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Safra 2004 na Serra Gaúcha - Embrapa Uva e Vinho

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<strong>Safra</strong> <strong>2004</strong> <strong>na</strong> <strong>Serra</strong> Gaúcha<br />

Perspectiva de vinhos tintos de alta qualidade e de sabor mais intenso<br />

Mauro Zanus 1<br />

Francisco Mandelli 2<br />

As condições climáticas favoráveis, as melhorias <strong>na</strong> estrutura e no manejo dos parreirais e da<br />

tecnologia de vinificação habilitam a <strong>Serra</strong> Gaúcha a elaborar, em <strong>2004</strong>, uma quantidade<br />

significativa de vinhos tintos de primeira qualidade.<br />

A qualidade das principais uvas para vinhos tintos – como Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc,<br />

Merlot e Tan<strong>na</strong>t – é definida principalmente pelas condições climáticas dos meses em que<br />

ocorre a maturação, da fase de mudança de cor dos frutos à colheita. Em <strong>2004</strong> este período<br />

ocorreu mais tarde do que o normal, aproximadamente entre os dias 15 de janeiro a 15 de<br />

março. Os dados referentes a Bento Gonçalves, com a ocorrência do número de dias com<br />

precipitação, número de horas de brilho solar e temperaturas (média, máxima e mínima) são<br />

apresentados <strong>na</strong> Tabela 1.<br />

Tabela 1. Condições meteorológicas da safra de <strong>2004</strong> no período de maturação das uvas tintas<br />

(entre 15/01 e 15/03), para Bento Gonçalves, RS. (Fonte: Estação Agroclimatológica da<br />

<strong>Embrapa</strong>-<strong>Uva</strong> e <strong>Vinho</strong>)<br />

.<br />

Período<br />

Número de dias<br />

com precipitação<br />

pluviométrica 1<br />

Média diária de brilho<br />

solar direto<br />

(horas/dia) 2<br />

Temperatura<br />

média<br />

( o C)<br />

Temperatura<br />

média das<br />

máximas ( o C)<br />

Temperatura<br />

média das<br />

mínimas ( o C)<br />

15 a 31 de janeiro 4 8,1 22,4 28,1 18,1<br />

1 a 29 de fevereiro 3 5 8,7 20,5 26,1 16,2<br />

1 a 15 de março 3 7,9 21,1 27,3 16,5<br />

Total - 61 dias 12 - - - -<br />

.<br />

1<br />

Precipitação > 1 mm (1 L/m 2 ) ; 2 Medida no heliógrafo; 3 Média histórica (1961-1990) fevereiro: 21,7 o C; 27,5 o C e 17,3 o C,<br />

respectivamente para temperatura média, média das máximas e média das mínimas.<br />

Os dados mostram que o período de maturação das principais uvas tintas se caracterizou por<br />

dias ensolarados, com pouca chuva e temperaturas mais ame<strong>na</strong>s do que o normal. Isto inibiu a<br />

podridão das uvas, permitindo realizar a colheita quando os frutos apresentavam casca, polpa e<br />

sementes em estágio ideal de maturação. As bagas puderam sintetizar e acumular mais<br />

açúcares, pigmentos, taninos, substâncias aromáticas e seus precursores. A absorção de água<br />

.<br />

A <strong>Serra</strong> Gaúcha, pouco a pouco, começa a se<br />

destacar pela aptidão em produzir vinhos tintos<br />

de elevada qualidade - e não, somente, pela<br />

produção de vinhos brancos e espumantes.<br />

pelas videiras com um nível de<br />

restrição maior que em outros anos<br />

produziu frutos mais concentrados em<br />

açúcares (com 18 a 21 o Babo) e em<br />

substâncias orgânicas e minerais.<br />

As temperaturas de verão relativamente ame<strong>na</strong>s são uma característica importante e de<br />

distinção para a região vitícola da <strong>Serra</strong> Gaúcha. Em <strong>2004</strong>, em Bento Gonçalves, a temperatura<br />

média do mês mais quente do ano (janeiro) foi de 21,8 o C. Como referência, têm-se as regiões<br />

de Bordeaux e Borgonha, em que a temperatura média do mês mais quente não é muito<br />

inferior, média histórica igual a 21,2 o C (p/agosto) e 20,9 o C (p/julho), respectivamente.<br />

Considerando a média diária das temperaturas máximas e mínimas ocorridas em fevereiro,<br />

verifica-se que foram cerca de 1,2 o C menor do que a média histórica. Isto, possivelmente,<br />

determinou uma diminuição <strong>na</strong> combustão do ácido málico, aumentando a acidez dos frutos. De<br />

fato, em <strong>2004</strong>, verificou-se que os mostos das uvas fi<strong>na</strong>s tintas apresentaram, <strong>na</strong> média, uma<br />

acidez entre 90 a 120 meq/L. Uma parte importante desta acidez será perdida pelo processo de<br />

fermentação malolática e de estabilização dos vinhos. O adicio<strong>na</strong>l de acidez contribuirá para o<br />

adequado envelhecimento dos vinhos e para o equilíbrio de sabor, uma vez que o teor alcoólico<br />

também será maior do que o normal, entre 12,0 a 13,5 %. As temperaturas moderadas ajudam<br />

a explicar, em parte, o porquê da elevada intensidade de cor dos vinhos desta safra – conforme<br />

vem sendo apontado por enólogos de diversas vinícolas da região. O metabolismo bioquímico


que leva à síntese de substâncias fenólicas – da qual fazem parte as antocia<strong>na</strong>s dos frutos – é<br />

favorecido pelas temperaturas mais ame<strong>na</strong>s, principalmente as notur<strong>na</strong>s. Além disso, a acidez<br />

adicio<strong>na</strong>l obtida devido às baixas temperaturas contribuiu para que o pH dos vinhos ficasse<br />

entre 3,5 a 3,8. Isto garante uma boa proporção de antocia<strong>na</strong>s <strong>na</strong> forma ativa (cátions flavilium)<br />

e preserva a vivacidade de cor dos vinhos.<br />

.<br />

Figura 1. <strong>Vinho</strong> tinto <strong>2004</strong> elaborado <strong>na</strong> canti<strong>na</strong> experimental da <strong>Embrapa</strong> <strong>Uva</strong> e <strong>Vinho</strong><br />

Há um consenso entre agrônomos e<br />

enólogos de que outros fatores, além<br />

do clima, contribuíram para a<br />

melhoria <strong>na</strong> qualidade das uvas.<br />

Recentemente houve um incremento<br />

<strong>na</strong> implantação de vinhedos com<br />

mudas de alta qualidade genética e<br />

isentas de vírus. Videiras sem o vírus<br />

do enrolamento da folha (“ leafroll<br />

virus” ), por exemplo, produzem<br />

frutos que atingem cerca de 2 graus a<br />

mais de maturação, com mais<br />

açúcares, pigmentos e taninos – isto<br />

ocorre independente das condições<br />

climáticas. As melhorias no sistema<br />

de cultivo das videiras, baseadas,<br />

principalmente, <strong>na</strong> diminuição do seu<br />

vigor vegetativo, uso racio<strong>na</strong>l da<br />

adubação e no controle da<br />

produtividade/planta, vêm também<br />

contribuindo para que as uvas<br />

alcancem estágios mais avançados<br />

de maturação.<br />

.<br />

Os avanços recentes realizados pelas vinícolas quanto à tecnologia de vinificação também são<br />

importantes <strong>na</strong> evolução da qualidade dos vinhos. A tecnologia e os equipamentos para<br />

fermentação e extração dos compostos da casca vêm se adequando às melhorias obtidas <strong>na</strong><br />

matéria-prima. <strong>Uva</strong>s mais maduras apresentam cascas e sementes com taninos de melhor<br />

qualidade, menos agressivos, e que não atribuem gostos herbáceos aos vinhos. Na safra <strong>2004</strong><br />

os enólogos puderam macerar as uvas por mais tempo, possibilitando obter vinhos de maior<br />

estrutura e mais concentrados. Estes vinhos – devido ao seu conteúdo em antioxidantes e<br />

adequada acidez – apresentam um excelente potencial para maturar em barricas de carvalho e<br />

podem desenvolver uma maior complexidade aromática (“bouquet”) durante a fase de<br />

envelhecimento em garrafa.<br />

A <strong>Serra</strong> Gaúcha, pouco a pouco, começa a se destacar pela aptidão em produzir vinhos tintos<br />

de elevada qualidade – e não, somente, pela produção de vinhos brancos e espumantes. O<br />

aumento do grau de maturação das uvas devido à melhoria dos vinhedos, bem como os<br />

avanços <strong>na</strong> tecnologia de vinificação, vêm permitindo, aumentar, ano após ano, o percentual de<br />

vinhos tintos brasileiros “ premium quality” , como pode ser comprovado ao longo dos trabalhos<br />

da Avaliação Nacio<strong>na</strong>l de <strong>Vinho</strong>s. Este evento, que reúne enólogos do Brasil e do exterior, é<br />

realizado anualmente pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), com apoio técnico da<br />

<strong>Embrapa</strong> <strong>Uva</strong> e <strong>Vinho</strong>, e objetiva avaliar a potencialidade das safras vitícolas. Os vinhos<br />

relativamente magros e de aroma simples, ape<strong>na</strong>s vinoso, ainda existem numa proporção<br />

importante, porém é cada vez mais freqüente aqueles de coloração mais intensa, com aroma<br />

mais rico, de maior volume em boca, equilibrados em álcool e acidez, de sabor complexo e<br />

persistente. Vindimas ensolaradas e de pouca chuva como a de <strong>2004</strong> contribuem para<br />

aumentar, ainda mais, o percentual destes vinhos.<br />

Foto: Viviane Fialho - <strong>Embrapa</strong> <strong>Uva</strong> e <strong>Vinho</strong><br />

1<br />

Mauro Zanus - pesquisador em Enologia da <strong>Embrapa</strong> <strong>Uva</strong> e <strong>Vinho</strong>, diretor de degustação da Associação Brasileira de<br />

Enologia – ABE. e-mail: zanus@cnpuv.embrapa.br<br />

2<br />

Francisco Mandelli - pesquisador em Agrometeorologia da <strong>Embrapa</strong> <strong>Uva</strong> e <strong>Vinho</strong>. e-mail: mandelli@cnpuv.embrapa.br<br />

Este artigo pode ser acessado <strong>na</strong> internet: www.cnpuv.embrapa.br

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