Reflexões sobre currículo e linguagem a partir de uma ... - UFRJ
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do texto, pois o cineasta francês acredita que po<strong>de</strong>mos nos apropriar <strong>de</strong> tudo. Por exemplo,<br />
se Godard diz <strong>uma</strong> frase <strong>de</strong> Mozart, ela passa a ser <strong>de</strong>le, pois ao se apropriar da voz do<br />
outro, a sua própria voz a transforma em outra coisa.<br />
A concepção <strong>de</strong> dialogismo permite ver todo o texto artístico como estando em<br />
diálogo não apenas com outros textos artísticos, mas também com seu público. Esse<br />
conceito multidimensional e interdisciplinar, se aplicado a um fenômeno cultural como um<br />
filme, por exemplo, referir-se-ia não apenas ao diálogo dos personagens no interior do<br />
filme, mas também ao diálogo do filme com filmes anteriores, assim como ao diálogo <strong>de</strong><br />
gêneros ou <strong>de</strong> vozes <strong>de</strong> classes no interior do filme, ou ao diálogo entre as várias trilhas<br />
(entre a música e a imagem). Além disso, po<strong>de</strong>ria referir-se também ao diálogo que<br />
conforma o processo <strong>de</strong> produção específico (entre produtor e diretor, diretor e ator), assim<br />
como as maneiras como o discurso fílmico é conformado pelo público, cujas reações<br />
potenciais são levadas em conta.<br />
Assim, acredito que para se pensar n<strong>uma</strong> aproximação do cinema em contexto<br />
escolar, e, quem sabe, um dia, como disciplina, o i<strong>de</strong>al seria não se pren<strong>de</strong>r somente à<br />
estrutura proposta por Christian Metz, a qual foi a mais difundida das teorias, a <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
“cine-semiologia”, como proposta <strong>de</strong> ensino do cinema na escola. Como se sabe, para este<br />
autor, <strong>de</strong>ver-se-ia <strong>de</strong>svendar os códigos do cinema, on<strong>de</strong> tais códigos teriam algo a revelar.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que o cinema é <strong>uma</strong> <strong>linguagem</strong>, mas é <strong>uma</strong> <strong>linguagem</strong> artística, logo, se <strong>de</strong>ve<br />
ultrapassar essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que ela é um sistema pronto e acabado. As propostas <strong>de</strong> Bergala<br />
aliadas às i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Bakhtin seriam <strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassar os limites <strong>de</strong>ssa visão<br />
<strong>de</strong> <strong>linguagem</strong>, a <strong>partir</strong> do momento que refletem <strong>sobre</strong> aspectos culturais, propondo <strong>uma</strong><br />
abertura do próprio conceito como algo que não é pronto, mas que está em constante<br />
processo <strong>de</strong> construção.<br />
Outra contribuição importante que Bakhtin traz são suas reflexões <strong>sobre</strong> a própria<br />
arte, que não é um simples servo, um simples transmissor <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias, mas, em vez disso,<br />
tem seus próprios processos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e seu papel i<strong>de</strong>ológico, pois o significante<br />
artístico não é um mero acessório técnico para transmitir realida<strong>de</strong> ou gran<strong>de</strong>s<br />
pensamentos, mas <strong>uma</strong> parte da realida<strong>de</strong> que é importante em si (Stam, 1992, p. 24).<br />
Desta maneira, enten<strong>de</strong>-se que a arte tem <strong>uma</strong> relativa in<strong>de</strong>pendência do contexto imediato.