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Guardados na Memória - Academia Brasileira de Letras

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François Mauriac<br />

que cai e se levanta, que peca e se arrepen<strong>de</strong>, que não é nem <strong>de</strong> todo bom nem<br />

<strong>de</strong> todo mau, que quer o que não quer, que ama o que o<strong>de</strong>ia, o homem tal<br />

como Deus o fez, como o pecado o <strong>de</strong>sfez, como a infinita misericórdia do<br />

Eterno o refaz ou como o Príncipe do Mundo o aniquila.<br />

Sombrio e trágico Mauriac. Na hora em que uma falsa alegria <strong>de</strong> viver enchia<br />

o mundo; <strong>na</strong> hora em que uma literatura <strong>de</strong> lantejoulas e efeitos acrobáticos<br />

reagia contra a mediocrida<strong>de</strong> e procurava espantar o burguês pelo escândalo<br />

das suas violências, <strong>de</strong>molições e contorções – nessa hora inuma<strong>na</strong> chegaste<br />

<strong>de</strong> mansinho, como alguns outros <strong>de</strong> tua geração. E, sem alar<strong>de</strong> nem manifestos,<br />

trouxeste <strong>de</strong> novo a imagem do homem, a figura do homem, o <strong>de</strong>stino terrível<br />

do homem, não ape<strong>na</strong>s em sua vida exterior, mas sobretudo em sua vida<br />

íntima, em suas paixões secretas e profundas, para o meio dos histriões que haviam<br />

tomado conta do proscênio. E tudo mudou. Um novo sentido trágico da<br />

vida voltou, como a imagem verda<strong>de</strong>ira da hora amarga que o mundo vive em<br />

nossos dias. Teu último romance, Mauriac, esse Les Chemins <strong>de</strong> la Mer (Grasset)<br />

que acabas <strong>de</strong> lançar <strong>na</strong> esteira luminosa e sombria <strong>de</strong> tantos outros com que já<br />

enriqueceste e transfiguraste uma literatura, que parecia esgotada ou traíra o<br />

espírito, – teu último romance não é melhor nem pior que os outros. Talvez<br />

não esteja entre os teus maiores. Mas é gran<strong>de</strong> como todos eles, porque nele<br />

palpita mais uma vez o insondável coração humano. Mais uma vez nos mostras<br />

esses pobres homens, esses pobres nós-outros, domi<strong>na</strong>dos e maltratados<br />

pelas potências inferiores que arrancam <strong>de</strong> nós a dulcíssima semelhança divi<strong>na</strong><br />

para cobrir-nos a face, com aquela máscara do <strong>de</strong>mônio que o monge Paphnuce<br />

sentiu ao passar os <strong>de</strong>dos por sua face pecadora. Mas tu entraste, Mauriac,<br />

infinitamente mais fundo no segredo da miséria huma<strong>na</strong>, do que esse teu famoso<br />

pre<strong>de</strong>cessor que escrevera a história do monge infiel. Tu penetraste muito<br />

mais fundo nesse nó <strong>de</strong> víboras que se entre<strong>de</strong>voram no fundo dos amargos<br />

corações humanos, porque tiveste a ilumi<strong>na</strong>r o teu coração a luz da lâmpada<br />

que nunca se apaga. Se tanto irritas os fariseus é que tocaste o fundo do nosso<br />

orgulho impossível. E se <strong>de</strong>nunciaste o “falso publicanismo”, é que sabes que a<br />

humilda<strong>de</strong> é o pior dos orgulhos quando insincera. Esvurmaste sem pieda<strong>de</strong> o<br />

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