o mundo têm buscado formas eficientes<br />
de se usar e armazenar esta energia.<br />
Um dos processos mais utilizados é a<br />
captação por meio de painéis ou módulos<br />
com células fotovoltaicas, capazes de converter<br />
a luz solar que nelas incide <strong>em</strong> eletricidade.<br />
Com o objetivo de desenvolver<br />
e aperfeiçoar esses módulos, b<strong>em</strong> como<br />
os processos para fabricá-los, o Centro<br />
Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) iniciou,<br />
<strong>em</strong> suas dependências, um conjunto<br />
de aplicações da energia solar fotovoltaica.<br />
O primeiro deles, pela simplicidade e valor<br />
da aplicação, trata da iluminação pública<br />
com “postes solares”. O trabalho está sendo<br />
conduzido pelo Núcleo de Excelência<br />
<strong>em</strong> Materiais Solares (NMS).<br />
A instalação do poste, realizada <strong>em</strong><br />
agosto de 2011, deu início a testes de aplicabilidade,<br />
limitações e confiabilidade da<br />
tecnologia. O modelo, o primeiro de uma<br />
série, foi instalado no jardim da entrada<br />
principal do Cetec – local escolhido devido<br />
à boa incidência de luz solar, à necessidade<br />
de iluminação à noite e à visibilidade na instituição.<br />
“As atividades iniciais são de engenharia.<br />
Ainda serão instalados outros sist<strong>em</strong>as<br />
energizados pela luz solar, agora com<br />
apoio de <strong>em</strong>presas. Estes e outros sist<strong>em</strong>as<br />
<strong>em</strong> operação <strong>em</strong> regiões diversas do Brasil<br />
serão estudados”, explica o coordenador do<br />
NMS, José Roberto Tavares Branco.<br />
A partir da energia captada durante o<br />
dia (armazenada <strong>em</strong> baterias), o sist<strong>em</strong>a escolhido<br />
para d<strong>em</strong>onstração permite manter<br />
a iluminação por um período de seis horas<br />
e possui autonomia de dois dias s<strong>em</strong> incidência<br />
de raios solares. Foram utilizados<br />
recursos facilmente disponíveis na região<br />
metropolitana de BH, como lâmpadas fluorescentes<br />
compactas de 15W, acionadas<br />
automaticamente por um relé fotossensível,<br />
que identifica presença ou ausência de luminosidade.<br />
Alternativas mais modernas<br />
serão impl<strong>em</strong>entadas futuramente.<br />
Um dos principais objetivos do grupo<br />
do NMS é mostrar o potencial da energia<br />
solar para Minas Gerais e para a economia<br />
do Estado. A forma que os pesquisadores<br />
adotaram para fazer isto foi dando visibilidade<br />
a aplicações. Branco explica que a<br />
experiência está sendo utilizada para atrair<br />
a atenção para as oportunidades existentes.<br />
“Quer<strong>em</strong>os facilitar a percepção das pessoas<br />
de que esta energia t<strong>em</strong> um número de<br />
aplicações maior, muitas delas corriqueiras,<br />
e mais, Minas t<strong>em</strong> toda a matéria-prima de<br />
que precisamos”, explicita.<br />
Tudo se transforma<br />
A tecnologia fotovoltaica consiste na<br />
geração de eletricidade a partir da luz solar.<br />
16 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
“Com a tecnologia<br />
estabelecida, cada vez que<br />
se dobra a capacidade<br />
de produção, t<strong>em</strong>-se<br />
uma redução de 20% no<br />
custo. Ou seja, o custo<br />
desta energia v<strong>em</strong> caindo<br />
progressivamente, enquanto<br />
o das outras está subindo”<br />
José Roberto Tavares Branco<br />
Coordenador do NMS<br />
Esta energia é tratada por equipamentos<br />
para que possa ser utilizada e também armazenada<br />
<strong>em</strong> baterias ou de outras formas.<br />
O módulo fotovoltaico é um conjunto de<br />
células que pod<strong>em</strong> ter dimensões variadas,<br />
de cm² a m², compostas por um material capaz<br />
de absorver a luz – atualmente, o mais<br />
utilizado é o silício cristalino. A absorção<br />
dos raios solares provoca a liberação de<br />
elétrons, que deixam uma lacuna com carga<br />
positiva na estrutura eletrônica. A separação<br />
desses dois el<strong>em</strong>entos cria uma diferença<br />
de potencial, que é o chamado efeito fotovoltaico<br />
ou tensão voltaica. Uma outra camada<br />
fina, no fundo da placa, permite criar<br />
uma situação de interface. Ao conectar as<br />
duas superfícies, o elétron pode circular,<br />
gerando a eletricidade.<br />
A maior ou menor eficiência do<br />
dispositivo, segundo Branco, depende<br />
das condições ou especificidades da<br />
aplicação. “Como nós trabalhamos toda<br />
a cadeia de produção, faltava nos envolvermos<br />
com a aplicação, a fim de trazer<br />
resposta para a pergunta: que variáveis<br />
é preciso entender para melhorar os materiais<br />
e processos que produzimos até<br />
aqui?”, analisa. Neste processo, o grupo<br />
elencou algumas prioridades de aplicações<br />
e pretende dar visibilidade a elas.<br />
O sist<strong>em</strong>a utilizado no poste implantado<br />
é classificado como de geração isolada,<br />
pois a energia é produzida e utilizada<br />
no mesmo ponto, s<strong>em</strong> contato com a rede<br />
elétrica convencional. A conexão é do sist<strong>em</strong>a,<br />
diretamente do sol para a aplicação<br />
- é possível utilizá-la para iluminar pontos<br />
específicos e <strong>em</strong> situações mais elaboradas,<br />
como carros e mochilas, uma vez que<br />
já exist<strong>em</strong> tecidos com este dispositivo.<br />
Exist<strong>em</strong>, ainda, sist<strong>em</strong>as conectados à<br />
rede. Neste caso, a utilização <strong>em</strong> residências<br />
é a mais conhecida. Países como a Espanha<br />
e a Al<strong>em</strong>anha tornaram-se ex<strong>em</strong>plos<br />
para o mundo. “Eles criaram um sist<strong>em</strong>a<br />
de incentivo, pagando pela energia elétrica<br />
que a pessoa contribui para distribuir”,<br />
conta Branco. Os consumidores instalam<br />
painéis fotovoltaicos <strong>em</strong> seus telhados e a<br />
eletricidade gerada que não é consumida<br />
naquela residência é disponibilizada para a<br />
rede. “Com a tecnologia estabelecida, cada<br />
vez que se dobra a capacidade de produção,<br />
t<strong>em</strong>-se uma redução de 20% no custo. Ou<br />
seja, o custo desta energia v<strong>em</strong> caindo progressivamente,<br />
enquanto o das outras está<br />
subindo”, contabiliza o pesquisador.<br />
Branco esclarece que, apesar do potencial<br />
do país – o pior lugar do Brasil <strong>em</strong><br />
termos de radiação que poderia ser utilizada<br />
t<strong>em</strong> 40% a mais de incidência do que<br />
o melhor local na Al<strong>em</strong>anha – a energia<br />
fotovoltaica ainda não faz parte da matriz<br />
energética nacional, <strong>em</strong>bora existam algumas<br />
ações específicas implantadas. Daí a<br />
importância, segundo o pesquisador, de<br />
chamar atenção das pessoas para o fato de<br />
que há aplicações muito simples – como<br />
a utilização <strong>em</strong> pontos de iluminação de<br />
casas e sítios ou para bombear água <strong>em</strong><br />
uma pequena irrigação, por ex<strong>em</strong>plo. O<br />
uso para suprir processos de tratamento<br />
de água e o acionamento de equipamentos<br />
que funcionam com eletricidade de forma<br />
r<strong>em</strong>ota (geradores) também são citados.<br />
Outros conjuntos de aplicações a<br />
ser<strong>em</strong> impl<strong>em</strong>entadas inclu<strong>em</strong> bases para<br />
armazenamento de energia, para carregar<br />
baterias <strong>em</strong> geral, como de celular, que<br />
estariam disponíveis para utilização do<br />
público dentro do Cetec. “Por enquanto,<br />
são ações de d<strong>em</strong>onstração e validação<br />
de competências, a partir do conhecimento<br />
existente, tirando aprendizado do uso<br />
desses sist<strong>em</strong>as de geração para melhorarmos<br />
os produtos e processos com que<br />
trabalhamos”, ressalta o coordenador. Ele<br />
acrescenta que já há um projeto <strong>em</strong> parceria<br />
com <strong>em</strong>presa mineira. Nesta ação, o<br />
NMS conta <strong>em</strong> sua equipe com o professor<br />
Luís Guilherme Monteiro e estudantes de<br />
Engenharia de Energia do Instituto Politécnico<br />
da Pontifícia Universidade Católica de<br />
Minas Gerais (PUC-MG).<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 17
Foto: ACS/Cetec<br />
O modelo de “poste solar” instalado na entrada do Cetec é o primeiro de uma série<br />
O Sist<strong>em</strong>a Brasileiro de Tecnologia<br />
(Sibratec), operado pela Financiadora<br />
de Estudos e Projetos (Finep), é um<br />
instrumento de articulação e aproximação<br />
da comunidade científica e tecnológica<br />
com <strong>em</strong>presas. Um dos seus<br />
componentes são as Redes T<strong>em</strong>áticas<br />
de Centros de Inovação, formadas por<br />
grupos de desenvolvimento de institutos<br />
de pesquisa tecnológica com<br />
experiência na interação com <strong>em</strong>presas.<br />
Elas têm como objetivo gerar e<br />
transformar conhecimentos científicos<br />
e tecnológicos <strong>em</strong> produtos, processos<br />
e protótipos com viabilidade<br />
comercial para promover inovações<br />
radicais ou incr<strong>em</strong>entais.<br />
Made in Brazil<br />
A cadeia de produção de energia<br />
solar por meio de módulos fotovoltaicos<br />
passa pela obtenção do silício, fabricação<br />
das lâminas das células e construção do<br />
módulo propriamente dito, integração<br />
com componentes elétricos e eletrônicos.<br />
“Na parte de eletrônica exist<strong>em</strong> alguns<br />
equipamentos com os quais t<strong>em</strong>os pouca<br />
experiência no Cetec, então, estamos<br />
firmando projetos e cooperações com<br />
<strong>em</strong>presas do Vale da Eletrônica, de Santa<br />
Rita da Sapucaí, [a 420 km de Belo Horizonte]<br />
e com o Green Solar da PUC-MG”,<br />
detalha Branco. Ele explica que o grupo<br />
está promovendo a mobilização de atores<br />
<strong>em</strong> toda esta cadeia produtiva, o que deve<br />
contribuir para consolidar uma indústria<br />
fotovoltaica no Brasil, ação que vai ao<br />
encontro dos objetivos do Instituto de<br />
Energias Renováveis (Bioerg) – que busca<br />
dar suporte à implantação de pesquisa<br />
e desenvolvimento de produtos tecnológicos<br />
na área energética.<br />
Branco chama atenção para a necessidade<br />
de economia de energia <strong>em</strong><br />
nível mundial e busca de alternativas,<br />
com a consciência de que algumas fontes<br />
– como o próprio sist<strong>em</strong>a hidrelétrico<br />
brasileiro – encontram-se próximas<br />
do limite de produção. Energias limpas,<br />
como a eólica, que já entrou na matriz<br />
energética do país, e a solar tend<strong>em</strong> a<br />
se expandir. “Exist<strong>em</strong> vários projetos <strong>em</strong><br />
As ações no Cetec começaram a partir<br />
de uma parceria com a C<strong>em</strong>ig. Em um<br />
primeiro momento, foram <strong>em</strong>preendidos<br />
esforços também na formação de<br />
recursos humanos por meio da Red<strong>em</strong>at<br />
(Rede T<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> Engenharia de Materiais)<br />
e outros programas <strong>em</strong> Minas.<br />
Atualmente, a iniciativa conta com o<br />
apoio também da FAPEMIG, do Ministério<br />
da Ciência e Tecnologia, da Financiadora<br />
de Estudos e Projetos (Finep),<br />
da Coordenação de Aperfeiçoamento de<br />
Pessoal de Nível Superior (Capes) e do<br />
Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />
Científico e Tecnológico (CNPq).<br />
A PUC-MG possui trabalhos relacionados<br />
à parte eletrônica e ao des<strong>em</strong>penho<br />
elétrico do sist<strong>em</strong>a, b<strong>em</strong> como o Centro<br />
Federal de Educação Tecnológica (Cefet-<br />
-MG). As Universidades Federais de<br />
Minas Gerais (UFMG), de Viçosa (UFV)<br />
e de Uberlândia (UFU) também possu<strong>em</strong><br />
projetos a respeito. As atividades não<br />
estão totalmente interligadas, mas existe<br />
interesse, segundo o pesquisador, <strong>em</strong><br />
promover esta organização de esforços.<br />
andamento, acredito que dentro de uns<br />
três anos as <strong>em</strong>presas já vão conhecer<br />
o negócio e o custo desta energia estará<br />
competitivo com a eletricidade conven-<br />
cional”, prevê o pesquisador, que coordena<br />
também a rede t<strong>em</strong>ática de Centros<br />
de Inovação <strong>em</strong> Tecnologias para Energia<br />
Solar Fotovoltaica do Sist<strong>em</strong>a Brasileiro<br />
de Tecnologia (Sibratec).<br />
A preocupação com soluções que<br />
result<strong>em</strong> na redução do custo da energia<br />
fotovoltaica é fator comum entre as pesquisas<br />
nesta área, já que hoje ela custa <strong>em</strong><br />
média o triplo da convencional, devido aos<br />
investimentos <strong>em</strong> equipamentos. O armazenamento<br />
é outro ponto de convergência.<br />
Alguns estudos apontam que, se fosse<br />
possível reter adequadamente a energia<br />
do sol que diariamente é recebida e não é<br />
utilizada, seria possível manter metrópoles<br />
inteiras, com um nível de <strong>em</strong>issão de carbono<br />
que se aproximaria de zero. O grupo<br />
do Cetec t<strong>em</strong> expectativas de, <strong>em</strong> breve,<br />
começar a trabalhar processos também<br />
voltados para armazenag<strong>em</strong>.<br />
PROJETO: Engenharia de Superfícies<br />
para Energias Renováveis - Eficiência<br />
Energética e Biomateriais<br />
COORDENADOR: José Roberto<br />
Tavares Branco<br />
MODALIDADE: Programa<br />
Pesquisador Mineiro<br />
VALOR: 48.000<br />
18 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
O site da FAPEMIG mudou<br />
Ao acessar o endereço fap<strong>em</strong>ig.br, o<br />
internauta vai encontrar o portal com um<br />
visual diferente, dinâmico, moderno e<br />
navegação rápida. O projeto foi desenvolvido<br />
por uma equipe da Universidade<br />
Federal de São João Del Rei (UFSJ), e,<br />
sob coordenação da pesquisadora Elisa<br />
Tuller, foram realizados testes com professores,<br />
alunos e servidores da universidade,<br />
colaboradores da FAPEMIG e usuários<br />
do site. O objetivo era reunir informações<br />
para construção do novo layout do portal.<br />
Outra novidade que pode ser encontrada<br />
na página é o acesso ao Projeto Minas<br />
Faz Ciência, <strong>em</strong> que o internauta poderá<br />
ouvir os podcasts “Ondas da Ciência”,<br />
assistir aos programas “Ciência no Ar” e<br />
ler os textos do blog Minas Faz Ciência.<br />
Além disso, será possível ler as edições<br />
da revista MINAS FAZ CIÊNCIA online. “O<br />
novo portal permitirá ampliarmos nosso<br />
trabalho e fortalecer o papel da FAPEMIG<br />
de divulgação científica”, explica a chefe<br />
da Assessoria de Comunicação Social<br />
(ACS), Ariadne Lima. Para o presidente<br />
da FAPEMIG, Mario Neto Borges, o novo<br />
portal está compatível com as atividades e<br />
a missão da FAPEMIG, que é induzir e fomentar<br />
a pesquisa e a inovação científica<br />
e tecnológica para o desenvolvimento do<br />
Estado. Visite o site, acessando<br />
www.fap<strong>em</strong>ig.br<br />
CURTAS DA CIÊNCIA<br />
Minas é destaque no Prêmio Jov<strong>em</strong> Cientista<br />
A ciência mineira foi cont<strong>em</strong>plada <strong>em</strong> três<br />
categorias da tradicional pr<strong>em</strong>iação: graduado,<br />
estudante de ensino superior e mérito institucional,<br />
sendo que nas duas primeiras os jovens<br />
pesquisadores conquistaram o primeiro lugar. A<br />
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)<br />
recebeu o prêmio de mérito institucional como a<br />
entidade de ensino superior com o maior número<br />
de trabalhos de valor científico. A Universidade<br />
foi pr<strong>em</strong>iada com 35 mil reais. Na categoria<br />
graduado, a vencedora foi Uende Aparecida<br />
Figueiredo Gomes, da UFMG, pr<strong>em</strong>iada com<br />
30 mil reais com a pesquisa Intervenções de<br />
saneamento básico <strong>em</strong> áreas de vilas e favelas:<br />
Um estudo comparativo de duas experiências na<br />
Região Metropolitana de Belo Horizonte.<br />
Já o vencedor da categoria estudante de<br />
ensino superior, Kaiodê Biague, estudante do 2º<br />
período de arquitetura e urbanismo do Centro<br />
Universitário Izabela Hendrix, recebeu a pr<strong>em</strong>iação<br />
no valor de 15 mil reais, com a pesquisa<br />
Mini Usinas solares fotovoltaicas <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>as<br />
de transporte rápido por ônibus BRT (BUS RA-<br />
PID TRANSIT). Para o estudante, ser o vencedor<br />
foi uma surpresa e ao mesmo t<strong>em</strong>po uma motivação<br />
para trilhar a carreira científica. “Fiquei<br />
muito orgulhoso e ainda mais motivado a continuar<br />
pensando <strong>em</strong> uma arquitetura comprometida<br />
com o desenvolvimento das cidades e das<br />
pessoas.” No dia 6 de dez<strong>em</strong>bro, os vencedores<br />
vão receber o prêmio da presidente Dilma Roussef<br />
no Palácio do Planalto, <strong>em</strong> Brasília.<br />
Projeto<br />
Imagens<br />
do Conhecimento<br />
O Projeto Imagens do Conhecimento, desenvolvido<br />
pelo Cedecom-UFMG, propõe a divulgação<br />
de imagens vinculadas ao conhecimento.<br />
Imagens pod<strong>em</strong> ilustrar, representar ou condensar<br />
dimensões a ser<strong>em</strong> discutidas e difundidas. O<br />
fascínio da imag<strong>em</strong> soma-se ao do conhecimento.<br />
Maria-Exphotos, de Marcelo Kraiser, integra<br />
o Imagens do Conhecimento. O trabalho<br />
Exphotos inicia-se com pesquisa sobre processos<br />
analógicos de produção de imagens. Kraiser<br />
se interessava mais pelos defeitos do que pelos<br />
acertos fotográficos e, por meio de processos<br />
digitais, passou a simular esses defeitos da produção<br />
analógica. Para ele, a fotografia pode ser<br />
vista de duas formas: sob a ótica de padrões de<br />
como fotografar ou sob a visão de que a imag<strong>em</strong><br />
é s<strong>em</strong>pre uma invenção sobre o mundo.<br />
A pesquisadora Maria do Céu Diel (UFMG),<br />
no texto Onde foi que eu vi essa ex-foto, onde foi<br />
que eu vivi?, escreve: “Para além da representação,<br />
mais que narrativa ou retórica <strong>em</strong>pobrecida,<br />
as fotografias de Marcelo Kraiser são quase<br />
afrescos, reveladas, impressas e desenhadas nas<br />
paredes im<strong>em</strong>oriais do passado nunca vivido”.<br />
Confira a imag<strong>em</strong> na página 50 desta edição.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 19
LEGISLAÇÃO<br />
Código que<br />
rompe amarras<br />
Projeto de lei<br />
que tramita<br />
no Congresso<br />
Nacional permitirá<br />
desburocratização<br />
dos processos<br />
que envolv<strong>em</strong> a<br />
Ciência no Brasil<br />
Fabrício Marques e<br />
Maurício Guilherme Silva Jr.<br />
20 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Se o criador da Apple, Steve Jobs,<br />
e seu colega Steve Wozniak vivess<strong>em</strong> no<br />
Brasil <strong>em</strong> 1976, jamais teriam tido acesso<br />
aos componentes eletrônicos usados na<br />
montag<strong>em</strong> dos primeiros computadores da<br />
<strong>em</strong>presa <strong>em</strong> uma garag<strong>em</strong>. Desde então,<br />
houve alguma melhora, um avanço tímido,<br />
como l<strong>em</strong>brou o jornalista Fernando<br />
Rodrigues, <strong>em</strong> sua coluna na Folha de S.<br />
Paulo, <strong>em</strong> 8 de outubro de 2011. Mas os<br />
entraves legais, muitas vezes, atrasam ou<br />
mesmo imped<strong>em</strong> o avanço da Ciência, da<br />
Tecnologia e da Inovação no País.<br />
Uma proposta pode alterar esse quadro<br />
e atuar como divisor na história da<br />
Ciência no Brasil, animando e estimulando<br />
inovadores, cientistas, pesquisadores<br />
e <strong>em</strong>preendedores. No final de agosto, os<br />
presidentes dos Conselhos Nacionais das<br />
Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa<br />
(Confap), Mario Neto Borges e dos Secretários<br />
para assuntos de C,T&I (Consecti),<br />
Odenildo Sena, entregaram o Código da Ciência,<br />
Tecnologia e Inovação a autoridades<br />
do Executivo e do Legislativo, <strong>em</strong> Brasília.<br />
O documento, que ora chega às<br />
mãos daqueles que criam e gerenciam<br />
as leis numa d<strong>em</strong>ocracia representativa<br />
como o Brasil, simboliza a concretização<br />
de antigas reivindicações dos mais diversos<br />
setores sociais. Conforme ressalta<br />
Catarina Barreto Linhares, procuradora do<br />
Estado de Minas Gerais, procuradora chefe<br />
da FAPEMIG e uma das coordenadoras<br />
do grupo responsável pela elaboração<br />
da proposta do Novo Código, a iniciativa<br />
formal do Consecti e do Confap é fruto<br />
dos reiterados reclamos das comunidades<br />
acadêmica e <strong>em</strong>presarial, assim como do<br />
Poder Público, quanto à morosidade, à<br />
burocracia, aos entraves e prejuízos ocasionados<br />
ao setor de Ciência, Tecnologia<br />
e Inovação, principalmente no que diz respeito<br />
ao engessamento da legislação.<br />
“Daí constituiu-se o Grupo de Trabalho,<br />
a fim de elaborar proposta de novo<br />
marco legal. Houve reuniões presenciais<br />
<strong>em</strong> Belo Horizonte, Goiânia e Brasília,<br />
além de um s<strong>em</strong> número de contatos à distância,<br />
para troca de textos, discussões e<br />
debates”, explica Linhares. Os encontros e<br />
discussões culminaram com a entrega, <strong>em</strong><br />
agosto último, da proposta ao Congresso<br />
Nacional, que, segundo a procuradora,<br />
“a encampou plenamente, assumindo-a”.<br />
Agora, a iniciativa tramita sob a denominação<br />
de Projeto de Lei n 0 . 2177/11.<br />
“A questão legal foi a motivação principal<br />
para iniciarmos o trabalho que resultou<br />
no PL 2177/2011”, afirma o deputado<br />
federal Sibá Machado, m<strong>em</strong>bro titular da<br />
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação<br />
e Informática (CCTCI) e vice-líder<br />
da bancada do PT na Câmara dos Deputados.<br />
Mas o parlamentar ressalta que o financiamento<br />
para Ciência e Tecnologia no<br />
Brasil é outro grande probl<strong>em</strong>a porque ainda<br />
é muito pequeno. Hoje, todo o dinheiro<br />
para o setor representa 1.197% do PIB.<br />
Desse valor, 70% vêm do setor público.<br />
A iniciativa privada contribui com apenas<br />
30%. “Estamos trabalhando para aumentar<br />
esse percentual de recursos para 2,5% do<br />
PIB”, diz Machado.<br />
A ideia de mudança na legislação brasileira<br />
surgiu <strong>em</strong> Audiência Pública realizada<br />
pela Comissão de Ciência e Tecnologia<br />
da Câmara, <strong>em</strong> final de abril deste ano. Ouvindo<br />
o ministro Aloízio Mercadante, convidado<br />
à época para aquele debate, ficou claro<br />
que o Brasil só recuperará o t<strong>em</strong>po perdido<br />
se investir <strong>em</strong> pesquisa e inovação. “Essa é<br />
a ponte para um futuro de desenvolvimento<br />
com geração de <strong>em</strong>prego, renda e b<strong>em</strong>-estar<br />
social. Para chegarmos lá, é necessário<br />
acabarmos com as amarras legais que hoje<br />
engessam os pesquisadores, intimidam os<br />
profissionais que, t<strong>em</strong>endo a burocracia,<br />
acabam renunciando à pesquisa”, comenta<br />
o deputado federal.<br />
Depois dessa audiência pública,<br />
houve um período de três meses <strong>em</strong> que,<br />
segundo Machado, mais de 1.200 entidades<br />
públicas e privadas de todo o País<br />
colaboraram com ideias e sugestões para<br />
consolidar o projeto. A amplitude dessa<br />
participação é diretamente proporcional à<br />
importância do t<strong>em</strong>a e ao grau de preocupação<br />
existente entre os cientistas brasileiros,<br />
quando o assunto é a legislação<br />
que regula o setor.<br />
Ao longo do processo de criação do<br />
Novo Código, “modelos” internacionais,<br />
a ex<strong>em</strong>plo das experiências de Coreia e<br />
Estados Unidos, serviram de base aos<br />
princípios gerais do documento. Outras<br />
“Daí constituiu-se o Grupo<br />
de Trabalho, a fim de elaborar<br />
proposta de novo marco legal.<br />
Houve reuniões presenciais<br />
<strong>em</strong> Belo Horizonte, Goiânia<br />
e Brasília, além de um<br />
s<strong>em</strong> número de contatos à<br />
distância, para troca de textos,<br />
discussões e debates”.<br />
Catarina Barreto Linhares<br />
Procuradora chefe da FAPEMIG<br />
Além da procuradora Catarina Linhares<br />
(FAPEMIG), o Grupo de Trabalho<br />
Confap/Consecti foi composto pelos<br />
advogados Breno Rosa (SECT/AM),<br />
Clóvis Squio (FAPESC), Cristina Leftel<br />
(FAPESP) Gianne Azevedo (FAPE-<br />
AM) e Valéria Firme (FAPES).<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 21
Trata-se, respectivamente, da Sociedade<br />
Brasileira para o Progresso da<br />
Ciência, do Conselho Nacional de<br />
Desenvolvimento Científico e Tecnológico<br />
e da Associação Nacional dos<br />
Dirigentes das Instituições Federais<br />
de Ensino Superior.<br />
“As maiores dificuldades<br />
que percebi pod<strong>em</strong> ser<br />
resumidas <strong>em</strong> quatro<br />
grandes grupos: Lei de<br />
Licitações, subvenções,<br />
financiamentos e compras<br />
no exterior.”<br />
Sibá Machado<br />
Deputado federal<br />
importantes referências foram o regime de<br />
contratações e aquisições do Banco Interamericano<br />
de Desenvolvimento (BID) e a<br />
Organização Mundial de Comércio (OMC),<br />
que, segundo Catarina Linhares, “possu<strong>em</strong><br />
regras b<strong>em</strong> mais céleres e razoáveis para o<br />
fomento e d<strong>em</strong>ais ações junto ao setor de<br />
C,T & I”. Apesar disso, as entidades nacionais<br />
e suas necessidades revelaram-se os<br />
principais norteadores para elaboração da<br />
proposta final. “Várias delas, entre as quais<br />
SBPC, CNPq e Andifes, contribuíram com<br />
o apontamento de entraves e sugestões de<br />
alteração”, conta.<br />
Mas o que muda, afinal?<br />
Um dos objetivos dos responsáveis<br />
pela elaboração da proposta enviada ao<br />
Congresso Nacional foi, segundo esclarece<br />
a procuradora Catarina Linhares, o<br />
agrupamento da legislação de regência<br />
<strong>em</strong> documento único. Seriam mais fáceis,<br />
afinal, o manuseio e a aplicação<br />
das normas legais, que não aparec<strong>em</strong><br />
esparsas e difusas, por usuários e destinatários.<br />
“Assim, estando as normas<br />
diretamente ligadas à C,T & I num único<br />
diploma, não restará mais qualquer<br />
dúvida acerca de sua aplicabilidade e<br />
pertinência, afastando-se de pronto a<br />
incidência de regramentos divergentes e<br />
diferentes”, ressalta.<br />
Desse modo, a Lei de Inovação<br />
foi aperfeiçoada para estender seus incentivos<br />
e benesses a um maior número<br />
de entidades de Ciência, Tecnologia<br />
e Inovação, além de “facilitar o acesso<br />
e a execução dos projetos de pesquisa<br />
e inovação pelos parceiros Estado-<br />
-Acad<strong>em</strong>ia-Empresa”. Nos capítulos do<br />
documento apresentado ao Congresso<br />
Nacional, há referências a diversas etapas<br />
e nuances do processo da produção<br />
científica. No que se refere, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
às aquisições e contratações, prevê<strong>em</strong>-<br />
-se, entre outras melhorias: otimização<br />
da interação entre professores/pesquisadores;<br />
facilitação das importações de<br />
materiais para pesquisa e desburocratização<br />
da prestação de contas, com foco<br />
nos resultados.<br />
“Os princípios constitucionais e a<br />
boa-fé dev<strong>em</strong> ser norteadores de todas<br />
as ações, <strong>em</strong> qualquer setor. A flexibilização<br />
não é, de forma alguma, sinônimo<br />
de informalidade, omissão ou desídia”,<br />
ressalta Linhares. O que se pretende é<br />
destacar a importância aos resultados<br />
alcançados, eliminando-se, segundo a<br />
procuradora, “entraves formais de prestação<br />
de contas que, atualmente, desestimulam<br />
os pesquisadores e instituições,<br />
até mesmo a buscar fomento público.<br />
Por óbvio que deve haver prestação de<br />
contas, clara e objetiva, e a fiscalização,<br />
s<strong>em</strong>pre que se entender necessário, pelos<br />
Órgãos competentes”, completa.<br />
Camaleônicos obstáculos<br />
Os entraves à produção científica revelam<br />
múltipla face: dos pequenos obstáculos<br />
cotidianos à imensa “engrenag<strong>em</strong>”<br />
da burocracia, muitos são os fatores de<br />
morosidade a solapar o desenvolvimento<br />
da pesquisa no Brasil. Em entrevista à<br />
edição especial de Minas faz Ciência, que<br />
tratou do processo de internacionalização<br />
das instituições brasileiras, o Reitor<br />
da Universidade Federal de Minas Gerais<br />
(UFMG), professor Clélio Campolina Diniz,<br />
destacou o que, <strong>em</strong> sua visão, configuraria<br />
a “maior de todas as dificuldades”<br />
para ampliação da ciência no Brasil: “As<br />
normas legais que, nas universidades,<br />
são as mesmas para todo o setor público.<br />
Há, por ex<strong>em</strong>plo, a lei das licitações,<br />
nº 8.666, que diz que tudo precisa ser<br />
licitado, pelo menor preço. A pesquisa,<br />
contudo, precisaria ter certa autonomia<br />
para eleger o que lhe é prioritário. Seriam<br />
necessários critérios científicos de avaliação,<br />
e não mercadológicos”.<br />
O professor Jalver Machado Bethônico,<br />
do departamento de Fotografia, Cin<strong>em</strong>a<br />
e Teatro da Escola de Belas da UFMG, cita<br />
a “dureza” dos processos para aquisição<br />
de equipamentos de pesquisa, mesmo que<br />
facilitados até certa etapa.<br />
Recent<strong>em</strong>ente, Bethônico preparava<br />
listag<strong>em</strong> para aquisição de aparelhos<br />
de áudio, fundamentais a seus estudos<br />
sobre a relação entre som e imag<strong>em</strong> (Leia<br />
reportag<strong>em</strong> à página 28). T<strong>em</strong>pos depois<br />
de descritas e enviadas as especificações<br />
técnicas ao setor responsável pela compra<br />
dos equipamentos, o professor recebe co-<br />
22 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
municado oficial, a relatar que nada havia<br />
sido feito, <strong>em</strong> função de dúvidas relativas às<br />
configurações do pedido: desejava-se, afinal,<br />
o X-mini ou o X-mini Max? Ao invés de<br />
rapidamente resolvido, por meio de simples<br />
esclarecimento com o autor da d<strong>em</strong>anda, o<br />
processo acabou interrompido: “Não pude<br />
seguir com a compra. Fui obrigado a fazer<br />
outro formulário de requisição”, conta.<br />
Com a impl<strong>em</strong>entação da nova<br />
proposta de legislação para C, T & I,<br />
experiências negativas como a de Jalver<br />
Bethônico pod<strong>em</strong> deixar de existir.<br />
Conforme ressalta Catarina Linhares,<br />
os pesquisadores, assim como as instituições<br />
públicas ou privadas que atu<strong>em</strong><br />
no setor, “terão desburocratizadas suas<br />
ações, o que trará celeridade e efetividade<br />
aos projetos de pesquisa e de inovação.<br />
Terão todos maior liberdade para fazer<strong>em</strong><br />
parcerias, <strong>em</strong> prol de que haja circulação<br />
do conhecimento <strong>em</strong> favor do desenvolvimento<br />
econômico e social do País”.<br />
Além disso, ressalta a procuradora,<br />
o Poder Público terá ampliada a possibilidade<br />
de cumprir “sua missão de agente<br />
indutor e fomentador da nova Economia<br />
do Conhecimento. Espera-se consolidar<br />
um ‘círculo virtuoso’ onde a parceria entre<br />
Estado, Acad<strong>em</strong>ia e Empresa seja benéfica<br />
a todos os parceiros, e se realimente de<br />
forma contínua, gerando novos produtos<br />
no mercado, <strong>em</strong>prego, renda, patentes etc.,<br />
<strong>em</strong> favor da população brasileira”.<br />
Propostas<br />
para desburocratizar<br />
Quando confrontado com os principais<br />
probl<strong>em</strong>as do arcabouço legal vigente,<br />
o deputado federal Sibá Machado<br />
entende que trabalhar com Ciência,<br />
Tecnologia e pesquisa no Brasil é um<br />
desafio de diversas ordens. “Mas para<br />
responder a essa pergunta diria que as<br />
maiores dificuldades que percebi nas<br />
conversas com cientistas, pesquisadores,<br />
professores universitários, pod<strong>em</strong><br />
ser resumidas <strong>em</strong> quatro grandes grupos:<br />
a chamada Lei de Licitações; as<br />
subvenções; financiamentos e compras<br />
no exterior”.<br />
O deputado federal enumera seis<br />
das principais propostas para um novo<br />
arcabouço legal, defendendo um novo<br />
olhar da lei sobre t<strong>em</strong>as como, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
as licitações. “Não é mais possível,<br />
se quisermos acompanhar os países desenvolvidos,<br />
que o cientista, para adquirir<br />
equipamentos e produtos indispensáveis<br />
à sua pesquisa, tenha que comprar pelo<br />
menor preço ou percorrer todas as etapas<br />
exigidas na Lei de Licitações”, observa.<br />
Para ele, a espera comprometerá o sucesso<br />
de sua pesquisa e o produto de menor<br />
preço, provavelmente, comprometerá<br />
a qualidade e precisão dos resultados.<br />
Se aprovada a nova Lei, as aquisições e<br />
contratações observarão o primado da<br />
qualidade sobre o preço. “Defend<strong>em</strong>os a<br />
aquisição direta, inclusive por importação<br />
para equipamentos de alta tecnologia<br />
voltados para CT&I, mediante justificativa<br />
técnica, sendo desnecessário o exame de<br />
similaridade. Os insumos e serviços de<br />
natureza comum poderão ser adquiridos<br />
e contratados por Seleção Simplificada,<br />
levando <strong>em</strong> consideração qualidade, garantia<br />
e assistência”.<br />
Quanto aos prazos, a proposta que<br />
os instrumentos jurídicos decorrentes<br />
da atividade de CT&I dev<strong>em</strong> ter os seus<br />
prazos vinculados à duração do projeto,<br />
s<strong>em</strong> limitação de aditivos, desde que justificados,<br />
podendo ser acrescidos valores<br />
suficientes para fazer frente às despesas.<br />
“Quer<strong>em</strong>os que a legislação brasileira<br />
estabeleça um regime diferenciado<br />
quando o assunto é Ciência, Tecnologia<br />
e Inovação. Que todo aporte de capital <strong>em</strong><br />
ações de CT&I sejam considerados investimento”,<br />
diz Sibá.<br />
Sobre as pesquisas por <strong>em</strong>presas<br />
privadas, o Projeto de Lei, à ex<strong>em</strong>plo do<br />
que já se pratica nos países desenvolvidos,<br />
abre a possibilidade de incentivo e<br />
fomento público às <strong>em</strong>presas atuantes<br />
<strong>em</strong> pesquisas de CT&I, para constituição<br />
de parcerias e criação de incubadoras de<br />
novas <strong>em</strong>presas. Cria instrumentos de es-<br />
PRÓXIMOS PASSOS<br />
Confira alguns dos trâmites pelos quais passará o documento “Sugestões de<br />
alteração do marco legal para ciência, tecnologia e inovação”, entregue ao<br />
Congresso Nacional <strong>em</strong> 31 de agosto deste ano e que agora responde pelo nome<br />
de Projeto de Lei nº 2177/11.<br />
1. O presidente Marco Maia determinou que a proposta deverá ser<br />
analisada <strong>em</strong> Comissão Especial e depois pelo Plenário da Câmara. No<br />
momento aguarda-se a indicação, pelos líderes dos partidos, dos m<strong>em</strong>bros<br />
da Comissão Especial. Instalada a Comissão, será eleito presidente e relator<br />
para iniciar a apreciação da proposição.<br />
2. No Congresso Nacional, ao invés de passar por diversas sucessivas<br />
comissões, o Projeto será analisado por comissão mista, especialmente<br />
formada para rápido exame do t<strong>em</strong>a.<br />
3. Ou seja, simultaneamente, por entendimento com a Comissão de<br />
Ciência e Tecnologia do Senado, o senador Eduardo Braga apresentou o<br />
mesmo projeto naquela Casa, como forma de agilizar sua tramitação. No<br />
Senado, a proposição é identificada pelo PLS nº 619/2011, que se encontra<br />
na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda designação do relator.<br />
4. Até que a proposta entre <strong>em</strong> votação, prevê-se, segundo o deputado<br />
Sibá Machado, a realização de audiências públicas e de recebimento e análise<br />
de <strong>em</strong>endas.<br />
5. Após a votação, o Projeto será enviado à Presidente da República,<br />
para sanção ou veto.<br />
6. Caso sancionado, o Projeto é publicado e, efetivamente, torna-se lei.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 23
24 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011<br />
tímulo à inovação, como as subvenções<br />
econômicas, financiamentos, participação<br />
societárias e o voucher tecnológico, que é<br />
um crédito não re<strong>em</strong>bolsável concedido<br />
pelas agências ou órgãos de fomento,<br />
resgatável exclusivamente pelas <strong>em</strong>presas<br />
de Ciência e Tecnologia credenciadas,<br />
destinado ao pagamento de transferência<br />
de tecnologias, compartilhamento e uso<br />
de laboratórios ou contratação de serviços<br />
especializados.<br />
Para as importações de equipamentos,<br />
o Projeto de Lei considera que<br />
as instituições de pesquisa possam<br />
adotar os procedimentos do Programa<br />
“Importa Fácil”, tendo tratamento aduaneiro<br />
simplificado, com maior agilidade,<br />
equipe especializada da Receita Federal<br />
com treinamento para despacho de cargas<br />
relativas a produtos destinados à<br />
pesquisa, determinação de aeroportos<br />
específicos para internalização dessas<br />
compras realizadas no exterior.<br />
Em relação à prestação de contas,<br />
o Projeto estabelece que a União, Estados,<br />
Distrito Federal e os Municípios<br />
deverão adotar sist<strong>em</strong>as de prestação<br />
de contas flexíveis com obediência aos<br />
seguintes princípios: a) foco na análise<br />
do resultado do projeto, e não na contabilidade;<br />
b) limite para r<strong>em</strong>anejamento<br />
com justificativa posterior, e além deste<br />
limite, mediante prévia manifestação; c)<br />
prestação de contas mediante relatório<br />
eletrônico, com obrigação de guarda dos<br />
documentos comprobatórios do bom uso<br />
dos recursos, a ex<strong>em</strong>plo do que é hoje a<br />
Declaração do Imposto de Renda.<br />
Outro ponto importante que não ficou<br />
esquecido diz respeito à dedicação<br />
exclusiva. Pela proposta, os professores<br />
de dedicação exclusiva poderão realizar<br />
atividades de pesquisa e extensão <strong>em</strong><br />
horário concomitante, s<strong>em</strong> prejuízo das<br />
vantagens do cargo público, fazendo jus<br />
ao recebimento de bolsa de incentivo à<br />
inovação, se for o caso. Além disso, permite<br />
que os pesquisadores estrangeiros,<br />
detentores de visto provisório de permanência<br />
no Brasil, possam atuar <strong>em</strong> projetos<br />
de Ciência, Tecnologia e Inovação,<br />
recebendo bolsas de qualquer natureza.
As novas leis da (ciência) dinâmica<br />
Confira algumas das sugestões de alteração do marco legal para Ciência,<br />
Tecnologia & Inovação, proposta pelo grupo de grupo de trabalho Consecti-Confap:<br />
Construção de ambientes especializados<br />
e cooperativos de inovação<br />
As diversas instâncias governamentais<br />
(União, Estados, Distrito Federal, Municípios)<br />
e suas respectivas agências de<br />
fomento poderão estimular e apoiar alianças<br />
estratégicas para projetos de cooperação<br />
com <strong>em</strong>presas nacionais e internacionais,<br />
Entidades de Ciência, Tecnologia e<br />
Inovação (ECTIs) – públicas e privadas – e<br />
organizações de direito privado voltadas à<br />
formação de Recursos Humanos qualificados,<br />
à pesquisa e ao desenvolvimento de<br />
produtos e processos inovadores.<br />
Unificação de nomenclaturas<br />
Para facilitar processos, contratos e<br />
acordos, o novo código descreve conceitos<br />
diversos, dos significados de “contrato” a<br />
“aquisição”; de “criação” a “criador”; de “financiamento”<br />
a “parque tecnológico”.<br />
Inventor independente<br />
A ele será facultada a possibilidade<br />
de solicitar, desde que comprove depósito<br />
de pedido de patente, a adoção de sua<br />
criação por ECTI, agência ou órgão de<br />
fomento, que decidirá livr<strong>em</strong>ente quanto<br />
à conveniência e à oportunidade da solicitação,<br />
com vistas à elaboração de projeto.<br />
Ações conjuntas<br />
ECTIs públicas e privadas poderão<br />
compartilhar seus laboratórios, equipamentos,<br />
instrumentos, materiais e d<strong>em</strong>ais<br />
instalações <strong>em</strong> atividades voltadas à inovação<br />
tecnológica.<br />
Estímulo à inovação nas<br />
ECTIs privadas com fins lucrativos<br />
As diversas instâncias governamentais<br />
e suas agências de fomento<br />
poderão promover e incentivar o desenvolvimento<br />
de produtos e processos<br />
inovadores <strong>em</strong> ECTIs privadas, com fins<br />
lucrativos e voltadas a atividades de<br />
pesquisa, mediante a concessão de recursos<br />
financeiros, humanos, materiais<br />
ou de infraestrutura, a ser<strong>em</strong> ajustados<br />
<strong>em</strong> instrumentos específicos, destinados<br />
a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento<br />
e inovação, para atender<br />
às prioridades da política industrial e<br />
tecnológica nacional.<br />
Formação de Recursos Humanos<br />
As diversas instâncias governamentais<br />
e seus órgãos e agências de fomento<br />
concederão bolsas destinadas à formação<br />
e capacitação de Recursos Humanos e à<br />
agregação de especialistas <strong>em</strong> ECTIs, que<br />
contribuam para a execução de projetos de<br />
pesquisa ou de desenvolvimento tecnológico<br />
e atividades de extensão inovadora e<br />
transferência de tecnologia.<br />
Acesso à biodiversidade<br />
Não dependerá de autorização prévia<br />
o acesso a amostra de componente do<br />
patrimônio genético e de conhecimento<br />
tradicional, desde que associado a fins<br />
exclusivos de pesquisa e desenvolvimento<br />
nas áreas biológicas e afins, <strong>em</strong><br />
quantidades razoáveis, nos termos de<br />
regulamentação.<br />
Importação<br />
Serão isentas dos impostos de importação<br />
e sobre produtos industrializados e do<br />
adicional ao frete para renovação da marinha<br />
mercante as importações de máquinas,<br />
equipamentos, aparelhos e instrumentos,<br />
b<strong>em</strong> como suas partes e peças de reposição,<br />
acessórios, matérias-primas e produtos<br />
intermediários destinados à pesquisa<br />
científica, tecnológica e inovação.<br />
Aquisições e contratações<br />
As aquisições de bens e as contratações<br />
de serviços destinados exclusivamente,<br />
à pesquisa, desenvolvimento e<br />
inovação serão regidos pelos princípios<br />
básicos de legalidade, impessoalidade,<br />
moralidade, probidade, publicidade,<br />
sustentabilidade, razoabilidade e busca<br />
permanente e prioritária pela qualidade,<br />
durabilidade e adequação a seus objetivos.<br />
Patrimônio<br />
Os bens ou serviços gerados ou<br />
adquiridos com a aplicação dos recursos<br />
destinados ao estímulo ou inovação de<br />
CT&I serão incorporados, desde sua aquisição<br />
no âmbito dos projetos, ao patrimônio<br />
da ECTI recebedora.<br />
Prestação de contas eletrônica<br />
União, Estados, Municípios, Distrito<br />
Federal e órgãos e agências de fomento<br />
estabelecerão formas simplificadas e uniformizadas<br />
de prestação de contas dos<br />
recursos repassados com base nesta lei, a<br />
ser realizada, preferencialmente, mediante<br />
envio eletrônico de informações.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 25
O Código Nacional da CT&I<br />
Urge “concertar” a legislação da Ciência, Tecnologia<br />
e Inovação no Brasil. Importantes avanços foram feitos na<br />
política da área e também nos investimentos – mas ainda<br />
existe um obstáculo fundamental a ser superado. A legislação<br />
vigente é fragmentada, ultrapassada e inadequada<br />
ao contexto do Século do Conhecimento. Neste sentido e,<br />
como um “concerto de orquestra” surge o Código Nacional<br />
da CT&I que diz respeito à regulamentação legal para a ciência<br />
no Brasil. Moderno, articulado, simplificado, enxuto<br />
e apropriado para colocar o País numa posição de avanços<br />
mais rápidos na ciência e especialmente na inovação.<br />
O documento, subscrito pela maioria das instituições<br />
que atuam na área, está circulando na sociedade, no<br />
Congresso Nacional e no Executivo Federal. É resultado de<br />
muito trabalho - de muitas cabeças - que v<strong>em</strong> atender aos<br />
anseios da comunidade científica nacional, d<strong>em</strong>andas estas<br />
lideradas pelo atual Ministério da Ciência, Tecnologia<br />
e Inovação – MCTI que prepara uma nova etapa da política<br />
científica nacional.<br />
O País precisa falar a mesma língua quando se referir<br />
à ciência, seja quando falam as agências de fomento, as<br />
instituições de pesquisa ou os órgãos de controle. Assim,<br />
o Código proposto, mais do que unificar a nomenclatura,<br />
define conceitos que facilitarão o diálogo entre os atores<br />
mencionados. Será o “livro de cabeceira” de gestores, usuários<br />
e operadores do controle nesta área. Neste sentido,<br />
simplifica procedimentos administrativos e burocráticos<br />
para os processos de importação, priorizando o des<strong>em</strong>baraço<br />
aduaneiro; a isenção de impostos e a fiscalização<br />
da Receita e da Anvisa. Da mesma forma, agiliza o acesso<br />
à biodiversidade, independent<strong>em</strong>ente de autorização do<br />
Ministério do Ambiente, quando se tratar de amostras do<br />
patrimônio genético para fins de pesquisa.<br />
As aquisições e contratações; os convênios e contratos;<br />
o controle do patrimônio e a prestação de contas <strong>em</strong><br />
projetos e programas de ciência, tecnologia e inovação<br />
ganham novo entendimento e modernos mecanismos. No<br />
caso das aquisições, o Código destaca a prevalência da<br />
qualidade, garantia e assistência sobre o mito do “menor<br />
valor” e com processos simplificados, incluindo a possibilidade<br />
de prazos superiores à sessenta meses. Propõe<br />
modelo de prestação de contas eletrônico dispensando a<br />
imediata apresentação da documentação comprobatória,<br />
que só será exigida quando despertar a dúvida do uso inadequado<br />
dos recursos – procedimento similar ao adotado<br />
pela Receita Federal no caso do imposto de renda.<br />
O Código estimula a inovação na medida <strong>em</strong> que<br />
amplia, flexibiliza e substitui, <strong>em</strong> novos artigos legais, os<br />
fundamentos da vigente Lei de Inovação. Neste aspecto,<br />
não só permite amplo compartilhamento de acervos públicos<br />
mediante r<strong>em</strong>uneração de infraestrutura e recursos humanos,<br />
mas também regulamenta o aporte de recursos nas<br />
<strong>em</strong>presas, especialmente micro e pequenas, <strong>em</strong> diversas<br />
modalidades – inclusive a subvenção direta. Garante ainda<br />
o direito do pesquisador-inventor ter participação financeira<br />
nos royalties de sua criação.<br />
Não menos importante é o uso indistinto dos recursos<br />
que passam a ser vistos como investimento <strong>em</strong><br />
pesquisa e inovação, e não mais como apenas rubricas<br />
contábeis (custeio, capital, bolsas) que infernizam a vida<br />
de gestores e usuários destes recursos. Assim, passam<br />
a focar no resultado da aplicação do recurso ao invés do<br />
processo de execução.<br />
Não se pretende esgotar aqui todos os benefícios<br />
contidos no documento, mas pode-se afirmar que as alterações<br />
constantes da proposta do Código constitu<strong>em</strong><br />
avanços que permit<strong>em</strong> vislumbrar um futuro promissor<br />
para CT&I no Brasil. O País já v<strong>em</strong> tendo reconhecimento<br />
científico e tecnológico internacional e não pode perder<br />
essa grande oportunidade!<br />
Mario Neto Borges<br />
Presidente da FAPEMIG e do Conselho<br />
Nacional das Fundações Estaduais de<br />
Amparo à Pesquisa (Confap)<br />
26 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Código da Ciência<br />
Há consenso. Nos anos mais recentes, os investimentos<br />
<strong>em</strong> Ciência, Tecnologia e Inovação no<br />
Brasil tiveram aumento progressivo. O que se t<strong>em</strong><br />
criticado, a partir da administração da presidenta<br />
Dilma, é o contingenciamento de recursos destinados<br />
à CT&I, numa quebra de compromisso assumida<br />
lá atrás pelo então presidente Lula de que,<br />
até final de 2010, recursos para essa área seriam<br />
intocáveis. Sei que está <strong>em</strong> jogo o excesso de zelo<br />
da presidenta para com a crise econômica mundial.<br />
Entretanto, mesmo leigo na seara da economia, trabalho<br />
com a convicção de que manter fortes investimentos<br />
<strong>em</strong> CT&I é poderosa arma para se exorcizar<br />
uma crise. De qualquer modo, alimento a crença de<br />
que, a partir do próximo ano, as coisas retom<strong>em</strong> a<br />
velocidade dos últimos anos e que a presidenta nos<br />
surpreenda, como t<strong>em</strong> feito <strong>em</strong> outras áreas, com<br />
seu estilo de gestão.<br />
Mas, voltando ao consenso aqui l<strong>em</strong>brado,<br />
há notáveis evidências dos desdobramentos do ciclo<br />
virtuoso por que passou o País. O aumento dos<br />
investimentos federais do MCTI, por meio de suas<br />
agências de fomento, aliado à brilhante ideia de um<br />
Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação<br />
(PACTI), com metas a ser<strong>em</strong> cumpridas, contagiou<br />
diversos estados da federação e os desafiou a participar<strong>em</strong><br />
ativamente da <strong>em</strong>preitada. Os sist<strong>em</strong>as<br />
estaduais se organizaram com suas secretarias e<br />
se criaram novas fundações de amparo à pesquisa<br />
(hoje já são 25!), estabelecendo-se a cultura das<br />
parcerias e potencializando-se recursos. Disso<br />
decorrente, formaram-se mais pesquisadores, ampliou-se<br />
a iniciação científica, fortaleceram-se os<br />
programas de pós-graduação, lançaram-se ações<br />
ousadas, como os institutos nacionais de C&T e<br />
tantas outras; deslancharam-se os programas de<br />
subvenção econômica, estimulando-se <strong>em</strong>presas<br />
a comprar os desafios da inovação e os ganhos<br />
da competitividade. E, no meio de tudo isso, um<br />
fenômeno novo que eu reputo da maior relevância:<br />
a descentralização dos investimentos associada à<br />
sua desconcentração, fato que revelou, por meio<br />
dos indicadores, o aumento proporcional de recursos<br />
destinados às regiões Norte, Nordeste e<br />
Centro-Oeste, o que sinaliza para a redução das<br />
desigualdades regionais, ainda que se tenha muita<br />
estrada a percorrer nesse sentido.<br />
Ao lado desse consenso, entretanto, caminha<br />
outro que representa uma força paradoxal, verdadeiro<br />
entrave a tudo que se t<strong>em</strong> conseguido até aqui<br />
para o Brasil ocupar o seu devido lugar entre as<br />
nações que lideram a produção de conhecimento,<br />
tecnologia e inovação. Se, por um lado, t<strong>em</strong>-se o<br />
que com<strong>em</strong>orar com os avanços aqui referidos, por<br />
outro, se t<strong>em</strong> a lamentar que a legislação <strong>em</strong> vigor<br />
(imprópria, ultrapassada e dispersa) tenha sido o<br />
maior obstáculo para maiores saltos quantitativos e<br />
qualitativos. Neste sentido, a proposta para o novo<br />
“Código da Ciência”, capitaneada pelos conselhos<br />
nacionais dos secretários estaduais de CT&I<br />
(Consecti) e presidentes de fundações estaduais<br />
de amparo à pesquisa (Confap), com contribuições<br />
de entidades e instituições representativas da área<br />
(SBPC, ABC, Andifes, Abru<strong>em</strong>, Finep, CNPq, Capes),<br />
significa uma revolução nos marcos regulatórios<br />
que reg<strong>em</strong> a vida de instituições e pessoas<br />
que faz<strong>em</strong> ciência no país. Agora está nas mãos do<br />
Congresso e do Executivo.<br />
Odenildo Sena<br />
Secretário de C&T do Amazonas e presidente do Conselho Nacional<br />
de Secretarias Estaduais para Assuntos de C,T&I (Consecti)<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 27
ARTE E TECNOLOGIA<br />
Projetos da Escola de<br />
Belas Artes da UFMG<br />
dedicam-se à pesquisa<br />
das artes digitais<br />
e computacionais,<br />
estimulando inovadoras<br />
interações poéticas<br />
entre sons e imagens<br />
Maurício Guilherme Silva Jr.<br />
Dente de Leão: por meio do<br />
sopro, público participa da<br />
poética obra<br />
Foto: Divulgação<br />
28 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Na enorme tela branca, a galinha preta<br />
anda de um lado a outro. Diante dela,<br />
o espectador banca o sádico algoz. Com<br />
um afiado tridente nas mãos, diverte-se<br />
por cutucar a pobre ave, que foge <strong>em</strong> frenético<br />
desespero. De beleza estética ímpar<br />
– apesar da aparente crueldade –, a cena<br />
esconde ainda outros atrativos: equipado<br />
com fone nos ouvidos, o “torturador” da<br />
galinácea digital ouve, a cada alfinetada no<br />
animal, uma série de sons e versos da peça<br />
Hamlet, de William Shakespeare, a questionar<br />
os desígnios da existência.<br />
Fruto de pesquisas <strong>em</strong> torno das<br />
possibilidades interativas da arte computacional,<br />
o poético <strong>em</strong>bate entre homens<br />
e galinhas digitais é capaz de,<br />
num átimo, revelar as muitas facetas de<br />
algumas das mais inovadoras iniciativas<br />
estéticas da cont<strong>em</strong>poraneidade. Trata-se,<br />
<strong>em</strong> síntese, de experimentações, práticas<br />
ou conceituais, responsáveis por configurar<br />
complexas redes de interconexão entre<br />
imag<strong>em</strong> e som, assim como de estimular<br />
os indivíduos a inéditos modos de fruição<br />
da obra e/ou performance artística.<br />
“Investimos, assim, <strong>em</strong> interação<br />
multimodal. Por meio da voz, do tato e de<br />
outros movimentos ou ações, o espectador<br />
interage com a obra, que lhe responde imediatamente”,<br />
explica o comunicador visual<br />
Jalver Machado Bethônico, professor do<br />
Departamento de Fotografia, Teatro e Cin<strong>em</strong>a<br />
da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais (UFMG).<br />
Se, até pouco t<strong>em</strong>po, não havia na<br />
EBA a tradição de pesquisas acerca de novas<br />
relações entre sons e imagens – posto<br />
que o ensino de desenho revela-se protagonista<br />
na instituição –, hoje, destacam-se por<br />
lá dois instigantes caminhos de investigação<br />
estética. A primeira vertente reúne pesquisas<br />
sobre a relação entre música e artes<br />
gráficas. Trata-se do estudo da representação<br />
visual da voz, assim como das especificidades<br />
da pintura que busca interpretar os<br />
sons. Já na outra seara de inquirições, investe-se<br />
na exploração da rede de conexões<br />
entre signos visuais e sonoros, como forma<br />
de compreender e promover comparações,<br />
traduções e escrituras audiovisuais.<br />
Como resultado desta segunda “via”<br />
de pesquisas, nasce, <strong>em</strong> 2004, sob coordenação<br />
de Bethônico e do professor<br />
Francisco Marinho, o grupo interSignos,<br />
cujo “S”, maiúsculo e ao centro do vocábulo,<br />
busca, justamente, revelar a força e<br />
as peculiaridades das (inter)mediações.<br />
Desde sua formação oficial, a iniciativa<br />
pretende, entre outros objetivos, “ampliar<br />
o conhecimento do universo dos encontros<br />
entre imag<strong>em</strong> e som; explorar as possibilidades<br />
de articulação da(s) linguag<strong>em</strong>(ns)<br />
audiovisual(is); melhorar a formação dos<br />
alunos, por meio de metodologias capazes<br />
de ampliar o trânsito inters<strong>em</strong>iótico, e produzir<br />
textos e obras individuais e, preferencialmente,<br />
coletivas”.<br />
Com base <strong>em</strong> tais princípios, uma<br />
série de experimentações <strong>em</strong> artes digitais<br />
– todas muito instigantes e desafiadoras<br />
– passou a fazer parte da rotina<br />
dos pesquisadores. Em 2006, durante<br />
o 38º Festival de Inverno da UFMG, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, Jalver Bethônico e Francisco<br />
Marinho desenvolveram as ideias para<br />
o engenhoso Palavrador, ambiente interativo,<br />
com estrutura de software, que<br />
funcionava como “gerador de poesia”. A<br />
obra – que, atualmente, é um “livro físico<br />
capaz de interagir com um mundo poético<br />
cibernético construído <strong>em</strong> 3D” – chegou<br />
a ser exposta, nos Estados Unidos, <strong>em</strong><br />
2007, quando integrou o evento ACM Siggraph<br />
Art Gallery – Glogal Eyes.<br />
Arte graduada<br />
Como fruto direto das ininterruptas<br />
ações do grupo de pesquisa, surge <strong>em</strong><br />
2006, com financiamento da FAPEMIG, o<br />
projeto O silêncio, a sombra e o silício: experiência<br />
da arte computacional <strong>em</strong> instalações<br />
interativas e imersivas com fomento,<br />
iniciativa que se revelaria riquíssima<br />
<strong>em</strong> possibilidades, a ponto de estimular,<br />
até mesmo, novas oportunidades de oferta<br />
acadêmica na própria Escola de Belas<br />
Artes da UFMG. Inicialmente, contudo,<br />
os pesquisadores propunham-se, apenas,<br />
a aprimorar a estrutura do chamado Museu<br />
Museu, galeria com acervo de obras<br />
criadas pela professora Mabe Bethônico,<br />
que, apesar de inteiramente virtual, jamais<br />
assume tal condição.<br />
No desenvolvimento inicial do projeto,<br />
portanto, os pesquisadores propunham-<br />
O projeto de Galinha foi realizado por<br />
Daniel Pinheiro Lima, sob orientação<br />
dos professores Jalver Bethônico e<br />
Francisco Marinho, para exposição<br />
na Escola de Belas Artes <strong>em</strong> agosto<br />
de 2008.<br />
A obra ganhou, <strong>em</strong> 2006, o Prêmio de<br />
Poesia Digital da Cidade de Vinarós,<br />
na Catalunha, na categoria de arte-<br />
-software.<br />
Syggraph é o nome de uma associação<br />
norte-americana especializada <strong>em</strong><br />
computação gráfica.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 29
-se a ampliar a complexidade do conteúdo<br />
do Museu Museu, a partir da instauração<br />
de diversos ambientes interativos. “Buscaríamos<br />
um exercício de forma no interior de<br />
um acervo”, explica o professor Jalver Bethônico,<br />
ao ressaltar, porém, que os planos<br />
se diversificaram: “As coisas começaram a<br />
tomar rumos inesperados, como resultado<br />
das pesquisas com arte digital”. Surg<strong>em</strong><br />
daí propostas as mais diversas. Além de<br />
ateliês e oficinas para discussão do t<strong>em</strong>a,<br />
tanto na graduação quanto na pós, são realizadas<br />
diversas exposições com o material<br />
gerado a partir de tais iniciativas. “Perceb<strong>em</strong>os,<br />
então, a necessidade de montar um<br />
outro espaço de investigação”.<br />
Eis o mote para a criação do 1maginari0,<br />
grupo de pesquisa abrigado no<br />
Laboratório Midia@rte da EBA e que, <strong>em</strong><br />
convênio com o interSignos, dedica-se à<br />
pesquisa de interfaces multimodais e ao desenvolvimento<br />
e à produção <strong>em</strong> artes digitais,<br />
computacionais e poéticas. “De repente,<br />
buscávamos consolidar uma nova área<br />
dentro da Escola de Belas Artes. E por meio<br />
de uma nova habilitação”, explica Bethônico.<br />
Iniciava-se, desse modo, o curso de<br />
graduação <strong>em</strong> Cin<strong>em</strong>a de Animação e Artes<br />
de Digitais (CAAD), hoje já na quarta turma.<br />
Confira o blog do projeto:<br />
www.1maginari0.blogspot.com<br />
Fotos: Divulgação<br />
“No curso, que hoje já conta com sete professores,<br />
o estudante recebe formação híbrida<br />
e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, t<strong>em</strong> a possibilidade<br />
de se especializar <strong>em</strong> um dos percursos<br />
oferecidos”, esclarece o professor.<br />
Dos sopros à Babel<br />
Criatividade, tecnologia e interação<br />
são palavras verdadeiramente fundamentais<br />
às iniciativas propostas pelos<br />
pesquisadores ligados ao grupo 1maginari0.<br />
Que o diga a instalação Dente de<br />
Leão, experiência estética que costuma<br />
provocar inesperadas sensações nos<br />
espectadores. O funcionamento da obra,<br />
de autoria de Chico Marinho, Francisco<br />
Chaves e Jalver Bethônico, é bastante<br />
simples – apesar dos efeitos surpreendentes:<br />
ao soprar um microfone camuflado<br />
de flor, a pessoa faz aparecer, numa<br />
tela de projeção, imagens de milhares<br />
de s<strong>em</strong>entes esvoaçantes, que, pouco a<br />
pouco, transformam-se <strong>em</strong> po<strong>em</strong>as. “Ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, no fone de ouvido, perceb<strong>em</strong>-se<br />
construções sonoras e musicais<br />
que variam de acordo com a intensidade<br />
do sopro”, relata Bethônico.<br />
Outra maravilhosa experimentação<br />
<strong>em</strong> arte digital desenvolvida pelo grupo de<br />
pesquisa é a obra Babel, fruto de parceria<br />
de Jalver com Marcelo Bicalho, apresentada<br />
<strong>em</strong> 2008 numa exposição da Escola<br />
de Belas Artes. Na instalação, é preciso<br />
chacoalhar um teclado para a que torre de<br />
versos, belissimamente projetada numa<br />
tela, se sustente ou se movimente. “Nesta<br />
e <strong>em</strong> outras obras, a ludicidade está presente.<br />
Apesar disso, não pod<strong>em</strong>os deixar<br />
de lado as proposições e experimentações<br />
estéticas”, completa Bethônico.<br />
Projeto: O silêncio, a sombra<br />
e o silício: experiência da arte<br />
computacional <strong>em</strong> instalações<br />
interativas e imersivas<br />
Coordenador: Jalver Machado<br />
Bethônico<br />
Modalidade: Grupos Emergentes<br />
de Pesquisa<br />
Valor: R$ 70.000<br />
Pessoas interag<strong>em</strong> com o Palavrador e ajudam a movimentar a tecnológica Babel<br />
30 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Projeto de pesquisadores<br />
da UFJF mapeia e classifica<br />
espécie de moluscos<br />
terrestres na região da<br />
Zona da Mata mineira<br />
BIOLOGIA<br />
Desireé Antônio<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 31
“As espécies de menor porte<br />
não são um probl<strong>em</strong>a tão<br />
grande porque elas já têm<br />
predadores aqui, ao contrário<br />
do caramujo africano, cujo<br />
predador é um gavião que só<br />
existe na África, o que facilita<br />
sua proliferação”<br />
Elisabeth de Almeida Bessa<br />
Coordenadora do projeto<br />
Determinar quais, quantos e como<br />
viv<strong>em</strong> os moluscos terrestres da região da<br />
Zona da Mata mineira: esses foram os objetivos<br />
de um estudo de pesquisadores do<br />
Departamento de Zoologia da Universidade<br />
Federal de Juiz de Fora (UFJF), na região<br />
da Zona da Mata, Sudeste do Estado.<br />
Com o nome “Taxonomia de Moluscos<br />
Terrestres da Microrregião de Juiz de<br />
Fora, Minas Gerais, e Avaliação da Atividade<br />
Moluscicida, Repelente e Ovicida de<br />
Produtos Naturais”, o projeto visou ainda<br />
investigar a eficácia de substâncias naturais<br />
para controle biológicos dos moluscos<br />
gastrópodes terrestres, aqueles que se locomov<strong>em</strong><br />
arrastando-se por meio de uma<br />
espécie de pé na região do ventre.<br />
A área de cobertura da pesquisa incluiu,<br />
além de Juiz de Fora, as cidades de<br />
Chácara, Coronel Pacheco, Bicas, Lima<br />
Duarte, Matias Barbosa, Piau, Rio Preto e<br />
São João Nepomuceno, Ponte Nova, Viçosa,<br />
Carangola e o Parque Estadual Serra<br />
de Ibitipoca, situado nos limites entre Lima<br />
Duarte e Santa Rita do Ibitipoca.<br />
A iniciativa, realizada entre 2007 e<br />
2009, integra um projeto de abrangência<br />
maior chamado “Biologia, Comportamento<br />
e Participação de Moluscos Terrestres no<br />
Ciclo Biológico de Parasitos”, mantido<br />
desde 1998 pelo departamento.<br />
A classe deve seu nome ao termo grego<br />
“gastropoda”, junção das raízes gaster, estômago,<br />
e podos, pé, e inclui, além das lesmas<br />
e dos caramujos, que habitam ambientes<br />
terrestres, espécies aquáticas, tanto de água<br />
doce quanto salgada. Estima-se que haja<br />
hoje 35 mil espécies de moluscos terrestres,<br />
número expressivo que coloca o grupo como<br />
um dos de maior biodiversidade. Em Minas<br />
Gerais, de acordo com levantamentos do começo<br />
dos anos 2000, o rol de espécies varia<br />
entre 56 e 70, das quais 40 estão presentes<br />
na localidade da Zona da Mata.<br />
Elisabeth de Almeida Bessa, da UFJF,<br />
coordenadora do estudo e também do Núcleo<br />
de Malacologia, ramo da biologia que<br />
se dedica ao estudo dos moluscos, explica<br />
que a pesquisa foi motivada pelo interesse<br />
<strong>em</strong> confirmar a quantidade e quais são as<br />
espécies na região de Juiz de Fora e proximidades,<br />
<strong>em</strong>pregando uma metodologia<br />
de identificação que leva <strong>em</strong> conta outras<br />
características dos indivíduos que não<br />
apenas a concha ou as partes moles, como<br />
se costuma fazer tradicionalmente.<br />
Na etapa de revisão taxonômica, à<br />
qual esteve à frente a professora Flávia<br />
Junqueira, as espécies seriam determinadas<br />
conforme a análise morfológica macro<br />
e microscópica dos sist<strong>em</strong>as reprodutor,<br />
digestório, do complexo palial e a morfologia<br />
das conchas.<br />
A taxonomia é a ciência que trata da<br />
classificação das espécies <strong>em</strong> grupos, de<br />
acordo com sua s<strong>em</strong>elhança. Na análise<br />
proposta pelo estudo, os animais foram<br />
examinados quanto à morfologia, que trata<br />
da forma das estruturas do organismo,<br />
tanto de suas conchas, e de seu complexo<br />
palial, que compreende o material no interior<br />
da cavidade da concha.<br />
Esse tipo de análise, mais completa,<br />
considerando também as estruturas do organismo<br />
para determinação das espécies,<br />
se opõe a uma tendência de estudos que<br />
focavam apenas o comportamento dos animais,<br />
muito comum nas últimas décadas,<br />
e t<strong>em</strong> como vantag<strong>em</strong> contribuir para uma<br />
aferição mais precisa.<br />
A necessidade desse tipo de abordag<strong>em</strong>,<br />
conta a coordenadora, se deve à<br />
possibilidade de que espécies de moluscos<br />
sejam ameaçadas de extinção, antes mesmo<br />
de ser<strong>em</strong> identificados, graças à redução das<br />
áreas habitáveis provocada pelo aumento do<br />
desmatamento e intensificação do processo<br />
de urbanização. Uma das implicações dessa<br />
dinâmica é a diminuição da oferta de alimentos:<br />
essencialmente herbívoros, as mudanças<br />
ocasionadas pela expansão das cidades aca-<br />
32 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Foto: sxc.hu<br />
bam por reduzir drasticamente os locais onde<br />
encontram meios para sobreviver<strong>em</strong>.<br />
No caso da população de moluscos<br />
terrestres, que se encontram na Zona da Mata<br />
mineira, o quadro se torna ainda mais grave<br />
pela velocidade com que os focos de Mata<br />
Atlântica, bioma natural da região, vêm se<br />
devastando. De acordo com levantamento<br />
da ONG SOS Mata Atlântica e do Instituto de<br />
Pesquisas Espaciais (Inpe) referente ao período<br />
de 2008 a 2010, <strong>em</strong> terras mineiras, a destruição<br />
das áreas de floresta Atlântica cresceu<br />
15% <strong>em</strong> comparação ao triênio de 2005 a<br />
2008, com a diminuição de aproximadamente<br />
13 mil hectares de cobertura vegetal.<br />
Mas os probl<strong>em</strong>as não param aí: as<br />
espécies do local têm que enfrentar, também,<br />
a concorrência das espécies exóticas<br />
ou invasoras de moluscos, aquelas que não<br />
são endêmicas, ou seja, típicas do local <strong>em</strong><br />
que são encontradas e que disputam com as<br />
nativas a sua alimentação, levando ao desequilíbrio<br />
ecológico daquele ecossist<strong>em</strong>a.<br />
A presença dessa fauna ou flora estranhas<br />
a um dado ecossist<strong>em</strong>a altera as relações<br />
ecológicas que ali havia, principalmente as<br />
da cadeia alimentar, sendo, por isso, considerada<br />
a segunda maior causa de extinção<br />
de espécies, perdendo apenas para a redução<br />
dos biomas por ação humana.<br />
Uma das espécies invasoras mais<br />
conhecidas e que t<strong>em</strong> causado danos consideráveis<br />
é o caramujo gigante africano<br />
(Achatina fulica). Conta-se que a espécie foi<br />
trazida para o País na década de 1980 para<br />
ser exposta <strong>em</strong> feira no Paraná como uma<br />
alternativa ao escargot, espécie comestível de<br />
molusco. Como os brasileiros não tinham o<br />
hábito, tipicamente francês, de consumir esse<br />
prato, os produtores acabaram por liberar os<br />
animais na natureza. Com condições propícias<br />
à sua reprodução, resultante da postura<br />
de mais de 400 ovos por indivíduo, dos quais<br />
99% chegam a filhotes, a espécie hoje se encontra<br />
<strong>em</strong> quase todo o país.<br />
Mais do que ameaçar a fauna nativa, o<br />
invasor africano acarreta prejuízos econômicos,<br />
por destruir plantações, e pode implicar<br />
outros ainda mais graves à saúde humana,<br />
por ser hospedeiros de uma série de parasitos<br />
que provocam doenças, como a angiostrongilíase,<br />
que ataca o sist<strong>em</strong>a nervoso<br />
central, e a angiostrongilíase abdominal,<br />
Típico da Ásia,o caracol de jardim(Bradybaena similaris) adaptou-se com sucesso ao climabrasileiro<br />
que pode levar à morte por perfuração do<br />
músculo e consequente h<strong>em</strong>orragia.<br />
Daí a importância do outro objetivo do<br />
projeto. Paralelamente às análises morfológicas,<br />
a pesquisa se dedica ainda a estudar os<br />
hábitos das espécies de moluscos <strong>em</strong> condições<br />
de laboratório, utilizando como amostra<br />
uma geração criada com esse propósito, para<br />
avaliar os efeitos moluscicidas de algumas<br />
substâncias naturais – que controlaria o<br />
crescimento da população de animais – ou<br />
repelente – que reduz presença de moluscos<br />
no local. “Os dados obtidos por esses estudos<br />
pod<strong>em</strong> nos ajudar a trabalhar com maior<br />
segurança no controle de moluscos e, por<br />
consequência, no controle de parasitoses”,<br />
justifica a coordenadora do projeto.<br />
Dessas amostras, foram coletados dados<br />
como a densidade populacional – a razão<br />
entre o espaço total e o número de indivíduos<br />
que o ocupam -, o t<strong>em</strong>po para atingir<strong>em</strong><br />
a maturidade sexual, o ritmo e a quantidade<br />
de ovos de cada ovipostura, além do t<strong>em</strong>po e<br />
a taxa de eclosão dos filhotes, características<br />
reprodutivas dos animais, especialmente a<br />
ocorrência de autofecundação.<br />
A busca por meios de controlar as espécies<br />
de moluscos data do início do século<br />
XX, com o <strong>em</strong>prego de materiais que não<br />
eram específicos para isso, tais como cal,<br />
fosfato de cálcio, cianeto de cálcio ou sulfato<br />
de cobre, chegando-se, na década de 1970,<br />
à pesquisa de mais de 7 mil produtos para<br />
a finalidade. Dentre eles, um dos de maior<br />
destaque foi o medicamento Bayluscide,<br />
que, apesar de eliminar os animais, prejudicava<br />
a fauna e a flora do local de aplicação,<br />
além de ter altos custos de produção. O<br />
probl<strong>em</strong>a levou a que se pesquisass<strong>em</strong> moluscicidas<br />
naturais, com o intuito principal<br />
de controlar os gastrópodes hospedeiros<br />
do agente causador da esquistossomose, o<br />
Schistosoma mansoni. Foi quando se descobriu<br />
o sucesso de substâncias extraídas<br />
de plantas como a castanha de caju (Anacardium<br />
occidentale) e a piteira ou agave<br />
(Agave americana) para esse fim.<br />
No estudo mineiro, o objetivo foi<br />
investigar a resposta das plantas e outros<br />
materiais naturais para controlar a população<br />
de indivíduos jovens ou adultos, b<strong>em</strong><br />
como os ovos de três espécies exóticas,<br />
encontradas na região de Juiz de Fora: a<br />
Bradybaena similaris, conhecido comumente<br />
como caracol de jardim e típico da<br />
Ásia; Subulina octona, com ocorrência <strong>em</strong><br />
regiões tropicais, especialmente do continente<br />
americano; e Leptinaria unilamellata,<br />
também presentes nos trópicos.<br />
Como as condições climáticas do Brasil<br />
são muito s<strong>em</strong>elhantes às de seus locais<br />
de orig<strong>em</strong>, as espécies tiveram grande sucesso<br />
de adaptação, vivendo de forma s<strong>em</strong>elhante<br />
às nativas, inclusive com integração ao<br />
ciclo biológico da área onde estão. “Essas espécies<br />
de menor porte já não são um proble-<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 33
ma tão grande porque elas já têm predadores<br />
aqui, ao contrário do caramujo africano, cujo<br />
predador é um gavião que só existe na África,<br />
o que facilita sua proliferação”, relata.<br />
Na iniciativa da universidade juiz-forana,<br />
foram averiguadas as propriedades<br />
das seguintes plantas: a erva-de-santa-<br />
-maria (Chenopodium ambrosioides), piteira-azul<br />
agave americana (Agave Americana),<br />
coroa-de-cristo (Euphorbia millii),<br />
dedal-de-dama ou alamanda amarela<br />
(Allamanda cathartica), piteira (Furcraea<br />
foetida), guaco (Mikania glomerata),<br />
picão (Bidens pilosa), além de antibióticos<br />
extraídos de fungos, cafeína e timol,<br />
obtido através dos óleos de plantas como<br />
o tomilho e o orégano. Os experimentos<br />
foram feitos cruzando cada planta isoladamente<br />
ou combinada a outras com cada<br />
espécie de molusco individualmente.<br />
Esses materiais foram escolhidos<br />
por já ter<strong>em</strong> sido mencionados como possíveis<br />
moluscicidas pela literatura especializada<br />
e, no caso de alguns dos vegetais,<br />
por pertencer<strong>em</strong> a famílias de plantas que<br />
já apresentaram essas propriedades. A<br />
novidade do trabalho, explica Elisabeth,<br />
é pesquisar esses efeitos sobre moluscos<br />
terrestres, já que, até então, os textos tratavam<br />
apenas dos moluscos aquáticos, que<br />
têm hábitos completamente diferentes.<br />
Resultados<br />
Quanto à primeira etapa do estudo,<br />
a análise taxonômica de moluscos<br />
coletados <strong>em</strong> doze localidades da microrregião<br />
de Juiz de Fora, foi constatado<br />
um número maior de espécies<br />
no local do que as computadas pelos<br />
levantamentos anteriores. Em vez das<br />
quantidades esperadas de 16 famílias,<br />
24 gêneros e 40 espécies, foram encontrados<br />
21 famílias, 36 gêneros e 51 espécies.<br />
Todos os animais encontrados<br />
são de espécies já conhecidas, mas das<br />
quais não se sabia sobre a presença na<br />
Zona da Mata. Dentre elas, nove ainda<br />
precisam ser confirmadas.<br />
Para chegar a esse número, Flávia<br />
coletou amostras de animais entre 2006<br />
e 2009 e as analisou considerando não<br />
apenas a sua concha e a parte mole – que<br />
inclui os sist<strong>em</strong>as do organismo –, mas<br />
também seu material genético, <strong>em</strong> parceria<br />
com outra professora da casa, Sthefane<br />
D´ávila, especialista <strong>em</strong> biologia molecular<br />
e histologia – estudo dos tecidos dos órgãos<br />
– de moluscos terrestres.<br />
Os dados resultantes da pesquisa foram<br />
t<strong>em</strong>a da tese de doutoramento de Flávia, defendida<br />
<strong>em</strong> abril deste ano, e já foram submetidos<br />
a periódicos para publicação. “Os estudos<br />
continuam para confirmar tais espécies, um<br />
processo d<strong>em</strong>orado e que exige pesquisas<br />
mais aprofundadas”, explica Flávia.<br />
Já quanto à segunda fase, o teste com<br />
as substâncias utilizadas para controle dos<br />
animais apresentou resultados positivos na<br />
avaliação da equipe. “Nossa conclusão é de<br />
essas plantas têm ação ovicida, jovencida e<br />
adultocida. Controlar o número de ovos é<br />
muito bom porque filhotes não nasc<strong>em</strong> e,<br />
logo, não t<strong>em</strong>os adultos. Estamos tentando<br />
controlar s<strong>em</strong> exterminar”, afirma Elisabeth.<br />
Por ora, as informações sobre as proporções<br />
de cada material estão sob sigilo devido<br />
ao processo de obtenção de patente das<br />
fórmulas dos moluscicidas naturais criados.<br />
O estudo t<strong>em</strong> ainda contribuições<br />
acadêmicas importantes para a pesquisa<br />
na área da malacologia. Já foram defendidas<br />
15 trabalhos de pós-graduação strictu<br />
sensu, entre dissertações de mestrado e<br />
teses de doutorado, ligadas ao programa<br />
“Biologia e Comportamento Animal” da<br />
universidade. Mais três dissertações na<br />
área de controle biológico deverão ser<br />
defendidas <strong>em</strong> breve: uma <strong>em</strong> fevereiro<br />
de 2012 sobre o Subulina octona, o caracol<br />
de jardim, e as outras <strong>em</strong> 2013, sobre<br />
Achatina fulica, o caramujo africano.<br />
Houve ainda participações <strong>em</strong> bancas<br />
de avaliação de trabalhos de pós-<br />
-graduação e <strong>em</strong> congressos, publicações<br />
de artigos, orientações <strong>em</strong> monografias e<br />
iniciações científicas. “O bom da pesquisa<br />
é que, a cada resposta que encontramos,<br />
há dezenas de outras perguntas que motivarão<br />
outros estudos. É trabalho para a<br />
vida toda”, brinca Elisabeth.<br />
Museu de Malacologia<br />
Para qu<strong>em</strong> pretende ir a Juiz de Fora<br />
nas férias e se interessa pelo universo dos<br />
moluscos, uma boa dica é visitar o Museu<br />
de Malacologia Professor Maury Pinto de<br />
Oliveira, que integra o Núcleo de Malacologia<br />
da UFJF. O local possui laboratórios,<br />
sala de microscopia, locais de criação de<br />
animais, sala de estudos especiais e biblioteca<br />
especializada no t<strong>em</strong>a, com registros<br />
raros dos séculos XVIII e XIX.<br />
Com visitas guiadas de escolas e grupos<br />
de estudos e aberto também ao público<br />
<strong>em</strong> geral, o museu possui uma das maiores<br />
coleções de conchas do país, de moluscos<br />
terrestres e marinhos. Mais informações<br />
pela página do museu http://www.ufjf.br/<br />
malacologia/ ou pelo tel. (32) 2102-3221 e<br />
e-mail malaco.icb@ufjf.edu.br.<br />
O caramujo gigante africano (foto 1), do gênero<br />
Achatina, e o caramujo branco pequeno, do<br />
gênero Bulimulus (foto 2) tiveram seus hábitos<br />
analisados pelo projeto<br />
PROJETO: Taxonomia de moluscos<br />
terrestres da microrregião de Juiz de<br />
Fora, Minas Gerais e avaliação da<br />
atividade moluscicida, repelente e<br />
ovicida de produtos naturais<br />
COORDENADOR: Elisabeth Cristina<br />
de Almeida Bessa<br />
MODALIDADE: Programa Pesquisador<br />
Mineiro (PPM)<br />
VALOR: R$ 48.000<br />
Foto: Arquivo pessoal<br />
34 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Do laboratório para a<br />
prateleira da farmácia<br />
Propriedades ftoterápicas do repolho são utilizadas na produção<br />
de pomadas e bálsamo que têm a capacidade de cicatrizar feridas<br />
LEMBRA DESSA?<br />
Há muitos e muitos anos, as pessoas<br />
costumavam buscar a cura de gripes,<br />
enjoos, dor de dente e feridas no canteiro<br />
plantado no fundo de casa. Misturavam<br />
folhas ou frutos com água ou álcool, entre<br />
outros ingredientes, e colocavam <strong>em</strong><br />
garrafas para tomar ou passar na pele. Até<br />
2007 a Medicina ainda não reconhecia esses<br />
métodos caseiros, porém, depois que<br />
o Ministério da Saúde aprovou o programa<br />
nacional de plantas medicinais e fitoterápicos,<br />
alguns r<strong>em</strong>édios da “vovó” são estudados<br />
<strong>em</strong> laboratórios e transformados <strong>em</strong><br />
soluções eficazes no combate de doenças.<br />
Na edição nº 28 da MINAS FAZ CI-<br />
ÊNCIA, <strong>em</strong> 2007, foi publicada matéria<br />
sobre pesquisadores que encontraram, nas<br />
folhas do repolho - o mesmo que usamos<br />
para fazer saladas -, substâncias que apresentavam<br />
capacidade de cicatrizar feridas.<br />
A pomada era fabricada e vendida apenas<br />
na cidade de Governador Valadares, entretanto,<br />
a eficácia do produto no tratamento<br />
de ferimentos fez com que fosse necessário<br />
o inicio de estudos laboratoriais para<br />
comprovar cientificamente que a Brasica<br />
oleracea var.captata (nome cientifico do repolho)<br />
é um r<strong>em</strong>édio natural que pode ser<br />
comercializado <strong>em</strong> larga escala.<br />
Em 2008 a pomada e o bálsamo deixaram<br />
de ser produtos de manipulação e<br />
adquiriram o status de produtos para industrialização,<br />
com o nome de Debridan.<br />
O farmacêutico e <strong>em</strong>presário Moacir Lima,<br />
que iniciou os estudos com o poder cura-<br />
tivo do repolho, afirma que os principais<br />
avanços conquistados com os produtos é<br />
a credibilidade alcançada junto aos profissionais<br />
da saúde. “Colocar na prática o que<br />
as pesquisas comprovaram e saber que a<br />
pomada poderá se consolidar como principal<br />
marca no tratamento de feridas é muito<br />
importante”, avalia.<br />
No que diz respeito à parte cientifica,<br />
o engenheiro agrônomo e doutor <strong>em</strong><br />
fitopatologia Marcelo Barreto explica que,<br />
após a comprovação da capacidade da pomada<br />
ativar a produção de colágeno e disposição<br />
das fibras da pele, novos estudos<br />
puderam ser iniciados. “T<strong>em</strong>os novas pesquisas<br />
sendo estruturadas especialmente<br />
na área da nanotecnologia, envolvendo o<br />
extrato da Brassica. Com equipamentos<br />
mais elaborados, como o espectrofotômetro<br />
de massa, estamos trabalhando no<br />
conhecimento mais detalhado da química<br />
da planta”, afirma.<br />
O trabalho, que foi iniciado há mais<br />
de quatro anos, ainda gera desenvolvimento<br />
cientifico e industrial. De acordo<br />
com Lima, foram firmadas parcerias,<br />
para continuidade de estudos com a<br />
Brassica, com a Universidade de Santa<br />
Maria, Rio Grande do Sul e Universidade<br />
Federal do Espírito Santo, onde está<br />
o professor Barreto. Ainda está previsto<br />
o lançamento de novos produtos para<br />
tratamento de fissura labial e mamilar e<br />
assaduras. “A Brassica nos surpreende a<br />
cada momento. T<strong>em</strong>os muito ainda o que<br />
investigar e creio que poder<strong>em</strong>os lançar<br />
produtos inovadores e de grande benefício<br />
para diversos tratamentos”.<br />
Foto: sxc.hu<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 35
AGRICULTURA<br />
Pulverizador desenvolvido por <strong>em</strong>presa fabricante<br />
de eletrônicos utiliza princípios da física eletrostática<br />
para aumentar efciência do equipamento<br />
Desireé Antônio<br />
A eletrostática, ramo da física que se<br />
dedica ao estudo das cargas elétricas, não<br />
t<strong>em</strong> relação direta com a agricultura, mas a<br />
aplicação de seus princípios pode contribuir<br />
para cultivos mais produtivos e sadios. Essa<br />
é a proposta do modelo de pulverizador eletrostático<br />
de defensivos agrícolas Eletrobell’s,<br />
desenvolvido pela <strong>em</strong>presa Bell’s Ind. Eletrônica,<br />
com sedes na cidade de Timbó, Santa<br />
Catarina, e <strong>em</strong> Santa Rita do Sapucaí, <strong>em</strong><br />
Minas Gerais. Nos pulverizadores convencionais,<br />
a calda, ou seja, a mistura de água<br />
e defensivos agrícolas, atinge as plantas<br />
graças à pressão feita por uma bomba, um<br />
dispositivo que funciona como um êmbolo<br />
de seringa, “<strong>em</strong>purrando” o líquido para fora<br />
do recipiente. Já no novo projeto, as gotas de<br />
calda receb<strong>em</strong> uma ajuda a mais para atingir<strong>em</strong><br />
seus alvos: a um campo elétrico, um<br />
campo de forças produzido pela atuação de<br />
cargas elétricas sobre uma área, no interior<br />
da máquina, que faz com que as gotas da calda<br />
fiqu<strong>em</strong> eletricamente carregadas e sejam<br />
atraídas pelos vegetais.<br />
Esse campo de forças é gerado por<br />
uma fonte de alta tensão alimentada por<br />
uma bateria de 12 volts, fazendo com que a<br />
tensão atinja o valor de 40 mil volts, ligada<br />
a um eletrodo, objeto que vai possibilitar<br />
a constituição de um circuito elétrico através<br />
da passag<strong>em</strong> de cargas, instalado no<br />
cabeçote do pulverizador. A colocação do<br />
eletrodo na extr<strong>em</strong>idade do equipamento<br />
t<strong>em</strong> uma justificativa: conforme descrito<br />
pelo “Princípio do Poder das Pontas”,<br />
enunciado pelo inventor e político norte-<br />
-americano Benjamin Franklin, no século<br />
XVIII, as cargas elétricas presentes <strong>em</strong> cer-<br />
to corpo que conduza eletricidade tend<strong>em</strong><br />
a se acumular <strong>em</strong> regiões pontiagudas ou<br />
de menor diâmetro, razão pelas qual as<br />
pontas de objeto terão maior concentração<br />
de cargas <strong>em</strong> comparação ao restante de<br />
sua extensão. Essa teoria foi a base para o<br />
desenvolvimento dos para-raios, também<br />
de autoria de Franklin, <strong>em</strong> 1752.<br />
Graças a essa dinâmica, o cabeçote<br />
do pulverizador se torna um local com um<br />
campo elétrico fort<strong>em</strong>ente carregado, fazendo<br />
com que as gotas que passam por ele adquiram<br />
cargas positivas, perdendo elétrons<br />
(partículas atômicas que possu<strong>em</strong> carga<br />
negativa), e sejam atraídas pelas plantas,<br />
que ficam negativamente carregadas devido<br />
à proximidade da calda com os vegetais. A<br />
aproximação da carga positiva das gotas<br />
provoca uma reorganização das cargas da<br />
superfície das folhas, fazendo com que a<br />
parte mais próxima da calda fique negativa,<br />
e a mais distante, positiva. Como cargas<br />
opostas se atra<strong>em</strong>, a mistura é “puxada”<br />
pelas plantas com mais facilidade, tornando<br />
sua aplicação mais eficiente, já que evita a<br />
dispersão indesejada das gotas.<br />
Até chegar ao cabeçote do pulverizador<br />
e ser expelida, a calda faz o seguinte<br />
trajeto: sai do tanque, o reservatório onde<br />
fica armazenada, segue para o gotejador,<br />
de onde passam por um disco dispersor,<br />
que age dividindo as gotas <strong>em</strong> outras ainda<br />
menores, para facilitar a dispersão do produto.<br />
A redução da massa e da dimensão<br />
das gotas potencializa o efeito da atração<br />
eletrostática, já que, quanto menor o corpo<br />
sobre o qual atuam, maior o efeito da força<br />
exercida pelas cargas.<br />
36 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Aliadas a essa novidade, estão ainda<br />
outras alterações destinadas a tornar o pulverizador<br />
mais facilmente manuseável, e o uso<br />
mais eficiente dos defensivos, por ser um modelo<br />
manual, e não costal, com tanque <strong>em</strong> forma de mochila,<br />
transportado nas costas do operador, facilitando<br />
o controle e manuseio pelo agricultor; além do uso<br />
de menores volumes de calda e gotas com dimensões<br />
cada vez mais próximas das definidas como ideais pela<br />
literatura da área, que seria de 100 micrômetros – um<br />
micrômetro equivale a um milionésimo do metro. O<br />
equipamento é voltado às necessidades dos pequenos<br />
e médios produtores de hortaliças e flores.<br />
“O Eletrobell’s é único. No Brasil, até então nenhuma<br />
<strong>em</strong>presa produz um idêntico a esse”, afirma o<br />
engenheiro agrônomo e supervisor de vendas Adálcio<br />
Alberton, que trabalha na matriz. Ele conta que o modelo<br />
começou a ser concebido <strong>em</strong> 2007, quando os diretores<br />
da Bell’s tiveram contato com o projeto desenvolvido por<br />
um pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de Jaguariúna<br />
(SP). Esse projeto ainda estava no papel, aguardando<br />
recursos financeiros e humanos para ser concretizado.<br />
Uma das fontes de captação do investimento necessário<br />
foi a FAPEMIG: <strong>em</strong> 2008, a <strong>em</strong>presa, que possui uma filial <strong>em</strong><br />
Minas Gerais, na cidade de Santa Rita do Sapucaí, submeteu o<br />
projeto ao edital para financiamento de projetos do setor privado e<br />
foi um dos cont<strong>em</strong>plados. A participação mineira, no entanto, não<br />
se limitou à captação de recursos: a equipe da filial desenvolveu,<br />
<strong>em</strong> parceria com a da matriz, a parte eletrônica do pulverizador. “O<br />
trabalho foi feito com os dos grupos trocando experiências, erros<br />
e acertos”, explica Marco Passos, engenheiro mecânico da matriz.<br />
Apostando no apelo da proposta, as ideias passaram à fase<br />
de execução <strong>em</strong> 2009, realizada por uma equipe de profissionais<br />
da Bell’s. Os dois anos de trabalho, diz Adálcio, incluíram grande<br />
volume de testes de laboratório para determinar como seria e<br />
como funcionariam os componentes do pulverizador. A maior<br />
dificuldade foi definir qual o dimensionamento e a otimização da<br />
fonte de que seria usada.<br />
O engenheiro revela que, como as informações sobre o<br />
novo modelo ainda eram essencialmente teóricas, foi necessário<br />
encontrar um similar, que já tivesse sido produzido, para servir<br />
como referência. “Como apenas encontramos dois modelos chineses,<br />
os importamos e realizamos as comparações”, justifica.<br />
A avaliação baseada no contraste com o produto asiático<br />
aconteceu <strong>em</strong> outubro do ano passado e foi fundamental para<br />
acertar as características das peças do pulverizador. Na ocasião,<br />
foram analisadas variáveis como a faixa de aplicação efetiva,<br />
densidade, espectro das gotas e o efeito da eletrostática dos dois<br />
tipos, <strong>em</strong> diferentes situações: ora s<strong>em</strong>, ora com o uso da fonte<br />
de energia, e com duas velocidades de aplicação distintas.<br />
Paralelamente às simulações no laboratório, foram realizados<br />
testes de campo <strong>em</strong> propriedades rurais de cultivos de hortaliças<br />
e flores no Estado, <strong>em</strong> parceria com o Departamento de Fitotecnia<br />
da Udesc, que colaborou com a pesquisa organizando ensaios<br />
e avaliações do produto, de acordo com a metodologia científica.<br />
Os resultados dos testes foram promissores: o<br />
Eletrobell’s apresentou bom des<strong>em</strong>penho quanto à efetividade<br />
da aplicação – a capacidade para atingir o alvo<br />
visado – e quanto à densidade das gotas, o que facilita a<br />
cobertura de uma área maior com o uso de menor volume<br />
de defensivos, <strong>em</strong> comparação ao produto chinês.<br />
Os experimentos, tanto os de laboratório, como os de<br />
campo, deram uma indicação também sobre os pontos <strong>em</strong><br />
que o produto deve melhorar: um deles é a dimensão das<br />
gotas, que estava variando entre 40 e 320 micrômetros, enquanto<br />
a literatura da área define como ideais valores que<br />
vari<strong>em</strong> entre 80 a 120 micrômetros. O tamanho das gotas,<br />
cujo termo técnico é diâmetro médio volumétrico (DMV),<br />
t<strong>em</strong> especial importância porque está ligado ao sucesso da<br />
indução por eletrostática: quanto menores as gotas, maior<br />
é o efeito das cargas sobre elas. O probl<strong>em</strong>a está sendo<br />
sanado com a substituição de discos rotativos, que tinham<br />
a função de reduzir o DMV das gotas, por bicos hidráulicos,<br />
que des<strong>em</strong>penha a mesma função de melhor forma.<br />
Hoje, a <strong>em</strong>presa, que ainda não t<strong>em</strong> data para lançamento<br />
do equipamento, está pesquisando uma nova fonte<br />
de energia para o pulverizador, ao que dev<strong>em</strong> se seguir<br />
testes comparativos com outros modelos nacionais. “Ao<br />
realizar experimento <strong>em</strong> lavoura comercial, durante todo o<br />
ciclo da cultura, fazendo os tratamentos com o Eletrobell’s,<br />
poder<strong>em</strong>os avaliar os índices de eficiência no controle de<br />
pragas e doenças, <strong>em</strong> comparação com pulverizadores<br />
comuns”, projeta Adalcio.<br />
Foto: Bell’s Ind. Eletrônica<br />
Um dos testes <strong>em</strong> plantações de hortaliças feitos pelo projeto<br />
Projeto: Pulverizador EletroBells<br />
Coordenador: Adalcio Alberton<br />
Modalidade: Eletroeletrônico<br />
Valor: R$ 158.293<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 37
Entrevista<br />
A nova<br />
fronteira da vida<br />
Depois de se lançar às estrelas e ao oceano, o ser humano<br />
v<strong>em</strong> avançando na tentativa de controlar a influência da relação<br />
entre gene e ambiente sobre nossa saúde<br />
Marcus Vinicius dos Santos<br />
N<strong>em</strong> Júlio Verne, autor francês que<br />
escreveu alguns dos maiores clássicos<br />
mundiais da ficção científica e que s<strong>em</strong>pre<br />
apostou <strong>em</strong> romper fronteiras, foi capaz de<br />
imaginar. O ser humano fechou o século<br />
XX abrindo a caixa secreta que contém<br />
todas as instruções para o funcionamento<br />
do nosso organismo: o genoma humano,<br />
ou seja, o conjunto de genes de uma espécie<br />
que é transmitido, com pequenas<br />
variações, de pais para filhos. Mapeá-los,<br />
conhecer seu exato posicionamento na hélice<br />
do DNA, as estruturas que compõ<strong>em</strong> o<br />
gene, por meio da genômica, pod<strong>em</strong> permitir<br />
saber a probabilidade de um indivíduo<br />
ou etnia desenvolver<strong>em</strong> uma ou outra<br />
doença, por ex<strong>em</strong>plo. A intenção é poder<br />
preveni-las ou retardá-las ao máximo.<br />
Mas isso é algo como ler uma obra<br />
com cerca de 800 volumes, <strong>em</strong> uma língua<br />
desconhecida. Os genes são apenas 5%<br />
dessa “leitura”, que nos seres humanos<br />
somam cerca de 25 mil. Apesar dos desafios<br />
por vir, com esse novo jeito de olhar o<br />
indivíduo a Ciência ultrapassa a fronteira<br />
da compreensão das células e das moléculas<br />
e avança no sentido de alcançar um de<br />
seus principais objetivos, controlar a relação<br />
saúde-doença. MINAS FAZ CIÊNCIA<br />
foi conversar sobre esse t<strong>em</strong>a com um dos<br />
mais reconhecidos geneticistas do Brasil,<br />
o mineiro Sérgio Danilo Pena. Ele acredita<br />
que os avanços na tecnologia pod<strong>em</strong> agilizar<br />
mudança substancial na medicina a<br />
partir de agora, à medida que a sociedade<br />
e a comunidade médica absorv<strong>em</strong> os avanços<br />
da ciência genômica e os incorporam<br />
às informações preditivas e preventivas na<br />
rotina de manutenção da saúde.<br />
Sérgio Pena é médico, Ph.D. <strong>em</strong><br />
Genética Humana, professor titular do departamento<br />
de Bioquímica e Imunologia do<br />
Instituto de Ciências Biológicas da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais (UFMG) e<br />
diretor do Laboratório de Genômica Clínica<br />
da Faculdade de Medicina da UFMG, entre<br />
outras atividades.<br />
Que conhecimentos o Projeto Genoma<br />
trouxe para a saúde?<br />
Em 2003, foi anunciado o fim oficial do Projeto<br />
Genoma Humano. Mais de 99% dos 2,9<br />
bilhões de pares de base de DNA, que constitu<strong>em</strong><br />
a principal porção do genoma humano,<br />
foram sequenciados com uma exatidão<br />
superior a 99,9%. Entretanto, as promessas<br />
feitas durante o Projeto foram muitas e algumas<br />
pessoas têm ficado impacientes com<br />
38 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 39<br />
Foto: Bruna Carvalho
a d<strong>em</strong>ora na translação do conhecimento<br />
genômico para o tratamento e a cura de doenças.<br />
Mas o importante é que os avanços<br />
têm ocorrido inexoravelmente e aos poucos<br />
a Medicina vai se tornando mais científica e<br />
certeira, para o benefício de todos. Já t<strong>em</strong>os<br />
muito a oferecer no presente.<br />
Como o senhor traduziria a importância<br />
desse conhecimento para a<br />
humanidade?<br />
Do ponto de vista médico a importância<br />
do Projeto Genoma Humano só pode ser<br />
comparada à publicação do primeiro tratado<br />
científico completo de anatomia humana,<br />
De Humani Corporis Fabrica, por<br />
Andreas Vesalius, <strong>em</strong> 1543. Este livro representou<br />
o alicerce da medicina moderna.<br />
E o conhecimento anatômico propiciou o<br />
florescimento lento e gradual da fisiologia<br />
humana, da patologia humana e da farmacologia<br />
humana nos séculos subsequentes.<br />
Da mesma maneira, o Projeto permitiu<br />
o conhecimento anatômico completo do<br />
genoma humano. Aos poucos vão florescendo<br />
a fisiologia genômica, a patologia<br />
genômica e a farmacologia genômica.<br />
E são essas as bases da Medicina Genômica?<br />
Conhecer a anatomia do genoma humano<br />
representa apenas o ponto de partida de<br />
construção da Medicina Genômica. As novas<br />
técnicas de sequenciamento genômico, 50<br />
mil vezes mais rápidas do que <strong>em</strong> 2003, têm<br />
acelerado ainda mais esse processo. Tanto<br />
que só <strong>em</strong> 2011 foram sequenciados mais de<br />
30 mil genomas humanos. Esse acúmulo de<br />
informações provocou mudança radical nos<br />
conhecimentos sobre a biologia normal do<br />
ser humano e o desenvolvimento de doenças.<br />
Sobre quais doenças os estudos estão<br />
mais avançados?<br />
Mantendo o foco nas doenças comuns,<br />
certamente o entendimento de todas elas<br />
t<strong>em</strong> avançado <strong>em</strong> conjunto. Para algumas,<br />
que depend<strong>em</strong> mais de variações genômicas,<br />
como o diabete juvenil, a degeneração<br />
macular senil e a doença de Crohn, já<br />
t<strong>em</strong>os excelentes ferramentas diagnósticas<br />
que permit<strong>em</strong> a prevenção ou a detecção<br />
precoce para tratamento. Já com respeito<br />
a outras, como a Doença de Alzheimer, que<br />
t<strong>em</strong> aumentado a sua prevalência extraordinariamente<br />
com o aumento da expectativa<br />
de vida da população, t<strong>em</strong>os um bom<br />
entendimento de como a doença se instala<br />
e evolui, mas ainda não conseguimos traduzir<br />
esse conhecimento <strong>em</strong> medidas médicas<br />
práticas.<br />
E quanto à obesidade?<br />
Este é outro desafio enorme. A obesidade<br />
é uma doença complexa, que depende de<br />
fatores genômicos e ambientais. Milhões<br />
de dólares estão sendo investidos nos<br />
estudos genômicos para entender o desenvolvimento<br />
da obesidade e evitar seu<br />
desenvolvimento no paciente individual.<br />
Já a verdadeira epid<strong>em</strong>ia de obesidade que<br />
afeta os países ocidentais, especialmente<br />
os Estados Unidos, parece ser principalmente<br />
devida a fatores ambientais, ou seja,<br />
um excesso de oferta de comida <strong>em</strong> proporções<br />
nunca antes experimentadas na<br />
história da humanidade, aliada a lobismo e<br />
propaganda pela indústria alimentícia.<br />
É possível identificar os mecanismos<br />
de ação das doenças complexas, cuja<br />
base genética depende de muitos genes<br />
e do ambiente?<br />
Todas as características físicas, intelectuais<br />
e comportamentais de uma pessoa,<br />
<strong>em</strong> um dado momento, são determinadas<br />
tanto pelo seu genoma como pela sua<br />
história de vida. Nasce daí o paradigma<br />
genômico de saúde, como sendo o equilíbrio<br />
harmônico entre genoma e ambiente.<br />
As doenças representam a desarmonia<br />
genoma/ambiente. Tal desequilíbrio pode<br />
ser devido a insultos genômicos (doenças<br />
genéticas, como, por ex<strong>em</strong>plo, a síndrome<br />
de Down) ou ambientais (como, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, traumas físicos). Entretanto, na<br />
vasta maioria das vezes, as doenças <strong>em</strong>erg<strong>em</strong><br />
da confluência de ‘gatilhos’ ambientais<br />
agindo sobre genomas predispostos.<br />
As doenças comuns, como o câncer, a<br />
aterosclerose, a hipertensão, as grandes<br />
psicoses etc, são multifatoriais e complexas.<br />
Sua análise é difícil porque são<br />
causadas por múltiplas predisposições<br />
genômicas, agindo <strong>em</strong> interação com<br />
fatores ambientais desencadeantes. É<br />
justamente o envolvimento do ambiente<br />
na etiologia [causas] dessas doenças comuns<br />
que abre perspectivas preventivas<br />
personalizadas, a partir de modificações<br />
do estilo de vida e da dieta, da introdução<br />
ou suspensão de medicamentos e do aumento<br />
da frequência de exames clínicos,<br />
laboratoriais ou imaginológicos.<br />
Em 2002, um ano antes do fim do projeto,<br />
o Sr. já falava <strong>em</strong> medicina “pós-<br />
-genômica” e afirmava que, no futuro,<br />
ela seria principalmente preventiva.<br />
Melhor: que as pessoas morreriam<br />
muito mais velhas, com expectativa<br />
de vida superior aos c<strong>em</strong> anos de<br />
vida. Nós estamos perto de alcançar<br />
esse estágio?<br />
Sim. Hoje <strong>em</strong> dia, um bebê recém-nascido<br />
no Japão ou Canadá t<strong>em</strong> probabilidade de<br />
mais de 50% de viver além dos 100 anos.<br />
Vale a pena ressaltar que esse aumento<br />
extraordinário na esperança de vida talvez<br />
tenha mais a ver com saneamento básico<br />
e nutrição do que propriamente com<br />
avanços médicos. Mas o papel fundamental<br />
da medicina pós-genômica (ou<br />
seja, aquela baseada no conhecimento do<br />
mapa genômico do Homo sapiens) será<br />
o de promover o envelhecimento com<br />
saúde, fazendo a prevenção das doenças<br />
crônicas e debilitantes. Assim, não basta<br />
colocar “mais anos <strong>em</strong> nossas vidas”,<br />
mas compete à medicina pós-genômica<br />
colocar “mais vida <strong>em</strong> nossos anos”.<br />
T<strong>em</strong>os avançado igualmente ética e<br />
cientificamente nessa espécie de ‘globalização<br />
do fazer ciência’?<br />
De fato, eu caracterizaria a comunidade<br />
médica da atualidade como <strong>em</strong>inente-<br />
40 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
mente ética. Pela sua própria complexidade,<br />
a Ciência Genômica de fronteira é<br />
s<strong>em</strong>pre uma atividade de grupo, no qual<br />
existe uma regulação ética mútua entre os<br />
m<strong>em</strong>bros. Ad<strong>em</strong>ais, todos os projetos de<br />
pesquisa <strong>em</strong> humanos passam obrigatoriamente<br />
por Comitês de Ética <strong>em</strong> Pesquisa<br />
locais ou mesmo <strong>em</strong> nível nacional,<br />
para conseguir<strong>em</strong> apoio de entidades<br />
responsáveis, como a FAPEMIG. Assim,<br />
posso dizer com certeza que a população<br />
pode ficar tranquila que não há nenhum<br />
Dr. Frankenstein ou Dr. Moreau operando<br />
na comunidade genômica.<br />
E o tratamento com o uso de técnicas<br />
genômicas já está disponível via SUS?<br />
Um dos nossos grandes sonhos é poder<br />
estender os nossos conhecimentos de<br />
Medicina Genômica de fronteira para a<br />
grande população de pacientes brasileiros<br />
atendidos pelo SUS. Atualmente, um<br />
dos nossos projetos apoiados pelo CNPq,<br />
feito <strong>em</strong> colaboração com o Serviço de<br />
Genética Médica do Hospital das Clínicas<br />
da Universidade Federal de Minas Gerais<br />
(que atende pacientes do SUS), visa exatamente<br />
desenvolver testes de viabilidade<br />
com esse objetivo. A implantação de<br />
novos procedimentos do SUS vai muito<br />
além da pura Ciência, envolvendo aspectos<br />
políticos e econômicos que atrasam<br />
sobr<strong>em</strong>aneira o processo. Mas, sou otimista.<br />
Ter<strong>em</strong>os isso <strong>em</strong> poucos anos.<br />
O senhor t<strong>em</strong> afirmado que é biologicamente<br />
impróprio usar o velho conceito<br />
de raça para designar esse ou<br />
aquele indivíduo. Então, isso significa<br />
dizer que a cor da pele não é evidência<br />
suficient<strong>em</strong>ente relevante para<br />
designar a “composição” biológica de<br />
um indivíduo?<br />
Ao longo dos anos, a crença na existência<br />
de “raças” humanas impregnou-se na<br />
nossa sociedade. “Raças” têm sido usadas<br />
não só para sist<strong>em</strong>atizar as populações<br />
humanas, mas também para criar um<br />
esqu<strong>em</strong>a que mantém o status quo social<br />
e é usado para justificar a dominação de<br />
alguns grupos por outros. Assim, a persistência<br />
da ideia de “raça” está ligada à<br />
visão de que os grupos humanos exist<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> uma escala de valor. Os avanços da<br />
genética molecular e o sequenciamento<br />
do genoma humano permitiram um<br />
exame detalhado da correlação entre a<br />
variação genômica humana, a ancestralidade<br />
biogeográfica e a aparência física<br />
das pessoas, mostrando que os rótulos<br />
previamente usados para distinguir “raças”<br />
não têm significado biológico. Pode<br />
parecer fácil distinguir um europeu de<br />
um africano ou de um asiático, mas tal<br />
facilidade desaparece completamente<br />
quando penetramos por baixo da pele e<br />
procuramos evidências destas diferenças<br />
“raciais” nos genomas das pessoas.<br />
A genética influencia os conceitos de<br />
“raça” e a genealogia, a história das<br />
famílias?<br />
Nos últimos dez anos, realizamos estudos<br />
sist<strong>em</strong>áticos da ancestralidade de brancos,<br />
pardos e pretos no Brasil, usando<br />
marcadores de DNA. Nossos estudos<br />
revelaram que, no Brasil, a cor avaliada<br />
fenotipicamente t<strong>em</strong> uma correlação fraca<br />
com o grau de ancestralidade africana<br />
estimada geneticamente. Em outras palavras,<br />
no Brasil, <strong>em</strong> nível individual, a cor,<br />
como socialmente percebida, t<strong>em</strong> pouca<br />
relevância biológica.<br />
Sobre este ponto, favoreço a ideia de que<br />
o fato científico da inexistência das “raças”<br />
deva ser absorvido pela sociedade e<br />
incorporado às suas convicções e atitudes<br />
morais, sendo usado <strong>em</strong> oposição a<br />
qualquer forma de hierarquia entre povos<br />
ou grupos humanos. Argumento que uma<br />
postura coerente e desejável, especialmente<br />
no Brasil, seria a valorização da<br />
singularidade e da dignidade de cada<br />
indivíduo. Todo brasileiro t<strong>em</strong> o direito<br />
visto como um ser humano único <strong>em</strong> seu<br />
genoma e <strong>em</strong> sua história de vida e não<br />
meramente como pertencente a um sexo,<br />
religião ou grupo de cor.<br />
E o aconselhamento genético: o que<br />
esse termo significa, qu<strong>em</strong> deve fazer<br />
e quando?<br />
“Aconselhamento genético” (tradução de<br />
“genetic counseling”) é um termo usado<br />
para designar coletivamente as interações<br />
médicas dos casais com os geneticistas<br />
clínicos. Ele essencialmente visa ajudar<br />
os casais a entender<strong>em</strong> e resolver<strong>em</strong> seus<br />
probl<strong>em</strong>as reprodutivos e familiares. O<br />
aconselhamento pode ocorrer antes, durante<br />
ou após a reprodução. Ou seja, pode<br />
ser pré-reprodutivo, quando se identificam<br />
fatores de risco (consanguinidade,<br />
idade materna elevada, história de doenças<br />
genéticas <strong>em</strong> um dos m<strong>em</strong>bros do<br />
casal ou na família etc.) para o casal que<br />
ainda pretende engravidar. Reprodutivo,<br />
quando se identificam fatores de risco no<br />
transcorrer da gestação, como malformações<br />
fetais ao ultrassom, interrupção da<br />
gravidez e idade materna elevada, mais<br />
conhecido como “diagnóstico pré-natal”.<br />
E o pós-reprodutivo é quando o casal já<br />
t<strong>em</strong> uma criança com uma doença presumivelmente<br />
genética e, nesse caso, o<br />
geneticista busca um diagnóstico preciso<br />
que permita estabelecer um prognóstico,<br />
propor um tratamento e aconselhar o<br />
casal com respeito a gravidezes futuras.<br />
Outra situação comum é o casal com múltiplas<br />
perdas gestacionais, que t<strong>em</strong> muito<br />
a se beneficiar de uma consulta de aconselhamento<br />
genético.<br />
@<br />
Saiba mais:<br />
Conheça a sequência mapeada do<br />
DNA humano:<br />
http://genome.ucsc.edu/<br />
cgi-bin/hgGateway<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 41
INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />
Mentes<br />
brilhantes<br />
Estudantes vencedores do III S<strong>em</strong>inário de Iniciação Científca<br />
da FAPEMIG se destacam pelo ineditismo dos trabalhos e<br />
também pela garra, foco e superação<br />
Juliana Saragá<br />
Muitas mentes jovens e brilhantes.<br />
Cerca de duzentas autoras de projetos de<br />
iniciação científica das mais variadas áreas<br />
do conhecimento. Vieram de diferentes<br />
regiões e instituições de ensino de Minas<br />
Gerais. Muitos nunca tinham vindo à capital<br />
mineira e as expressões revelavam a<br />
<strong>em</strong>polgação de concorrer ao que poderia<br />
ser o primeiro prêmio de suas vidas acadêmicas.<br />
Em meio às faces dos jovens<br />
estudantes, uma não mais jov<strong>em</strong>, mas<br />
igualmente brilhante e entusiasmada. Luiz<br />
Fernando Bandeira de Melo, graduando de<br />
filosofia da Faculdade Católica de Uberlândia,<br />
de 60 anos, teve um ótimo motivo<br />
para voltar à sua cidade orgulhoso. Ele foi<br />
o vencedor na categoria BIC (alunos de<br />
graduação) do III S<strong>em</strong>inário Estadual de<br />
Iniciação Científica da FAPEMIG, realizado<br />
durante os dias 29 e 30 de set<strong>em</strong>bro no<br />
Hotel Ouro Minas, <strong>em</strong> Belo Horizonte. O<br />
objetivo do evento é incentivar a vocação<br />
científica de estudantes mineiros.<br />
O trabalho de Luiz Fernando recebeu<br />
nota máxima <strong>em</strong> todos os parâmetros avaliados,<br />
como relevância do t<strong>em</strong>a, inovação,<br />
metodologia e coerência. O t<strong>em</strong>a, “A Busca<br />
de Sócrates do Conhecimento da Verdade<br />
42 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Religiosa de Êutifron”, apesar do alto nível<br />
de dificuldade, foi apresentado de forma<br />
clara e objetiva, conquistando a medalha de<br />
ouro. “A ideia surgiu no primeiro período da<br />
faculdade, quando comecei a estudar Sócrates.<br />
Êutifron é um dos primeiros diálogos de<br />
Platão, no qual Sócrates e Eutifron tentam<br />
estabelecer uma definição para “piedade”.<br />
Puxei desse diálogo pontos a respeito da<br />
religião”, explica. Segundo ele, o ineditismo<br />
do trabalho é tratar de um t<strong>em</strong>a muito melindroso<br />
para os filósofos, que é a religiosidade<br />
de Sócrates. Luiz Fernando fala sobre o<br />
assunto com tranquilidade e propriedade de<br />
qu<strong>em</strong> possui uma biblioteca <strong>em</strong> casa com<br />
mais de 300 livros de filosofia.<br />
No último dia do S<strong>em</strong>inário, o estudante<br />
e seu orientador, Gilzane Silva Naves,<br />
professor da Católica de Uberlândia,<br />
iam pegar estrada mais cedo, antes da<br />
pr<strong>em</strong>iação, quando foram advertidos pelo<br />
presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges:<br />
“É melhor vocês ficar<strong>em</strong>, senão vão<br />
perder uma palestra excelente, além da<br />
pr<strong>em</strong>iação, que promete grandes surpresas”,<br />
conta. “Resolv<strong>em</strong>os ficar. Quando<br />
ouvimos nosso nome <strong>em</strong> primeiro lugar,<br />
foi muito <strong>em</strong>ocionante. Para mim foi inusitado<br />
receber o prêmio no meio de tantos<br />
trabalhos de alto nível, o que também<br />
d<strong>em</strong>onstrou que a FAPEMIG valoriza todas<br />
as áreas do conhecimento com a mesma<br />
importância”. O trabalho pr<strong>em</strong>iado se tornou<br />
monografia e também já faz parte de<br />
seu projeto de mestrado, quase finalizado.<br />
“Quando somos jovens, estudamos incentivados<br />
por um futuro promissor para si e<br />
para constituição de uma família. Quando<br />
estamos mais velhos, somos incentivados<br />
por projetos pessoais. A experiência nos<br />
traz menos afobação e mais foco.” A idade,<br />
na opinião de Luiz Fernando, acarreta vantagens<br />
para trilhar o caminho acadêmico<br />
e ainda é motivo para muito bom humor.<br />
“Meu orientador t<strong>em</strong> a mesma idade do<br />
meu filho. Durante o S<strong>em</strong>inário era confundido<br />
como meu orientando”, diverte-se.<br />
ção Costa, de 16 anos, também têm bons<br />
motivos para com<strong>em</strong>orar. Determinadas,<br />
elas já estão certas da carreira que vão seguir:<br />
Medicina. Alunas do 2º ano do Ensino<br />
Médio do Colégio Marista Dom Silvério,<br />
conquistaram a bolsa na instituição através<br />
do mesmo projeto que recebeu a medalha<br />
de ouro no S<strong>em</strong>inário. Antes de entrar para<br />
o Colégio Marista Dom Silvério, Gabriela<br />
e Natália estudavam na Escola Estadual<br />
Professor Pedro Aleixo, quando tiveram os<br />
primeiros contatos com a coordenadora de<br />
Pesquisa e Pós-graduação da Fundação<br />
Mineira de Educação e Cultura (Fumec),<br />
Andréia Laura Prates Rodrigues, <strong>em</strong> agosto<br />
do ano passado. Depois de uma seleção<br />
na escola, além de participar do Projeto de<br />
Iniciação Científica como bolsistas da FA-<br />
PEMIG, as alunas começaram a frequentar<br />
aulas da orientadora e se destacaram entre<br />
os estudantes da Universidade. Foi então<br />
que a coordenadora do projeto e acadêmicas<br />
de Biomedicina, ex-alunas do Marista,<br />
indicaram as meninas ao Colégio.<br />
Natália e Gabriella fizeram provas de<br />
seleção, passaram a estudar no Colégio<br />
e continuaram na pesquisa. O projeto, desenvolvido<br />
pela Fumec, <strong>em</strong> parceria com<br />
a Universidade Estadual de Minas Gerais<br />
(UFMG), investigou a atuação de íons <strong>em</strong><br />
células relacionadas ao câncer de mama. A<br />
participação dos íons, através dos canais iônicos,<br />
é fundamental para a divisão, comunicação<br />
e sinalização celular (processos que<br />
se encontram alterados <strong>em</strong> células tumorais)<br />
Juventude e superação<br />
Com b<strong>em</strong> menos experiência, mas<br />
muita garra, as ganhadoras do primeiro<br />
lugar na categoria BIC Jr (Ensino Médio),<br />
Gabriella Pires de Almeida e Natália Conceie<br />
t<strong>em</strong> sido cada vez mais alvo de estudo no<br />
câncer. Mas a maior parte destes estudos<br />
se dá <strong>em</strong> células cancerosas <strong>em</strong> estágios<br />
avançados. O trabalho pr<strong>em</strong>iado investigou<br />
de forma pioneira a participação destes íons<br />
<strong>em</strong> células cancerígenas no estágio inicial.<br />
“Na primeira etapa, conhec<strong>em</strong>os as células<br />
normais e todas as suas estruturas e eventos.<br />
Estudamos sobre os canais iônicos e<br />
passamos a conhecer as células do câncer,<br />
que são alteradas”, relata Natália.<br />
Na segunda etapa, as estudantes<br />
acompanharam e participaram de todo o<br />
desenvolvimento da pesquisa <strong>em</strong> laboratório.<br />
“O projeto mudou minha vida”,<br />
orgulha-se. Natália mora no Aglomerado<br />
da Serra, região pobre da capital. Trabalha<br />
como caixa <strong>em</strong> um açougue para ajudar<br />
a família, já que o pai, por causa de um<br />
acidente, se aposentou. Ele fica <strong>em</strong> casa<br />
cuidando da esposa, vítima de um Acidente<br />
Vascular Cerebral (AVC) que deixou<br />
graves sequelas. O probl<strong>em</strong>a de saúde da<br />
mãe impulsiona ainda mais a vocação de<br />
Natália para a Medicina. “Eu descobri que<br />
existe um mundo fora do lugar onde vivo<br />
e que posso fazer algo para ajudar as pessoas,<br />
posso saber mais e transmitir meu<br />
conhecimento. Só Deus sabe a alegria<br />
que sinto por passar por todas as dificuldades,<br />
vencer os obstáculos. A sabedoria,<br />
o conhecimento aprendido, a esperança<br />
e a fé são minhas ferramentas para uma<br />
grande conquista. Estou <strong>em</strong> uma lição de<br />
vida”, <strong>em</strong>ociona-se.<br />
Foto: Gáucia Rodrigues<br />
Estudantes apresentaram seus projetos a uma comissão julgadora durante o evento<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 43
O S<strong>em</strong>inário<br />
Ao todo, 71 instituições mineiras<br />
enviaram participantes, entre orientadores<br />
e estudantes, todos bolsistas de Iniciação<br />
Científica da FAPEMIG, para participar da<br />
terceira edição do S<strong>em</strong>inário de Iniciação<br />
Científica da Fundação. “Nós notamos o entusiasmo<br />
dos estudantes e a nossa missão<br />
no s<strong>em</strong>inário foi despertar o interesse desse<br />
público para trabalhar com Ciência, Tecnologia<br />
e Desenvolvimento”, afirmou o presidente<br />
da FAP mineira, Mario Neto Borges.<br />
David Collares Ache, estudante da<br />
Universidade Federal de Uberlândia, foi<br />
um dos participantes do s<strong>em</strong>inário. Recém-formado<br />
<strong>em</strong> Ciências Biológicas, ele<br />
foi bolsista de Iniciação Científica e segue<br />
na área de pesquisa, dessa vez, no mestrado.<br />
Para ele, o evento é uma forma de a<br />
Fundação mostrar como é realizado o seu<br />
trabalho. “Nós receb<strong>em</strong>os a nossa bolsa,<br />
faz<strong>em</strong>os as pesquisas, mas não t<strong>em</strong>os a<br />
dimensão da grandeza do trabalho da FA-<br />
PEMIG”, destacou.<br />
Um dos palestrantes, o diretor de Ciências<br />
Agrárias, Biológicas e da Saúde do<br />
Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />
Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo Sérgio<br />
Lacerda Beirão, falou sobre a Iniciação<br />
Científica no contexto do “Programa Ciências<br />
s<strong>em</strong> Fronteiras”, lançado recent<strong>em</strong>ente<br />
pelo governo federal. A iniciativa pretende<br />
conceder 100 mil bolsas de intercâmbio<br />
para estudantes e pesquisadores <strong>em</strong> modalidades<br />
que vão do nível médio ao pós-doutorado.<br />
“Nosso objetivo é levar os maiores<br />
talentos para estagiar<strong>em</strong> nos melhores<br />
centros de desenvolvimento e pesquisa do<br />
mundo, para que o Brasil dê um salto nessa<br />
área e se torne um país de frente na sociedade<br />
do conhecimento”, enfatizou. A estudante<br />
Júlia Soares Parreiras, vencedora do Prêmio<br />
Jov<strong>em</strong> Cientista <strong>em</strong> 2008, na categoria Ensino<br />
Médio, falou aos estudantes sobre a<br />
importância do envolvimento com a pesquisa<br />
científica ainda na adolescência. “Foi<br />
muito legal compartilhar a minha experiência<br />
com os participantes porque eu tive um<br />
ganho pessoal e profissional muito grande<br />
com a carreira científica”, disse. Além dos<br />
debates, foi realizada uma mostra com os<br />
trabalhos dos estudantes. Eles apresenta-<br />
ram seus projetos a uma comissão julgadora<br />
e, ao final do s<strong>em</strong>inário, os três melhores<br />
trabalhos foram pr<strong>em</strong>iados.<br />
Apoio a jovens pesquisadores<br />
O 3º S<strong>em</strong>inário Estadual de Iniciação<br />
Científica fez parte da programação com<strong>em</strong>orativa<br />
de 25 anos da FAPEMIG. O apoio à<br />
iniciação Científica integra as atividades da<br />
Fundação. Só <strong>em</strong> 2010, foram destinados<br />
mais de R$ 13 milhões à iniciativa. A modalidade<br />
Iniciação Científica Junior (Bic-Jr) -<br />
destinada aos alunos de Ensino Médio - <strong>em</strong><br />
parceria com o CNPq, concedeu, só no ano<br />
passado, 1.273 cotas de bolsas (450 CNPq<br />
e 823 FAPEMIG). Essa iniciativa é baseada<br />
no sucesso da iniciação científica <strong>em</strong> nível<br />
da graduação (PiBic), que t<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrado,<br />
ao longo dos anos, ser uma das atividades<br />
responsáveis pela melhoria dos cursos<br />
de graduação e a melhor forma de gerar<br />
quadros para a pós-graduação no País, reduzindo<br />
o t<strong>em</strong>po de formação de pesquisadores.<br />
Na modalidade Iniciação Científica na<br />
Graduação, <strong>em</strong> 2010, a FAPEMIG concedeu<br />
3.064 cotas a 71 instituições mineiras.<br />
PREMIADOS – BIC JÚNIOR<br />
1º - CARACTERIZAÇÃO ELETROFISIOLÓGICA DOS CANAIS IÔ-<br />
NICOS NA LINHAGEM DE CÉLULAS MGSO-3 DERIVADAS DE<br />
TUMOR DE MAMA<br />
Alunas: Gabriella Pires de Almeida e Natália Conceição Costa<br />
Coordenadora: Andréia Laura Prates Rodrigues<br />
Instituições: Fumec e UFMG<br />
2º - DOENÇA FALCIFORME: IMPLICAÇÕES NA SAÚDE PÚBLICA<br />
REVISÃO BIBLIOGRAFIA<br />
Aluno: Rafael Felipe Gonçalves Miranda<br />
Coordenadora: Ione Maria do Socorro<br />
Instituição: Funec Contag<strong>em</strong><br />
3º - CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO DE UM SECADOR CONVECTI-<br />
VO COM AQUECIMENTO ELÉTRICO<br />
Aluna: Paula Alves Costa de Assis Vieira<br />
Coordenador: André Guimarães Ferreira<br />
Instituição: Cefet<br />
QUADRO - LISTA DE PREMIADOS – BIC<br />
1º - A BUSCA DE SÓCRATES DO CONHECIMENTO DA VERDADE<br />
RELIGIOSA DE ÊUTIFRON<br />
Aluno: Luiz Fernando Bandeira de Melo<br />
Coordenadora: Gilzane Silva Naves<br />
Instituições: Católica de Uberlândia<br />
2º - SENSORES INTELIGENTES E DE BAIXO CUSTO PARA CON-<br />
TROLE E MONITORAMENTO DA FOTOTERAPIA NEONATAL<br />
Aluna: Marcella Rocha Franco<br />
Coordenador: Rodrigo Fernando Bianchi<br />
Instituição: Ufop<br />
3º - PRODUTOS NATURAIS DO CERRADO BRASILEIRO COMO<br />
INIBIDORES DE PROTEASES DE LEISHMANIA<br />
Aluno: José Roberto de Sousa Filho<br />
Coordenador: Ivan de Oliveira Pereira<br />
Instituição: Unincor<br />
44 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Movimento<br />
operário:<br />
de A a Z<br />
HISTÓRIA<br />
Dicionário reúne, <strong>em</strong><br />
formato diferenciado,<br />
dados sobre história do<br />
trabalho <strong>em</strong> Minas Gerais<br />
Virgínia Fonseca<br />
Em 1943, o presidente Getúlio Vargas<br />
aprovou a Consolidação das Leis do<br />
Trabalho (CLT), que regula as relações<br />
trabalhistas individuais e coletivas no país.<br />
A CLT já passou por várias adequações e<br />
outras normas surg<strong>em</strong> para dar suporte na<br />
medida <strong>em</strong> que muda o contexto socioeconômico<br />
nacional. Mas até que o Brasil<br />
chegasse ao seu primeiro modelo de legislação<br />
trabalhista, muita história ficou para<br />
trás, na atuação de pessoas e instituições<br />
que militaram no movimento operário brasileiro.<br />
Organizar <strong>em</strong> um único documento<br />
dados sobre aqueles que representaram<br />
esta luta nas primeiras décadas da República<br />
é a proposta dos pesquisadores responsáveis<br />
pelo Dicionário do Movimento<br />
Operário de Minas Gerais.<br />
O trabalho integra um projeto idealizado<br />
pelo professor de História da Univer-<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 45
sidade Estadual de Campinas (Unicamp)<br />
Cláudio Batalha, de articular nacionalmente<br />
vários dicionários do movimento<br />
operário (leia box). A intenção é reunir, no<br />
formato de verbetes, informações e dados<br />
bibliográficos de organizações e militantes<br />
que atuaram <strong>em</strong> todo o país, criando obras<br />
de referência. Em Minas, a coordenação<br />
está a cargo do Centro de M<strong>em</strong>ória e Pesquisa<br />
Histórica da Pontifícia Universidade<br />
Católica (PUC-MG), por meio do professor<br />
adjunto do curso de História Mário Cleber<br />
Lanna. Trata-se de um projeto interinstitucional<br />
que, além da colaboração da Unicamp,<br />
t<strong>em</strong> o envolvimento de docentes<br />
da Universidade Federal de Juiz de Fora<br />
(UFJF) e da Universidade Federal do Rio<br />
de Janeiro (UFRJ).<br />
Lanna explica que o formato adotado<br />
foge à tendência geral da historiografia,<br />
que privilegia a análise da cultura. Entretanto,<br />
ele aponta uma mudança, bastante<br />
visível no campo da história do trabalho,<br />
de os pesquisadores se voltar<strong>em</strong> com mais<br />
frequência para os estudos biográficos,<br />
devido à aproximação com as escolas européia<br />
e norte-americana, que têm se dedicado<br />
à busca do entendimento de ideias<br />
políticas por meio de experiências de vida<br />
dos indivíduos. No âmbito nacional, há o<br />
ineditismo de procurar compilar <strong>em</strong> trabalhos<br />
de referência para cada região dados<br />
que resgatam do mais simples, individual,<br />
ao mais importante dos agentes que participaram<br />
dessa história. “T<strong>em</strong>os muitas<br />
informações dispersas <strong>em</strong> livros, dissertações,<br />
teses, mas não consolidadas <strong>em</strong> uma<br />
única obra”, diz.<br />
Portanto, homens e mulheres, associações<br />
anarquistas, socialistas reformistas, comunistas,<br />
católicas e mesmo mutualistas (ou<br />
seja, aquelas <strong>em</strong> que mediante contribuição<br />
o participante buscava fazer jus a algum<br />
tipo de assistência) são atores dessa<br />
história <strong>em</strong> Minas Gerais.<br />
Houve uma preocupação dos pesquisadores<br />
<strong>em</strong> resgatar e transformar <strong>em</strong><br />
verbetes o máximo de militantes e organizações<br />
identificadas, mesmo que foss<strong>em</strong><br />
escassas as informações disponíveis.<br />
“Procuramos reunir dados e registrar a<br />
passag<strong>em</strong> daquele ator que às vezes só<br />
é mencionado vagamente, formando um<br />
ponto de partida. Fica registrado que essa<br />
pessoa ou instituição existiu e isso pode<br />
auxiliar <strong>em</strong> futuras pesquisas”, detalha o<br />
coordenador. Nos casos <strong>em</strong> que, apesar<br />
dos esforços, a quantidade de dados não<br />
permitiu a constituição de um verbete, o<br />
professor explica que será feita citação<br />
dos nomes no final do dicionário, apontando<br />
sua participação como militantes.<br />
Ao lado destes, figuram também verbetes<br />
mais complexos, considerados consagrados<br />
pela historiografia. Como ex<strong>em</strong>plos,<br />
são apontados o imigrante italiano Donato<br />
Donati e instituições como a Confederação<br />
Católica, tidos como referência.<br />
Um levantamento inicial aponta que<br />
serão abordadas algo <strong>em</strong> torno de 130<br />
instituições, todas específicas de Minas<br />
Gerais, com atuação local ou regional.<br />
Somam-se cerca de 490 verbetes de<br />
pessoas e algumas entradas registradas<br />
como citações apenas, totalizando 700<br />
referências. Lanna ressalta que esse número<br />
é uma estimativa, a partir da primeira<br />
seleção, mas pode haver mudanças.<br />
Grande parte dos verbetes são de Juiz de<br />
Fora, <strong>em</strong> função do papel econômico que<br />
a cidade teve até 1930, como principal<br />
polo industrial de Minas Gerais.<br />
O grupo – que conta com os pesquisadores<br />
Deivison Amaral, da Unicamp;<br />
Andréia Casanova, da UFRJ; Cláudia<br />
Viscardi, da UFJF; e Carlos Veriano,<br />
da PUC-MG – já finalizou a prospecção<br />
de dados e está na fase de redação e<br />
compilação dos verbetes. Até o final de<br />
2011, todo o conteúdo deve estar pronto,<br />
e o próximo passo é o processo de captação<br />
para publicação, que eles esperam<br />
acontecer <strong>em</strong> meados de 2012.<br />
No máximo, o mínimo<br />
O período considerado na pesquisa<br />
de Minas Gerais abrange do final do século<br />
XIX até 1930, a chamada fase liberal<br />
do movimento operário. A referência inicial<br />
é o ano de 1888, que representa o fim da<br />
escravidão e coincide com o começo da<br />
República. E a historiografia já t<strong>em</strong> 1930<br />
como marco da transformação do movimento<br />
operário, pois é quando surg<strong>em</strong> as<br />
leis de regulamentação do trabalho. A partir<br />
desse momento, os sindicatos passam a<br />
Foto: Marcelo Focado<br />
Militantes e instituições<br />
A pesquisa pautou-se <strong>em</strong> uma minuciosa<br />
análise bibliográfica de publicações<br />
da época e produções acadêmicas atuais<br />
sobre o t<strong>em</strong>a. Foram consideradas todas<br />
as culturas militantes, <strong>em</strong> suas diferentes<br />
ideologias, que fizeram parte, cada uma à<br />
sua maneira, da formação do operariado<br />
organizado no Brasil. A expressão “militante”,<br />
por sua vez, não se refere apenas a<br />
operários, mas também a intelectuais, políticos,<br />
médicos, advogados que atuavam<br />
de alguma forma junto aos trabalhadores,<br />
foss<strong>em</strong> conservadores ou revolucionários.<br />
Publicações da época serviram como fonte para as pesquisas da equipe coordenada por Mário Cleber Lanna<br />
46 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
ser oficializados e há uma política de organização<br />
do movimento operário via Estado.<br />
A expressão “liberal” refere-se ao<br />
fato de que o movimento era organizado<br />
por conta própria. Os sindicatos não eram<br />
unificados, <strong>em</strong> sua maioria formavam-se a<br />
partir de <strong>em</strong>presas e não de profissões –<br />
não existia o sindicato dos metalúrgicos,<br />
mas sim de uma indústria ou de outra. As<br />
categorias profissionais também eram diferenciadas,<br />
pois a presença da indústria no<br />
cenário não era preponderante. Inicialmente,<br />
a força vinha dos sindicatos dos ferroviários,<br />
dos serviços como o comércio e dos<br />
pedreiros. Em um segundo momento é que<br />
começam a aparecer instituições ligadas<br />
aos metalúrgicos, operários.<br />
O movimento acompanha o perfil da<br />
economia política do país e a intervenção<br />
do governo. Inicialmente, a concepção do<br />
Estado era de que o <strong>em</strong>bate entre os <strong>em</strong>pregados<br />
e os <strong>em</strong>presários precisava ser<br />
resolvido pelos próprios envolvidos. “Se<br />
existia um conflito mais violento, era questão<br />
de polícia, não de política”, observa<br />
Lanna. A partir de 1930, esta visão se inverte<br />
e o t<strong>em</strong>a passa a ser de interesse público,<br />
regulamentado pelo Estado. “Daí nosso<br />
recorte, pois isso muda o cenário e, das<br />
instituições que existiram até então, poucas<br />
permaneceram, os operários precisaram se<br />
encaixar <strong>em</strong> modelo de organização dos<br />
sindicatos imposto pelas leis, <strong>em</strong>bora, na<br />
verdade, tenha sido um ganho ter<strong>em</strong> sua<br />
luta reconhecida pelo Estado”, comenta o<br />
professor, acrescentando a expectativa de<br />
que futuramente possam ser desenvolvidos<br />
dicionários sobre épocas seguintes.<br />
No período estudado, existe uma<br />
tendência do chamado sindicato dos reformistas.<br />
Em geral, estavam vinculados<br />
a um tipo de ação assistencialista, <strong>em</strong> um<br />
sentido objetivo: almejavam uma pensão<br />
que pudesse cuidar do trabalhador quando<br />
ele ficasse doente ou garantir auxílio<br />
para enterrá-lo quando morresse. Não<br />
estavam ligados a nenhuma ideologia,<br />
mas a questões práticas do seu cotidiano.<br />
Na medida <strong>em</strong> que essas associações se<br />
un<strong>em</strong>, ganham uma força para reivindicar<br />
algo maior: a jornada de 8 horas, já que o<br />
usual era trabalhar<strong>em</strong> entre 12 horas e 15<br />
horas. “Eles não buscavam uma revolução,<br />
não tinham um projeto diante da sociedade,<br />
queriam o mínimo para sua situação de<br />
vida”, observa Lanna.<br />
Luzes sobre o movimento<br />
operário brasileiro<br />
O Dicionário do Movimento Operário Brasileiro é um projeto discutido no Grupo Mundos do<br />
Trabalho da Associação Nacional de História desde 2001. Entretanto, o <strong>em</strong>brião da ideia existe<br />
desde a década de 1980, por ocasião dos estudos de doutorado do professor de História da<br />
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cláudio Batalha, e veio tomando forma por<br />
meio de pesquisas e debates <strong>em</strong>preendidos ao longo dos anos. A inspiração partiu de obras<br />
internacionais do gênero, <strong>em</strong> especial, o dicionário do movimento operário francês.<br />
Em sua primeira fase, o projeto visa organizar e publicar volumes por cidade, estado ou região,<br />
contendo verbetes de militantes e instituições operárias, cobrindo o período que vai do século<br />
XIX à Primeira República. Para Batalha, um dos principais aspectos reside no fato de que<br />
o trabalho permite lançar luz sobre aqueles agentes que usualmente não figuram nos livros<br />
de história e permanec<strong>em</strong> quase anônimos. “Possibilita ver mais claramente que movimentos<br />
sociais não são resultantes exclusivamente da ação de líderes, mas depend<strong>em</strong> da atuação,<br />
com diferentes graus de militância e envolvimento, de um número b<strong>em</strong> maior de indivíduos”,<br />
analisa. Segundo ele, os históricos das organizações, também previstos no projeto, por outro<br />
lado, permit<strong>em</strong> mapear o rico e variado mundo associativo dos primeiros anos da República,<br />
colocando <strong>em</strong> xeque a ideia consagrada de que ao longo de toda sua história o Brasil teve uma<br />
sociedade civil fraca.<br />
Cada volume t<strong>em</strong> uma coordenação responsável, que define as características específicas da<br />
pesquisa local, uma vez que alguns fatores, como o recorte cronológico inicial, pod<strong>em</strong> variar.<br />
Além do dicionário da cidade do Rio de Janeiro, já publicado, estão <strong>em</strong> fase final de produção<br />
os dicionários de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Projetos para o Estado de São Paulo<br />
e para o Rio de Janeiro no período pós-1930 também estão <strong>em</strong> andamento. Ainda <strong>em</strong> fase de<br />
elaboração e discussão, estão os estudos relativos aos Estados da Bahia, de Pernambuco, de<br />
Alagoas e do Amazonas. “A expectativa é que todos os Estados da Federação acab<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>plados<br />
nesta primeira etapa”, explica Batalha. Períodos posteriores da história do movimento<br />
operário seriam trabalhados <strong>em</strong> uma segunda fase.<br />
PROJETO: Dicionário do movimento<br />
operário <strong>em</strong> Minas Gerais<br />
COORDENADOR: Mário Cléber<br />
Martins Lanna Jr.<br />
MODALIDADE: Auxílio especial<br />
e endogovernamental<br />
VALOR: R$ 79.136<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 47
A ciência,<br />
do micróbio ao universo<br />
LEITURAS<br />
Ao contar essa história, mostrar<strong>em</strong>os como<br />
se construiu o mundo moderno. A ciência está de<br />
tal modo intricada <strong>em</strong> nossas vidas que mal notamos<br />
sua presença. Nossas redes de comunicações<br />
móveis depend<strong>em</strong> da mecânica orbital, que permite<br />
o posicionamento de satélites no céu; da química do<br />
combustível de foguetes; dos materiais usados <strong>em</strong><br />
plásticos e chips de silício dos computadores, telefones<br />
e baterias.<br />
Milhares são as narrativas acerca do<br />
desenvolvimento dos princípios e produtos<br />
científicos. Pouquíssimas, porém, revelam-se<br />
capazes de oferecer, ao leitor, equilibrada e instigante<br />
junção entre texto e imag<strong>em</strong>, liame s<strong>em</strong><br />
o qual seria impossível compreender as lógicas<br />
e nuances de uma das mais complexas atividades<br />
criadas pelo hom<strong>em</strong>. Bastante conhecida<br />
por suas produções de altíssimo nível, a British<br />
Broadcasting Corporation (BBC), <strong>em</strong>issora<br />
pública do Reino Unido, investiu <strong>em</strong> fascinante<br />
série televisiva sobre os grandes momentos da<br />
Ciência no planeta. Tal iniciativa acabaria por<br />
se transformar <strong>em</strong> bela obra impressa, na qual<br />
relatos, fotografias e ilustrações atra<strong>em</strong> o leitor<br />
a uma irrecusável “viag<strong>em</strong> no t<strong>em</strong>po”.<br />
Escrito por Michael Mosley e John Lynch,<br />
o livro Uma história da ciência: experiência,<br />
poder e paixão, recent<strong>em</strong>ente publicado pela<br />
Zahar, é a saborosa “astronave” que faltava aos<br />
apaixonados por desvendar os mistérios do<br />
progresso científico: dividida <strong>em</strong> seis grandes<br />
áreas – Cosmo, Matéria, Vida, Energia, Corpo<br />
e Mente –, a obra alia textos divertidos (e rigorosos)<br />
a imagens repletas de beleza (e informação).<br />
Som<strong>em</strong>-se a tal dueto as maravilhas<br />
do acurado projeto gráfico, expressas <strong>em</strong> capa<br />
dura e páginas de papel couché.<br />
De modo a facilitar a “viag<strong>em</strong>” de tantos<br />
apaixonados por Ciência, o livro oferece,<br />
ainda, sugestões de leitura e detalhado índice<br />
r<strong>em</strong>issivo sobre t<strong>em</strong>as, cenas e protagonistas.<br />
Garant<strong>em</strong>-se, assim, as mais confortáveis condições<br />
de navegação, para que, aos curiosos<br />
leitores, seja requerida, exclusivamente, a ânsia<br />
por arquitetar – a ex<strong>em</strong>plo dos mais importantes<br />
cientistas da história – um s<strong>em</strong> número de<br />
dúvidas acerca da vida, do t<strong>em</strong>po, da natureza<br />
e do hom<strong>em</strong>.<br />
Livro: Uma história da ciência:<br />
experiência, poder e paixão<br />
Autor: Michael Mosley e John Lynch<br />
Tradução: Ivan Weisz Kuck<br />
Revisão técnica: José Claudio Reis<br />
Editora: Zahar<br />
Título original: The story of the science: power,<br />
proof and passion<br />
Páginas: 288<br />
Ano: 2011<br />
Bases metodológicas<br />
para o design<br />
Na atualidade, existe uma infinidade de métodos,<br />
técnicas e ferramentas dedicadas ao desenvolvimento<br />
do projeto, mas seu <strong>em</strong>prego não pode ser<br />
transferido para qualquer contexto s<strong>em</strong> os necessários<br />
ajustes. Nesse contexto, o design, como lugar de<br />
projeção, necessita de bases metodológicas sólidas<br />
de sist<strong>em</strong>atização de tarefas para organizar seu percurso<br />
criativo, delimitando seu campo de atuação<br />
profissional para seus resultados ser<strong>em</strong> revertidos <strong>em</strong><br />
benefício da coletividade, contribuindo para melhoria<br />
de vida do indivíduo.<br />
Metodologias e experiências de ensino<br />
organizadas <strong>em</strong> Minas Gerais e <strong>em</strong> outros estados<br />
são descritos no recém-lançado Design<br />
e Método, quinto volume dos Cadernos de<br />
Estudos Avançados <strong>em</strong> Design. O objetivo é<br />
chamar atenção para a importância do método<br />
no ensino, na pesquisa e na prática dessa área<br />
do conhecimento. Os artigos que compõ<strong>em</strong> o<br />
livro abordam as relações do design com procedimentos<br />
metodológicos diversos, sejam<br />
eles atualmente utilizados ou ainda <strong>em</strong> estado<br />
de consolidação.<br />
O volume completa a coleção composta<br />
pelos títulos Design e Multiculturalismo, Design<br />
e Transversalidade, Design e Sustentabilidade<br />
I e II, Design e Identidade. Os artigos são<br />
assinados por pesquisadores reconhecidos da<br />
área, do Brasil e do exterior. Juntos, os Cadernos<br />
oferec<strong>em</strong> um panorama atual das discussões<br />
sobre design, promovendo o debate de<br />
alto nível e a produção do conhecimento. Todos<br />
os volumes da coleção possu<strong>em</strong> uma versão<br />
digital, que pode ser acessada, gratuitamente,<br />
pelo endereço www.tcdesign.u<strong>em</strong>g.br.<br />
Uma novidade deste quinto volume, que<br />
contou com o apoio da FAPEMIG, é a inauguração<br />
da versão bilíngue: os artigos vêm acompanhados<br />
de sua versão <strong>em</strong> inglês, ampliando o alcance da<br />
publicação. A iniciativa é do Centro de Estudos,<br />
Teoria, Pesquisa e Cultura <strong>em</strong> Design (Centro<br />
T&C Design) da Universidade Estadual de Minas<br />
Gerais (U<strong>em</strong>g), grupo interdisciplinar que pretende<br />
criar um novo espaço para o debate sobre a<br />
cultura material e a pesquisa teórica <strong>em</strong> design.<br />
Livro: Design e Método<br />
Organização: Dijon de Moraes,<br />
Regina Álvares Dias, Ros<strong>em</strong>ary Bom Conselho<br />
Coleção: Cadernos de Estudos Avançados<br />
<strong>em</strong> Design (volume 5)<br />
Editora: Ed. U<strong>em</strong>g<br />
Páginas: 245<br />
Ano: 2011<br />
48 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011
Foto: Arquivo pessoal<br />
Rodrigo Mendes<br />
Em maio de 2011, o engenheiro agrônomo Rodrigo Mendes, formado pela Universidade do Estado de<br />
São Paulo (USP), publicou artigo na revista Science, no qual aponta um novo mecanismo de defesa para<br />
as plantas, sob a ameaça de 33 mil espécies de fungos residentes no solo situado próximo ao vegetal.<br />
Sua pesquisa de pós-doutorado começou a ser desenvolvida na Universidade de Wageningen, na<br />
Holanda. A expectativa do cientista é dar continuidade ao seu estudo na Empresa Brasileira de Pesquisa<br />
Agropecuária (Embrapa), local onde trabalha desde o começo do ano. O estudo de Mendes pode levar ao<br />
desenvolvimento de plantas com um sist<strong>em</strong>a de defesa efcaz ao ponto de dispensar o uso de agrotóxicos.<br />
5 PERGUNTAS PARA...<br />
Ex<strong>em</strong>plo de um solo naturalmente supressivo ao tombamento causado<br />
pelo patógeno Rhizoctonia. No solo supressivo (esquerda), a incidência<br />
da doença é muito baixa, enquanto que no solo condutivo a maioria das<br />
plantas está infectada. No solo supressivo, as bactérias estão naturalmente<br />
protegendo as plantas de beterraba.<br />
Os solos supressivos são conhecidos<br />
pelos agricultores por “proteger<strong>em</strong>”<br />
suas plantações do ataque<br />
de doenças e pragas, porém ainda<br />
não se sabia como era realizada essa<br />
proteção. Quando o senhor iniciou os<br />
estudos com esse tipo de solo, já se<br />
trabalhava com a possibilidade de a<br />
proteção vir de uma relação ecológica<br />
entre as plantas e outros seres vivos?<br />
1Esse fenômeno, no qual, a despeito<br />
da presença do patógeno de solo, a planta<br />
não é infectada, é conhecido como “solos<br />
supressivos a doenças”. A base microbiológica<br />
do fenômeno já era conhecida:<br />
ex<strong>em</strong>plos clássicos são o trigo nos Estados<br />
Unidos e na Austrália, e tomate e tabaco na<br />
França. Porém, os mecanismos utilizados<br />
pela comunidade microbiana durante a<br />
proteção estavam ainda por ser<strong>em</strong> elucidados.<br />
A abordag<strong>em</strong> metagenômica utilizada<br />
no estudo deu uma nova dimensão a um<br />
tópico b<strong>em</strong> conhecido, e se mostrou como<br />
uma poderosa ferramenta para se estudar a<br />
interação planta/microrganismos.<br />
Foi escolhido o cultivo de beterrabas<br />
para realizar testes das formas<br />
como os vegetais se defendiam de<br />
fungos. Quais foram os métodos de<br />
análise aplicados para compreender a<br />
estrutura de defesa dos vegetais?<br />
2Conhecendo-se previamente a natureza<br />
microbiológica do fenômeno, decidimos<br />
acessar diretamente a comunidade<br />
microbiana associada às raízes da beterraba<br />
<strong>em</strong> solos com diferentes níveis de<br />
supressão ao patógeno Rhizoctonia. Tradicionalmente,<br />
técnicas dependentes de cultivo<br />
de micro-organismos são utilizadas, o<br />
que limita o número de micro-organismos<br />
estudados durante a interação. Neste estudo,<br />
utilizando uma técnica conhecida<br />
como metagenômica, isolamos diretamente<br />
o DNA a partir do solo aderido às raízes<br />
de beterraba e descobrimos mais de 30 mil<br />
espécies bacterianas na interação.<br />
No estudo <strong>em</strong> desenvolvimento,<br />
foram encontradas 33 espécies de<br />
bactérias que barravam o avanço de<br />
doenças. Existe uma atuação especifi-<br />
definida para essas bactérias? Elas 3ca<br />
ag<strong>em</strong> consorciadas?<br />
Os resultados d<strong>em</strong>onstraram que<br />
o principal meio de ação das bactérias é<br />
sua atuação <strong>em</strong> consórcio com diferentes<br />
espécies, no qual grupos bacterianos<br />
dominantes atuam suprimindo a doença.<br />
Embora milhares de bactérias atu<strong>em</strong> simultaneamente,<br />
33 espécies foram as mais<br />
dinâmicas no processo de supressão.<br />
Explique como funciona o processo<br />
de defesa <strong>em</strong> estudo e, especifique,<br />
qual é a participação do solo,<br />
4plantas e bactérias.<br />
A planta, crescendo na presença de<br />
um patógeno, libera nutrientes que são usados<br />
pelas bactérias do solo. Em resposta,<br />
as bactérias se ader<strong>em</strong> às raízes e ajudam a<br />
planta atuando como guarda-costas, produzindo<br />
antibióticos que contra-atacam o fungo<br />
durante a infecção, impedindo, assim, o<br />
desenvolvimento da doença.<br />
A descoberta desse novo mecanismo<br />
de proteção para as plantações<br />
pode gerar quais benefícios para o de-<br />
da agricultura? 5senvolvimento<br />
A aplicação direta desse conhecimento<br />
seria “engenheirar” plantas para que elas<br />
recrut<strong>em</strong> as bactérias benéficas a fim de se<br />
defender<strong>em</strong> naturalmente de patógenos. O<br />
impacto da utilização desta estratégia seria<br />
a redução da aplicação de químicos na agricultura,<br />
contribuindo para o uso sustentável<br />
do solo e, consequent<strong>em</strong>ente, evitando a<br />
contaminação de ambiente.<br />
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 49
Crédito: Marcelo Kraiser (professor do Departamento de Desenho da Escola de Belas Artes – UFMG)<br />
Maria-Exphotos, de Marcelo Kraiser; o trabalho iniciou-se com pesquisa sobre processos analógicos<br />
de produção de imagens, e integra o Imagens do Conhecimento (leia mais na página 19)<br />
VARAL<br />
50 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011