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universidade do sul de santa catarina silvia de arruda cunha ...

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA<br />

SILVIA DE ARRUDA CUNHA<br />

ELABORAÇÃO DO LUTO PELA PERDA DA SAÚDE<br />

EM SUJEITOS PORTADORES DE HIV EM PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA<br />

Palhoça<br />

2009


2<br />

SILVIA DE ARRUDA CUNHA<br />

ELABORAÇÃO DO LUTO PELA PERDA DA SAÚDE<br />

EM SUJEITOS PORTADORES DE HIV EM PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA<br />

Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso apresenta<strong>do</strong> ao<br />

Curso <strong>de</strong> Psicologia da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul <strong>de</strong> Santa<br />

Catarina, como requisito parcial para obtenção <strong>do</strong><br />

título <strong>de</strong> Psicóloga.<br />

Professora Orienta<strong>do</strong>ra: Maria <strong>do</strong> Rosário Stotz, Dra.<br />

Palhoça<br />

2009


Dedico este trabalho aos meus filhos Daniel e<br />

Tomás, fontes <strong>de</strong> amor e inspiração; ao Henrique,<br />

companheiro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre; ao meu irmão Fábio<br />

(in memoriam), minha primeira aprendizagem<br />

sobre perda da saú<strong>de</strong> e luto, aos meus pais Laís e<br />

Harol<strong>do</strong> (in memoriam), <strong>de</strong> muitas maneiras<br />

presentes nestas páginas.<br />

3


4<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Agra<strong>de</strong>cimentos especiais à orienta<strong>do</strong>ra Prof. Drª. Maria <strong>do</strong> Rosário Stotz,<br />

pelos valiosos ensinamentos ao longo <strong>do</strong> curso e pela generosa e compreensiva<br />

orientação <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

Ao Henrique pela paciência por minha ausência e constante apoio para a<br />

realização <strong>de</strong>ste trabalho<br />

Agra<strong>de</strong>ço aos meus irmãos Heloisa e Márcio pelos incentivos à continuida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> minha formação.<br />

Aos profissionais <strong>do</strong> Serviço <strong>de</strong> Atenção Especializada em DST/AIDS da<br />

Policlínica <strong>do</strong> Centro <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Florianópolis, Fabio Gue<strong>de</strong>s Crespo e Jane<br />

Borges Teixeira, pelo carinho com que me incluíram em sua equipe.<br />

Ao Prof. Fred Stapazzoli e ao Henrique pelas correções na ortografia.<br />

Às amigas e colegas <strong>do</strong> Time da Mente Adriane Ghiesi, Ana Paula Leão,<br />

Ana Paula Wendt, Cristina Borges, Fernanda Kressin, Gabriela Bond, Geral<strong>do</strong> Mollick,<br />

Ian Cottrell, Juliana Bellincanta, Kátia <strong>do</strong> Valle Flores, Liliam Cipriano Kautnick, Luciane<br />

Molin, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Bastos, Mariana Vieira, Márcia Sandrini Cascaes Pereira<br />

Oliveira, Estefânia Ibarra Dobes Rosa, Valéria Farias e Vera Marcia Silveira <strong>de</strong><br />

Macha<strong>do</strong> Ferraz, pelos bons momentos compartilha<strong>do</strong>s.


5<br />

LISTA DE SIGLAS<br />

AIDS / SIDA – Síndrome da Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida<br />

CAPS – Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial<br />

COAS – Centro <strong>de</strong> Orientação e Apoio Sorológico<br />

CTA – Centro <strong>de</strong> Testagem e Aconselhamento<br />

DST – Doença Sexualmente Transmissível<br />

ESF – Estratégia da Saú<strong>de</strong> da Família<br />

HIV – Vírus da Imuno<strong>de</strong>ficiência<br />

NAPS – Núcleo <strong>de</strong> Atenção Psicossocial<br />

OMS – Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

PSM – Programa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental<br />

SAE – Serviço <strong>de</strong> Atenção Especializada<br />

SUS – Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>


6<br />

RESUMO<br />

O tema <strong>de</strong>sse estu<strong>do</strong> é o luto pela perda da saú<strong>de</strong> e sua elaboração em psicoterapia<br />

psicodinâmica vivida por sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV positivo. Caracterizar e <strong>de</strong>screver<br />

os elementos psíquicos envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> luto, no luto pela perda da saú<strong>de</strong>,<br />

sua elaboração em psicoterapia psicodinâmica e na especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito porta<strong>do</strong>r<br />

<strong>de</strong> HIV positivo foram objetivos específicos <strong>de</strong>ssa pesquisa. A partir <strong>de</strong> pesquisa<br />

bibliográfica, na literatura científica e em base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s eletrônica, foram feitos recortes<br />

<strong>de</strong> 6 casos clínicos <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV positivo em psicoterapia <strong>de</strong> diferentes<br />

abordagens psicodinâmicas, e 2 experiências <strong>de</strong> psicoterapia <strong>de</strong> grupo. Evi<strong>de</strong>nciou-se<br />

a presença <strong>de</strong> luto a ser elabora<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os casos relata<strong>do</strong>s. Os elementos que<br />

foram evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s nas diferentes situações específicas foram: negação, culpa, raiva,<br />

ambivalência, recusa ao reconhecimento da realida<strong>de</strong>, exposição ao risco, ferida<br />

narcísica, angústia <strong>de</strong> castração e por vezes aceitação. Corroboran<strong>do</strong> pesquisas<br />

anteriores foram encontradas a presença <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> HIV e quadro clínico <strong>de</strong><br />

melancolia e a coincidência entre exposição ao risco e presença <strong>de</strong> lutos anteriores não<br />

elabora<strong>do</strong>s, no momento imaginário da infecção em alguns <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Palavras chaves: luto, luto pela perda da saú<strong>de</strong>, HIV positivo, psicoterapia<br />

psicodinâmica.


7<br />

SUMÁRIO<br />

LISTA DE SIGLAS .......................................................................................................... 5<br />

RESUMO…………………………………………………………………………………………6<br />

1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………9<br />

1.1 TEMA ...................................................................................................................... 9<br />

1.2 PROBLEMÁTICA DE PEQUISA E JUSTIFICATIVA .............................................. 9<br />

1.3 OBJETIVOS ......................................................................................................... 22<br />

1.3.1 Objetivo geral.. ............................................................................................... 22<br />

1.3.2 Objetivos específicos ..................................................................................... 22<br />

2 MARCO TEÓRICO ..................................................................................................... 23<br />

2.1 HIV HISTÓRICO ................................................................................................... 23<br />

2.2 CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DO PORTADOR DE HIV...................... 25<br />

2.3 Luto ....................................................................................................................... 28<br />

2.3.1 O luto pela perda da saú<strong>de</strong> ............................................................................ 33<br />

2.3.2 O luto pela perda da saú<strong>de</strong>...................................................................................37<br />

2.4 Processo psicoterápico na elaboração <strong>do</strong> luto ..................................................... 42<br />

3 MÉTODO .................................................................................................................... 48<br />

3.1 Caracterização da pesquisa……………………………………………………………48<br />

3.2 Procedimento <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s.........................................................................49<br />

3.3 Amostra da pesquisa............................................................................................51<br />

3.4 Eleição <strong>de</strong> casos clínicos......................................................................................58<br />

3.5 Relato <strong>do</strong>s casos clínicos......................................................................................61<br />

3.5.1 Marcos.............................................................................................................61<br />

3.5.2 Carlos..............................................................................................................65<br />

3.5.3 Tom.................................................................................................................68<br />

3.5.4 Brad.................................................................................................................70<br />

3.5.5 Steven..............................................................................................................72<br />

3.5.6 Shawn..............................................................................................................74<br />

3.5.7 Grupo a ...........................................................................................................78


8<br />

3.5.8 Grupo b..........................................................................................................80<br />

3.6 Categorização e procedimento <strong>de</strong> análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s..........................................84<br />

4 ANÁLISE DOS DADOS……......................................................................................88<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………….95<br />

REFERÊNCIAS……………………………………………………………………………….99


9<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

1.1 TEMA<br />

Elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV em<br />

psicoterapia psicodinâmica.<br />

1.2 PROBLEMÁTICA DE PESQUISA E JUSTIFICATIVA<br />

A presente pesquisa é uma investigação sobre os fenômenos psíquicos<br />

envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto 1 , pela perda da saú<strong>de</strong>, vivi<strong>do</strong> por pacientes<br />

porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> vírus <strong>do</strong> HIV, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> enfoque psicodinâmico. O termo enfoque<br />

psicodinâmico é uma tentativa <strong>de</strong> explicitar a ênfase na compreensão <strong>do</strong>s mecanismos<br />

internos intrapsíquicos e sua interação com a realida<strong>de</strong> externa. O que importa é o<br />

processo, ou o jogo <strong>de</strong> forças entre os <strong>do</strong>is em constante transformação.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se pensar que o enfoque psicodinâmico abrange as<br />

abordagens <strong>de</strong> raízes fenomenológicas (Psicodrama, Gestalt, Humanismo <strong>de</strong> Carl<br />

Rogers), bem como as Existenciais (Hei<strong>de</strong>gger, Meddard Boss), as Existencialistas,<br />

(como as teorizadas por Sartre, Ronald Laing e David Cooper) e a Psicanálise<br />

freudiana e todas que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivaram (como junguianas, kleinianas, lacanianas,<br />

teorizadas por Winnicott ou Erik Erikson) .<br />

Trata-se <strong>de</strong> Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso (TCC) que se articula com as<br />

disciplinas Núcleo Orienta<strong>do</strong> I e II da Saú<strong>de</strong>, e Estágio Específico em Psicologia I e II,<br />

referentes à 9ª e 10ª fases <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> graduação em Psicologia. Referi<strong>do</strong> estágio em<br />

psicologia é realiza<strong>do</strong> no Projeto <strong>de</strong> Extensão TIME da MENTE, projeto e campo <strong>de</strong><br />

1 Por trabalho <strong>de</strong> luto enten<strong>de</strong>-se, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Lagache e Pontalis (1997, p. 510), “um processo<br />

intrapsíquico, consecutivo à perda <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong> afeição, e pelo qual o sujeito consegue<br />

progressivamente <strong>de</strong>sapegar-se <strong>de</strong>le”. O processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto po<strong>de</strong> transcorrer <strong>de</strong> maneira<br />

saudável ou patológica.


10<br />

estágio acadêmico para alunos da 9ª e 10ª fases <strong>de</strong>ste curso <strong>de</strong> graduação da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Hoje, conta com modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção<br />

em Psicologia Clínica e da Saú<strong>de</strong>, planejadas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus<br />

usuários encontradas a partir <strong>de</strong> levantamento prévio. (STOTZ; CAMPOS, 2007).<br />

O Projeto TIME da MENTE tem como pressuposto a compreensão <strong>do</strong><br />

sofrimento psíquico no tratamento <strong>de</strong> porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> transtornos mentais severos, em<br />

sua maior parte egressos <strong>de</strong> internação psiquiátrica. Desenvolve suas ativida<strong>de</strong>s em<br />

Programa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental (PSM) <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> São José, em um Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

da Atenção Básica, Bela Vista I, inseri<strong>do</strong> no contexto da Reforma Psiquiátrica. Esse<br />

Programa conta com uma equipe <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental composta por <strong>do</strong>is psiquiatras e<br />

uma enfermeira. O Programa está articula<strong>do</strong> à Estratégia da Saú<strong>de</strong> da Família (ESF) da<br />

atenção primária e à Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> São José.<br />

O Time da Mente conta com modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção grupal planejada<br />

<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus usuários. São realizadas Oficinas<br />

Terapêuticas (Praticamente), Grupo Operativo (Brilhantemente) e Grupo <strong>de</strong> famílias<br />

(Familiarmente), além <strong>do</strong>s atendimentos individuais (Individualmente), visitas<br />

<strong>do</strong>miciliares (Cuida<strong>do</strong>samente) e capacitação <strong>de</strong> Agentes Comunitários <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />

(Profissionalmente). (aSTOTZ; CAMPOS, 2007).<br />

O planejamento <strong>de</strong> ações <strong>do</strong> Projeto Time da Mente tem como intenção a<br />

construção <strong>de</strong> um campo <strong>de</strong> aprendizagem, discussão e aprofundamento da articulação<br />

entre teoria e prática, produção <strong>de</strong> conhecimento e pesquisa que visam contribuir com a<br />

Reforma Psiquiátrica, já em andamento. (STOTZ; CAMPOS, 2007).<br />

Reforma Psiquiátrica e Reforma Sanitária avançam articuladas, buscan<strong>do</strong> a<br />

construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção que priorize os níveis da baixa e média<br />

complexida<strong>de</strong>, em substituição às ações da máxima complexida<strong>de</strong>. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

possibilitam a articulação <strong>de</strong> Programas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s na Atenção<br />

Básica, na interação interdisciplinar com os profissionais da Estratégia <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da<br />

Família. (KAHALE, 2003).<br />

Profissionais da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversas disciplinas têm soma<strong>do</strong> seus esforços nas<br />

duas últimas décadas na intenção <strong>de</strong> construir um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>,<br />

ten<strong>do</strong> como base a Integralida<strong>de</strong>, superan<strong>do</strong> os antigos paradigmas <strong>de</strong> fragmentação<br />

corpo⁄mente que priorizavam as noções <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> voltadas para o organicismo


11<br />

biológico. (KAHALE, 2003). Buscam reverter o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da cura para a<br />

promoção, prevenção e manutenção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> através <strong>de</strong> práticas voltadas para reais<br />

necessida<strong>de</strong>s da população envolvida, e não a partir <strong>de</strong> um conhecimento <strong>de</strong><br />

tecnologias a serem implementadas a priori. Isto é, partem <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong><br />

território em questão e sua concretu<strong>de</strong> (Regionalização). (KUJAWA, 2003).<br />

Nesse âmbito, a Psicologia da Saú<strong>de</strong>, na atenção básica, tem como objetivo<br />

realizar a promoção e a prevenção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> como uma estratégia para a formação <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>s sociais importantes na restauração e promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Parte <strong>do</strong><br />

princípio que ser saudável é estabelecer relações com os outros, <strong>de</strong>las obter<br />

enriquecimento e ganho pessoal, reconstruin<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>s para existência e<br />

adquirin<strong>do</strong> saú<strong>de</strong> psíquica. Nesse senti<strong>do</strong>, fala-se <strong>de</strong> uma parceria com a comunida<strong>de</strong><br />

com a qual é possível construir relações <strong>de</strong> pertença. (SPINK, 2003).<br />

Isto aparece também mesmo porque as respostas e intervenções realizadas<br />

prioritariamente na ação terciária, na internação e hospitalização com respostas <strong>de</strong> alta<br />

complexida<strong>de</strong> (neurocirurgias, eletroconvulsoterapia), acabaram por se mostrar<br />

ineficientes em resolutivida<strong>de</strong> em diversos setores da saú<strong>de</strong>, principalmente na saú<strong>de</strong><br />

mental.<br />

Os incentivos em saú<strong>de</strong> e os Programas Nacionais da Reforma Sanitária<br />

passaram a priorizar a re<strong>de</strong> intersetorial e territorial com valorização <strong>de</strong> ações na<br />

Atenção Primária e Secundária, sen<strong>do</strong>, no caso <strong>do</strong> SUS, as Unida<strong>de</strong>s Básicas Locais<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e Policlínicas Regionais, respectivamente. (DA ROS, 2005; SPINK, 2003).<br />

A noção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é um valor cultural que tem se transforma<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />

com o tempo e com os valores, crenças, costumes e política vigentes. O conceito <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> é histórico e não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>de</strong>svincula<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto social e<br />

temporal <strong>de</strong> que se trata. (KUJAWA, 2003). Ao longo da sua história, os seres humanos<br />

se <strong>de</strong>pararam com <strong>do</strong>enças diferentes, ocupan<strong>do</strong> lugares <strong>de</strong> ameaça e me<strong>do</strong> em<br />

proporções <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mia.<br />

Assim, a humanida<strong>de</strong> assistiu, na Ida<strong>de</strong> Clássica a lepra ou hanseníase. Na<br />

Ida<strong>de</strong> Média, a peste negra assolou o continente europeu. No século XIX, a<br />

tuberculose, associada com o momento cultural <strong>do</strong> Romantismo. Na Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna,<br />

no século XX, o câncer e a loucura. Mais recentemente, a AIDS (Síndrome da<br />

Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida) e a <strong>de</strong>pressão, têm ocupa<strong>do</strong> e disputa<strong>do</strong> o ranking <strong>do</strong>


12<br />

cenário <strong>de</strong> sofrimento humano contemporâneo <strong>de</strong> maior gravida<strong>de</strong>. (SONTAG, 1988;<br />

DASPETT, 2005).<br />

Des<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 80, a humanida<strong>de</strong> acompanhou com gran<strong>de</strong><br />

impacto e perplexida<strong>de</strong> o aparecimento da Síndrome da Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida e<br />

suas <strong>de</strong>corrências clínico epi<strong>de</strong>miológicas , pois sen<strong>do</strong> uma <strong>do</strong>ença contagiosa, com o<br />

risco <strong>de</strong> levar à fatalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ser transmitida através <strong>de</strong> relações sexuais, reúne e<br />

aproxima, ao mesmo tempo, <strong>do</strong>is temas cruciais da condição humana: a morte e a<br />

sexualida<strong>de</strong>, re<strong>sul</strong>tan<strong>do</strong> em especial singularida<strong>de</strong>. (CEDARO, 2005).<br />

Com a ainda recente conquista da liberda<strong>de</strong> sexual advinda <strong>do</strong> surgimento<br />

<strong>do</strong>s contraceptivos, da revolução <strong>do</strong>s costumes e da moral sexual das décadas <strong>de</strong> 50 e<br />

60, a história tomou outros rumos a partir <strong>do</strong> surgimento da AIDS. (BRASIL, 2008)<br />

Como conseqüência, estratégias <strong>de</strong> prevenção e controle epi<strong>de</strong>miológicos<br />

tornaram-se temas <strong>de</strong> preocupação e priorida<strong>de</strong> nas Políticas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública no<br />

Brasil e no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>. (BRASIL, 2008)<br />

No Brasil, em 1985, o surgimento <strong>de</strong> Organizações não Governamentais,<br />

como o GAPA (Grupo <strong>de</strong> Apoio e Prevenção à AIDS) e a ABIA (Associação Brasileira<br />

Interdisciplinar <strong>de</strong> AIDS), criada por Hebert <strong>de</strong> Souza, (Betinho, irmão <strong>do</strong> Henfil, que se<br />

tornou ícone da campanha na <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV), são<br />

<strong>de</strong>monstrações da gran<strong>de</strong> mobilização nacional no combate ao avanço da epi<strong>de</strong>mia<br />

num momento em que os números <strong>de</strong> óbitos por AIDS eram crescentes. Tais ONGs<br />

<strong>de</strong>ram início a uma campanha <strong>de</strong> abrangência nacional <strong>de</strong> vulto em favor <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos <strong>de</strong> soropositivos, que teve seu apogeu em 1987. (BRASIL, 2008)<br />

Em 1986 foi cria<strong>do</strong> o Programa Nacional <strong>de</strong> DST/AIDS, e em 1988 surgem<br />

os primeiros serviços <strong>de</strong> atenção, na época <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s COAS (Centro <strong>de</strong> Orientação<br />

e Apoio Sorológico), em Porto Alegre e, posteriormente, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. (BRASIL,<br />

2008).<br />

Atualmente, com a implantação <strong>do</strong> Programa DST/AIDS em nível nacional, o<br />

Ministério da Saú<strong>de</strong> prevê programas <strong>de</strong> controle e prevenção epi<strong>de</strong>miológica e<br />

garantia <strong>de</strong> tratamento e ambulatórios <strong>de</strong> DST/AIDS, assim como também os CTA<br />

(Centro <strong>de</strong> Testagem e Aconselhamento), em to<strong>do</strong> o país. O aconselhamento tem si<strong>do</strong><br />

escolhi<strong>do</strong> pela OMS como méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> intervenção, que busca integrar tratamento e<br />

prevenção. Essas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assistência têm garanti<strong>do</strong> tratamento clínico em


13<br />

Infectologia, com medicamentos atualiza<strong>do</strong>s, anti-retrovirais (ARV), gratuitos <strong>de</strong> acesso<br />

universal à população, assim como uma assistência baseada em preceitos éticos com a<br />

garantia <strong>de</strong> sigilo, privacida<strong>de</strong> e combate ao preconceito, como política <strong>de</strong> direitos<br />

humanos. (BRASIL, 2008).<br />

No ano <strong>de</strong> 2002 comemorou-se duas décadas <strong>de</strong> enfrentamento da epi<strong>de</strong>mia<br />

e os relatórios <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong> são unânimes em <strong>de</strong>clarar que apesar <strong>do</strong>s<br />

avanços há ainda muito trabalho pela frente, pois se trata <strong>de</strong> uma epi<strong>de</strong>mia em<br />

constante e dinâmica transformação e <strong>de</strong> evolução contínua. Se a mortalida<strong>de</strong> diminuiu<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente, no entanto, o número <strong>de</strong> infecta<strong>do</strong>s ainda cresce. Em algumas<br />

regiões não existe ainda um controle total das taxas <strong>de</strong> contaminação, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> haver<br />

reinfecções constantes entre os sujeitos porta<strong>do</strong>res a não ser que sejam acatadas as<br />

medidas <strong>de</strong> prevenção para o controle da epi<strong>de</strong>mia. (BRASIL, 2008).<br />

O Boletim Epi<strong>de</strong>miológico AIDS/HIV - 2007, com da<strong>do</strong>s mais recentes,<br />

divulgou que, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o relatório <strong>do</strong> UNAIDS, estima-se uma população <strong>de</strong> 33,2<br />

milhões <strong>de</strong> pessoas com HIV em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que ocorreram 2,5 milhões <strong>de</strong><br />

novas infecções em 2007. O número <strong>de</strong> mortes em <strong>de</strong>corrência da AIDS neste ano foi<br />

<strong>de</strong> 2,1 milhões. Segun<strong>do</strong> esse <strong>do</strong>cumento, a África concentra 68% <strong>do</strong> total <strong>de</strong> pessoas<br />

infectadas e 76% das mortes por conta da AIDS. (OMS E UNI/AIDS, 2007).<br />

Na América Latina, os da<strong>do</strong>s divulga<strong>do</strong>s pelo relatório afirmam que a<br />

epi<strong>de</strong>mia mantém-se estável. Em 2007, o número <strong>de</strong> novos infecta<strong>do</strong>s foi <strong>de</strong> 100 mil e<br />

58 mil mortes. Estima-se que 1,6 vivam com AIDS na América Latina. Deste percentual,<br />

um terço pertence à população brasileira.<br />

No Brasil, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o Boletim Epi<strong>de</strong>miológico <strong>de</strong> 1980 a mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

2007 foram notifica<strong>do</strong>s 474.273 casos, sen<strong>do</strong> que há uma tendência à estabilização<br />

nas regiões Sul, Su<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste, mas uma tendência ao crescimento nas<br />

regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste.


14<br />

O número <strong>de</strong> infecta<strong>do</strong>s por uso <strong>de</strong> drogas injetáveis vem diminuin<strong>do</strong><br />

consi<strong>de</strong>ravelmente graças à política <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> danos. Cresce o número <strong>de</strong><br />

mulheres infectadas, diminuin<strong>do</strong> a diferença <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s entre os gêneros: 1,5 para 1.<br />

Em 1985, a proporção era <strong>de</strong> 15 homens para 1 mulher. Nos <strong>do</strong>is sexos a maior taxa<br />

<strong>de</strong> incidência é na faixa <strong>de</strong> 29 a 45 anos, com um consi<strong>de</strong>rável aumento na população<br />

com mais <strong>de</strong> 50 anos, nos <strong>do</strong>is sexos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).<br />

A partir <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> Boletim Epi<strong>de</strong>miológico <strong>de</strong> 2007, divulga<strong>do</strong> pelo Ministério<br />

da Saú<strong>de</strong>, vêm-se as taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> caírem consi<strong>de</strong>ravelmente, o que indica o<br />

sucesso <strong>do</strong>s medicamentos anti-rretrovirais. Como conseqüência <strong>de</strong>sse avanço, há<br />

uma mudança das perspectivas em relação à evolução clínica e ao tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda e<br />

atenção que se requer a esses usuários <strong>do</strong> SUS, sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV.<br />

Isso indica um número maior <strong>de</strong> sujeitos infecta<strong>do</strong>s com necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tratamento contínuo, dada a cronicida<strong>de</strong> que passa a caracterizar essa condição<br />

clínica, sen<strong>do</strong> geralmente acompanhada <strong>de</strong> emoções <strong>do</strong>lorosas por perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tempo<br />

prolonga<strong>do</strong>s e in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s. (ANGERAMI-CAMON, 1998).<br />

Tal realida<strong>de</strong> reforça a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> conhecimento que<br />

estabeleça procedimentos cuida<strong>do</strong>sos e pauta<strong>do</strong>s pela ética que a situação clínica<br />

específica e recente requer. Conhecimento este que po<strong>de</strong> ter efeitos <strong>de</strong> transformação<br />

rumo à prevenção e promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> contra as potências <strong>de</strong> morte. (MOREIRA,<br />

2002).


15<br />

Com base nessas consi<strong>de</strong>rações, é váli<strong>do</strong> constatar a enorme dificulda<strong>de</strong><br />

com que a cultura contemporânea tem suporta<strong>do</strong> e assimila<strong>do</strong> vivências ligadas a<br />

perdas significativas. Geralmente os incentivos são pela busca <strong>de</strong>senfreada <strong>do</strong> prazer a<br />

qualquer preço e sem restrições, bem como pela dificulda<strong>de</strong> encontrada em tolerar<br />

frustrações profundas no perío<strong>do</strong> preparatório para o luto, segun<strong>do</strong> Parkes. (1996). A<br />

este autor, em especial, <strong>de</strong>ve-se a afirmação <strong>de</strong> que pessoas enlutadas <strong>de</strong>vem ser<br />

encorajadas a expressar seus sentimentos e olhar corajosamente para o que foi<br />

perdi<strong>do</strong>, em psicoterapia, para evitar a instalação <strong>de</strong> um luto patológico.<br />

Convém, no entanto, distinguir o objetivo <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> outras<br />

intervenções também importantes, como as práticas <strong>de</strong> aconselhamento. O<br />

aconselhamento, como estratégia eleita pela OMS, tem como foco o aconselhamento<br />

pré-teste e pós-teste e visam um apoio psicológico e um respal<strong>do</strong> emocional que se<br />

baseiam na transmissão <strong>de</strong> informações técnicas e o esclarecimento que visam a<br />

prevenção e a a<strong>de</strong>são ao tratamento, assim como reflexões relativas a aspectos<br />

próprios aos riscos, a comunicação a parceiros e a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> práticas seguras para a<br />

sexualida<strong>de</strong>.<br />

Cabe ressaltar a importância <strong>do</strong>s aspectos psicossociais como fatores que<br />

interferem nas práticas <strong>de</strong> prevenção. Oltramari e Camargo (2004), em estu<strong>do</strong> que<br />

trata <strong>do</strong> risco da AIDS para profissionais <strong>do</strong> sexo, na área da Psicologia Social. Os<br />

autores verificaram que o fator envolvimento emocional é importante diferencial no que<br />

diz respeito a prática <strong>de</strong> prevenção.<br />

O tema que se propõe pesquisar neste estu<strong>do</strong> busca compreen<strong>de</strong>r e abordar<br />

um aspecto diferente <strong>do</strong> aspecto <strong>de</strong> prevenção, pois se trata da singularida<strong>de</strong> da<br />

experiência <strong>de</strong> como cada sujeito vive o seu processo <strong>de</strong> luto pelas mudanças na<br />

saú<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> já houve a infecção. Portanto, é um trabalho que leva um ritmo e um<br />

tempo individualiza<strong>do</strong> para realizar-se, e exige outro formato <strong>de</strong> intervenção e escuta,<br />

como o acompanhamento psicoterápico.<br />

Superar o impacto provoca<strong>do</strong> na maioria das vezes por ocasião <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>do</strong> re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> <strong>do</strong> exame soropositivo requer algumas vezes um longo e,<br />

<strong>de</strong>mora<strong>do</strong> trabalho psíquico, levan<strong>do</strong> o indivíduo a repensar sua relação com as<br />

mudanças nos cuida<strong>do</strong>s com a sua saú<strong>de</strong>, com o próprio corpo, suas relações pessoais


16<br />

e a sua percepção <strong>de</strong>ssa condição clínica a partir <strong>de</strong> sua história pessoal, evitan<strong>do</strong>,<br />

assim, a instalação <strong>de</strong> um luto patológico ou um quadro melancólico.<br />

Então, a questão que se propõe neste estu<strong>do</strong> é compreen<strong>de</strong>r os elementos<br />

envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>, no caso <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

HIV e sua elaboração em psicoterapia psicodinâmica.<br />

O objetivo é verificar e <strong>de</strong>screver alguns aspectos <strong>do</strong> trabalho psicológico <strong>de</strong><br />

elaboração <strong>do</strong> luto e aceitação das perdas inerentes a essa condição clínica. Mapear os<br />

conhecimentos que se tem até então, sobre a ampliação <strong>de</strong> recursos psíquicos em<br />

processo <strong>de</strong> psicoterapia, <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV positivo é objetivo <strong>de</strong>ste<br />

estu<strong>do</strong>. Preten<strong>de</strong>, também, levantar alguns pontos que possam contribuir para<br />

esclarecer a intervenção <strong>do</strong> profissional da Psicologia na condução <strong>de</strong>sse processo e<br />

acompanhamento das fases <strong>de</strong> superação <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto.<br />

Poucas pesquisas a respeito <strong>do</strong> aspecto clínico psicológico foram feitas<br />

quanto à condição psicológica <strong>de</strong> porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> HIV. Compara<strong>do</strong>s ao gran<strong>de</strong> número<br />

das realizadas sobre as condições orgânicas e clínicas terapêuticas e epi<strong>de</strong>miológicas<br />

ou, ainda, à respeito <strong>do</strong> preconceito e das condições estigmatizantes e exclu<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong>ssa enfermida<strong>de</strong>.<br />

Como uma amostra, assinala-se que na base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s Teses e Dissertações<br />

da USP o número <strong>de</strong> trabalhos encontra<strong>do</strong>s sobre o tema <strong>do</strong> HIV foi <strong>de</strong> 78, sen<strong>do</strong><br />

distribuídas entre as áreas <strong>de</strong> concentração da seguinte forma: Medicina (12), Medicina<br />

Preventiva (3), Epi<strong>de</strong>miologia (3), Saú<strong>de</strong> Pública (8), Infectologia (3), Enfermagem (15),<br />

Fisiopatologia (4), O<strong>do</strong>ntologia (4), Educação Física (2), Nutrição (1), Veterinária (1),<br />

Físicoquímica (4), Farmácia e análises clínicas (2), Educação (2), Psicologia (12),<br />

Terapia Ocupacional (1), Filosofia e Letras (1).<br />

Os temas investiga<strong>do</strong>s com mais freqüência foram: Prevenção e a<strong>de</strong>são ao<br />

tratamento, Aconselhamento, Vulnerabilida<strong>de</strong> e drogas, Efeitos colaterais <strong>do</strong>s<br />

medicamentos anti-retrovirais, Privacida<strong>de</strong> e sigilo, Violência e prostituição, Mortalida<strong>de</strong><br />

e evolução clínica, Raça gênero e faixa etária, Diagnóstico e saú<strong>de</strong> bucal, Transmissão<br />

vertical, Desenvolvimento neuropsicomotor em crianças soropositivas, Práticas <strong>de</strong><br />

intervenção em grupo em Serviços da Re<strong>de</strong> Pública, A<strong>do</strong>lescência e condições<br />

socioeconômicas.


17<br />

Em específico na Psicologia, há um número significativo <strong>de</strong> pesquisas sobre<br />

representações sociais ou concepções da AIDS para profissionais e pacientes<br />

(RIBEIRO; COUTINHO; SALDANHA; AZEVEDO, 2004, 2006) e estigma, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vida (TEIXEIRA, 2008), estresse e estratégias <strong>de</strong> enfrentamento <strong>de</strong>ssa condição<br />

clínica (SEIDL; ZANNON; TROCCOLI, 2005), psicossomática (LOPES; FRAGA, 1998),<br />

resiliência e HIV⁄AIDS (CARVALHO; MORAIS; KOLLER; PICCININI, 2007), e<br />

experiência <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> e HIV (PICCININI; GONÇALVES, 2008).<br />

Também, pesquisas a respeito das condições <strong>de</strong> conjugalida<strong>de</strong><br />

(OLTRAMARI; OTTO, 2006) e prevenção <strong>de</strong> riscos em mulheres profissionais <strong>do</strong> sexo<br />

(OLTRAMARI; CAMARGO, 2004) sobre a convivência familiar em casais <strong>de</strong><br />

heterossexuais concordantes (DASPETT, 2005), ou ainda sobre o <strong>de</strong>sejo e o direito <strong>de</strong><br />

constituir família e <strong>de</strong> ter filhos em casais <strong>de</strong> porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> vírus <strong>do</strong> HIV (PAIVA et.al. ,<br />

2002) foram encontradas. Uma a respeito <strong>de</strong> símbolos arquetípicos em sonhos <strong>de</strong><br />

sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV, em psicologia analítica junguiana (SANT’ANNA, 1996) e<br />

outra sobre a ferida narcísica como condição psicológica <strong>de</strong>sses sujeitos (CEDARO,<br />

2005).<br />

Entretanto, faltam pesquisas sobre a intervenção psicoterápica e a condução<br />

<strong>do</strong> processo <strong>de</strong> luto <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV, que é a proposta <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste<br />

trabalho. Entre os temas mais pesquisa<strong>do</strong>s, chamam a atenção consi<strong>de</strong>rações<br />

importantes que têm si<strong>do</strong> feitas sobre o aspecto da relação psicossomática e evolução<br />

<strong>do</strong> quadro clínico. Nas palavras <strong>de</strong> Montagnier (1994), cientista francês responsável<br />

pelo isolamento <strong>do</strong> vírus, mesmo que as relações entre psicossomática e evolução<br />

clínica da <strong>do</strong>ença e respostas ao tratamento não sejam totalmente esclarecidas e<br />

<strong>de</strong>finidas, parece ser muito evi<strong>de</strong>nte a associação entre episódios <strong>de</strong>pressivos e a<br />

queda <strong>do</strong> sistema imunológico. Não são raros relatos <strong>de</strong> casos on<strong>de</strong> há associação <strong>de</strong><br />

quadro <strong>de</strong>pressivo com a AIDS, e cuja evolução ao óbito se dá em curto espaço <strong>de</strong><br />

tempo. Isto quer dizer que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong>s recursos psíquicos que o paciente possua,<br />

não apenas a notificação <strong>de</strong> soropositivida<strong>de</strong> ou o re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s exames representam<br />

uma ameaça real à integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito, mas outras variáveis interferem em sua<br />

capacida<strong>de</strong> responsiva ao tratamento, como por exemplo as <strong>do</strong> campo psíquico.


18<br />

Assim, também com relação ao aspecto psicossomático, estu<strong>do</strong>s recentes<br />

<strong>de</strong>monstram a importância <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida livre <strong>de</strong> estresse como condição para a<br />

manutenção <strong>de</strong> boas condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa imunológica.<br />

Lopes e Fraga (1998) concluíram que há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção efetiva<br />

<strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para estabelecer condições <strong>de</strong> enfrentar o estresse<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>ssa situação clínica. Os autores fazem consi<strong>de</strong>rações a respeito da<br />

estreita ligação entre estresse e imunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> o estresse como uma reação<br />

psico-orgânica gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> um esta<strong>do</strong> emocional forte que exige um trabalho <strong>de</strong><br />

adaptação e po<strong>de</strong> ser um fator <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência na evolução clínica <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>ença.<br />

Para os referi<strong>do</strong>s autores, aspectos psicológicos estão intimamente relaciona<strong>do</strong>s com<br />

diversos sintomas clínicos psicossomáticos. Trabalham com a idéia <strong>de</strong> que entre o<br />

sistema endócrino, o sistema imunológico e o sistema nervoso ocorrem uma íntima<br />

interação. Em situações <strong>de</strong> estresse, o sistema nervoso simpático e parassimpático <strong>do</strong><br />

sistema nervoso periférico são ativa<strong>do</strong>s liberan<strong>do</strong> substâncias como neuropeptí<strong>de</strong>os<br />

que ativam a glândula pituitária que, por sua vez, passa a produzir hormônios que<br />

provocam uma <strong>de</strong>pressão imunológica diminuin<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> células <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />

Nesse estu<strong>do</strong>, foram coleta<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s referentes aos agentes estressores para os<br />

entrevista<strong>do</strong>s e foram <strong>de</strong>scritos e relata<strong>do</strong>s como apresenta<strong>do</strong>s a seguir.<br />

Saber-se soropositivo é abrir um horizonte não só <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ecimentos<br />

sucessivos, mas como <strong>de</strong> ameaça <strong>de</strong> morte. A partir daí, ser soropositivo é estar<br />

submeti<strong>do</strong> a agente estressor permanente e intenso.<br />

Na mudança <strong>do</strong> padrão <strong>de</strong> relacionamentos com os amigos antigos, alguns<br />

experimentam me<strong>do</strong> da exposição ou <strong>de</strong> rejeição, escon<strong>de</strong>m tal fato e passam a se<br />

isolar. A perda ou afastamento <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> familiares que antes<br />

constituíam a base da vida afetiva e social, po<strong>de</strong> trazer danos psíquicos<br />

significativamente graves.<br />

Os relacionamentos com as pessoas com quem moram também sofrem<br />

modificações nem sempre para melhor.A respeito das formas <strong>de</strong> enfrentamento<br />

encontradas por esses sujeitos, o padrão pre<strong>do</strong>minante é a estratégia <strong>de</strong> fuga, seja<br />

pelo excesso <strong>de</strong> trabalho ou pelo isolamento, evitação e negação da própria condição<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Segun<strong>do</strong> os autores, isso aponta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> espaços


19<br />

<strong>de</strong> discussão que possibilitem que cada indivíduo possa encontrar formas singulares e<br />

a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> enfrentamento <strong>do</strong> estresse. (LOPES; FRAGA, 1998).<br />

Quanto ao padrão <strong>de</strong> vida sexual, os pesquisa<strong>do</strong>res encontraram mudanças<br />

ou restrições, em termos <strong>de</strong> freqüência e também <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Alguns entrevista<strong>do</strong>s<br />

relataram angústia diante das mudanças na ativida<strong>de</strong> sexual, percebida como aspecto<br />

<strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> ausência da <strong>do</strong>ença. (LOPES; FRAGA, 1998).<br />

Sobre as mudanças nos projetos <strong>de</strong> vida, a maioria das respostas indicou<br />

que a existência <strong>de</strong> um temor por não po<strong>de</strong>r, ou não acreditar que terão tempo para<br />

realizá-los. A incurabilida<strong>de</strong> da AIDS gera nos indivíduos um limite em suas<br />

perspectivas <strong>de</strong> futuro. O peso <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, percebida como frágil,<br />

restringe a confiança na realização <strong>de</strong> sonhos <strong>de</strong> longo prazo. (LOPES; FRAGA, 1998).<br />

Dessa forma, concluíram que os principais agentes estressores foram as<br />

perdas e as mudanças geran<strong>do</strong> instabilida<strong>de</strong> sentida como irreversível. As perdas se<br />

concretizam em diversos aspectos da vida afetiva, financeira, em paralelo com o temor<br />

da morte. Ainda que os entrevista<strong>do</strong>s consigam ter percepção das dificulda<strong>de</strong>s, as<br />

estratégias utilizadas para o manejo <strong>de</strong>stas ainda são ineficazes e baseadas em<br />

repressão, negação e fuga. O re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> é a intensificação <strong>do</strong> estresse e o acelerar <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da <strong>do</strong>ença.<br />

Investigan<strong>do</strong> sobre questões <strong>de</strong> conjugalida<strong>de</strong> e convivência familiar, outros<br />

pesquisa<strong>do</strong>res, como Paiva e Lima (2002), encontraram um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conceber e gerar<br />

filhos, em casais heterossexuais, em igual proporção em homens e mulheres, mesmo<br />

entre os que já eram pais. Para os autores, esse da<strong>do</strong> vem contribuir para a<br />

<strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> preconceito e da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> historicamente construída <strong>do</strong> aidético<br />

como um indivíduo antifamília, isola<strong>do</strong> da cultura e perverti<strong>do</strong> sexualmente.<br />

Moreira (2002), em relato clínico, <strong>de</strong>screve um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> um<br />

paciente com AIDS acompanha<strong>do</strong> em psicoterapia psicanalítica em ambiente<br />

hospitalar. A autora faz um estu<strong>do</strong> sobre as articulações entre a situação clínica na<br />

soropositivida<strong>de</strong> e a instalação <strong>de</strong> quadro clínico <strong>de</strong> melancolia, no senti<strong>do</strong> psicanalítico<br />

<strong>do</strong> termo. Faz consi<strong>de</strong>rações sobre a importância <strong>de</strong> se estabelecer uma escuta<br />

cuida<strong>do</strong>sa e uma enorme atenção com as estratégias a serem tomadas no<br />

encaminhamento clínico psicoterápico <strong>de</strong>sses casos, pois segun<strong>do</strong> a autora, trata-se <strong>de</strong>


20<br />

uma luta entre o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> morrer e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viver e um enfrentamento das forças<br />

mortíferas que estão em questão.<br />

Moreira (2002), também <strong>de</strong>screve a enorme intensida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sentimentos<br />

contratransferenciais 2 que esses sujeitos quan<strong>do</strong> em acompanhamento clínico<br />

<strong>de</strong>spertam, tanto <strong>de</strong> compaixão como também <strong>de</strong> pavor, raiva e revolta.<br />

Mencarelli e Aiello (2007) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a idéia <strong>de</strong> que é preciso estar atento<br />

para a especificida<strong>de</strong> clínica da abordagem psicodinâmica em pacientes porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

HIV. Relatam um seguimento <strong>de</strong> caso clínico <strong>de</strong> um a<strong>do</strong>lescente <strong>de</strong> 14 anos sem vida<br />

sexual ativa, receben<strong>do</strong> diagnóstico <strong>de</strong> soropositivida<strong>de</strong>. Para as autoras, os<br />

sentimentos contratransferenciais que se estabelecem com esse tipo <strong>de</strong> paciente<br />

merecem consi<strong>de</strong>ração especial em função <strong>de</strong> que os tipos <strong>de</strong> sentimentos que<br />

<strong>de</strong>spertam não são <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> quadro psicopatológico <strong>do</strong> paciente, e sim por<br />

situações inusitadas como a situação <strong>de</strong> abuso sexual. As autoras propõem a inclusão<br />

<strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> compaixão na contratransferência nessas situações, basean<strong>do</strong>-se na<br />

proposta da teoria winnicottiana <strong>de</strong> aceitação <strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> ódio<br />

contratransferencial na abordagem <strong>de</strong> pacientes psicóticos.<br />

Aguirre (2006), utilizan<strong>do</strong>-se da técnica <strong>do</strong> brinque<strong>do</strong> <strong>de</strong> Melanie Klein, faz<br />

um relato <strong>de</strong> um caso clínico <strong>de</strong> lu<strong>do</strong>terapia <strong>de</strong> uma criança com AIDS. No <strong>de</strong>correr <strong>do</strong><br />

processo, o paciente passa <strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> negação como mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

para a expressão <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no e fantasia inconsciente <strong>de</strong> ter provoca<strong>do</strong><br />

a morte <strong>do</strong>s pais, recém- faleci<strong>do</strong>s, também com AIDS. Nesse relato clínico, a autora<br />

<strong>de</strong>senvolve a idéia <strong>de</strong> que fantasias a respeito da morte e sobre as perdas po<strong>de</strong>m ser<br />

expressadas e compreendidas em processo <strong>de</strong> psicoterapia psicodinâmicas através <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senhos, ajudan<strong>do</strong> no processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto.<br />

Concluin<strong>do</strong>, muitos são os argumentos que <strong>de</strong>monstram a relevância social,<br />

acadêmica e científica <strong>de</strong>sta pesquisa. Em termos científicos, po<strong>de</strong>-se salientar a<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatores que envolvem o ser sujeito porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> HIV, por ser uma<br />

<strong>do</strong>ença ainda muito recente e, em certos aspectos, <strong>de</strong>sconhecida, em constante<br />

mutação no que diz respeito à evolução <strong>do</strong> quadro clínico. Em relevância social, fica<br />

2 O conceito <strong>de</strong> contratransferência utiliza<strong>do</strong> é <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>, por Lagache e Pontalis (1992, p.102),como o<br />

“Conjunto <strong>de</strong> reações inconscientes <strong>do</strong> analista dirigi<strong>do</strong>s a pessoa <strong>do</strong> analisan<strong>do</strong> e mais particularmente,<br />

em relação à transferência <strong>de</strong>ste”.


21<br />

patente o fato <strong>de</strong> ser uma <strong>do</strong>ença cercada <strong>de</strong> mitos construí<strong>do</strong>s sócio-culturalmente,<br />

que apontam para necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstrução <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s como condição <strong>de</strong><br />

favorecimento da a<strong>de</strong>são e continuida<strong>de</strong> ao tratamento, impedin<strong>do</strong> que as limitações<br />

<strong>de</strong>scritas sejam impostas e ocorra avanço da <strong>do</strong>ença.<br />

Cabe, portanto, salientar a importância da contribuição <strong>do</strong> profissional da<br />

psicologia, isto é, também da psicologia como ciência e profissão, sen<strong>do</strong> a área <strong>do</strong><br />

conhecimento mais qualificada e com maior competência para a reorganização e<br />

ressignificação <strong>de</strong> elementos da história pessoal no processo <strong>de</strong> superação <strong>de</strong> tais<br />

perdas da condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Na esfera <strong>do</strong> aspecto pessoal, a autora <strong>de</strong>sta pesquisa, na condição <strong>de</strong><br />

Terapeuta Ocupacional, acompanha pacientes porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV. Exerce ativida<strong>de</strong>s<br />

como profissional da saú<strong>de</strong> mental, em Serviço <strong>de</strong> Atenção Especializada (SAE) da<br />

Policlínica <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Florianópolis <strong>do</strong> Centro, com o objetivo <strong>de</strong> favorecer a<strong>de</strong>são<br />

ao tratamento. Sen<strong>do</strong> grata a essa equipe, pelo carinho com que foi recebida, pela<br />

oportunida<strong>de</strong> que representa fonte <strong>de</strong> inspiração para esse trabalho.<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sses anos, como graduanda em Psicologia, a autora <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa entrou em contato com diversas disciplinas que serviram <strong>de</strong> instrumentos e<br />

conhecimentos que são a base para a realização <strong>de</strong>sse trabalho. Conquista, que<br />

representa salto qualitativo <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s expressivas no alcance <strong>do</strong> campo<br />

estritamente terapêutico, para o <strong>de</strong> mais um instrumento no processo psicoterápico.


22<br />

1.3 OBJETIVOS<br />

1.3.1 Objetivo Geral<br />

Caracterizar os fenômenos psíquicos envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto<br />

pela perda da saú<strong>de</strong> vivi<strong>do</strong> por pacientes porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV em psicoterapia<br />

psicodinâmica, a partir <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica na literatura científica disponível e na<br />

base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s BIREME.<br />

1.3.2 Objetivos Específicos<br />

• Descrever as características <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> luto a partir <strong>de</strong> pesquisa<br />

bibliográfica.<br />

• Descrever fenômenos psíquicos envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto<br />

pela perda da saú<strong>de</strong> a partir da literatura científica.<br />

• I<strong>de</strong>ntificar e <strong>de</strong>screver quais os fenômenos psíquicos envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong><br />

elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV, a partir <strong>de</strong><br />

pesquisa bibliográfica na base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s BIREME.<br />

• Caracterizar a especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> psicoterapia psicodinâmica nas<br />

situações <strong>de</strong> luto em sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV.


23<br />

2 MARCO TEÓRICO<br />

2.1 HIV HISTÓRICO<br />

Em 1981, a AIDS (Síndrome da Imuno<strong>de</strong>ficiência Adquirida) foi reconhecida<br />

nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Atlanta, pelo Centro <strong>de</strong> Controle e Prevenção <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>enças infecciosas pelo aparecimento <strong>de</strong> cinco casos <strong>de</strong> uma pneumonia muito rara,<br />

durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> oito meses, na área <strong>de</strong> Los Angeles. Tal pneumonia se<br />

caracterizava por ser uma <strong>do</strong>ença oportunista que se manifestava em sujeitos<br />

gravemente <strong>de</strong>bilita<strong>do</strong>s em seus sistemas imunológicos. Ao mesmo tempo, o Center for<br />

Disease Control <strong>de</strong>tectava o aparecimento <strong>de</strong> 26 casos <strong>de</strong> sarcoma <strong>de</strong> Karposi, câncer<br />

que afeta os vasos sanguíneos da pele ou órgãos internos. (MONTAGNIER, 1994). O<br />

fato que mais chamava atenção nesses casos é que muito raramente tais agentes<br />

infecciosos adquiriam aquelas proporções em termos <strong>de</strong> manifestação e <strong>de</strong> evolução<br />

clínica.<br />

Em 1982, foi <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> AIDS, e cientistas apontaram como causa <strong>do</strong><br />

aparecimento <strong>de</strong> tais <strong>do</strong>enças a <strong>de</strong>struição das células CD4, ou linfócito T4, principais<br />

agentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> sistema imunológico. Nesse mesmo ano foram diagnostica<strong>do</strong>s os<br />

primeiros casos no Brasil, em São Paulo e no Rio <strong>de</strong> Janeiro. No início, a maioria <strong>do</strong>s<br />

casos era entre homossexuais e homens, em seguida hemofílicos e usuários <strong>de</strong> drogas<br />

injetáveis. (BRASIL, 2008)<br />

Em 1983, foi então isola<strong>do</strong> o vírus <strong>do</strong> HIV, um retrovírus humano atualmente<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> vírus da imuno<strong>de</strong>ficiência humana. O HIV é um agente infeccioso, um<br />

retrovírus que afeta as células <strong>do</strong> sistema imunitário. Tem o formato <strong>de</strong> uma pequena<br />

esfera, é invisível ao microscópio e só vive no interior da célula em que é parasita.<br />

Encontra-se encerra<strong>do</strong> em cáp<strong>sul</strong>as <strong>de</strong> proteínas (capsí<strong>de</strong>o), que possibilita sua<br />

sobrevivência no meio extracelular. Nessa mesma cáp<strong>sul</strong>a existem saliências com<br />

moléculas <strong>de</strong> proteínas gran<strong>de</strong>s que têm afinida<strong>de</strong> com receptores específicos <strong>do</strong>s<br />

linfócitos T4 e CD4. É essa afinida<strong>de</strong> que torna possível a fusão e a passagem <strong>do</strong>s


24<br />

conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong> vírus para o interior da célula. Assim, o genoma ou o conteú<strong>do</strong> genético<br />

<strong>do</strong> vírus é introduzi<strong>do</strong> na célula e inicia seu processo <strong>de</strong> replicação. (DASPETT, 2005)<br />

Geralmente a AIDS é uma <strong>do</strong>ença <strong>de</strong> lenta evolução, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> acontecer um<br />

perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>10 anos entre a contaminação e o <strong>de</strong>senvolvimento da <strong>do</strong>ença em<br />

si. Nesse perío<strong>do</strong>, diz-se <strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> vírus que ele é soropositivo. As principais vias<br />

<strong>de</strong> transmissão são: sexual, parenteral (via seringa), perinatal ou transmissão vertical<br />

(trabalho <strong>de</strong> parto ou amamentação). (BRASIL, 2008)<br />

Existe chance <strong>de</strong> um indivíduo já infecta<strong>do</strong> não ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> pelos testes<br />

sorológico em função <strong>do</strong> que se chama janela imunológica, pois os testes sorológicos<br />

me<strong>de</strong>m a presença <strong>de</strong> anticorpos produzi<strong>do</strong>s no sangue e não o próprio vírus<br />

A janela imunológica correspon<strong>de</strong> ao tempo em que o organismo leva para<br />

produzir, <strong>de</strong>pois da infecção, uma certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> anticorpos que possam ser<br />

<strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>s pelos exames <strong>de</strong> sangue específicos. Para o HIV, esse perío<strong>do</strong> é<br />

normalmente <strong>de</strong> duas a 12 semanas. Em algumas circunstâncias, muito raras, po<strong>de</strong> ser<br />

mais prolonga<strong>do</strong>. Isso significa que se um teste para anticorpos <strong>de</strong> HIV é feito durante<br />

o perío<strong>do</strong> da janela imunológica, é provável que dê um re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> falso-negativo,<br />

embora a pessoa já esteja infectada pelo HIV e já possa transmiti-lo a outras pessoas.<br />

(BRASIL,2008)<br />

Os testes utiliza<strong>do</strong>s apresentam geralmente níveis <strong>de</strong> até 95% <strong>de</strong><br />

soroconversão nos primeiros 5,8 meses após a transmissão. Já foi <strong>de</strong>monstrada a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> soroconversão tardia mesmo após anos da infecção, porém estes<br />

re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s não foram confirma<strong>do</strong>s posteriormente pelos próprios autores. Os testes que<br />

são realiza<strong>do</strong>s atualmente são: Elisa, Westen Blot, IF Indireta. 3<br />

Em 1987, o uso <strong>do</strong> AZT (azi<strong>do</strong>timidina) foi autoriza<strong>do</strong> como o primeiro<br />

tratamento contra a AIDS. No início <strong>de</strong> 1992 começou a distribuição gratuita <strong>de</strong> AZT no<br />

Brasil. Por volta <strong>de</strong> 1996, surgiu o coquetel, associação <strong>de</strong> várias medicações<br />

chamadas anti-retrovirais, com cerca <strong>de</strong> quinze medicamentos <strong>do</strong>s quais são<br />

necessários pelo menos <strong>do</strong>is <strong>de</strong> grupos diferentes. O uso <strong>de</strong>sses medicamentos<br />

conjuga<strong>do</strong>s provoca alguns efeitos colaterais, que melhoram após o primeiro mês <strong>de</strong><br />

tratamento. São os efeitos mais freqüentes: diarréia, vômitos e náuseas (distúrbios<br />

gastrintestinais), rash (manchas avermelhadas pelo corpo). (DASPETT, 2005).<br />

3 Fonte: Ministério da saú<strong>de</strong>.


25<br />

Em 1997, o Ministério da Saú<strong>de</strong> começou a fornecer o coquetel por meio <strong>do</strong><br />

SUS, iniciativa inédita até então em to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. A partir <strong>de</strong> então, houve uma queda<br />

nas taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>.<br />

O acompanhamento médico constante se faz necessário para que o<br />

tratamento seja modifica<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> preciso e os efeitos <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s sejam verifica<strong>do</strong>s e<br />

alcança<strong>do</strong>s. O monitoramento <strong>de</strong>sses efeitos se faz com os re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> exames que<br />

são realiza<strong>do</strong>s a pedi<strong>do</strong> médico. São os exames <strong>de</strong> CD4 que indica a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

leucócitos ou células brancas <strong>do</strong> sistema imunológico, e o exame <strong>de</strong> Carga Viral, que é<br />

a quantificação <strong>de</strong> células infectadas pelo HIV por milímetros <strong>de</strong> plasma e está<br />

correlacionada com a evolução da <strong>do</strong>ença. Pacientes com alta carga viral apresentam<br />

uma evolução da <strong>do</strong>ença mais rápida.<br />

Por último, existe o exame <strong>de</strong> genotipagem feito para <strong>de</strong>tectar as mutações<br />

<strong>do</strong> HIV. Este teste i<strong>de</strong>ntifica quais as mutações potencialmente responsáveis pela falha<br />

da terapia ARV. Quanto maior o número <strong>de</strong> cópias <strong>do</strong> HIV no organismo, mais<br />

<strong>de</strong>pressa se per<strong>de</strong>m as células CD4 e maior é o risco <strong>de</strong> infecções. (DASPETT, 2005).<br />

2.2 CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DO PORTADOR DE HIV<br />

Atualmente, ser porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> HIV, aos olhos <strong>do</strong>s profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, é ser<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença crônica, assim como o câncer. Embora haja risco<br />

<strong>de</strong> evoluir para quadro terminal, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas permanece em<br />

acompanhamento contínuo por pelo menos mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. Ainda assim, tornar-se<br />

ciente <strong>do</strong> diagnóstico é vivenciar diversos lutos origina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> diversas perdas. As já<br />

vividas serão reativadas, e apenas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perdas futuras, po<strong>de</strong>rão ser<br />

sofridas antecipadamente. (MCDANIEL S. H.; HEPWORTH, J; DOHERTY, W.D, 1994).<br />

O diagnóstico precoce e o tratamento correto das infecções e afecções<br />

permitem uma melhora crescente na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sses sujeitos. Quase sempre<br />

um suporte emocional será necessário, o que po<strong>de</strong> variar caso a caso no que diz<br />

respeito à duração e grau <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>. Receber ajuda psicológica não é algo<br />

sempre simples, mesmo que haja um <strong>de</strong>sejo manifesto. Po<strong>de</strong> acontecer um apego


26<br />

muito gran<strong>de</strong> ao já conheci<strong>do</strong> e estabeleci<strong>do</strong>, o que torna difícil vencer as já instaladas<br />

resistências a receber tratamento. (DASPETT, 2005).<br />

É importante que o convívio social <strong>de</strong> soropositivos não fique comprometi<strong>do</strong>,<br />

já que o isolamento social po<strong>de</strong> ser início <strong>de</strong> quadro <strong>de</strong>pressivo. Aqui cabe ressaltar a<br />

importância <strong>de</strong> relações que representem apoio emocional e confiança, para que<br />

possam dar continuida<strong>de</strong> em suas vidas com relativa normalida<strong>de</strong>. (DASPETT, 2005).<br />

Um sujeito porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> HIV é obriga<strong>do</strong> a se <strong>de</strong>parar com os significa<strong>do</strong>s e as<br />

metáforas culturais e históricas que a cultura lhes atribui e que são associa<strong>do</strong>s a esse<br />

diagnóstico. Na quase totalida<strong>de</strong> das vezes os sujeitos não estão prepara<strong>do</strong>s para isso.<br />

De acor<strong>do</strong> com Mc Daniel, Hepworth e Doherty (1994), diferentemente <strong>do</strong> câncer e <strong>de</strong><br />

qualquer outra forma <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença, a AIDS tem imagens associadas à culpabilida<strong>de</strong> e<br />

algumas vezes <strong>de</strong> punição. Tais significa<strong>do</strong>s vela<strong>do</strong>s exercem um efeito sobre o sujeito<br />

porta<strong>do</strong>r, e muitas vezes são visíveis nas repostas sociais <strong>de</strong> familiares e até mesmo <strong>de</strong><br />

profissionais da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprepara<strong>do</strong>s para essa especialida<strong>de</strong>. A fim <strong>de</strong> que a atenção<br />

a esses sujeitos supere um nível <strong>de</strong> superficialida<strong>de</strong> técnica, o significa<strong>do</strong> cultural e as<br />

hesitações ao lidar com possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>vem ser leva<strong>do</strong>s em conta, evitan<strong>do</strong><br />

ressentimento pela falta <strong>de</strong> apoio, sentimento <strong>de</strong> vergonha e fragilização crescentes.<br />

Profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em equipe (médico, enfermeiro, psicólogo, terapeuta<br />

ocupacional e assistente social) e familiares <strong>de</strong>vem ter condições <strong>de</strong> avaliar e monitorar<br />

as condições <strong>de</strong> tratamento para cada experiência isolada. Em caso <strong>de</strong> situações <strong>de</strong><br />

esta<strong>do</strong> agu<strong>do</strong> ou crise é importante que profissionais e familiares possam falar sobre<br />

quais os tipos <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s que se fazem necessários e como eles po<strong>de</strong>m ser<br />

distribuí<strong>do</strong>s entre os familiares envolvi<strong>do</strong>s, negocia<strong>do</strong>s e garanti<strong>do</strong>s, isto é, as<br />

responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser comunicadas. Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> família esse<br />

processo po<strong>de</strong> ser dificulta<strong>do</strong> ou impedi<strong>do</strong>. (MCDANIEL S. H.; HEPWORTH, J;<br />

DOHERTY, W.D, 1994).<br />

É muito freqüente que as percepções sociais sobre essa condição clínica<br />

promovam rejeição velada <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s próprios familiares. Muitas vezes a revelação <strong>de</strong><br />

um diagnóstico <strong>de</strong> AIDS traz implícita a revelação <strong>de</strong> outros comportamentos<br />

escondi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> familiares por muito tempo, como homossexualida<strong>de</strong> ou uso <strong>de</strong> drogas.<br />

Então, a revelação <strong>do</strong> diagnóstico adquire uma dimensão mais ampla, isto é, difere da<br />

situação <strong>de</strong> revelação <strong>de</strong> um diagnóstico <strong>de</strong> câncer, por exemplo, sen<strong>do</strong> que a


27<br />

aceitação requer um tempo maior, e implica na quebra <strong>do</strong> preconceito, quan<strong>do</strong> não na<br />

intervenção <strong>de</strong> um terapeuta familiar. (MC DANIEL, S.H.; HEPWORTH, J; DOHERTY,<br />

W.D, 1994)<br />

A questão que po<strong>de</strong> se apresentar ou permanecer velada é a dúvida <strong>de</strong><br />

como a pessoa chegou a se contaminar, como a <strong>do</strong>ença foi contraída. Essas questões<br />

representam uma busca por culpa ou uma tentativa <strong>de</strong> controlar as condições para tal<br />

fatalida<strong>de</strong> na busca <strong>de</strong> segurança. De acor<strong>do</strong> ainda com Mc Daniel e outros (1994), o<br />

segre<strong>do</strong> é parte <strong>do</strong> contexto da gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Pais heterossexuais ou por <strong>de</strong>mais conserva<strong>do</strong>res muitas vezes são<br />

excluí<strong>do</strong>s da participação no tratamento e nos cuida<strong>do</strong>s com a saú<strong>de</strong>, enquanto amigos<br />

e colegas <strong>de</strong> profissão são eleitos para os lugares <strong>de</strong> apoio, consolo e confiança. Os<br />

conflitos familiares são exacerba<strong>do</strong>s pelo estresse intenso sempre presente nesses<br />

casos <strong>de</strong> enfrentamento <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças crônicas e mais ainda em fases terminais. ( MC<br />

DANIEL, S.H.; HEPWORTH, J; DOHERTY, W.D, 1994). Na pior das condições não<br />

existem nem familiares nem amigos. A solidão substitui a necessida<strong>de</strong> humana <strong>do</strong><br />

sentimento <strong>de</strong> pertença e profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> são convoca<strong>do</strong>s a exercer esse papel<br />

<strong>de</strong> suporte emocional e humano.<br />

Para Imber-Black (2002), o segre<strong>do</strong> no caso da AIDS tem elementos<br />

diversos a serem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s. O silêncio, sempre justifica<strong>do</strong> pelo me<strong>do</strong> da<br />

discriminação, que teria por finalida<strong>de</strong> proteção po<strong>de</strong> ocasionar, também, remorso e<br />

aumentar o sentimento <strong>de</strong> isolamento. Deve ser possível avaliar, com cada sujeito, o<br />

uso que se faz <strong>do</strong>s segre<strong>do</strong>s: se ele está a serviço da proteção, ou da acentuação da<br />

exclusão e <strong>do</strong> isolamento, sempre levan<strong>do</strong> em conta o direito ao sigilo. Quais serão os<br />

sujeitos merece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> participar <strong>de</strong>ssa trama e obter algum grau <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve<br />

ser escolha <strong>do</strong> sujeito em questão.<br />

Cabe ressaltar a importância <strong>do</strong>s aspectos psicossociais como fatores que<br />

interferem também nas práticas <strong>de</strong> prevenção da recontaminação e da transmissão.<br />

Oltramari e Camargo (2004), em estu<strong>do</strong> que trata <strong>do</strong> risco da AIDS para profissionais<br />

<strong>do</strong> sexo, na área da Psicologia Social, encontraram como re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> a representação<br />

social mais importante, “a dimensão <strong>do</strong> outro”, como associada ao risco e perigo <strong>de</strong><br />

contrair a <strong>do</strong>ença. Os autores verificaram também, que o fator envolvimento emocional<br />

é importante diferencial no que diz respeito a prática <strong>de</strong> prevenção.


28<br />

De acor<strong>do</strong> com esta pesquisa, mulheres com parceiros fixos costumam<br />

associar os riscos com a vida profissional e seus clientes, e <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> usar<br />

preservativos com seus parceiros fixos, que serão responsabiliza<strong>do</strong>s no caso <strong>de</strong><br />

contaminação. Enquanto que mulheres sem parceiros fixos não aban<strong>do</strong>nam o uso <strong>do</strong><br />

preservativo, mantém a noção da necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> mesmo com eventuais<br />

próximos parceiros fixos. Isso revela, então a importância <strong>de</strong> fatores afetivos também<br />

em práticas preventivas. A confiança nos parceiros está relacionada à estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

relacionamento e contribui para a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> uso ou não <strong>do</strong> preservativo. Conclui-se<br />

<strong>de</strong>sta forma que aspectos psicológicos interferem em processos tanto terapêuticos<br />

quanto aspectos preventivos.<br />

2.3 LUTO<br />

2.3.1 O luto<br />

De acor<strong>do</strong> com Tavares (2003), o luto é um processo <strong>de</strong> assimilação da<br />

perda. É um esforço para se aceitar o que não se po<strong>de</strong> mudar. Segun<strong>do</strong> tal autora, é o<br />

reconhecimento da <strong>do</strong>r que direciona o sujeito para a busca da aceitação. A aceitação<br />

da perda não é per<strong>de</strong>r a memória, mas é <strong>de</strong>sativar a carga emocional da separação, é<br />

transformar a separação em reparação.<br />

Autores como Bowlby (1993), Kübler Ross (1997) e Parkes (1998)<br />

<strong>de</strong>senvolveram estu<strong>do</strong>s que promoveram ampliação nas discussões sobre aspectos<br />

relaciona<strong>do</strong>s com morte, vivências <strong>de</strong> perda na ida<strong>de</strong> adulta e suas fases <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Esses três autores têm em comum a compreensão <strong>do</strong> luto como um<br />

processo que se dá em fases gradativas em que uma etapa vai per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> intensida<strong>de</strong> e<br />

ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaço para o aparecimento <strong>de</strong> outra.<br />

Descreven<strong>do</strong> as fases pelas quais passa um ser humano diante <strong>de</strong> perío<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> perdas significativas, o luto é então consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por esses autores como um<br />

perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> crise no <strong>de</strong>correr da existência humana, que se processa em etapas<br />

<strong>de</strong>scritas como:


29<br />

1. Fase <strong>de</strong> torpor e aturdimento, alarme ou negação, que normalmente dura<br />

<strong>de</strong> horas a semanas e é cessada com a raiva ou a consternação.<br />

2. Fase da busca pela pessoa perdida e da sauda<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> durar anos.<br />

3. Fase <strong>do</strong> <strong>de</strong>sespero diante da irrecuperabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que foi perdi<strong>do</strong> e<br />

<strong>de</strong>sorganização interna e externa.<br />

4. Fase on<strong>de</strong> ocorre um maior grau <strong>de</strong> organização a caminho <strong>de</strong> uma<br />

aceitação da perda e conclusão <strong>do</strong> luto.<br />

Bowlby J. (1973), em sua trilogia “Apego, Separação e Perda”, numa<br />

perspectiva evolucionista da teoria das relações vinculares e <strong>de</strong> seus estu<strong>do</strong>s<br />

etológicos, <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> entorpecimento ou torpor essa primeira fase <strong>de</strong> contato com<br />

a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma perda. É um perío<strong>do</strong> on<strong>de</strong> a pessoa mostra-se incapaz <strong>de</strong> reagir<br />

com emoções. Permanece aparentemente impassível, há uma evitação consciente e<br />

<strong>de</strong>liberada frente ao sentir. Uma manutenção <strong>do</strong> controle racional pelo me<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser<br />

vencida pela <strong>do</strong>r, prevista como insuportável ou pelo me<strong>do</strong> <strong>de</strong> enlouquecer. Enquanto a<br />

realida<strong>de</strong> da perda não tiver si<strong>do</strong> totalmente aceita, o perigo a ser evita<strong>do</strong> é a perda <strong>de</strong><br />

si. (PARKES, 1998).<br />

Parkes (1998), em seu “Estu<strong>do</strong>s sobre a perda na vida adulta”, a partir <strong>de</strong><br />

pesquisa <strong>de</strong> campo com viúvas e viúvos, sujeitos amputa<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>saloja<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seus<br />

lares, <strong>de</strong>screveu, como re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas pesquisas, as reações <strong>de</strong>sses indivíduos<br />

nessas situações <strong>de</strong> perda. Os re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s foram agrupa<strong>do</strong>s por traços <strong>de</strong><br />

semelhanças <strong>de</strong> reações, experimentadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mesmo padrão durante o<br />

processo <strong>de</strong> luto normal por uma perda. O luto é compreendi<strong>do</strong> então como um perío<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> crise que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong> maneira processual e particularmente pessoal <strong>de</strong><br />

absorver a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma perda.<br />

A primeira reação é <strong>de</strong>scrita como um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> alarme com traços <strong>de</strong><br />

evidência <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> tensão psíquica extrema como vigília, posição <strong>de</strong> alerta à<br />

ameaça eminente <strong>de</strong> nova perda, estresse, inquietação e também alterações<br />

fisiológicas, como perda <strong>do</strong> apetite e <strong>de</strong> peso, perda <strong>do</strong> sono e com freqüência também<br />

queda <strong>do</strong> sistema imunológico. Em casos mais intensos <strong>de</strong> tensão psíquica há uma<br />

incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar a situação <strong>de</strong> maneira apropriada, perda da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aprendizagem. Surge então uma <strong>de</strong>sorganização e fragmentação na maneira <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r a situação e po<strong>de</strong>m ocorrer também episódios <strong>de</strong> pânico. Po<strong>de</strong>m perseverar


30<br />

comportamentos inapropria<strong>do</strong>s para o momento e uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber ajuda<br />

como <strong>de</strong>monstração da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança.<br />

Kübler Ross (1997) encontrou em seu estu<strong>do</strong> sobre os estágios pelos quais<br />

passam indivíduos a partir <strong>do</strong> conhecimento <strong>de</strong> seu diagnóstico <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença terminal,<br />

nesse primeiro estágio, uma tentativa <strong>de</strong> negação total ou parcial inicialmente, seguida<br />

<strong>de</strong> isolamento. Para a autora, essa reação funciona como um pára-choques, uma<br />

proteção e <strong>de</strong>fesa iniciais frente a notícias inesperadas e <strong>do</strong>lorosas, até que o paciente<br />

possa encontrar atitu<strong>de</strong>s menos extremadas.<br />

É possível também que, aos poucos, <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> negação e evitação<br />

<strong>do</strong> assunto coexistam com outros momentos <strong>de</strong> receptivida<strong>de</strong> e enfrentamento das<br />

questões referentes à sua <strong>do</strong>ença, e suas conseqüências. (KÜBLER ROSS, 1997).<br />

A etapa <strong>de</strong> alarme vai pouco a pouco sen<strong>do</strong> substituída por etapa da<br />

sauda<strong>de</strong> ou da procura ou busca pelo que foi perdi<strong>do</strong>. Parkes (1998) e Bowlby (1993)<br />

concordam em que quan<strong>do</strong> não é mais possível negar ou evitar a realida<strong>de</strong>, há uma<br />

fase <strong>de</strong> procura pelo que foi perdi<strong>do</strong>. É uma fase caracterizada por intensa ansieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> separação, inquietação e busca acompanhada por sentimentos intensos <strong>de</strong> raiva,<br />

<strong>do</strong>r, choro e <strong>de</strong>sespero. A inquietação aqui é ao mesmo tempo expressão da situação<br />

<strong>de</strong> alarme e <strong>de</strong> raiva, na compreensão <strong>de</strong> Parkes (1998). Há uma tentativa fracassada<br />

<strong>de</strong> encontrar o que fazer ou <strong>de</strong> buscar senti<strong>do</strong> no que faz, mas o que anseia mesmo é<br />

reencontrar a pessoa que foi perdida, assim é o comportamento <strong>do</strong> enluta<strong>do</strong>, para<br />

Parkes (1998).<br />

Bowlby (2006), aplican<strong>do</strong> conceitos <strong>de</strong> sua perspectiva etológica, consi<strong>de</strong>ra<br />

que seres humanos são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um instinto que conta com a reversibilida<strong>de</strong> das<br />

perdas. O sofrimento pela perda efetiva, para Bowlby (2006), é uma expressão positiva<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> apego e vinculação afetiva. A partir <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> que <strong>de</strong>screve a<br />

reação <strong>de</strong> crianças diante <strong>do</strong> afastamento <strong>de</strong> suas mães como sen<strong>do</strong> uma reação <strong>de</strong><br />

protesto, enten<strong>de</strong> os processos psicológicos <strong>do</strong> luto em suas raízes biológicas,<br />

estudan<strong>do</strong> também esses processos em animais (teoria etológica). O bebê chora<br />

<strong>de</strong>sesperadamente pelo retorno <strong>de</strong> sua mãe, tentan<strong>do</strong> assim recuperá-la pelo ato<br />

mágico <strong>do</strong> choro. (BLEICHMAR, 1983).<br />

Esse protesto em situações <strong>de</strong> separação, ou seja, o apego, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

essa teoria, protege e fortalece o vínculo entre mãe e filho e tem um valor <strong>de</strong>


31<br />

sobrevivência em fases iniciais da vida. À essa fase <strong>de</strong> protesto surge a <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sesperança e, posteriormente, a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapego emocional.<br />

A fase da <strong>de</strong>sesperança ou <strong>de</strong>sapego emocional correspon<strong>de</strong> à inibição<br />

psicomotora em <strong>de</strong>pressões na vida adulta. Há uma perda da motivação, ou <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> recuperar o que foi perdi<strong>do</strong>. Em alguns casos, o <strong>de</strong>sejo permanece preso nessa<br />

perda, fica então fixa<strong>do</strong> na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

outros, no caso <strong>do</strong> luto patológico ou na melancolia. (BLEICHMAR, 1983).<br />

A reação <strong>de</strong> apego ou resistência ao rompimento <strong>de</strong> um vínculo afetivo é<br />

parte integrante da reação normal à perda em sujeitos na vida adulta. Nessa<br />

perspectiva, da teoria <strong>do</strong>s vínculos, as mais intensas emoções humanas surgem<br />

durante as formações, rompimentos e renovações <strong>de</strong> vínculos emocionais. (BOWLBY,<br />

2006)<br />

O teste <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> obriga o enluta<strong>do</strong> a se <strong>de</strong>parar com a inevitabilida<strong>de</strong> da<br />

perda, surgin<strong>do</strong> o sentimento <strong>de</strong> raiva que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stinada a outros com acusações<br />

e críticas, ou ainda a si mesmo, como uma expressão <strong>de</strong> culpa ou auto-acusação. É<br />

comum a sensação <strong>de</strong> que a perda po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> evitada, ou <strong>de</strong>sfeita, e recupera<strong>do</strong> o<br />

curso anterior <strong>do</strong>s fatos. (PARKES, 1998).<br />

Kübler- Ross (1997) ressalta a importância <strong>de</strong> que essa raiva possa ser<br />

expressada, e que profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> suportem essas expressões <strong>de</strong> maneira<br />

<strong>de</strong>stemerosa e que entendam que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa externalização contribui para<br />

a aceitação da perda e <strong>do</strong>s momentos terminais. Para a autora, uma condição para<br />

esse comportamento empático em profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é que tenham enfrenta<strong>do</strong><br />

suas próprias <strong>de</strong>fesas e me<strong>do</strong>s perante a morte e seus próprios aspectos <strong>de</strong>strutivos e<br />

agressivos.<br />

Para Parkes (1998), o sentimento <strong>de</strong> raiva é mais intenso nas fases iniciais e<br />

vai ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaço para a perda da agressivida<strong>de</strong>, que é uma característica <strong>do</strong> estágio<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>sespero.<br />

Passa<strong>do</strong>s os perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> raiva intensa, agressivida<strong>de</strong> e manifestações<br />

culposas, surge a percepção da irreversibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos, da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitar<br />

as lacunas <strong>de</strong>ixadas pela perda. De acor<strong>do</strong> com Bowlby (1973), para que o trabalho <strong>de</strong><br />

luto transcorra <strong>de</strong> forma saudável, é importante que o sujeito enluta<strong>do</strong> viva todas essas<br />

emoções e sentimentos, mesmo que sejam <strong>do</strong>lorosos, ambivalentes e tragam


32<br />

<strong>de</strong>sconforto emocional. Quan<strong>do</strong> o indivíduo é então leva<strong>do</strong> a olhar as mudanças que<br />

<strong>de</strong>vem ser integradas na vida cotidiana, surgem os sentimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero,<br />

<strong>de</strong>sânimo e <strong>de</strong>pressão. A aceitação da perda é essencial nesse processo. Com a<br />

certeza <strong>de</strong> que nada mais po<strong>de</strong> ser feito, acontece o início <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto. Torna-se<br />

possível olhar para o que foi irremediavelmente perdi<strong>do</strong> e o que permanece enquanto<br />

afeto internaliza<strong>do</strong> é memória afetiva.<br />

Cada mudança vai sen<strong>do</strong> pouco a pouco assimilada e integrada, a realida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma perda não po<strong>de</strong> ser compreendida <strong>de</strong> uma só vez. (PARKES, 1998).<br />

Momentos <strong>de</strong> reorganização da nova realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sorganização vão se alternan<strong>do</strong><br />

enquanto a pessoa <strong>de</strong>senvolve recursos para lidar com a nova condição e pouco a<br />

pouco possa criar perspectivas <strong>de</strong> uma nova vida.<br />

Kübler Ross (1997) salienta a importância <strong>de</strong> que esse estágio <strong>de</strong> aceitação<br />

não seja confundi<strong>do</strong> com a expressão <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. No caso <strong>de</strong><br />

paciente em fase terminal, quan<strong>do</strong> chega a esse estágio, po<strong>de</strong> externar seus<br />

sentimentos <strong>de</strong> raiva, <strong>de</strong> inveja pelos sadios. Teve chance <strong>de</strong> lamentar a perda <strong>de</strong><br />

entes queri<strong>do</strong>s e lugares significativos ao longo <strong>de</strong> sua vida, experimentará certo grau<br />

<strong>de</strong> serenida<strong>de</strong> e tranqüila expectativa. Há uma necessida<strong>de</strong> crescente e gradual <strong>de</strong><br />

aumentar as horas <strong>de</strong> sono, como um recém-nasci<strong>do</strong>.<br />

O quadro na página seguinte, mostra a <strong>de</strong>scrição realizada pelos autores<br />

Kübler Ross (1997), Bowlby (1973) e Parkes (1998) das fases pelas quais o luto normal<br />

vai gradativamente <strong>de</strong>sligan<strong>do</strong> o sujeito <strong>do</strong> objeto perdi<strong>do</strong>, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> lugar ao<br />

<strong>de</strong>simpedimento <strong>do</strong> ego e a uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitação e reconciliação. Dá-se, então, a<br />

conquista <strong>de</strong> uma condição <strong>de</strong> um ego integra<strong>do</strong> para o teste <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, com<br />

diminuição da onipotência e conseqüentemente <strong>do</strong>s sentimentos <strong>de</strong> culpa. Diminui<br />

assim o sentimento <strong>de</strong> estar sen<strong>do</strong> ameaça<strong>do</strong> em sua integrida<strong>de</strong> física e psicológica<br />

como no caso <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>, que será <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> no item a seguir.<br />

(ANGERAMI-CAMON, 2001).


Essas fases pelas quais passam os indivíduos nessas condições po<strong>de</strong>m ser<br />

sintetizadas no quadro a seguir 4 :<br />

33<br />

Relações que sujeitos<br />

porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV têm<br />

com sua condição<br />

clínica.<br />

Características em graus e níveis<br />

<strong>de</strong> percepção acerca <strong>de</strong> si e <strong>de</strong> seu<br />

estresse psicológico.<br />

Condições <strong>de</strong> receptivida<strong>de</strong> ou<br />

<strong>de</strong> elaboração.<br />

Kübler-Ross Parkes Bowlby<br />

Negação<br />

e Isolamento<br />

Raiva<br />

Barganha<br />

Depressão<br />

Aceitação da<br />

Universalida<strong>de</strong> da<br />

experiência.<br />

Alarme: esta<strong>do</strong> estressa<strong>do</strong> com<br />

alcance fisiológico e choque intenso.<br />

Torpor: superficialida<strong>de</strong> em relação à<br />

perda, mecanismo <strong>de</strong>fesa.<br />

Busca pela figura perdida, o mun<strong>do</strong><br />

per<strong>de</strong> o significa<strong>do</strong>. Choro e raiva,<br />

preocupação com o objeto perdi<strong>do</strong>.<br />

Revolta, ressentimento.<br />

Auto-estima preservada.<br />

Desamparo, <strong>de</strong>pressão, isolamento,<br />

tentativas <strong>de</strong> negociação com<br />

profissionais e parentes, promessas<br />

em troca da cura.<br />

Reorganização, novo ajuste, novos<br />

objetivos.<br />

Protesto caracteriza<strong>do</strong> por<br />

sofrimento intenso e me<strong>do</strong> - “Isso<br />

não po<strong>de</strong> ter aconteci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixemme<br />

só, não po<strong>de</strong> ser”<br />

“Por que eu”<br />

“Logo comigo”<br />

“Por que ele fez isso comigo”<br />

“Cada vez me convenço mais que<br />

estou <strong>do</strong>ente, estou morren<strong>do</strong>”<br />

“To<strong>do</strong>s nós morremos um dia”.<br />

2.3.2 O luto pela perda da saú<strong>de</strong><br />

Ser porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença é uma situação que coloca as pessoas em<br />

contato com a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma perda. A maneira como cada um vive essa perda da<br />

condição <strong>de</strong> ser sadio para a condição <strong>de</strong> ser <strong>do</strong>ente po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong> pessoa a pessoa.<br />

Mas receber a notícia <strong>de</strong> tal realida<strong>de</strong>, quase sempre é um momento bastante <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>,<br />

4 Fonte: adaptação realizada pela autora da tabela <strong>do</strong> texto <strong>de</strong>: COELHO, Marilda Oliveira, A Dor da<br />

Perda da Saú<strong>de</strong>, em Psicossomática e Psicologia da Dor, org. Angerami – Camon, Val<strong>de</strong>mar Augusto,<br />

Pioneira Thonsom, 2001.


34<br />

um marco na história <strong>de</strong> vida, que exige um cuida<strong>do</strong> bastante específico e sensibilida<strong>de</strong><br />

por parte <strong>do</strong> profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

A relação entre <strong>do</strong>ença orgânica e e processos <strong>de</strong> investimento libidinal é<br />

discuti<strong>do</strong>, também por Freud (1914), em “Uma introdução ao narcisismo”. Para o autor,<br />

ser porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença é sempre um momento <strong>de</strong> retirada da libi<strong>do</strong> da realida<strong>de</strong><br />

externa num retorno ao eu e perda da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar.<br />

Ser porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença crônica é ver abala<strong>do</strong>s seus i<strong>de</strong>ais. As<br />

instâncias i<strong>de</strong>ntificatórias per<strong>de</strong>m sua força. Os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> ilusão <strong>de</strong> onipotência,<br />

imortalida<strong>de</strong> e perfeição e <strong>do</strong> eu i<strong>de</strong>al , e os alvos almeja<strong>do</strong>s das i<strong>de</strong>ntificações <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al<br />

<strong>do</strong> eu, são atingi<strong>do</strong>s. Agora, todas as exigências egóicas ficam <strong>de</strong>finitivamente<br />

comprometidas e junto com elas a auto-estima. Fica prejudicada a necessida<strong>de</strong><br />

unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagem <strong>de</strong> si e <strong>de</strong> coesão egóica <strong>do</strong> registro imaginário. As certezas<br />

narcísicas ficam abaladas diante da ameaça real e proveniente <strong>do</strong> próprio corpo.<br />

Ainda a respeito da relação que seres humanos estabelecem com seu<br />

próprio corpo e os processos <strong>de</strong> perda gradativa da saú<strong>de</strong>, em 1930, numa <strong>de</strong> suas<br />

últimas obras, Freud (1930) , em “Mal estar na civilização”, consi<strong>de</strong>ra que :<br />

Já a infelicida<strong>de</strong> é muito menos difícil <strong>de</strong> experimentar. O sofrimento nos ameaça a<br />

partir <strong>de</strong> três direções: <strong>de</strong> nosso próprio corpo con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a <strong>de</strong>cadência e a dissolução<br />

e que nem mesmo po<strong>de</strong> dispensar o sofrimento e ansieda<strong>de</strong> como sinais <strong>de</strong><br />

advertência; <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> externo que po<strong>de</strong> se voltar contra nós com forças <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição<br />

esmaga<strong>do</strong>ras e impie<strong>do</strong>sas; <strong>de</strong> nossos relacionamentos com outros homens. (FREUD,<br />

1930, p.95)<br />

Essa consi<strong>de</strong>ração confere ao sofrimento gera<strong>do</strong> pelos processos <strong>do</strong><br />

a<strong>do</strong>ecer uma das principais fontes <strong>de</strong> sofrimento na experiência humana, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

gera<strong>do</strong> pela fonte da realida<strong>de</strong> externa e por relacionamentos com semelhantes. O<br />

inevitável <strong>de</strong>sgaste <strong>do</strong> corpo e suas perdas é quase sempre acompanha<strong>do</strong> por<br />

consi<strong>de</strong>rável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sgosto na experiência humana.<br />

Angerami-Camon faz uma adaptação <strong>do</strong> processo <strong>do</strong> luto por perdas<br />

<strong>de</strong>scrito pelos autores cita<strong>do</strong>s anteriormente, Kübler-Ross (1997), Parkes (1998) e<br />

Bowlby (1973), e i<strong>de</strong>ntifica as condições <strong>de</strong> um luto patológico e um luto normal na<br />

relação <strong>do</strong> sujeito com sua condição <strong>de</strong> <strong>do</strong>ente crônico, que po<strong>de</strong>m ser organiza<strong>do</strong>s<br />

em graus, como no quadro abaixo.


35<br />

Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> discuti<strong>do</strong> em Núcleo Orienta<strong>do</strong> da Saú<strong>de</strong>.<br />

1 Pouca ambivalência em relação à perda da saú<strong>de</strong>.<br />

Sem estresse psicológico aparente em seu discurso.<br />

2 Ansieda<strong>de</strong> pela recuperação da saú<strong>de</strong>.<br />

3 Ansieda<strong>de</strong> pela espera (<strong>do</strong> diagnóstico, <strong>do</strong> re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> <strong>do</strong> exame, da cirurgia, etc.).<br />

4 Ansieda<strong>de</strong> sobre a falta <strong>de</strong> informação sobre o a<strong>do</strong>ecimento, ou <strong>de</strong> mais informação.<br />

5 Me<strong>do</strong> <strong>de</strong> retaliação ou punição, a <strong>do</strong>ença sentida como castigo; culpabilida<strong>de</strong> pela forma<br />

como cui<strong>do</strong>u da saú<strong>de</strong>.<br />

6 Me<strong>do</strong> da perda da parte <strong>do</strong> corpo; vulnerabilida<strong>de</strong> a outras <strong>do</strong>enças físicas e psicológicas.<br />

7 Me<strong>do</strong> ou perda <strong>do</strong> controle das funções <strong>do</strong> corpo;<br />

8 Me<strong>do</strong> da perda <strong>do</strong> amor e aprovação;<br />

9 Ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação (casa, família, trabalho);<br />

10 Ameaça a integrida<strong>de</strong> física (me<strong>do</strong> da morte e <strong>de</strong> reincidência).<br />

De acor<strong>do</strong> com Angerami-Camon (2001), cabe assim ao profissional da<br />

Psicologia a compreensão <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> reação emocional ao a<strong>do</strong>ecer, dada a<br />

complexida<strong>de</strong> da interface entre o psiquismo global, os aspectos cognitivos, afetivos e<br />

emocionais que a vivência <strong>do</strong>lorosa <strong>de</strong> uma perda torna evi<strong>de</strong>nte. O autor <strong>de</strong>screve<br />

relatos <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>r emocional <strong>de</strong>scrita como “uma angústia no peito” vivida como<br />

intermitentes<br />

Para o <strong>do</strong>ente crônico existe a constante ameaça <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração<br />

<strong>de</strong>svalorização e <strong>de</strong>struição: uma ameaça <strong>de</strong> aniquilamento, o que provoca a<br />

labilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emoções; e mais que isso o sofrimento imagina<strong>do</strong> po<strong>de</strong> se tornar<br />

mais importante <strong>do</strong> que o risco real orgânico. (ANGERAMI-CAMON, 1998,<br />

p.72).<br />

Tal autor salienta a importância <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a existência <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>r<br />

emocional pela perda da saú<strong>de</strong>. Isto é diferente da <strong>do</strong>r <strong>do</strong> incômo<strong>do</strong> da própria <strong>do</strong>ença,<br />

pois se trata <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>r por uma perda da condição <strong>de</strong> sadio. Uma pessoa com uma<br />

<strong>do</strong>ença crônica po<strong>de</strong> se tornar emocionalmente crônica ou não, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

psicológico. Assim, entrar ou não na cronicida<strong>de</strong> emocional pela perda da condição <strong>de</strong><br />

saudável vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das condições <strong>de</strong> como cada indivíduo li<strong>do</strong>u com todas as suas


36<br />

perdas ao longo da vida, isto é, <strong>de</strong> sua organização emocional e sua “castração” 5 , e <strong>de</strong><br />

como emocionalmente vivenciou outras perdas anteriores.<br />

A respeito <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> castração ou <strong>de</strong> angústia <strong>de</strong> castração, Bleichmar<br />

(1983) chama atenção para a importância <strong>de</strong> que não seja compreendi<strong>do</strong> apenas como<br />

ansieda<strong>de</strong> pelo dano corporal, e sim a uma perda <strong>de</strong> um valor fálico <strong>de</strong> completu<strong>de</strong><br />

narcísica. No momento em que se dá o reconhecimento da diferença entre os sexos,<br />

ansieda<strong>de</strong> na mulher acontece não por uma perda <strong>de</strong> algo que já tenha, mas <strong>de</strong> que<br />

não receba algo <strong>de</strong> valor fálico, ou valorização máxima. (BLEICHMAR, 1983). Isso<br />

remete a algo da or<strong>de</strong>m da perfeição, ou seja, i<strong>de</strong>ntificação com o ego i<strong>de</strong>al. Ser<br />

porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma <strong>do</strong>ença é ser confronta<strong>do</strong> com um ataque a esse i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> perfeição<br />

narcísica.<br />

A partir <strong>do</strong> reconhecimento da <strong>do</strong>ença serão eleitos mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesas<br />

mais ou menos adaptativos e funcionais, permitin<strong>do</strong>, então, a retomada das ativida<strong>de</strong>s<br />

cotidiana e o <strong>de</strong>sapego. Ou, ao contrário, po<strong>de</strong>rá se instalar, como re<strong>sul</strong>tante, uma<br />

a<strong>de</strong>rência ao papel <strong>de</strong> <strong>do</strong>ente e da posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

No luto pela perda <strong>de</strong> um ente queri<strong>do</strong> por morte ou afastamento ou ainda<br />

pela mudança <strong>de</strong> pátria, o <strong>de</strong>sinvestimento se dá diante <strong>de</strong> objetos que se tornam cada<br />

vez mais distantes <strong>do</strong> eu, <strong>de</strong> seu cotidiano e <strong>de</strong> seu ego corporal. O teste <strong>de</strong> realida<strong>de</strong><br />

contribui para o <strong>de</strong>sapego. No caso da perda da saú<strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong> uma perda inerente<br />

ao próprio eu ou uma ferida ao narcisismo <strong>do</strong> sujeito. O que fica comprometi<strong>do</strong> para<br />

sempre é o retorno a uma busca da onipotência infantil e <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> perfeição, em<br />

última instância fontes <strong>de</strong> auto- estima. ( ANGERAMI-CAMON, 2001)<br />

No caso <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>sapego <strong>de</strong> um aspecto i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> si,<br />

antes saudável e isento <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças, po<strong>de</strong> mobilizar intensas emoções <strong>de</strong> angústia,<br />

forças ligadas à pulsão <strong>de</strong> morte. Trata-se, pois, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sapego ou a aceitação da<br />

perda <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> perfeição ou <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou ilusão <strong>de</strong> imortalida<strong>de</strong>, anteriormente<br />

experimenta<strong>do</strong>, em que a recusa ou relutância po<strong>de</strong>m representar severos obstáculos.<br />

5 O conceito <strong>de</strong> “angústia <strong>de</strong> castração”, no Vocabulário da Psicanálise é: uma série <strong>de</strong> experiências<br />

traumatizantes em que intervém igualmente o elemento <strong>de</strong> perda, <strong>de</strong> separação <strong>de</strong> um objeto.... parto,<br />

seio, fezes, pênis, criança. (LAPLANCHE & PONTALIS, p.74).


37<br />

2.3.3 O luto em Freud<br />

A maneira como os homens são afeta<strong>do</strong>s pela perda <strong>de</strong> algo <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> valor<br />

é intensamente abordada na obra freudiana e recebe tratamentos diversos no percurso<br />

da construção da teoria psicanalítica. (AMBERTIN, 2005). O tema das perdas em<br />

relação com a morte guarda um especial encontro entre sua produção teórica e sua<br />

biografia. Para Peter Gay esta articulação entre ciência e biografia marca a Psicanálise<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, e segun<strong>do</strong> este autor, nas reflexões <strong>de</strong> Freud, a perda mais significativa<br />

na vida <strong>de</strong> um homem é a perda <strong>do</strong> pai.<br />

No livro biográfico <strong>de</strong> Peter Gay (1999), “Freud uma vida para nosso tempo”,<br />

encontramos uma mostra disso. Ao apresentar seus cumprimentos pela perda <strong>do</strong> pai ao<br />

amigo Ernest Jones, no ano <strong>de</strong> 1920, Freud advertin<strong>do</strong>-o pelos momentos <strong>do</strong>lorosos<br />

que estariam por vir, teria comenta<strong>do</strong>:<br />

[...] o senhor logo vai <strong>de</strong>scobrir o que isso significa para si, [...] eu tinha mais ou<br />

menos a sua ida<strong>de</strong> (43) quan<strong>do</strong> meu pai morreu e isso revolucionou a minha<br />

alma. O acontecimento relembrou a Freud a tristeza que sentira pelo seu pai,<br />

quase um quarto <strong>de</strong> século antes. A o mesmo tempo advertiu-o <strong>de</strong>licadamente<br />

sobre os duros momentos que estariam por vir. (GAY, 1989, p.358).<br />

Esse fato é uma ocorrência anterior a perdas posteriores ainda mais<br />

<strong>do</strong>lorosas, como a <strong>de</strong> sua filha Sofie, com vinte e seis anos (1920), <strong>de</strong> seu neto <strong>de</strong><br />

quatro anos, e a confirmação <strong>de</strong> diagnóstico <strong>de</strong> câncer, mais tar<strong>de</strong>, em 1923.<br />

(AMBERTIN, 2005). Assim, o conceito <strong>de</strong> luto mantém algo <strong>de</strong> enigmático para o pai<br />

da psicanálise e ganha conotações que se transformam em diferentes artigos.<br />

Em seu artigo “Sobre a Transitorieda<strong>de</strong>” (1969[1915]), que data da mesma<br />

época em que foi escrito “Luto e Melancolia”, (1969[1915]), vê-se nas palavras <strong>de</strong> Freud<br />

uma maior consi<strong>de</strong>ração pela dificulda<strong>de</strong> com que os homens se <strong>de</strong>sapegam <strong>de</strong> seus<br />

entes queri<strong>do</strong>s:<br />

Mas permanece um mistério para nós o motivo pelo qual esse <strong>de</strong>sligamento da<br />

libi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seus objetos <strong>de</strong>ve constituir um processo tão penoso, e até agora não<br />

fomos capazes <strong>de</strong> formular qualquer hipótese para explicá-lo. Vemos apenas<br />

que a libi<strong>do</strong> se apega a seus objetos e não renuncia àqueles que se per<strong>de</strong>ram,


38<br />

mesmo quan<strong>do</strong> um substituto se acha bem a mão. (FREUD, 1969[1915], p.<br />

345)<br />

O termo luto aparece na obra freudiana pela primeira vez em 1917, no artigo<br />

intitula<strong>do</strong> “Luto e Melancolia”, escrito em 1915 e só publica<strong>do</strong> <strong>do</strong>is anos mais tar<strong>de</strong>. Tal<br />

artigo faz uma analogia entre o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> luto ti<strong>do</strong> como espera<strong>do</strong> em sujeitos<br />

saudáveis com perdas recentes e o quadro da melancolia. Freud (1969[1917]), nesse<br />

estu<strong>do</strong>, chama atenção para as semelhanças e diferenças entre os esta<strong>do</strong>s e como se<br />

apresentam enquanto manifestação <strong>de</strong> um pesar intenso. Faz uma comparação entre<br />

o esta<strong>do</strong> psíquico <strong>de</strong> um sujeito em luto como uma reação saudável a uma perda<br />

significativa, e um sujeito com quadro melancólico. Em ambas as situações é possível<br />

encontrar a presença <strong>de</strong> uma experiência <strong>do</strong>lorosa, com o afastamento e <strong>de</strong>sinteresse<br />

<strong>do</strong>s assuntos relativos ao mun<strong>do</strong> externo e perda da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer laços<br />

amorosos substitutivos. No entanto, nos quadros melancólicos aparecem a autoacusação<br />

e a auto-<strong>de</strong>svalorização cruéis, e empobrecimento persistente <strong>do</strong> ego. A<br />

principal diferença está, portanto, em aspectos referentes à perda da auto-estima que<br />

só ocorrem na melancolia.<br />

No caso <strong>do</strong> luto, a inibição e o empobrecimento <strong>do</strong> ego acontecem pelo fato<br />

<strong>de</strong> que o ego está absorvi<strong>do</strong> no trabalho <strong>de</strong> elaboração, pois o teste <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> obriga<br />

o sujeito a retirar o investimento libidinoso antes <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> ali, gradativamente. É<br />

nesse trabalho que o ego estará envolvi<strong>do</strong> por <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong><br />

pessoa a pessoa. Aqui, a perda e o objeto são conheci<strong>do</strong>s e não há dimensão<br />

inconsciente <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> negação. Nas palavras <strong>de</strong> Freud (1969 [1917] p.277),<br />

“quan<strong>do</strong> o trabalho <strong>do</strong> luto se conclui, o ego fica outra vez livre e <strong>de</strong>sinibi<strong>do</strong>”.<br />

Já na melancolia, a perda parece ser no campo <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al. Há aqui um aspecto<br />

inconsciente da perda, o ego não atinge tal esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> liberação, fica preso, num<br />

trabalho não concluí<strong>do</strong>, pois não há renúncia ao objeto perdi<strong>do</strong>, e sim reincorporação<br />

<strong>de</strong>ste, isto é, o objeto perdi<strong>do</strong> recai sobre a sombra <strong>do</strong> ego <strong>de</strong> maneira inconsciente.<br />

De acor<strong>do</strong> com Freud (1969[1915]), o sujeito sabe quem per<strong>de</strong>u, mas não<br />

sabe o que per<strong>de</strong>u. Há aqui uma perda no próprio ego que se torna pobre e vazio. Há<br />

um prazer no <strong>de</strong>smascaramento <strong>de</strong> si mesmo (pulsões sádicas), uma perda no ego ao<br />

contrário <strong>de</strong> um sofrimento pela perda <strong>do</strong> objeto. Freud explica essa contradição pelo<br />

<strong>de</strong>svio <strong>do</strong> alvo ao qual se direcionam essas acusações. As auto-acusações, na


39<br />

verda<strong>de</strong>, dizem respeito a acusações a alguém que o sujeito ama, amou ou <strong>de</strong>veria ter<br />

ama<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> suas exigências. A maneira como isso ocorre é <strong>de</strong>scrita nesse estu<strong>do</strong><br />

como uma etapa <strong>do</strong> investimento libidinal, que ao ser retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> objeto perdi<strong>do</strong> ao<br />

invés <strong>de</strong> ficar livre e se <strong>de</strong>slocar a um outro objeto, se i<strong>de</strong>ntifica com o objeto perdi<strong>do</strong> e<br />

sua sombra recai novamente sobre o ego <strong>do</strong> sujeito. O conflito se dá entre o ego e o<br />

objeto perdi<strong>do</strong>. O ego fica altera<strong>do</strong> por uma i<strong>de</strong>ntificação com o objeto ama<strong>do</strong> ou odia<strong>do</strong><br />

e perdi<strong>do</strong>.<br />

Nesse momento <strong>de</strong> sua obra, em 1914, em “Uma introdução ao Narcisismo”,<br />

ainda na primeira tópica ou teoria pulsional, Freud, faz uma distinção entre pulsões ou<br />

libi<strong>do</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>do</strong> eu em oposição às pulsões <strong>de</strong> libi<strong>do</strong> sexual ou objetal. Freud<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a idéia <strong>de</strong> que os homens po<strong>de</strong>m, na vida adulta, fazer <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> escolha<br />

<strong>de</strong> objetos sexuais. Uma escolha baseada nos primeiros objetos <strong>de</strong> satisfação e<br />

proteção: a mãe ou quem quer que tenha <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>s é a escolha <strong>do</strong> tipo<br />

anaclítico. Ou ainda fazer uma escolha <strong>do</strong> tipo narcisista, baseada no próprio eu.<br />

Aqui se faz importante esclarecer o uso <strong>do</strong> termo i<strong>de</strong>ntificação, que po<strong>de</strong> ser<br />

primária ou secundária e em psicanálise diz respeito a etapas diferentes <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento libidinal. O termo i<strong>de</strong>ntificação como etapa <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento foi<br />

largamente <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Freud também em seu trabalho “Uma introdução ao<br />

Narcisismo” (1969 [1914]) e, posteriormente em Psicologia <strong>de</strong> grupo e análise <strong>do</strong> ego<br />

(1969 [1921]).<br />

A i<strong>de</strong>ntificação primária diz respeito a uma etapa <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento préobjetal,<br />

isto é, por incorporação, relacionada a uma fase mais primitiva que a <strong>do</strong><br />

relacionamento com catexia ou investimento objetal propriamente dito, a fase oral ou<br />

canibalística forma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> ego.<br />

Na i<strong>de</strong>ntificação primária e no narcisismo primário há uma ausência <strong>de</strong><br />

relações objetais, correspon<strong>de</strong> a um perío<strong>do</strong> anobjetal ou dual. Há uma indiferenciação<br />

entre o ego e o que não pertence ao ego, o investimento é no próprio ego. A<br />

i<strong>de</strong>ntificação primária é a origem <strong>do</strong> eu i<strong>de</strong>al, sem falta, referente à fase oral <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento libidinal. O afastamento da etapa auto-erótica em direção a um<br />

narcisimo primário se dá em direção ao eu i<strong>de</strong>al perfeição <strong>de</strong> valor.<br />

O eu i<strong>de</strong>al tem origem na ilusão <strong>de</strong> onipotência e na persistência <strong>de</strong> fusão<br />

com a “mãe”. Nas palavras <strong>de</strong> Freud, ( 1914, p.112) “como sempre no campo da libi<strong>do</strong>


40<br />

o ser humano mostra-se incapaz <strong>de</strong> renunciar à satisfação <strong>de</strong>sfrutada uma vez. Ele não<br />

quer privar-se da perfeição e da completu<strong>de</strong> narcísicas <strong>de</strong> sua infância”.<br />

No momento em que antece<strong>de</strong> o Édipo, i<strong>de</strong>ntificação e investimento libidinal<br />

começam a se diferenciar e surgem sentimentos afetuosos e hostis ao mesmo tempo<br />

pelo genitor, ou seja, no caso <strong>do</strong> menino, o pai como genitor rival, durante o complexo<br />

<strong>de</strong> castração. A partir <strong>de</strong>ssa constatação, Freud (1921) afirma que a i<strong>de</strong>ntificação tem<br />

características <strong>de</strong> ambivalência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua origem, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sentimentos <strong>de</strong> ternura<br />

facilmente transformarem-se em <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> afastamento.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação secundária coinci<strong>de</strong> com a vivência da dissolução edípica e a<br />

partir <strong>de</strong> então da renúncia da eleição <strong>do</strong> genitor <strong>do</strong> sexo oposto como objeto amoroso<br />

e a i<strong>de</strong>ntificação com o genitor <strong>do</strong> mesmo sexo. A i<strong>de</strong>ntificação prepara o indivíduo para<br />

relações <strong>de</strong> escolha objetal no nível genital a partir <strong>do</strong> narcisismo secundário. A<br />

i<strong>de</strong>ntificação secundária é forma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> superego.<br />

Portanto na fase fálica e durante a resolução <strong>do</strong> complexo <strong>de</strong> Édipo há uma<br />

substituição das escolhas <strong>de</strong> objetos amorosos por i<strong>de</strong>ntificações secundárias, que<br />

dizem respeito a constituição <strong>do</strong> narcisismo secundário e ao i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> eu.<br />

O i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> eu já encontra-se então atravessa<strong>do</strong> pelos valores morais e<br />

críticos absorvi<strong>do</strong>s da cultura. O i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> eu representa algo que vai ser busca<strong>do</strong> na<br />

vida <strong>do</strong> adulto como realização <strong>de</strong> uma busca pelo narcisismo <strong>de</strong> outrora, que foi<br />

perdi<strong>do</strong> durante a infância, isto é, da renúncia ao amor volta<strong>do</strong> ao próprio eu <strong>do</strong><br />

narcisismo primário. Remete a um futuro almeja<strong>do</strong>, a um vir a ser. É o que o indivíduo<br />

projeta diante <strong>de</strong> si como sen<strong>do</strong> seu i<strong>de</strong>al, assemelha<strong>do</strong> a seus pais.<br />

Freud apresenta o eu i<strong>de</strong>al (i<strong>de</strong>ntificação primária) e o i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> eu<br />

(i<strong>de</strong>ntificação secundária) como instâncias <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> processo i<strong>de</strong>ntificatório<br />

ligadas aos processos <strong>de</strong> subjetivação, <strong>de</strong> individualização e ao narcisismo tanto<br />

primário quanto secundário.<br />

Nas palavras <strong>de</strong> Stotz (2003, p. 64), a diferença entre i<strong>de</strong>alização e<br />

i<strong>de</strong>ntificação está em que: “na i<strong>de</strong>alização o objeto foi coloca<strong>do</strong> no lugar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> ego<br />

enquanto que na i<strong>de</strong>ntificação a regressão libidinal torna-a viável toman<strong>do</strong> traços <strong>do</strong><br />

objeto”.<br />

Como na i<strong>de</strong>ntificação existe sempre um grau <strong>de</strong> ambivalência, o grau <strong>de</strong><br />

ambivalência presente na melancolia, on<strong>de</strong> está presente também a i<strong>de</strong>ntificação,


41<br />

<strong>de</strong>termina que ódio intenso ao objeto ama<strong>do</strong> rejeita<strong>do</strong>r agora introjeta<strong>do</strong> por<br />

incorporação, retorne ao eu. Freud refere-se ao sentimento <strong>de</strong> culpa como uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autopunição presente na melancolia.<br />

Retoman<strong>do</strong> a discusão a respeito <strong>do</strong> luto e da melancolia, cabe ressaltar<br />

que a diferença fundamental entre luto saudável e melancolia é que, no caso da<br />

melancolia, já havia, <strong>de</strong> antemão, uma eleição objetal narcísica que reage à perda <strong>de</strong><br />

tal i<strong>de</strong>ntifcação com uma regressão ao narcisismo que anseia por uma realização i<strong>de</strong>al.<br />

Há, então, uma tensão ou um colapso narcisista entre o eu i<strong>de</strong>al e o seu negativo.<br />

(BLEICHMAR, 1983 p.50).<br />

Na melancolia houve, então, a priori, uma i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cunho narcisista,<br />

própria <strong>do</strong>s quadros <strong>de</strong> melancolia. A compreensão da noção <strong>de</strong> narcisismo é<br />

fundamental, pois concomitante com a recusa da aceitação da perda <strong>do</strong> objeto há uma<br />

tensão por um <strong>de</strong>sejo ti<strong>do</strong> como inalcançável. (BLEICHMAR, 1983).<br />

Houve uma i<strong>de</strong>ntificação com o objeto perdi<strong>do</strong> a quem se dirigem as<br />

acusações inicialmente e que agora aparecem como auto-recriminações. Como a libi<strong>do</strong><br />

está impedida <strong>de</strong> novos investimentos, fica presa através da i<strong>de</strong>ntificação narcisista<br />

com o objeto aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>.<br />

Tanto na melancolia como no trabalho <strong>de</strong> luto há uma perda na vida<br />

pulsional, ou seja, uma perda <strong>de</strong> investimento libidinal e um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> recuperar o<br />

que foi perdi<strong>do</strong>. Em ambos os casos há uma inibição e perda da excitação e <strong>do</strong><br />

interesse pelos assuntos da vida. No caso da melancolia o eu se anuncia como incapaz<br />

<strong>de</strong> amar e <strong>de</strong> atingir realização porque está se consumin<strong>do</strong> em um trabalho interno <strong>de</strong><br />

auto-recriminação que encontra satisfação no <strong>de</strong>smascaramento <strong>de</strong> si.<br />

Na melancolia existe o conflito entre eu e supereu, o sentimento <strong>de</strong> culpa<br />

surge quan<strong>do</strong> o eu não cumpre as exigências <strong>do</strong> supereu. Além disso, ocorre a perda<br />

da auto-estima, que significa per<strong>de</strong>r o amor <strong>de</strong> seu próprio supereu.<br />

Segun<strong>do</strong> a obra Freudiana, percebe-se que na teoria pulsional da segunda<br />

tópica, postulada em 1920, as diferenças entre i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> eu e supereu são<br />

apresentadas, embora sejam ambos <strong>de</strong>scritos como her<strong>de</strong>iros <strong>do</strong> complexo <strong>de</strong> Édipo.<br />

Outro aspecto significativo é que no texto “O Ego e o Id”, <strong>de</strong> 1923, da<br />

segunda tópica da teoria <strong>de</strong> freudiana, as pulsões <strong>do</strong> eu aparecem como divididas<br />

entre “pulsão <strong>de</strong> vida” e “pulsão <strong>de</strong> morte” e o supereu aparece como vincula<strong>do</strong> às


42<br />

“pulsões <strong>de</strong> morte”. Nas palavras <strong>de</strong> Edler (2008), ao supereu caberia a crítica<br />

impie<strong>do</strong>sa a distância entre o eu atual e seu i<strong>de</strong>al.<br />

Acontece que nesses casos <strong>de</strong> melancolia comumente presentes em<br />

porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV⁄AIDS, a libi<strong>do</strong> que retorna ao ego após a perda objetal não fica no<br />

ego como investimento narcísico, mas cai num buraco negro sem fun<strong>do</strong>, <strong>de</strong> autorecriminações,<br />

sugan<strong>do</strong> todas as forças psíquicas como um ferida que se mantém<br />

aberta sem chances <strong>de</strong> cicatrização.<br />

Ser porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> hiv⁄aids é experimentar uma forma especial <strong>de</strong> perda. O<br />

objeto <strong>de</strong> amor perdi<strong>do</strong> para sempre foi o próprio eu em uma condição saudável, um<br />

aspecto <strong>de</strong> si para o qual é muito difícil dizer a<strong>de</strong>us. Se na melancolia a escolha objetal<br />

já era <strong>de</strong> cunho narcísico, no caso da perda da saú<strong>de</strong> o que se per<strong>de</strong> é inevitavelmente<br />

um elemento da constituição narcísica <strong>do</strong> sujeito, <strong>de</strong> sua integrida<strong>de</strong> imaginária.<br />

Aqui, aquilo que foi perdi<strong>do</strong> e irremediavelmente danifica<strong>do</strong> foi a<br />

representação <strong>do</strong> eu como íntegro ou completo, o que, por vezes, aumenta as chances<br />

<strong>de</strong> uma regressão libidinal e a instalação <strong>de</strong> um quadro <strong>de</strong> melancolia proveniente <strong>de</strong><br />

um luto irrealizável.<br />

No caso <strong>do</strong> HIV⁄AIDS, essa ferida narcísica fica exarcebada pelo fato <strong>de</strong> ser<br />

<strong>do</strong>ença incurável, pela fragilida<strong>de</strong> que provoca, pelas atribuições culturais socialmente<br />

estigmatizantes associadas a essa <strong>do</strong>ença e pelos reais efeitos colaterais <strong>do</strong><br />

tratamento. As fontes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto emocional nessa condição são tanto externas<br />

(estigma, preconceito) como internas, a melancolia como condição psíquica<br />

auto<strong>de</strong>strutiva promoven<strong>do</strong> vunerabilida<strong>de</strong> a sucessivos a<strong>do</strong>ecimentos. Isto é o<br />

a<strong>do</strong>ecimento ou o agravamento po<strong>de</strong> vir como autopunição a satisfazer o sentimento <strong>de</strong><br />

culpa próprio da melancolia.<br />

2.4 PROCESSO PSICOTERÁPICO NA ELABORAÇÃO DO LUTO<br />

Em seu artigo intitula<strong>do</strong> “Recordar, repetir e elaborar” (1969 [1914]), Freud<br />

<strong>de</strong>screve conceitos cruciais da teoria psicanalítica como compulsão à repetição,<br />

transferência e resistência. Diante <strong>de</strong> uma queixa, existe um componente psíquico<br />

afetivo i<strong>de</strong>acional que o recalcamento se encarregou <strong>de</strong> levar ao esquecimento à custa


43<br />

da produção <strong>de</strong> sintomas. Na relação transferencial que se estabelece com o terapeuta<br />

encontra-se a repetição <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s que permeiam a vida <strong>do</strong> sujeito em todas as<br />

situações relacionais e é a manifestação da resistência. Na relação terapêutica, essa<br />

compulsão à repetição po<strong>de</strong> ser frustrada colaboran<strong>do</strong> para a suspensão <strong>do</strong> recalque e<br />

para o surgimento na memória <strong>do</strong> que a repressão se esforça em ocultar.<br />

A partir das reações repetitivas exibidas na transferência, somos leva<strong>do</strong>s ao<br />

longo <strong>do</strong> caminho <strong>do</strong>s familiares até o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> lembranças, que aparecem<br />

sem dificulda<strong>de</strong>s, por assim dizer, após as resistências terem si<strong>do</strong> superadas<br />

(FREUD, 1969 [1914], p.201).<br />

O trabalho analítico consiste então na elaboração <strong>de</strong>ssas resistências, que<br />

são cuida<strong>do</strong>samente reveladas ao paciente, já que o seu reconhecimento pelo paciente<br />

não é algo da<strong>do</strong>. Na maior parte das vezes, requer um tempo para que tal resistência<br />

seja conhecida e elaborada. A elaboração <strong>de</strong>ssas resistências requer um trabalho que<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>do</strong>loroso ao analisan<strong>do</strong> e requer paciência <strong>do</strong> analista. Deve-se evitar<br />

acelerá-lo. A maneira como se realiza o processo <strong>de</strong> transformação intrapsíquica, na<br />

obra freudiana é conhecida pelo termo Perlaboração, que inci<strong>de</strong> sobre as resistências<br />

e que permite passar da recusa ou aceitação puramente intelectual para uma convicção<br />

fundada na experiência vivida. Neste senti<strong>do</strong>, é o mergulho na resistência que permite o<br />

trabalho <strong>de</strong> perlaboração. (LAPLANCHE, 1997).<br />

Para Gabbard (2005), a psicoterapia psicodinâmica tem por base um<br />

conjunto <strong>de</strong> teorias e princípios e ações que visam estabelecer uma intervenção no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> “uma cuida<strong>do</strong>sa atenção à interação terapeuta – paciente com a<br />

interpretação oportuna da transferência e da resistência inserida em uma apreciação<br />

sofisticada da contribuição <strong>do</strong> terapeuta ao campo di-pessoal”. (GABBARD, 2005,<br />

p.16). Para o autor,são exemplos <strong>de</strong> ações na psicoterapia dinâmica <strong>de</strong> longo prazo:<br />

livre associação, interpretação e observação <strong>de</strong> uma perspectiva externa.<br />

Na obra <strong>de</strong> Winnicott, psicanalista inglês, <strong>do</strong>is aspectos teóricos po<strong>de</strong>m se<br />

<strong>de</strong>stacar como <strong>de</strong> fundamental importância: o <strong>de</strong>senvolvimento emocional <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas<br />

fases mais primitivas no processo <strong>de</strong> diferenciação e a importância da provisão<br />

ambiental nos processos <strong>de</strong> maturação emocional. Para tal autor um sofrimento<br />

psíquico se instalaria em função <strong>de</strong> uma falha ou uma paralisação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

emocional, que por alguma falha ambiental ficou impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> continuar ou se realizar.


44<br />

O trabalho clínico seria o <strong>de</strong> restituir as condições para a retomada <strong>de</strong>sse<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. (COELHO & JUNQUEIRA, 2008).<br />

Winnicott trabalha, então, com o conceito <strong>de</strong> integração <strong>do</strong> psiquismo na<br />

corporeida<strong>de</strong> e na sensorialida<strong>de</strong> como níveis <strong>de</strong> maturação emocional. Aqui cabe<br />

ressaltar a diferença entre não integração e <strong>de</strong>sintegração. A não integração é uma<br />

integração ainda não atingida por uma falha da condição ambiental, ao passo que a<br />

<strong>de</strong>sintegração seria uma ruptura na integração já adquirida como um colapso<br />

psicológico. (BARONE, 2004).<br />

Em face a esses aspectos <strong>do</strong> campo teórico - clínico, é importante lembrar e<br />

relevar o tema <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>: elaboração <strong>do</strong> luto em processo <strong>de</strong> psicoterapia<br />

psicodinâmica para articular com tais noções da obra winnicottiana.<br />

Em concordância com Barone (2004), a clínica contemporânea requer<br />

atenção a uma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> pessoas que nem sequer começaram a existir<br />

como sujeitos, e ainda mais, po<strong>de</strong>m estar vivencian<strong>do</strong> situações <strong>de</strong> crise e<br />

<strong>de</strong>sintegração psicológica. Com base nessas constatações torna-se importante<br />

relacionar a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração com esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> crise ou colapso psicológico,<br />

vivencia<strong>do</strong> nos esta<strong>do</strong>s antecipatórios para o luto, como por exemplo, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

recebimento <strong>do</strong> diagnóstico <strong>de</strong> soropositivida<strong>de</strong>, e posteriormente por perío<strong>do</strong>s<br />

relativamente longos.<br />

Esse ponto <strong>de</strong> vista, traz <strong>de</strong>ssa forma, uma contribuição original para a<br />

abordagem <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto, que se aplica na condução <strong>de</strong><br />

processos clínicos on<strong>de</strong> o nível <strong>de</strong> integração psíquica consegui<strong>do</strong> ainda é muito<br />

embrionário.<br />

Se para Freud, durante o trabalho <strong>de</strong> luto o pre<strong>do</strong>mínio da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />

pre<strong>do</strong>minante, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Winnicott, as perdas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as mais primitivas,<br />

como o acesso a intimida<strong>de</strong> ao corpo da mãe, <strong>de</strong>vem ser elaboradas através <strong>do</strong>s<br />

fenômenos transicionais. Isto é, elementos pertencentes entre a realida<strong>de</strong> interna e a<br />

realida<strong>de</strong> externa <strong>de</strong>vem ser leva<strong>do</strong>s em consi<strong>de</strong>ração no processo psicoterápico.<br />

(BARONE, 2004). Pela criação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> espaço transicional é possível<br />

compreen<strong>de</strong>r a valorização <strong>de</strong> etapas <strong>de</strong> ilusão da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter<br />

conserva<strong>do</strong>s aspectos relativos ao mesmo tempo ao “eu e ao não/eu” no processo <strong>de</strong><br />

separação entre a criança e a mãe da célula narcísica, sem que se configure uma


45<br />

experiência <strong>de</strong> fetichismo 6·. O caráter ilusionário <strong>de</strong>ssa etapa <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é o<br />

germe embrionário da criativida<strong>de</strong> na vida adulta, e o que permite que o sujeito adulto<br />

possa se movimentar <strong>de</strong> maneira menos submissa às exigências da realida<strong>de</strong> externa,<br />

ou ao gran<strong>de</strong> Outro no registro <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al. Essa dimensão da criativida<strong>de</strong> ou <strong>do</strong> fazer<br />

criativo na obra <strong>de</strong> Winnicott é um <strong>do</strong>s recursos clínicos com os quais se torna possível<br />

ajudar pacientes a elaborarem suas perdas em seus aspectos emocionais <strong>do</strong>lorosos,<br />

com base num funcionamento psíquico que está entre o processo primário (id) e o<br />

processo secundário <strong>do</strong> pensamento (ego). Seria, portanto uma terceira via<br />

intermediária entre o <strong>de</strong>sejo libidinal e o pensamento característico <strong>do</strong> processo<br />

secundário 7 .<br />

Em situações clínicas <strong>de</strong> pacientes em profun<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e<br />

<strong>de</strong>sintegração psicológica, uma abordagem que consi<strong>de</strong>re a transicionalida<strong>de</strong> e o<br />

holding como manejo <strong>do</strong> enquadre na atenção compartilhada po<strong>de</strong> ajudar tais pacientes<br />

a restituírem seu contato e a aceitação da realida<strong>de</strong> constituin<strong>do</strong> o trabalho <strong>de</strong> luto.<br />

Trata-se aqui <strong>de</strong> trabalhar entre os planos da realida<strong>de</strong> interna e externa. (COELHO<br />

&JUNQUEIRA, 2008).<br />

No caso da melancolia o que se busca é uma <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ntificação com i<strong>de</strong>ais e<br />

as exigências egóicas correspon<strong>de</strong>ntes. Isso é, busca–se através da experiência<br />

analítica, possibilitar e reativar na vida adulta a passagem pela experiência da<br />

castração. Nas palavras <strong>de</strong> Nasio, a experiência da castração vivida pela criança na<br />

infância consiste no fato <strong>de</strong> que, não sem angústia, reconhece-se pela primeira vez a<br />

diferença anatômica entre os sexos e as conseqüências inerentes a ela, ou seja, todas<br />

as diferenças.<br />

O sujeito per<strong>de</strong> a onipotência <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al da infância, terá <strong>de</strong> aceitar um mun<strong>do</strong><br />

composto por homens e mulheres, a interdição <strong>do</strong> incesto e os limites <strong>do</strong> seu corpo<br />

como sen<strong>do</strong> mais estreitos que os limites <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo. (NASIO,1988) Passa a<br />

reconhecer a diferença entre os sexos entre o seu <strong>de</strong>sejo e o <strong>do</strong> outro, o que abre<br />

6 De acor<strong>do</strong> com Freud (1969, [1927], p.184), o fetichismo seria um traço da perversão pelo qual se<br />

recusa a reconhecer ou aceitar a castração feminina ou a diferença entre os sexos, uma recusa a<br />

castração, neste caso uma recusa à aceitação da separação.<br />

7 De acor<strong>do</strong> com Laplanche e Pontalis (1997, p.372), “(...) <strong>do</strong>is mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> circulação da energia psíquica<br />

energia livre e energia ligada (...) em paralelo ao princípio da realida<strong>de</strong> e princípio <strong>do</strong> prazer”.


46<br />

caminho para a assunção <strong>de</strong> sua posição <strong>de</strong> sujeito <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parâmetros da lei e <strong>do</strong><br />

registro <strong>do</strong> simbólico.<br />

Reconhecimento das diferenças <strong>de</strong>ve ser compreendi<strong>do</strong>, também, como a<br />

maneira <strong>de</strong> lidar com as separações e com a falta ou incompletu<strong>de</strong> humana. Isto<br />

correspon<strong>de</strong> também a uma reedição da passagem pelo complexo <strong>de</strong> Édipo. Trata-se<br />

da reedição da angústia pela perda <strong>de</strong> algo <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> valor narcísico, na categoria <strong>de</strong><br />

separação. (NASIO, 1988)<br />

A reedição da vivência <strong>do</strong> édipo e da castração em psicoterapia está<br />

concorren<strong>do</strong> para o processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto porque favorece o <strong>de</strong>slizamento <strong>do</strong><br />

investimento libidinal em esferas <strong>do</strong> narcisismo secundário. Ou seja, <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> ego em<br />

direção ao futuro e a i<strong>de</strong>ntificações em direção oposta à regressão e ao quadro<br />

melancólico, com aceitação da perda e da castração.<br />

De acor<strong>do</strong> com Stotz (2003), Freud utiliza os mitos <strong>de</strong> Édipo, Narciso e a da<br />

Horda Primeva e a probição <strong>do</strong> incesto em “Totem e Tabu” (1913) para tratar também<br />

da problemática da castração. A superação <strong>do</strong> complexo <strong>de</strong> castração condiz também<br />

com a aquisição <strong>de</strong> um supereu impessoal, isto é, algo encontra<strong>do</strong> na cultura.<br />

Green, em seu livro “O Complexo <strong>de</strong> Castração” (1991) <strong>de</strong>fine assim essa<br />

superação:<br />

Esta ultrapassagem <strong>do</strong> complexo conduz à renuncia <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo incestuoso e<br />

parricida, à i<strong>de</strong>ntificação com o rival <strong>do</strong> mesmo sexo e, finalmente, à aceitação<br />

<strong>de</strong> diversificar as satisfações buscadas na vida adulta, após o consentimento<br />

das exigências <strong>do</strong> superego e <strong>de</strong>slocamento nos objetos substitutivos, cujo<br />

caráter <strong>de</strong> substituto escapa à consciência, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao recalcamento. (Green,<br />

1991, p.25).<br />

No caso da associação entre melancolia e AIDS, e a i<strong>de</strong>ntificação com um<br />

supereu puni<strong>do</strong>r, Moreira (2002), em seu trabalho sobre a “Clínica da Melancolia”, faz<br />

uma reflexão que contribui nesse senti<strong>do</strong>, para a compreensão <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

elaboração da ferida narcísica na dimensão da passagem pela castração. Isto é, em<br />

outras palavras, a elaboração <strong>do</strong> luto pela perda narcísica na realida<strong>de</strong> corporal po<strong>de</strong><br />

ser encontrada na passagem pelo complexo <strong>de</strong> castração:<br />

Talvez seja preciso procurar a fantasia mortífera no corpo <strong>do</strong> paciente, quan<strong>do</strong><br />

ela se manifesta como queda <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças


47<br />

orgânicas <strong>de</strong> alta gravida<strong>de</strong>, também uma forma velada <strong>de</strong> suicídio,<br />

<strong>de</strong>positan<strong>do</strong> em microorganismos a <strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada pelo<br />

superego como agente da pulsão mortífera. [...] no real corporal, algo possa<br />

ser encontra<strong>do</strong>, também conti<strong>do</strong> no complexo <strong>de</strong> castração, pois é na negação<br />

ou na recusa da castração que a fúria parricida po<strong>de</strong> ter lugar, e os<br />

melancólicos são nega<strong>do</strong>res, A aceitação da castração, nesse senti<strong>do</strong>,<br />

protegeria o ego tantos <strong>do</strong>s impulsos <strong>do</strong> id, que atravessam, quanto da<br />

vigilância superegóica, que não lhe dá <strong>de</strong>scanso. (MOREIRA, 2002, p.121-<br />

122)<br />

A passagem pela angústia <strong>de</strong> castração é que levará o eu a amainar a<br />

i<strong>de</strong>ntificação com o ego i<strong>de</strong>al e buscar uma reorganização rumo a um i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> ego.<br />

Com a aceitação da perda e da castração, ocorre então uma renúncia às pulsões<br />

hostis e a i<strong>de</strong>ntificação com supereu sádico e cruel que passa a ser substituí<strong>do</strong> por um<br />

benevolente e protetor. A superação da angústia <strong>de</strong> castração está, então, no centro<br />

da elaboração <strong>do</strong> luto nos quadros <strong>de</strong> melancolia e, ainda, nas palavras <strong>de</strong> Moreira:<br />

Se o melancólico tiver podi<strong>do</strong> ainda ter forma<strong>do</strong> a outra face <strong>do</strong> superego -<br />

aquela que a função paterna <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, proteção e indulgência, postulada<br />

em “Totem e Tabu” permite a constituição <strong>de</strong> um superego tolerante - ele tem<br />

chance <strong>de</strong> con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>r com o <strong>de</strong>sejo e buscar objetos substitutivos Se ao<br />

contrário, apenas a face cruel <strong>do</strong> além- <strong>do</strong>-eu mostra sua cara, a melancolia é<br />

o <strong>de</strong>stino, pois nele as feridas narcísicas que ainda <strong>do</strong>em serão inevitalmente<br />

atraídas pela pela fixação ao trauma, à perda da ilusão da impossível posse<br />

daquilo que o faria capaz <strong>de</strong> incesto, ao qual se liga o parricídio, a morte<br />

inapelavelmente irreparável, num circuito melancólico infernal que mantém o<br />

suicídio como uma única luz sombria no fim <strong>do</strong> túnel . (MOREIRA, 2002,<br />

p.123).<br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> melancólico é com o pai primitivo, opressor, cruel e<br />

punitivo e <strong>do</strong> qual queremos operar a elaboração <strong>do</strong> luto. Enfim, no trabalho com o<br />

melancólico, é a fantasia parricida que <strong>de</strong>ve ser investigada.


48<br />

3 MÉTODO<br />

Uma pesquisa é um procedimento formal com méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensamento<br />

reflexivo que requer tratamento científico e para tal torna-se fundamental a escolha <strong>de</strong><br />

um méto<strong>do</strong> a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e indica<strong>do</strong> para o problema apresenta<strong>do</strong>, que se resolver e<br />

avançar em termos <strong>de</strong> conhecimento. O méto<strong>do</strong> é como o coração da pesquisa e<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r, o seu constante pulsar na busca <strong>do</strong> que se<br />

quer conhecer e sistematizar.<br />

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA<br />

O presente estu<strong>do</strong> é uma pesquisa <strong>de</strong> natureza qualitativa que preten<strong>de</strong><br />

organizar e sistematizar o conhecimento disponível na literatura a respeito da<br />

psicoterapia psicodinâmica no acompanhamento <strong>de</strong> sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV, e a<br />

elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>. Para Chizzoti (2003), a condição <strong>do</strong><br />

pesquisa<strong>do</strong>r na pesquisa <strong>de</strong> natureza qualitativa é a <strong>de</strong> ser um ativo <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong> das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais e humanas.<br />

A escolha por tal méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>ve-se também ao fato <strong>de</strong> que:<br />

“A mudança social acelerada e a conseqüente diversificação <strong>de</strong> esferas <strong>de</strong><br />

vida fazem com que os pesquisa<strong>do</strong>res sociais, cada vez mais, se <strong>de</strong>frontem<br />

com novos contextos e perspectivas sociais.“ (FLICK 2004, p.234).<br />

Assim também, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Minayo (1999, p.10), são entendidas como<br />

pesquisas <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logia qualitativas “aquelas capazes <strong>de</strong> incorporar a questão <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong> e da intencionalida<strong>de</strong> como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas<br />

sociais [...]”<br />

No que diz respeito ao objetivo da pesquisa, é uma pesquisa exploratória e<br />

<strong>de</strong>scritiva procuran<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong>screver e relacionar os elementos envolvi<strong>do</strong>s no<br />

processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em psicoterapia, isto é, as<br />

variáveis <strong>de</strong>finidas são a elaboração <strong>do</strong> luto mediante a realização <strong>de</strong><br />

acompanhamento em psicoterapia psicodinâmica.


49<br />

Uma pesquisa exploratória, segun<strong>do</strong> Gil (1999), visa uma maior familiarida<strong>de</strong><br />

com o tema que ainda é pouco discuti<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong> explicitá-lo. Ainda <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

Gil (1999), estas pesquisas objetivam uma visão geral e aproximativa <strong>de</strong> um fato, sen<strong>do</strong><br />

um tipo <strong>de</strong> pesquisa que possibilita consi<strong>de</strong>rar vários aspectos relaciona<strong>do</strong>s ao fato,<br />

pois são bastante flexíveis em seu planejamento.<br />

Quanto ao méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s será uma pesquisa essencialmente<br />

bibliográfica, que na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Gil (1999, p.48) “é uma pesquisa <strong>de</strong>senvolvida com<br />

base em material já elabora<strong>do</strong>, constituí<strong>do</strong> principalmente <strong>de</strong> livros e artigos científicos”.<br />

A pesquisa bibliográfica, que no dizer <strong>de</strong> Bervian e Cervo (1996, p149) “tem<br />

como objetivos encontrar respostas para os problemas formula<strong>do</strong>s e o recurso é a<br />

con<strong>sul</strong>ta <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos bibliográficos”. Não serão utiliza<strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong><br />

da<strong>do</strong>s que envolva sujeitos ou saída a campo, apenas na fonte bibliográfica.<br />

A escolha <strong>de</strong> tal méto<strong>do</strong> se <strong>de</strong>u pelo fato <strong>de</strong>sta pesquisa tratar <strong>de</strong> um tema<br />

extremamente <strong>de</strong>lica<strong>do</strong> no que tange a abordagem <strong>de</strong> sujeitos em situação <strong>de</strong> extrema<br />

fragilização psicológica e com necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s éticos re<strong>do</strong>bra<strong>do</strong>s, nos<br />

aspectos <strong>de</strong> respeito ao sigilo.. Cabe lembrar que tal cuida<strong>do</strong> tem em vista que o<br />

problema <strong>de</strong> pesquisa visa os elementos <strong>de</strong> elaboração em psicoterapia, então os<br />

aspectos <strong>de</strong> sigilo envolvi<strong>do</strong>s são extensivos também aos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que<br />

consistiriam principalmente <strong>de</strong> psicoterapeutas.<br />

O fato <strong>de</strong> que a pesquisa<strong>do</strong>ra também é profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental<br />

inserida na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> pública na atenção secundária <strong>do</strong> Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Florianópolis, também contribuiu para essa <strong>de</strong>cisão. O SUS tem como um <strong>do</strong>s seus<br />

princípios atendimento universal a seus usuários, isto é, não é possível recusar<br />

atendimento a quem <strong>de</strong>le necessite e recorra ao serviço. O risco <strong>de</strong> sobrepor às<br />

funções <strong>de</strong> terapeuta ocupacional e <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>ra é certamente uma possibilida<strong>de</strong><br />

que <strong>de</strong>ve ser evitada e consi<strong>de</strong>rada. Mesmo avalian<strong>do</strong> as chances remotas se os<br />

sujeitos entrevista<strong>do</strong>s fossem <strong>de</strong> municípios vizinhos, o processo <strong>de</strong> regionalização e<br />

<strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> território ainda está em construção e ainda existem possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>srespeita<strong>do</strong> pelas práticas usuais.<br />

3.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS


50<br />

O principal instrumento <strong>de</strong> pesquisa foi a re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>res. No<br />

planejamento inicial <strong>de</strong>ssa pesquisa, <strong>de</strong>cidiu-se que a busca das informações<br />

<strong>de</strong>sejadas seria feita em material encontra<strong>do</strong> em pesquisa bibliográfica limitada pela<br />

base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s eletrônica BIREME, em trabalhos e artigos acadêmicos e que<br />

abordassem e discutissem o assunto em estu<strong>do</strong> nessa pesquisa que é o processo <strong>de</strong><br />

elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em psicoterapia psicodinâmica..<br />

Ao realizar o procedimento <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s a partir da BVS Biblioteca<br />

Virtual em Saú<strong>de</strong> que abrange então BIREME ⁄ OPAS ⁄ OMS, para as palavras chaves:<br />

AIDS ⁄ HIV, psicoterapia psicodinâmica o re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> foi <strong>de</strong> apenas um<br />

artigo da autoria <strong>de</strong> Svetlana Bacellar Aguirre e Sérgio Luiz Saboya com o título <strong>de</strong><br />

“Psicoterapia lúdica <strong>de</strong> uma criança com AIDS ” já utiliza<strong>do</strong> na discussão da<br />

problemática e justificativa <strong>de</strong>ssa pesquisa. Este foi também o único re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong><br />

encontra<strong>do</strong> para Biblioteca Virtual em Saú<strong>de</strong> – Psicologia para os indica<strong>do</strong>res: AIDS ⁄<br />

HIV e psicoterapia psicodinâmica.<br />

Para os indica<strong>do</strong>res: HIV⁄AIDS e luto, ainda na BVS, foram encontra<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

artigos: o artigo <strong>do</strong> Jornal Brasileiro <strong>de</strong> DST, intitula<strong>do</strong> <strong>de</strong> “A implicação <strong>do</strong>s<br />

mecanismos <strong>do</strong> luto na exposição ao HIV” <strong>de</strong> autoria da psicóloga Solange Maria<br />

Santos e como orienta<strong>do</strong>ra da médica Wilza Vieira Villela, e que teria origina<strong>do</strong> da<br />

tese <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> com o título “Sobre o morrer: vida psíquica na exposição ao HIV”.<br />

Essas duas fontes <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, entre outras, então foram localizadas e acessadas a partir<br />

<strong>do</strong> serviço <strong>de</strong> Comutação Bibliográfica da Uni<strong>sul</strong>. E também o artigo “Os lutos da AIDS”,<br />

Tânia Regina Côrrea <strong>de</strong> Souza e Emi Shimma <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> pesquisa Nepaids,<br />

publica<strong>do</strong> no Jornal brasileiro <strong>de</strong> AIDS, ambos incluí<strong>do</strong>s na tabela <strong>de</strong> mostra <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa.<br />

Porém as entrevistas aqui relatadas, nestes <strong>do</strong>is artigos não encontravamse<br />

em acompanhamento psicoterápico, mas continham da<strong>do</strong>s importantes sobre luto e<br />

exposição ao vírus <strong>do</strong> HIV, que contribuíram para o <strong>de</strong>senvolvimento da análise <strong>de</strong><br />

da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sse estu<strong>do</strong>.<br />

Para os indica<strong>do</strong>res: AIDS⁄HIV e psicoterapia os re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s<br />

foram 269 artigos, nos quais foram seleciona<strong>do</strong>s apenas os artigos com conteú<strong>do</strong>


51<br />

relevante para este estu<strong>do</strong>. Foram seleciona<strong>do</strong>s, a princípio, artigos em que o enfoque<br />

psicoterápico psicodinâmico fosse evi<strong>de</strong>nte, sen<strong>do</strong> psicoterapia individual ou grupal.<br />

Para cumprir o objetivo proposto <strong>de</strong> pesquisar psicoterapia psicodinâmica,<br />

foram elimina<strong>do</strong>s os artigos que tivessem um enfoque Psicoeducativo <strong>de</strong><br />

Enfrentamento <strong>do</strong> estresse, ou <strong>de</strong> Terapia Cognitiva ou Comportamental, e também<br />

que se utilizassem <strong>de</strong> Escalas <strong>de</strong> Avaliação ou Escalas <strong>de</strong> Graduação Psiquiátrica, ou<br />

<strong>de</strong> Adaptação Psicológica ou Educação para uma Atitu<strong>de</strong> Frente à Saú<strong>de</strong>, ou ainda <strong>de</strong><br />

Terapia Combinada <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ssensibilização e Controle da Ansieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong><br />

estresse com técnicas <strong>de</strong> relaxamento e ⁄ ou respiratórias somadas ao uso <strong>de</strong><br />

Acupuntura e outras técnicas <strong>de</strong> auto-ajuda ou <strong>de</strong> Treinamento para Confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong><br />

ou <strong>de</strong> Aconselhamento jurídico associadas, apenas para efeito <strong>de</strong>sta pesquisa.<br />

Desta seleção, sobraram 12 artigos com discussões <strong>de</strong> psicoterapia<br />

individual ou <strong>de</strong> grupo em abordagem psicodinâmica. Ainda assim, para atingir os<br />

objetivos <strong>de</strong>ssa pesquisa, faltavam textos que contivessem relatos clínicos <strong>de</strong><br />

porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV em tratamento psicoterápico em abordagem psicodinâmica. Então<br />

foram acessadas também na BVS em Psicologia e a base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> periódicos<br />

virtuais eletrônicos da Biblioteca Virtual em Saú<strong>de</strong> – Psicologia - PEPSIC, da Biblioteca<br />

Digital <strong>de</strong> Teses e Dissertações, IBICT – Também foram extraí<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> textos e<br />

livros seleciona<strong>do</strong>s que contivessem material que seja relaciona<strong>do</strong> ao tema em<br />

estu<strong>do</strong>, isto é que contivessem relato <strong>de</strong> casos clínicos em psicoterapia psicodinâmica.<br />

3.3 AMOSTRA DA PESQUISA<br />

O quadro abaixo organiza as diversas fontes <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s encontradas para<br />

essa pesquisa. A maneira como estão dispostos no quadro não obe<strong>de</strong>ce nenhuma<br />

lógica temporal <strong>de</strong> publicação ou <strong>de</strong> acesso, mas a <strong>de</strong> relevância para o tema e em<br />

relação aos objetivos a serem alcança<strong>do</strong>s.<br />

Os artigos <strong>de</strong> periódicos in<strong>de</strong>xa<strong>do</strong>s na BVS – BIREME ⁄OPAS ⁄ OMS foram<br />

provenientes <strong>do</strong> Jornal Americano <strong>de</strong> Psicoterapia, Jornal Brasileiro <strong>de</strong> DST, <strong>do</strong> Jornal<br />

Brasileiro <strong>de</strong> AIDS, Boletim da Aca<strong>de</strong>mia Médica <strong>de</strong> Buenos Aires, Informação<br />

Psiquiátrica, Revista <strong>de</strong> Psiquiatria <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, Jorna, Jornal Americano da<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Psicanálise.


52<br />

Da BVS em Psicologia e da PEPSIC foram escolhi<strong>do</strong>s artigos <strong>do</strong>s periódicos<br />

Psicologia Ciência e Profissão, Psicologia e Socieda<strong>de</strong>, Revista Latino Americana <strong>de</strong><br />

Psicopatologia Fundamental, Psicologia em Estu<strong>do</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas<br />

Gerais, Revista da APPOA, Associação <strong>de</strong> Psicanálise <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />

Através da fonte <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s Biblioteca Digital <strong>de</strong> Teses E Dissertações -<br />

IBICT - e com a participação <strong>do</strong> serviço <strong>de</strong> Comutação Bibliográfica foram selecionadas<br />

Teses <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> das <strong>universida<strong>de</strong></strong>s, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Pará,<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo, Instituto <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> Pública da USP.<br />

Entre os trabalhos <strong>de</strong> fundamental importância para as discussões e análise<br />

<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sse estu<strong>do</strong>, vale <strong>de</strong>stacar a dissertação <strong>de</strong> <strong>do</strong>utoramento <strong>de</strong> Ana Clei<strong>de</strong><br />

Gue<strong>de</strong>s Moreira (2002), “Clinica da Melancolia”, em que discute a associação entre a<br />

melancolia e AIDS e introduz o conceito <strong>de</strong> “insuficiência imunológica psíquica”, a partir<br />

<strong>de</strong> pesquisas realizadas nesse campo, pelo Laboratório <strong>de</strong> Pesquisa em Psicopatologia<br />

Fundamental.Moreira (2002) faz importante distinção entre <strong>de</strong>pressão enquanto<br />

alteração psicopatológica e a melancolia como uma neurose narcísica auto<strong>de</strong>strutiva,<br />

que seria então responsável pelo aumento da insuficiência imunológica orgânica e<br />

psíquica paralelamente.<br />

Também por Claudia Paula Santos (2005) em seu estu<strong>do</strong> sobre os<br />

mecanismos <strong>de</strong> culpa, punição e recusa <strong>do</strong> reconhecimento da realida<strong>de</strong> em “Pares e<br />

ímpares: O masoquismo e a clínica das pessoas que vivem com AIDS e seus pares<br />

discordantes”. A noção <strong>de</strong> “insuficiência imunológica psíquica” para esse estu<strong>do</strong> é<br />

importante, pois <strong>de</strong>monstra a existência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> psíquica que se traduz<br />

numa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se proteger <strong>de</strong> ataques externos e endógenos.<br />

Tal conceito também é utiliza<strong>do</strong> por Solange Maria Santos Oliveira (2003)<br />

em sua tese <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong>: “Sobre o morrer: vida psíquica na exposição ao HIV”, em que<br />

estuda os mecanismo <strong>de</strong> luto na aquisição <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças. A autora entrevistou catorze<br />

voluntários <strong>do</strong> CTA Henfil, com o objetivos <strong>de</strong> coletar da<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> três vertentes:<br />

interpretação pessoal da história da infecção, o momento suposto para a infecção, a<br />

vivência das perdas e o discurso bruto sobre o morrer.<br />

A pesquisa <strong>de</strong> Juliano José Cedaro (2005), “A ferida na alma”, contribuiu<br />

com noção <strong>de</strong> que a AIDS é incorporada no dinamismo psíquico individual já pré-


53<br />

existente em cada enfermo. Para o autor, a AIDS enquanto “enfermida<strong>de</strong> se entrelaça<br />

a, vida psíquica a<strong>de</strong>ntran<strong>do</strong> e acentuan<strong>do</strong> o jogo <strong>de</strong> forças entre <strong>de</strong>sejo e realida<strong>de</strong>”.<br />

Se por um la<strong>do</strong> “lança-o ao campo <strong>do</strong> angustiante, mas também ajuda-o a<br />

estabelecer os limites entre a vida e a morte, por vezes restringin<strong>do</strong> as tendências às<br />

compulsões auto<strong>de</strong>strutivas”. A ferida na alma instalada no narcisismo <strong>do</strong> sujeito da<br />

mesma maneira que cria uma cisão e um luto in<strong>de</strong>lével proporciona chances <strong>de</strong><br />

reparação <strong>de</strong>ssa ferida narcísica.


54<br />

Autor<br />

Título<br />

Palavras chaves<br />

Temática<br />

Principal<br />

Abordagem<br />

Psicológica<br />

Fonte ⁄<br />

Periódico ⁄<br />

Dissertação<br />

Ano<br />

Instituição<br />

<strong>de</strong><br />

Origem<br />

Veras, J.F.<br />

Petracco,<br />

M. M.<br />

“A<strong>do</strong>ecimento<br />

psíquico<br />

em<br />

mulheres<br />

porta<strong>do</strong>ras <strong>do</strong><br />

vírus <strong>do</strong> HIV.”<br />

Vírus HIV -<br />

clínica da AIDS na<br />

contemporaneida<strong>de</strong>,<br />

sexualida<strong>de</strong> feminina<br />

inconsciente.<br />

Melancolia, integração<br />

<strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s da morte<br />

real e simbólica e<br />

representação social da<br />

subjetivida<strong>de</strong> feminina<br />

Psicanálise<br />

Psicologia<br />

Social<br />

PEPSIC<br />

Psicologia<br />

Ciência e<br />

Profissão<br />

2007 PUC-<br />

RGS<br />

Labaki, M.E.<br />

“Em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />

investimento da<br />

angústia e notícias a<br />

respeito <strong>de</strong> um<br />

sobrevivente.”<br />

Manejo clínico da<br />

angústia, psicoterapia <strong>do</strong><br />

porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> HIV que vai<br />

ao suicídio,<br />

masoquismo como força<br />

<strong>de</strong>fensiva.<br />

Propõe a criação <strong>de</strong> uma<br />

abordagem específica na<br />

clínica da AIDS, no qual<br />

confere os mecanismos<br />

forma<strong>do</strong>res da angústia,<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fensivas<br />

e protetoras <strong>do</strong> eu.<br />

Psicanálise<br />

Freud, Lacan<br />

Psicopatologia<br />

Fundamental.<br />

PEPSIC<br />

Correio da<br />

APPOA<br />

2001 PUC-SP<br />

Oliveira, SMS<br />

e<br />

Villela, Wilza<br />

V.<br />

A implicação <strong>do</strong>s<br />

mecanismos <strong>do</strong> luto na<br />

exposição ao HIV.<br />

Exposição ao HIV, luto e<br />

DST.<br />

Mecanismos psíquicos<br />

inconscientes e aquisição<br />

<strong>de</strong> <strong>do</strong>enças.<br />

Psicanálise<br />

e<br />

Psicossomática.<br />

BIREME<br />

Jornal<br />

Brasileiro <strong>de</strong><br />

DST.<br />

2004 CTA-<br />

Henfil.<br />

SES-SP


55<br />

Menezes,<br />

L. C.<br />

“A linguagem e o<br />

trabalho <strong>de</strong> luto na<br />

rememoração”<br />

trabalho <strong>de</strong> luto,<br />

perlaboração, memória.<br />

Descreve as sutilezas <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> luto, pela e<br />

na linguagem e contém<br />

inscrições <strong>de</strong> memória<br />

corporal (corpo fala<strong>do</strong>).<br />

Psicanálise<br />

PEPSIC<br />

Psicologia<br />

em Revista<br />

2007 UFMG<br />

Sant Anna, P.<br />

“Um estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

arquétipos nos sonhos”<br />

Aids, processo <strong>de</strong><br />

individuação, morte e<br />

vida psíquica, forças<br />

arquetípicas e<br />

inconsciente coletivo.<br />

Através <strong>de</strong> elementos<br />

retira<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sonhos <strong>de</strong> 9<br />

sujeitos em tratamento<br />

clínico <strong>de</strong>screve a AIDS<br />

como uma tentativa <strong>de</strong><br />

compensação coletiva da<br />

polarização da cultura<br />

judaico cristã apolínea.<br />

Psicologia<br />

analítica <strong>de</strong><br />

Jung.<br />

IBICT<br />

Mestra<strong>do</strong><br />

Psicologia<br />

clínica<br />

1996 USP<br />

Moreira,<br />

Ana<br />

Clei<strong>de</strong><br />

Gue<strong>de</strong>s.<br />

Um Narciso sem<br />

“<strong>de</strong>s - culpa”.<br />

Melancolia, <strong>de</strong>pressão,<br />

narcisismo e parricídio.<br />

Discute a utilização <strong>do</strong>s<br />

termos <strong>de</strong>pressão e<br />

melancolia na teoria<br />

Freudiana e a implicação<br />

<strong>do</strong> conceito <strong>de</strong><br />

narcisismo, e associação<br />

entre melancolia e AIDS.<br />

Metapsicologia<br />

Freudiana e<br />

Psicopatologia<br />

Fundamental.<br />

PEPSIC<br />

Revista<br />

Latinoamericana<br />

<strong>de</strong><br />

Psicopatologia<br />

Fundamental<br />

2001 UFPA


56<br />

Nora<br />

Taubenslag<br />

<strong>de</strong> Grigera y<br />

col.<br />

“Eficacia <strong>de</strong> la<br />

psicoterapia en el<br />

tratamento <strong>de</strong><br />

pacientes porta<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong> HIV ⁄ AIDS”<br />

Compara pacientes<br />

porta<strong>do</strong>res hiv+ que<br />

aceitaram psicoterapia<br />

breve psicanalítica com<br />

os que não<br />

aceitaram,em vida<br />

pessoal e profissional.<br />

Uso <strong>de</strong> grupo controle C,<br />

16 pacientes em<br />

psicoterapia e 16<br />

apenas clinica médica -<br />

infectologia.<br />

Conclui que a psicoterapia<br />

breve <strong>de</strong> orientação<br />

psicanalítica re<strong>sul</strong>ta em<br />

recurso idôneo para<br />

favorecer a adaptação às<br />

mudanças <strong>de</strong>ssa<br />

enfermida<strong>de</strong> e no<br />

favorecimento <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> si mesmo.<br />

Pesquisa<br />

quantitativa.<br />

Analisa a<strong>de</strong>são<br />

ao tratamento<br />

em infectologia,<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sfrutar a vida<br />

e sintomas <strong>do</strong><br />

HIV.<br />

BIREME<br />

Bol. A. N. <strong>de</strong><br />

Medicina<br />

2001<br />

Departamento<br />

<strong>de</strong><br />

Salud<br />

mental<br />

Del<br />

Hospital<br />

<strong>de</strong><br />

Cínicas<br />

<strong>de</strong><br />

Buenos<br />

Aires.<br />

Paula<br />

Santos,<br />

Claudia.<br />

“Pares e ímpares: O<br />

masoquismo e a<br />

clínica das pessoas<br />

que vivem com AIDS e<br />

seus pares<br />

discordantes”<br />

Situações clínicas<br />

chamadas <strong>de</strong><br />

“experiência-limite”,<br />

permeadas por culpa<br />

punição, recusa <strong>do</strong><br />

reconhecimento da<br />

realida<strong>de</strong>.<br />

Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> <strong>do</strong>is<br />

casos clínicos e vinhetas<br />

clínicas a partir da<br />

metapsicologia freudiana<br />

e psicopatologia<br />

fundamental.<br />

Psicopatologia<br />

fundamental.<br />

IBICT<br />

Mestra<strong>do</strong><br />

2005 PUC-SP<br />

Costa,<br />

L.P.M.,<br />

Lima,C.<br />

Q. e<br />

Mello<br />

Filho, J.<br />

“Grupoterapia<br />

com pacientes<br />

HIV positivos<br />

(AIDS)”<br />

Relato <strong>de</strong><br />

fragmentos <strong>de</strong><br />

grupoterapia<br />

coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> por<br />

casal <strong>de</strong><br />

terapeutas em<br />

ambulatório <strong>de</strong><br />

Hospital<br />

Universitário.<br />

Grupoterapia on<strong>de</strong><br />

aparecem trabalha<strong>do</strong>s<br />

elementos como:<br />

negação, luta e fuga,<br />

ansieda<strong>de</strong>s maníacas e<br />

narcísicas, i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong><br />

figuras parentais nos<br />

terapeutas, culto a <strong>do</strong>r,<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual.<br />

Psicoterapia <strong>de</strong><br />

grupo<br />

psicanalítica<br />

com objetivo <strong>de</strong><br />

promover<br />

adaptação as<br />

novas<br />

condições <strong>de</strong><br />

vida.<br />

BIREME<br />

Informação<br />

Psiquiátrica<br />

1989<br />

HU<br />

Pedro<br />

Ernesto<br />

da<br />

UERJ


57<br />

François<br />

Pommier<br />

Situações extremas e<br />

figuras <strong>do</strong> informe<br />

Extremo, AIDS,<br />

psicanalise e<br />

transferência, uso <strong>de</strong><br />

figuras imagens no<br />

campo relacional.<br />

Relato <strong>de</strong> caso clínico, <strong>de</strong><br />

três encontros analíticos<br />

com sujeito com AIDS,<br />

que superou fase<br />

terminal.<br />

Psicopatologia<br />

Fundamental,<br />

Bion,<br />

Harold Searles<br />

PEPSIC<br />

Rev. Latino<br />

Americana<br />

Psicopat.<br />

Fundam.<br />

2003 SP<br />

Nord,<br />

Davi<br />

“A ameaça a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

múltiplas<br />

perdas”<br />

Psicoterapia<br />

Psicodinâmica ,<br />

<strong>do</strong> Ser e <strong>do</strong> Self<br />

(Hei<strong>de</strong>gger -<br />

Existencial )<br />

(Laing, R)<br />

Relato <strong>de</strong> caso clínico<br />

em psicoterapia na<br />

abordagem existencial.<br />

Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso<br />

clínico focan<strong>do</strong><br />

indivíduo com<br />

múltiplas<br />

perdas.<br />

BIREME<br />

Jornal<br />

Americano<br />

<strong>de</strong><br />

Psicoterapia<br />

1997<br />

Grupo<br />

<strong>de</strong><br />

sustentação<br />

da<br />

AIDS ⁄<br />

Seattle<br />

Moreira<br />

A,C.<br />

Gue<strong>de</strong>s<br />

“Clínica da<br />

Melancolia”<br />

Melancolia,<br />

Psicanálise,<br />

Clínica.<br />

Caso clínico, melancolia e<br />

AIDS.<br />

Relato <strong>de</strong> intervenção em<br />

psicoterapia em situação<br />

hospitalar.<br />

Psicopatologia<br />

Fundamental<br />

metapsicologia<br />

freudiana.<br />

Doutora<strong>do</strong><br />

Trabalho<br />

Publica<strong>do</strong><br />

como livro.<br />

2002 UFPA<br />

Ed.Escuta


58<br />

Clarice<br />

Pierre<br />

“A arte <strong>de</strong><br />

viver e morrer”<br />

Psicodrama.<br />

Relato <strong>de</strong> caso clínico,<br />

atendimento <strong>de</strong> sujeito<br />

com AIDS em fase<br />

terminal<br />

Atendimento<br />

psicológico a<br />

pacientes<br />

terminais e<br />

<strong>do</strong>enças<br />

crônicas.<br />

Livro<br />

Ed.Atelier 1998<br />

Con<strong>sul</strong>tó<br />

-rio<br />

Particular<br />

Jeffrey<br />

J.<br />

Weiss<br />

“Psicoterapia<br />

com homens<br />

gays HIV<br />

positivos –<br />

Uma<br />

perspectiva<br />

psicodinâmica”<br />

Psicologia<br />

fenomenológica<br />

existencial.<br />

Relato <strong>de</strong> um caso clínico<br />

em psicoterapia e uma<br />

sessão <strong>de</strong> grupo.<br />

Atendimento<br />

psicológico<br />

ambulatorial a<br />

pacientes<br />

porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

HIV.<br />

BIREME<br />

Jornal<br />

Americano<br />

<strong>de</strong><br />

Psicoterapia<br />

1997<br />

Rotterdan<br />

Países<br />

Baixos,<br />

Instituto<br />

Helen<br />

Dowling<br />

Oliveira, SMS<br />

e<br />

Villela,<br />

Wilza V.<br />

“Sobre o<br />

morrer e a vida<br />

psíquica na<br />

exposição ao<br />

HIV “<br />

Discute mecanismos<br />

psíquicos inconscientes<br />

na aquisição <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>enças e no processo<br />

<strong>de</strong> morrer.<br />

Os eixos organiza<strong>do</strong>res<br />

da pesquisa foram:<br />

interpretação pessoal da<br />

história da infecção, o<br />

momento suposto para a<br />

infecção, a vivência das<br />

perdas e o discurso<br />

bruto sobre o morrer.<br />

Entrevista 14<br />

voluntários <strong>do</strong><br />

CTA HENFIL<br />

Investigan<strong>do</strong><br />

coincidência <strong>do</strong><br />

momento <strong>de</strong><br />

infecção com<br />

outras perdas.<br />

BIREME<br />

IBICT<br />

2004<br />

CTA<br />

HENFIL.<br />

SES-SP<br />

Perez Neto,<br />

F. B.;<br />

Villwock,<br />

Carla<br />

Adriana da<br />

Silva; Wiehe,<br />

Iara L.<br />

Luchesi<br />

“AIDS –<br />

Atendimento<br />

psicoterápico a<br />

pacientes e da<br />

equipe em<br />

grupo ou<br />

individuais ”<br />

Discutem através <strong>de</strong><br />

relatos <strong>de</strong> experiência,<br />

qual a melhor maneira<br />

<strong>de</strong> prestar assistência<br />

emocional a porta<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong> HIV⁄AIDS e para a<br />

equipe <strong>de</strong> profissionais.<br />

Concluem que pacientes<br />

com HIV, <strong>de</strong>vem receber<br />

atendimentos individuais,<br />

e em grupo apenas nas<br />

fases iniciais e para as<br />

equipes que aten<strong>de</strong>m<br />

esses pacientes.<br />

Psicoterapia <strong>de</strong><br />

orientação<br />

analítica em<br />

grupo,<br />

individual em<br />

ambulatório e<br />

durante a<br />

internação.<br />

BIREME<br />

LILACS<br />

1996<br />

Hospital<br />

Nossa<br />

Senhora<br />

da<br />

Conceição<br />

em<br />

Porto<br />

Alegre.


59<br />

3.4 ELEIÇÃO DE CASOS CLÍNICOS<br />

Diversos casos clínicos foram relata<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> o material da amostra, mas<br />

para alcançar os objetivos <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>screver e caracterizar os fenômenos<br />

psíquicos envolvi<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto em psicoterapia psicodinâmica,<br />

isto é, que estivessem receben<strong>do</strong> algum tipo <strong>de</strong> intervenção profissional, foram então<br />

seleciona<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> casos nessas condições, isto é, em acompanhamento<br />

psicoterápico com enfoque psicodinâmico.<br />

Os casos seleciona<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>scritos na sessão seguinte <strong>de</strong>ste trabalho, <strong>de</strong><br />

alguma forma recebiam encontros psicoterápicos, seja em situação hospitalar já em<br />

fase terminal, ou em condições <strong>de</strong> comparecer ao con<strong>sul</strong>tório ou ambulatório, ou ainda<br />

já faziam acompanhamento clínico psicanalítico quan<strong>do</strong> contraíram HIV.<br />

Houve uma preocupação em diversificar a amostra no que diz respeito à<br />

abordagem psicoterápica, psicanálise, psicodrama ou existêncial, e também quanto ao<br />

momento ou estágio da <strong>do</strong>ença em que se encontrava o sujeito em tratamento<br />

psicoterápico.<br />

Entre os três artigos que discutiam psicoterapia em grupo apenas <strong>do</strong>is<br />

continham relato <strong>de</strong> uma sessão <strong>de</strong> um processo psicoterápico. Foram selecionadas<br />

duas <strong>de</strong>scrições consi<strong>de</strong>radas com mais elementos relevantes para esse estu<strong>do</strong> e seus<br />

objetivos.<br />

Os casos relata<strong>do</strong>s foram integralmente transcritos com pequenas<br />

adaptações, com exceção <strong>do</strong> caso Shawn, que por se tratar <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> freqüência<br />

psicoterápica <strong>de</strong> 4 vezes por semana, muitos <strong>de</strong>talhes foram omiti<strong>do</strong>s por fugirem ao<br />

propósito <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

Nos artigos utiliza<strong>do</strong>s como fonte <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, as <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> sessões<br />

individuais e em grupo (apenas <strong>do</strong>is relatos) permitem uma aproximação com a relação<br />

terapêutica que se estabeleceu nesse tipo <strong>de</strong> trabalho clínico, como se <strong>de</strong>u a condução<br />

<strong>do</strong> processo e qual a evolução conseguida. Como aparece, então, o processo <strong>de</strong> luto, a<br />

elaboração <strong>do</strong> luto e <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV em psicoterapia


60<br />

psicodinâmica; como aparecem esses da<strong>do</strong>s no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse percurso.<br />

Esses da<strong>do</strong>s foram categoriza<strong>do</strong>s num capítulo posterior ao relato <strong>de</strong> casos, a partir<br />

<strong>do</strong>s objetivos geral e específicos propostos por esse estu<strong>do</strong>.<br />

Autor<br />

Caso<br />

clínico<br />

Fase da <strong>do</strong>ença Fonte <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s ⁄ano ⁄<br />

Abordagem Psicológica<br />

Ana<br />

Clei<strong>de</strong><br />

Moreira<br />

1- Marcos<br />

23 a<br />

Avançada/<br />

Terminal<br />

Clínica da Melancolia<br />

Tese <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong>-<br />

Publicada- 2002<br />

Ed. Escuta.<br />

Psicanálise<br />

Clarice<br />

Pierre<br />

2- Carlos<br />

26 a<br />

Avançada ⁄ Terminal<br />

Sobre o Morrer e Viver<br />

Livro- Ed. Atelier- 1998.<br />

Psicodrama<br />

François<br />

Pomier<br />

3- Tom<br />

40a<br />

Recém saí<strong>do</strong> da<br />

fase terminal.<br />

PEPSIC<br />

Revista Latino Americana <strong>de</strong><br />

Psicopatologia Fundamental.<br />

2003<br />

Psicanálise<br />

David<br />

Nord<br />

4 – Brad<br />

44a<br />

Fase<br />

assintomática<br />

para AIDS.<br />

BIREME<br />

1987<br />

Jornal Americano <strong>de</strong><br />

Psicoterapia<br />

Existencial<br />

Jeffrey<br />

J. Weiss<br />

5 –<br />

Steven<br />

35a<br />

Fase<br />

assintomática<br />

para AIDS.<br />

BIREME<br />

1987<br />

Jornal Americano <strong>de</strong><br />

Psicoterapia.<br />

Existencial


61<br />

Petter,<br />

Olsson<br />

6-<br />

Shawn<br />

35a<br />

Fase<br />

assintomática<br />

para AIDS<br />

.<br />

BIREME<br />

Jornal Americano da<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Psicanálise<br />

Psicanálise.<br />

Grupo A Participantes<br />

assintomáticos<br />

BIREME<br />

1987<br />

Jornal Americano <strong>de</strong><br />

Psicoterapia.<br />

Instituto Helen Dowling.<br />

Roterdam<br />

Grupo B Participantes<br />

assintomáticos.<br />

BIREME<br />

1997<br />

Informativo Psiquiátrico.<br />

H. U. – UERJ<br />

.


62<br />

3.5 RELATO DOS CASOS CLÍNICOS ELEITOS<br />

3.5.1 Marcos<br />

Marcos é um rapaz jovem, <strong>de</strong> vinte e poucos anos, universitário, gentil,<br />

inteligente, conserva ainda traços <strong>de</strong> beleza em um rosto visivelmente marca<strong>do</strong> pelo<br />

a<strong>do</strong>ecimento. Seu primeiro contato com a analista foi num leito hospitalar numa <strong>de</strong> suas<br />

internações por tuberculose. Segun<strong>do</strong> sua médica, a evolução clínica da tuberculose<br />

não se explicava pela condição orgânica da imunoinsuficiência adqurida, não <strong>de</strong>veria<br />

estar progredin<strong>do</strong> tão rápi<strong>do</strong> pelos números apresenta<strong>do</strong>s. Por isso, a médica pedia<br />

então intervenção da psicologia. No primeiro contato, ao ser notifica<strong>do</strong> da<br />

disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento psicológico, respon<strong>de</strong> que “aceitava” pois estava<br />

“mal psicologicamente” e tinha “razões” para isso. Era a quarta <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

internações passadas. Estava magro, <strong>de</strong>bilita<strong>do</strong> e vivia enrola<strong>do</strong> em um lençol.<br />

Pe<strong>de</strong> para que a terapeuta não repare, mas costuma falar pouco, sempre<br />

fora retraí<strong>do</strong>. Começa então relatar suas <strong>do</strong>enças: tuberculose, fraqueza, já não<br />

conseguia ficar <strong>de</strong> pé no ônibus, tinha sensação que ia <strong>de</strong>smaiar. Além das<br />

hemorróidas, ainda tinha aftas <strong>do</strong>lorosas na boca, diarréias repetidas e febre <strong>de</strong> vez em<br />

quan<strong>do</strong>. Enquanto isso, pigarreava, tossia, cuspia no vaso <strong>de</strong> metal; Marcos tinha<br />

tuberculose. Fala também <strong>do</strong> ódio que sentia quan<strong>do</strong> as pessoas lhe pediam que<br />

fizessem as coisas ou quan<strong>do</strong> não entendiam que tinha razões suficientes para estar<br />

assim.<br />

A terapeuta comunica que enten<strong>de</strong> que tu<strong>do</strong> aquilo <strong>de</strong>via estar sen<strong>do</strong> muito<br />

difícil para ele. E ainda nesse primeiro contato, revelou que percebia que sentia culpa,<br />

pensava que talvez viesse da religião; sua família e ele eram protestantes, mas não<br />

consegue compreen<strong>de</strong>r por que, pois em sua Igreja eles dizem que a <strong>do</strong>ença não é<br />

castigo <strong>de</strong> Deus. Achava que suas irmãs também sentiam culpadas por sua <strong>do</strong>ença.<br />

Pergunta-se se <strong>de</strong> alguma forma tu<strong>do</strong> isso não está relaciona<strong>do</strong> com a mãe, que não<br />

sabe dar carinho, apenas paparicar, “mas, não quer culpá-la.”<br />

Conta que tomou banho para sentir-se melhor, por conta <strong>do</strong> calor, e a<br />

terapeuta comenta então que ele mostra que tem seus recursos para sentir-se melhor,


63<br />

assim como soube tomar banho para sentir-se melhor, busca também enten<strong>de</strong>r os<br />

motivos que tem para estar assim, enten<strong>de</strong>r o que se passa com ele.<br />

Marcos não saía mais. Tivera muitos amigos, muitos eram os que iam<br />

buscá-lo para sair <strong>de</strong> carro, mas não eram amigos e só teria <strong>de</strong>scoberto isso <strong>de</strong>pois.<br />

Agora gostaria que pelo menos lhe levassem para dar uma volta no Campus da<br />

Universida<strong>de</strong>. No natal <strong>de</strong>ram-lhe uma cesta. Havia até uma colega que o visitava no<br />

hospital, mas queixava-se <strong>de</strong> que eles não po<strong>de</strong>riam aparecer mais vezes. Tu<strong>do</strong> o que<br />

tinha parecia muito pouco, o que recebia flutuava pelo ar ou era suga<strong>do</strong> por um buraco<br />

negro que pedia mais. Permanecia em silêncio, lentifica<strong>do</strong>, transmitin<strong>do</strong> uma sensação<br />

<strong>de</strong> algo inominável no ar, próprio <strong>do</strong> melancólico.<br />

Durante um <strong>do</strong>s encontros com a terapeuta chegou uma jovem que<br />

cumprimentou-o com um beijo e ofereceu-lhe uma revista <strong>de</strong> palavras cruzadas.<br />

Marcos pediu que a menina esperasse lá fora, que estávamos acaban<strong>do</strong>. Voltan<strong>do</strong>-se<br />

para a terapeuta, conta que foi sua namorada, e passa a relatar sua rotina diária.<br />

Quan<strong>do</strong> estava em casa, eram só ele e a mãe; nada acontecia <strong>de</strong> extraordinário; vivia<br />

<strong>de</strong> acordar e ver televisão, programas infantis, “TV Colosso”.<br />

Os irmãos haviam se afasta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o entregue aos cuida<strong>do</strong>s da mãe.<br />

O pai parecia não saber <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença. Permaneceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong> retornara com<br />

mãe e irmãos para a cida<strong>de</strong> natal. Demonstrou intenção <strong>de</strong> escrever ao pai contan<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> sua condição, mas parece não ter leva<strong>do</strong> essa idéia adiante. Gostava <strong>de</strong> pintar, mas<br />

dizia não ter nenhum talento. Disse à terapeuta, nesse momento, que não possuía<br />

nenhum sinal <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, sonho ou i<strong>de</strong>ais. Foi marca<strong>do</strong> próximo encontro, que passaram<br />

a se realizar então no horário <strong>do</strong> almoço.<br />

Comida parecia ser o assunto principal <strong>de</strong> Marcos. Sua fragilida<strong>de</strong> corporal e<br />

emagrecimento condiziam então com suas queixas <strong>de</strong> que não estava se alimentan<strong>do</strong><br />

bem, o que se confirmou com o ganho <strong>de</strong> peso durante sua permanência no hospital. A<br />

terapeuta passa então a ocupar o lugar <strong>de</strong> alguém para quem fosse muito importante<br />

que ele comesse. Marcos passa então a comer bem, se interessar pelas dietas, comia<br />

com prazer e passava a falar sobre o valor das dietas que seguia. Uma espécie <strong>de</strong><br />

corporificação <strong>do</strong> vínculo transferencial que naquele momento parecia ser necessária,<br />

mais <strong>do</strong> que uma escuta a presença <strong>de</strong> um olhar que era convida<strong>do</strong> a comparecer.


64<br />

No caso <strong>de</strong> Marcos, a anorexia ou a recusa da alimentação não eram<br />

<strong>de</strong>correntes da situação orgânica, <strong>do</strong>s efeitos colaterais <strong>do</strong>s medicamentos ou ainda<br />

pelas <strong>do</strong>res causadas pelas dificulda<strong>de</strong>s na <strong>de</strong>glutição pelas aftas e hemorróidas e<br />

diarréias que tornava o ato <strong>de</strong> comer prenúncio <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>sconforto. Havia um circuito<br />

nutricional prejudica<strong>do</strong>, mas, nesse caso, os fatores que po<strong>de</strong>riam ser responsáveis<br />

pela recusa <strong>de</strong> alimentos permaneceram, mas ele voltou a comer.<br />

Retoman<strong>do</strong> a direção da cura, Marcos passa a falar o quanto tinha perdi<strong>do</strong>.<br />

Sentia-se fraco para freqüentar a Universida<strong>de</strong>, também os bancos <strong>de</strong> ônibus eram<br />

muito <strong>de</strong>sconfortáveis, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> suas hemorróidas. Falar <strong>de</strong> sua sexualida<strong>de</strong> era<br />

difícil. Seguia em seu discurso acua<strong>do</strong>, feri<strong>do</strong> e acusatório. Não se permitia lembranças<br />

amorosas positivas e gratificantes.<br />

Não haviam sinais <strong>de</strong> amor próprio, jamais trouxe a terapeuta a história <strong>de</strong><br />

ter si<strong>do</strong> um rapaz muito bonito e ter perdi<strong>do</strong> o namora<strong>do</strong> ali mesmo naquele hospital<br />

on<strong>de</strong> passava agora pela quarta internação. A repressão parecia atingir essas<br />

lembranças. Guardava consigo apenas as auto-acusações da série <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> riscos<br />

em que se submeteu após a perda <strong>de</strong> seu companheiro.<br />

O luto que po<strong>de</strong>ria ter feito <strong>de</strong>ssa perda mereceriam maiores reflexões. No<br />

entanto, apontava para sua sexualida<strong>de</strong> como causa direta <strong>de</strong> seus males. Dizia ter<br />

erra<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sprezava sua sexualida<strong>de</strong> e a si mesmo. Quan<strong>do</strong> indaga<strong>do</strong> sobre em que<br />

teria erra<strong>do</strong>, dizia que <strong>de</strong>via ter usa<strong>do</strong> camisinha, ter se preveni<strong>do</strong>. Não conseguia se<br />

per<strong>do</strong>ar por não ter usa<strong>do</strong> sempre.<br />

Apareciam então a <strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong>, o ódio volta<strong>do</strong> contra si, alguma<br />

agressivida<strong>de</strong> em relação à terapeuta com cobranças <strong>de</strong> horário e em relação à mãe<br />

pedin<strong>do</strong> que o <strong>de</strong>ixasse a sós com a terapeuta. Sobrava-lhe apenas o amor da mãe,<br />

ainda sob suspeita e segre<strong>do</strong> bem guarda<strong>do</strong>, jamais acusá-la. Havia um primo que<br />

também estava mal, vicia<strong>do</strong> em drogas. Acusava a tia e a mãe.<br />

A ambivalência frente à presença <strong>de</strong> sua mãe permaneceu até o fim como<br />

algo difícil <strong>de</strong> ser trabalha<strong>do</strong> naquelas condições. Ainda que Marcos tenha aprendi<strong>do</strong><br />

com a terapeuta a mostrar os seus limites e solicitar seu distanciamento durante os<br />

encontros analíticos, parecia exigir <strong>de</strong>la atenção integral nos outros perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sua<br />

permanência no hospital e cobran<strong>do</strong> suas curtas ausências. Em termos psicanalíticos,


65<br />

aquela mulher que habitava suas fantasias não era a mesma senhora que o<br />

acompanhava to<strong>do</strong>s os dias em sua internação.<br />

Por fim, a <strong>do</strong>ença ce<strong>de</strong>u, voltou a ter ânimo, a sorrir, a falar bastante <strong>de</strong> seu<br />

tratamento, a obter informações nas con<strong>sul</strong>tas com sua médica, enfim aban<strong>do</strong>nou a<br />

toca <strong>do</strong> lençol em que vivia enrola<strong>do</strong>. Voltou a apresentar brilho nos olhos e a criar<br />

pintan<strong>do</strong> com a ajuda da terapeuta ocupacional, com quem tinha forte vínculo. Seus<br />

quadros foram ocupan<strong>do</strong> o espaço da enfermaria.<br />

Nesse perío<strong>do</strong> também mu<strong>do</strong>u sua localização na enfermaria, favorecen<strong>do</strong> a<br />

amiza<strong>de</strong> com vizinho <strong>de</strong> leito, que também pintava e <strong>de</strong>senhava muito bem. Passou a<br />

apren<strong>de</strong>r com ele. Seus quadros se enriqueciam em expressão e cores, mas apenas os<br />

mostrava quan<strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>. Guardava-os perto <strong>de</strong> si. Quan<strong>do</strong> indaga<strong>do</strong> sobre as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fazer disso sua <strong>de</strong>dicação profissional, enfim, seu trabalho, com<br />

intento <strong>de</strong> retorno financeiro, dizia-se sem talento. Achava que se as pessoas<br />

comprassem seria por compaixão e isso o faria sentir-se humilha<strong>do</strong>.<br />

Mas algo veio interromper esse ainda recente e frágil perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

recuperação e atingir em cheio a já aberta ferida narcísica: queixou-se <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong><br />

rejeita<strong>do</strong> por me<strong>do</strong> <strong>de</strong> contaminação por tuberculose pelo colega vizinho <strong>de</strong> leito. Isso<br />

o <strong>de</strong>ixou muito triste, mais uma perda <strong>do</strong>lorosa.<br />

O hospital, on<strong>de</strong> parecia ser um porto firme para sua recuperação, pareceu<br />

agora ser lugar também <strong>de</strong> <strong>de</strong>cepções e, logo a seguir, em termos médicos, <strong>de</strong> riscos<br />

para sua própria condição <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitada. Aquele ambiente agora revesti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

muitas conquistas, <strong>de</strong> alia<strong>do</strong>s e avanços foi transforma<strong>do</strong> em mais uma perda a ser<br />

suportada. Sairia <strong>do</strong> hospital nos próximos dias.<br />

Marcos solicitou à terapeuta que lhe visitasse na ocasião da alta, o que por<br />

questões institucionais não era possível viabilizar condições para visita <strong>do</strong>miciliar ou<br />

continuida<strong>de</strong> ambulatorial. Passa<strong>do</strong>s alguns meses em casa, com apenas<br />

comparecimentos regulares ao ambulatório médico, piorou e internou-se com quadro<br />

<strong>de</strong> agravamento da imuno<strong>de</strong>ficiência.<br />

Continuou a ser assisti<strong>do</strong> por nova terapeuta <strong>de</strong>signada, que observava<br />

queixas constantes <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> culpa atrozes, ódio a si mesmo e às vezes<br />

projeta<strong>do</strong>s nos policiais ou no pastor da igreja que viriam pegá-lo. Suas <strong>de</strong>fesas


66<br />

<strong>de</strong>smoronavam junto com o agravamento <strong>de</strong> sua condição imunológica e clínica e <strong>de</strong><br />

novas infecções, até que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> estar disposto a conversar e partiu<br />

progressivamente.<br />

3.5.2 Carlos<br />

Carlos é um rapaz <strong>de</strong> 26 anos que chega a primeira vez para con<strong>sul</strong>ta com<br />

aspecto físico <strong>de</strong>bilita<strong>do</strong>, em fase já avançada <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença, com dificulda<strong>de</strong><br />

respiratória, tosse intensa e febres constantes, astenia. Era visível estar num estágio<br />

avança<strong>do</strong> da <strong>do</strong>ença. Tinha sarcoma <strong>de</strong> Karposi no pulmão. Veio acompanha<strong>do</strong> da<br />

irmã bastante abatida com a situação <strong>do</strong> irmão.<br />

No primeiro contato não faz queixas nem pedi<strong>do</strong>s, mantém certa distância<br />

formal, parece não saber que tipo <strong>de</strong> ajuda espera receber. Passa então a falar <strong>de</strong> sua<br />

homossexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> como se arrependia por essa opção. Se pu<strong>de</strong>sse voltar atrás,<br />

gostaria <strong>de</strong> se casar, ter filhos e vida regrada. Achava que estava sen<strong>do</strong> puni<strong>do</strong> por sua<br />

opção sexual. Mostrava toda sua dificulda<strong>de</strong> em aceitar tu<strong>do</strong> isso que lhe acontecia.<br />

Sobre sua posição terminal, nem pe<strong>de</strong> ajuda. Quan<strong>do</strong> indaga<strong>do</strong> <strong>de</strong> por que<br />

ter escolhi<strong>do</strong> uma terapeuta especialista em <strong>do</strong>entes crônicos terminais, diz que não<br />

tem isto muito claro e não quer pensar no fato <strong>de</strong> sentir muito me<strong>do</strong> <strong>de</strong> morrer. A idéia<br />

<strong>de</strong> morte e <strong>do</strong> aidético <strong>de</strong>finhan<strong>do</strong> num leito hospitalar o apavorava. Não quer estar<br />

sozinho nesse momento, teme per<strong>de</strong>r a consciência durante o processo da <strong>do</strong>ença.<br />

Desenvolve um quadro <strong>de</strong> controle obsessivo, manten<strong>do</strong>-se o tempo to<strong>do</strong> em vigília, o<br />

que aumentava a ansieda<strong>de</strong> e a astenia. Durante o tratamento, oscilam a negação<br />

sen<strong>do</strong> substituída por uma aceitação parcial da <strong>do</strong>ença, uma por raiva e revolta.<br />

Em uma sessão, quan<strong>do</strong> solicita<strong>do</strong> a criar uma cena familiar, mostra uma<br />

situação, na qual, em casa com a mãe que não se afasta nem por um minuto e insiste<br />

que ele ligue para alguns amigos para que esses venham visitá-lo. A mãe insinua que<br />

algumas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas amigas eram tão bonitinhas e pareciam se interessar por ele.<br />

Mostra a raiva que isso lhe provoca, raiva por ter que explicar a mãe que ninguém


67<br />

gosta <strong>de</strong> ver os amigos na situação em que se encontrava, manda a mãe não encher o<br />

saco, e recebe a resposta para não ficar nervoso para não piorar. Diante da solicitação<br />

<strong>de</strong> solilóquio, isto é <strong>de</strong> pensar alto naquele momento, revela toda sua raiva pela falta <strong>de</strong><br />

percepção <strong>de</strong> sua mãe <strong>de</strong> seu sofrimento. Acha que a mãe é burra por não ver que está<br />

magro e feio. Ninguém gostaria <strong>de</strong> um aidético, além <strong>do</strong> mais gay. E como ela nunca<br />

percebeu nada, mesmo. Fala também da raiva pelo pai por ter se manti<strong>do</strong> sempre tão<br />

distante <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, como não pô<strong>de</strong> nunca compreendê-lo. Nunca souberam que era<br />

homossexual e acha que o matariam por isso. Tem uma crise <strong>de</strong> choro abraça<strong>do</strong> a uma<br />

almofada, embalan<strong>do</strong>-a como um bebê. Diz que está ninan<strong>do</strong> um nenê pequenino e<br />

com me<strong>do</strong> e que gostaria <strong>de</strong> ser protegi<strong>do</strong> assim pelo pai, ten<strong>do</strong>-o perto o tempo to<strong>do</strong>.<br />

Solicita<strong>do</strong> a criar um diálogo com o pai, pe<strong>de</strong> a esse que largue o jornal e se<br />

aproxime da vida familiar, se interesse pelas suas coisas, pelo que pensa e diz, e<br />

também não <strong>de</strong>ixe a mãe toman<strong>do</strong> conta <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> sozinha. Recebe como resposta o<br />

pedi<strong>do</strong> para comer tu<strong>do</strong>, “para sarar mais rápi<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse problema” e também “para<br />

ouvir sua mãe, pois essa só lhe quer bem”. Ao pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> solilóquio, Carlos expressa: –<br />

“Você não me vê, não me sente, escuta ou percebe, ou mesmo olha para mim, é uma<br />

conversa paralela”.<br />

Após essas representações <strong>de</strong> cenas familiares on<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o seu<br />

ressentimento em relação aos pais é expresso, comenta um fato muito importante.<br />

Durante o dia está sempre com alguém por perto e a noite não <strong>do</strong>rme em seu quarto,<br />

pois tem pesa<strong>de</strong>los horríveis. Dorme sempre com a mãe no quarto <strong>de</strong>la, sen<strong>do</strong> que o<br />

pai vai <strong>do</strong>rmir em outro quarto às vezes.<br />

Com o andamento das sessões, Carlos passa a adquirir literatura sobre sua<br />

<strong>do</strong>ença, pesquisar sobre tratamentos e condutas. Volta a ser hospitaliza<strong>do</strong>, sente-se<br />

engana<strong>do</strong> pelos médicos na negociação <strong>do</strong>s preços das autópsias em função <strong>do</strong> risco<br />

<strong>de</strong> contaminações. Irrita-se com o tempo que o fazem esperar por esclarecimentos e<br />

<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> condutas a<strong>de</strong>quadas a seu esta<strong>do</strong> clínico.<br />

Aconteceram negociações entre equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e sua irmã, que na tentativa<br />

<strong>de</strong> protegê-lo foram ocultadas, mas Carlos percebe e interpreta como pouca<br />

humanida<strong>de</strong> a atitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> médico, rejeição e <strong>de</strong>sonestida<strong>de</strong>. Pe<strong>de</strong> para sair <strong>do</strong> hospital,<br />

diz que daria tu<strong>do</strong> para morrer em casa.


68<br />

Em uma <strong>de</strong>terminada hora chega a reconhecer os sentimentos <strong>de</strong><br />

ambivalência em relação à mãe, pois ora a o<strong>de</strong>ia e em outros momentos teme se<br />

afastar da super proteção <strong>de</strong>la. Um dia chega à sessão com muita raiva e xingan<strong>do</strong><br />

muito, e se <strong>de</strong>sculpan<strong>do</strong> também, mas estava com muita raiva, pois o <strong>cunha</strong><strong>do</strong> tinha<br />

proibi<strong>do</strong> a irmã <strong>de</strong> visitá-lo. Estava <strong>de</strong>primi<strong>do</strong> por ter aconselha<strong>do</strong> a irmã a ouvir o<br />

mari<strong>do</strong>. A terapeuta sugere a dramatização <strong>de</strong> um diálogo com troca <strong>de</strong> papéis, em que<br />

Carlos, aos prantos, chega a reconhecer o quanto exige da irmã uma interação<br />

simbiótica e <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação exclusiva quan<strong>do</strong> busca sua proteção. Temia per<strong>de</strong>r a irmã e<br />

reconhece a raiva que tem <strong>do</strong> <strong>cunha</strong><strong>do</strong> por permanecer saudável; inveja a vida e a<br />

saú<strong>de</strong> perdidas que ele representa.<br />

Sua condição clínica se agrava. Os encontros passam a ser realiza<strong>do</strong>s em<br />

casa, o que significa mais conforto para Carlos, mas também tristeza pela limitação<br />

que se impõe. Fala mais uma vez da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanecer em casa até o fim não<br />

gostaria <strong>de</strong> morrer longe da irmã e da mãe.<br />

Quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong> sobre o que pensa ser a morte, mostra-se confuso a<br />

princípio, sem saber bem se tem fé ou se acredita que a morte é o fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e só<br />

escuridão. Ora tenho fé que estarei em lugar seguro, e ora preso em um caixão sem<br />

contato com ninguém.<br />

Indaga<strong>do</strong> sobre o que pensa ser Deus, respon<strong>de</strong> que às vezes briga com ele<br />

como com o pai pelo fato <strong>de</strong> terem-lhe aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, outras vezes pega-se rezan<strong>do</strong><br />

fervorosamente e retorna a pergunta à terapeuta com certa agressivida<strong>de</strong>, dizen<strong>do</strong> que<br />

para ela <strong>de</strong>veria ser fácil, pois ela era saudável.<br />

A terapeuta pe<strong>de</strong> então para que feche os olhos <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> em sua cama e<br />

passa a realizar um trabalho, nessa e nas outras sessões, que pouco a pouco coloca<br />

Carlos em contato com seu mun<strong>do</strong> interno. Vai substituin<strong>do</strong>, então, os sentimentos <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>res no corpo, angústia e me<strong>do</strong> por ausência <strong>de</strong> <strong>do</strong>r, sensação <strong>de</strong> não estar só e<br />

confiança. Carlos, então, quan<strong>do</strong> convida<strong>do</strong> a retornar <strong>do</strong>s exercícios <strong>de</strong> imaginação<br />

ativa, pe<strong>de</strong> para permanecer, quer <strong>do</strong>rmir e pe<strong>de</strong> para a terapeuta <strong>de</strong>ixá-lo sozinho.


69<br />

3.5.3 Tom<br />

Tom é um homem <strong>de</strong> quarenta anos, é soropositivo para o HIV já há alguns<br />

anos e po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um sobrevivente por ter esta<strong>do</strong> muito perto da morte,<br />

quan<strong>do</strong> foi salvo então por novas combinações medicamentosas. Está em uma<br />

situação <strong>de</strong> sobrevivência à <strong>do</strong>ença ou <strong>de</strong> resistência a ela. Traz profundas marcas<br />

das experiências <strong>de</strong> hospitalizações, muitas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença e da<br />

experiência <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> salvo realmente pela quimioterapia que o livrou provisoriamente<br />

da morte. O aspecto físico <strong>de</strong> Tom em muito lembrava o <strong>de</strong> um aidético <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> em<br />

estágio avança<strong>do</strong> da <strong>do</strong>ença. Achava que não sobreviveria, que seu <strong>de</strong>saparecimento<br />

se daria em curto prazo e não foi o que ocorreu.<br />

O terapeuta se dá conta que falar para Tom é apenas aparentemente fácil.<br />

Tom se força a falar e permaneceria preferivelmente cala<strong>do</strong> e imóvel, a espera.<br />

Quan<strong>do</strong> em silêncio, permanece absolutamente imóvel, à escuta, à espreita, com o<br />

olhar fascina<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma criança, como a espera <strong>de</strong> ser alimenta<strong>do</strong>. Ele tem um<br />

relacionamento conjugal com um homem há três anos, que ele diz ser muito diferente<br />

que ele, mas com quem se enten<strong>de</strong> bem.<br />

Tom trabalha na Europe Assistência, on<strong>de</strong> tem um cargo <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> e trabalhou também como voluntário em uma associação <strong>de</strong> luta<br />

contra AIDS.<br />

De início não falou nada sobre sua família. Após algumas sessões, Tom<br />

<strong>de</strong>screve sua família como fechada em seu “ostracismo”. Uma mãe com funcionamento<br />

operatório, mais preocupada com as necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> seus filhos <strong>do</strong> que<br />

com seus <strong>de</strong>sejos, e um pai relativamente ausente e introverti<strong>do</strong>, marinheiro. Dois<br />

irmãos mais velhos com quem os contatos são raros e uma irmã mais jovem com quem<br />

as trocas são mais freqüentes.<br />

O terapeuta observa que com a ida<strong>de</strong> que Tom começa a dirigir seu<br />

interesse a meninos, ou seja, pessoas <strong>de</strong> sexo masculino, isto com 10 a 11 anos,<br />

correspon<strong>de</strong> ao perío<strong>do</strong> em que Tom per<strong>de</strong>u seu avô materno. Mantinha uma relação<br />

<strong>de</strong> estreita proximida<strong>de</strong> com esse avô, recebia <strong>de</strong>le educação religiosa e era por quem<br />

nutria sentimentos genuínos <strong>de</strong> afeto. Afora esse avô, não tem lembranças <strong>de</strong> nenhum


70<br />

outro da<strong>do</strong> significativo, uma infância sem outras relevâncias nem aberturas para o<br />

exterior.<br />

Tom percebe que ao longo <strong>de</strong> sua vida sua tendência ao isolamento é<br />

bastante antiga, senão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, mas da a<strong>do</strong>lescência com certeza. Com o<br />

tempo, isso passou a ser uma real fonte <strong>de</strong> sofrimento. Foi quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidiu buscar<br />

ajuda, embora já pensasse nisso há pelo menos três anos. Busca então reencontrar o<br />

prazer <strong>de</strong> viver, <strong>de</strong> existir e <strong>de</strong> trabalhar ,e para isso vem à terapia.<br />

O que mais chama a atenção <strong>do</strong> terapeuta nesses encontros é a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

espera, passiva, como a <strong>de</strong> uma criança com boca aberta para a colher, beben<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

cada palavra <strong>do</strong> analista. Outra questão igualmente importante é a presença <strong>de</strong> um<br />

universo fragmentário apresenta<strong>do</strong> pelo paciente, com ausência <strong>de</strong> associações e com<br />

o uso <strong>de</strong> palavras soltas e <strong>de</strong>sarticuladas. O universo <strong>de</strong> Tom aparece então como um<br />

universo <strong>de</strong> um sobrevivente com tendências a se fechar em todas as direções, e a<br />

levar o analista ao confronto com a extrema realida<strong>de</strong> da morte.<br />

Com a intenção <strong>de</strong> construir um espaço <strong>de</strong> comunicação na relação<br />

transferencial, nesses três primeiros encontros preliminares, em uma situação <strong>de</strong><br />

realida<strong>de</strong> extrema, a reorganização interna <strong>de</strong>ve ser atingida através da criação <strong>de</strong> uma<br />

estratégia que coloque em valor o ato da linguagem no discurso. Isso é o que possibilita<br />

tornar a angústia <strong>de</strong> morte algo simboliza<strong>do</strong> na linguagem.<br />

Deve-se consi<strong>de</strong>rar também a angústia que diz respeito à angústia<br />

mobilizada no terapeuta, diante <strong>de</strong> uma situação em que está em jogo a morte real da<br />

qual o sujeito acabou <strong>de</strong> escapar e para a qual corre o risco <strong>de</strong> se dirigir num futuro<br />

próximo.<br />

O terapeuta para isso faz <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> três sessões iniciais em que faz uso<br />

<strong>de</strong> metáforas com recursos à sensorialida<strong>de</strong> e à motricida<strong>de</strong> para atingir esses<br />

objetivos e abrir um espaço <strong>de</strong> trabalho inicial evitan<strong>do</strong> o risco real <strong>de</strong> nunca iniciá-lo,<br />

pois Tom, por estar numa posição extrema, apresenta uma tendência regressiva e por<br />

que também a vivência que tem seu corpo agora é difusa e fragmentária.<br />

Após testar o sistema <strong>de</strong>fensivo <strong>de</strong> Tom e para tirá-lo da inércia, o<br />

terapeuta compara Tom a um motor para<strong>do</strong> que se colocaria a funcionar <strong>de</strong> maneira<br />

regular, mas que cessaria seus movimentos logo, até a próxima tentativa. Destinada a


71<br />

provocar movimento, atinge esse objetivo. O tema da inanimação não fica <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong><br />

por Tom. Na próxima sessão e intervenção, o terapeuta trouxe a analogia com a troca<br />

<strong>de</strong> ar na ativida<strong>de</strong> respiratória <strong>do</strong> que é interno e externo e trabalho psíquico <strong>do</strong><br />

pensamento, que acontece <strong>de</strong> maneira automática por si só, integran<strong>do</strong> ativida<strong>de</strong><br />

somática e psíquica.<br />

Tom passa a ser capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver suas sensações corporais:<br />

“Freqüentemente, é como eu não sentisse mais o exterior, como se eu estivesse<br />

suspendi<strong>do</strong> no tempo, <strong>de</strong>sconecta<strong>do</strong>”, confirman<strong>do</strong> então a sensação <strong>de</strong> vazio<br />

suscitada no analista, “e então me é necessário um élan ou uma estimulação externa e<br />

é o que eu venho procurar aqui”.<br />

Leva<strong>do</strong> a pensar, num terceiro tempo <strong>do</strong> trabalho, sobre o que<br />

representaria um obstáculo <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a mantê-lo preso no que é para ele o inanima<strong>do</strong>,<br />

Tom respon<strong>de</strong> que se percebe transporta<strong>do</strong> para seu quarto <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescente, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

um dia se comprometeu a nunca mais sair, mesmo que não estivesse mais lá. O<br />

analista enten<strong>de</strong> então, se tratar da câmara uterina e da vida fetal, mais i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong><br />

com a vida originária <strong>do</strong> que com a morte.<br />

Se na realida<strong>de</strong> orgânica imediata é o vírus <strong>do</strong> HIV o obstáculo a ser<br />

combati<strong>do</strong>, e em cuja luta Tom já havia se engaja<strong>do</strong> anos antes, agora Tom foi leva<strong>do</strong> a<br />

se comprometer e a questionar-se sobre o que na sua história era o representante<br />

<strong>de</strong>sse obstáculo na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> fantasmático ou da fantasia.<br />

3.5.4 Steven<br />

Steven com 32 anos, branco, homossexual, pediu para ser avalia<strong>do</strong> pelo<br />

Serviço Psicológico. Quatro semanas antes soube <strong>de</strong> seu re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exame reagente<br />

para HIV. Foi diagnostica<strong>do</strong> também como sen<strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> episódio <strong>de</strong>pressivo e<br />

recebeu orientações para tomar anti<strong>de</strong>pressivos e iniciar psicoterapia uma vez por<br />

semana.<br />

Suas queixas iniciais eram tristeza intensa, insônia, pesa<strong>de</strong>los freqüentes e<br />

era incapaz <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir por mais <strong>de</strong> 3 horas a cada noite, com relatos <strong>de</strong> pensamentos<br />

suicidas e <strong>de</strong> estar “contemplan<strong>do</strong>” um formulário <strong>de</strong> eutanásia. Nunca tinha feito


72<br />

psicoterapia antes, apesar <strong>de</strong> ter história <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> suicídio com 8 e com 19 anos,<br />

sofrimento por episódios <strong>de</strong> bulimia e relato <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência por pílulas para <strong>do</strong>rmir.<br />

Era o mais velho <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> 7 crianças e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong> foi lhe exigi<strong>do</strong><br />

um papel parental <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> nessa família. Descrevia sua mãe como<br />

instável, às vezes muito amorosa e outras verda<strong>de</strong>iramente capaz <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s cruéis. O<br />

amor era expresso por confissões quan<strong>do</strong> o fazia saber <strong>de</strong> quanto necessitava <strong>de</strong>le e a<br />

cruelda<strong>de</strong> aparecia quan<strong>do</strong> gritava acusan<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> ser “carrega<strong>do</strong>” por ela, o quanto era<br />

feio e se envergonhava <strong>de</strong>le.<br />

Nunca sentiu qualquer coisa pelo pai exceto ódio intenso. A única figura<br />

percebida como positiva em sua vida passada era sua avó materna, falecida 6 meses<br />

antes <strong>do</strong> início da psicoterapia.<br />

Quan<strong>do</strong> Steven começou a psicoterapia, tinha o hábito <strong>de</strong> aliviar a intensa<br />

ansieda<strong>de</strong> que sentia após brigas freqüentes com sua mãe pelo telefone sain<strong>do</strong> em<br />

busca <strong>de</strong> encontros sexuais com parceiros anônimos diversos. Durante o <strong>de</strong>correr da<br />

terapia mu<strong>do</strong>u esse costume e passou a chamar um HIV/AIDS linha quente nessas<br />

horas.<br />

Steven trazia como certo que havia algo em seu passa<strong>do</strong> da infância que<br />

não era capaz <strong>de</strong> recordar, talvez um episódio <strong>de</strong> abuso sexual, mas insistia que se<br />

fosse capaz <strong>de</strong> recordar talvez se sentisse melhor. O terapeuta não <strong>de</strong>scartou a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algum inci<strong>de</strong>nte reti<strong>do</strong> no inconsciente, mas interpretou que talvez<br />

essa idéia fosse uma forma <strong>de</strong> expressar que talvez tivessem também numerosos<br />

inci<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong>lorosos <strong>de</strong> sua infância que eram inteiramente conscientes e po<strong>de</strong>riam ser<br />

relata<strong>do</strong>s.<br />

Em resposta a essa interpretação, Steven começou a discutir seus<br />

sentimentos que relacionavam - se a esses inci<strong>de</strong>ntes recorda<strong>do</strong>s. Experimentava<br />

então a raiva intensa a seus pais. Seu nível <strong>de</strong> raiva aumentava enquanto seu nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pressão cedia. Um ciclo novo na terapia começou, parecia agora se livrar <strong>do</strong> enorme<br />

peso suporta<strong>do</strong> por manter-se afasta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sses sentimentos. Autorizava-se a sentir<br />

raiva uma vez e mais uma vez ainda.<br />

Após cinco meses <strong>de</strong> psicoterapia, Steven revelou que estava certo a<br />

respeito <strong>do</strong> momento em que contraiu o HIV. Após uma briga com sua mãe, durante o


73<br />

tempo que sua avó estava muito próxima da morte, saiu e tentou progressivamente<br />

infectar-se com HIV, ocupan<strong>do</strong> a posição passiva, em intercursos anais, sem proteção<br />

com diversos parceiros anônimos. Nessa sessão pô<strong>de</strong> conectar seus sentimentos com<br />

suas <strong>do</strong>res. Era a primeira vez que tinha grita<strong>do</strong> na sessão.<br />

Disse aos prantos: “Eu pensei que talvez se eu morresse ce<strong>do</strong>, então minha<br />

mãe me amasse finalmente. Agora eu percebo que mesmo isso não é o bastante”.<br />

Esta conquista pareceu a ambos ser o conhecimento escondi<strong>do</strong> que estava<br />

buscan<strong>do</strong> na psicoterapia. Com essa realização podia começar o trabalho <strong>de</strong> luto.<br />

Agora, seria possível renunciar à fantasia <strong>de</strong> que havia algo que po<strong>de</strong>ria fazer para<br />

adquirir um amor incondicional <strong>de</strong> sua mãe. Nos meses seguintes a essa sessão,<br />

tornou-se menos envolvi<strong>do</strong> com sua família e sua história passada. Estava também<br />

menos <strong>de</strong>primi<strong>do</strong> e passou a prestar serviços voluntários para uma organização<br />

<strong>de</strong>dicada a porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV/AIDS.<br />

Quan<strong>do</strong> Steven experimentava sentimentos <strong>de</strong> tristeza e pesar por ter se<br />

provoca<strong>do</strong> a infecção, a compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença no contexto <strong>de</strong> seu<br />

relacionamento com sua mãe permitia a aceitação da <strong>do</strong>ença e a mudança <strong>do</strong> foco <strong>de</strong><br />

sua energia <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> para sua vida presente.<br />

3.5.5 Brad<br />

Brad, um homem com 44 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, saiu da casa <strong>de</strong> seus pais com 17<br />

anos, quan<strong>do</strong> percebeu que sua família <strong>de</strong> origem era hostil quanto à sua orientação<br />

homossexual. Mu<strong>do</strong>u-se para uma cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s em busca <strong>de</strong><br />

uma comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> fosse aceito. Rapidamente <strong>de</strong>senvolveu diversas amiza<strong>de</strong>s,<br />

abriu uma franquia e se estabeleceu com um parceiro amoroso e sócio.<br />

Esses relacionamentos foram muito importantes e passava suas férias e<br />

feria<strong>do</strong>s com eles. Essas pessoas passaram a ocupar a função <strong>de</strong> sua família<br />

escolhida, e com isso tornou-se cada vez mais distantes <strong>de</strong> seus pais e parentes.


74<br />

Em 1982, um <strong>de</strong> seus melhores amigos ficou bastante <strong>do</strong>ente e foi<br />

hospitaliza<strong>do</strong> <strong>de</strong> repente. Em algumas semanas esse amigo morreu trazen<strong>do</strong> o primeiro<br />

contato <strong>de</strong> Brad com a morte, e isso lhe causou muita agitação emocional.<br />

Uma semana <strong>de</strong>pois que seu amigo morreu, outro amigo foi hospitaliza<strong>do</strong>.<br />

Nos anos seguintes, Brad per<strong>de</strong>u um a um <strong>de</strong> seus amigos mais próximos, inclusive<br />

seu sócio e parceiro amoroso. Brad sentiu-se como se seu mun<strong>do</strong> tivesse “caí<strong>do</strong> por<br />

inteiro e torna<strong>do</strong> distante”.<br />

Durante os anos <strong>de</strong> 1992 a 1995, Brad percorreu os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<br />

viajan<strong>do</strong> incessantemente, em busca <strong>de</strong> qualquer coisa que pu<strong>de</strong>sse amenizar seu<br />

sofrimento. Foi nesse perío<strong>do</strong> que buscou a psicoterapia, mas não trouxe essas perdas<br />

múltiplas como motivo para estar procuran<strong>do</strong> psicoterapia. Ao invés disso, relatou<br />

sintomas como falta <strong>de</strong> interesse em qualquer coisa, uso abusivo <strong>de</strong> álcool crescente,<br />

queixan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> ser leva<strong>do</strong> a permanecer preso no trabalho e uma dificulda<strong>de</strong> em<br />

encontrar um senti<strong>do</strong> na vida.<br />

Era <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>r sentir que a vida não tinha valor, sua existência sem<br />

finalida<strong>de</strong>; sentia-se <strong>de</strong>sorienta<strong>do</strong> e a <strong>de</strong>riva. O mais embaraçoso e <strong>de</strong>sagradável da<br />

situação <strong>de</strong> Brad era a sua tendência para <strong>de</strong>sesperar-se e gritar nos pontos <strong>de</strong> ônibus<br />

ou quan<strong>do</strong> fazia compras <strong>de</strong> mantimentos. Costumava dizer que não era mais a pessoa<br />

que costumava ser. Eu costumava ser “eu” na minha vida com meu grupo. Sua<br />

personalida<strong>de</strong> inteira tinha se transforma<strong>do</strong>, apresentava agora impulsivida<strong>de</strong> e<br />

agressivida<strong>de</strong> que eram novida<strong>de</strong> em seus hábitos.<br />

Sofria da terrível culpa <strong>do</strong> sobrevivente e com freqüência se perguntava por<br />

que todas as pessoas que eram melhores <strong>do</strong> que ele morreram.Queixou-se<br />

regularmente <strong>de</strong> que <strong>de</strong>via ter morri<strong>do</strong> e agora não confiava em qualquer um. Não<br />

sentia que podia fazer novos amigos a esse ponto, tinha apenas conheci<strong>do</strong>s, não tinha<br />

mais ninguém com quem pu<strong>de</strong>sse compartilhar sua memória: se sua vida era um livro,<br />

não tinha sobra<strong>do</strong> ninguém que soubesse <strong>de</strong> pelo menos uma página.<br />

A queixa repetida com maior freqüência era a <strong>de</strong> não saber quem era, nada<br />

tinha ocorri<strong>do</strong> como ele esperava ou supunha ser: “Quem espera na vida adulta per -<br />

<strong>de</strong>r to<strong>do</strong>s os seus amigos e <strong>de</strong>ssa forma, então, toda sua família” Dizia ter perdi<strong>do</strong>


75<br />

todas as conexões com sua vida pessoal que haviam si<strong>do</strong> extintas, e então não se<br />

importava com qualquer coisa ou com qualquer um.<br />

Com o andamento <strong>do</strong> trabalho pô<strong>de</strong> realizar e conectar a perda <strong>de</strong> seus<br />

amigos com a sua ane<strong>do</strong>nia, atitu<strong>de</strong>s auto<strong>de</strong>strutivas e a perda <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da vida e da<br />

própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Embora to<strong>do</strong> esse processo tenha si<strong>do</strong> muito útil, Brad encontrava<br />

ainda muita dificulda<strong>de</strong> para realizar mudanças nas relações e estabelecer novas<br />

amiza<strong>de</strong>s, o que facilitaria o ajuste. Abruptamente, após ser <strong>de</strong>miti<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu trabalho<br />

como barman, <strong>de</strong>cidiu sair da cida<strong>de</strong> dizen<strong>do</strong>: “ Tenho que tentar algo novo”.<br />

3.5.6 Shawn<br />

O primeiro encontro <strong>de</strong> Shawn com o analista aconteceu <strong>de</strong>z meses, antes<br />

<strong>do</strong> início <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> psicoterapia psicanalítica, aqui parcialmente relata<strong>do</strong>. Shawn e<br />

sua esposa vieram ao con<strong>sul</strong>tório buscar terapia <strong>de</strong> casal. Suas queixas eram as <strong>de</strong><br />

severos problemas <strong>de</strong> comunicação entre o casal e incessantes brigas. Os problemas<br />

conjugais <strong>do</strong> casal se acentuaram quan<strong>do</strong> se revelou o diagnóstico <strong>de</strong> câncer <strong>de</strong><br />

pulmão já em estágio avança<strong>do</strong> da mãe <strong>de</strong> Shawn. Shawn tinha 31 anos nessa<br />

ocasião.<br />

A mãe <strong>de</strong> sua esposa tinha recém faleci<strong>do</strong> <strong>de</strong> câncer no pulmão. Nesta<br />

entrevista o foco <strong>do</strong> problema parecia ser o aparecimento da <strong>do</strong>ença “ falta da mãe <strong>de</strong><br />

Shawn”, que contribuía para a intensificação das dificulda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> casal. Eles, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>ssa entrevista, nunca retornaram para dar prosseguimento ao trabalho <strong>de</strong><br />

psicoterapia <strong>de</strong> casal.<br />

Dez meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse encontro inicial, Shawn retornou sozinho,<br />

procuran<strong>do</strong> por uma avaliação para psicoanálise individual. Ele já havia feito<br />

psicoterapia individual com freqüência <strong>de</strong> duas vezes por semana, por muitos anos, há<br />

cinco anos atrás, mas Shawn achava que essa psicoterapia nunca tinha atingi<strong>do</strong> pontos<br />

verda<strong>de</strong>iramente profun<strong>do</strong>s. O psicoterapeuta <strong>de</strong> Shawn era um homem extroverti<strong>do</strong> e<br />

a relação foi progressivamente se tornan<strong>do</strong> muito próxima, como o <strong>de</strong> uma amiza<strong>de</strong>,<br />

ou, ainda, como a <strong>de</strong> um pai para o filho. Shawn e sua esposa tinham frequentemente<br />

encontros sociais com esse psicoterapeuta, sua esposa e os filhos <strong>de</strong> ambos os casais,


76<br />

e a amiza<strong>de</strong> entre eles persistia até então. No momento <strong>de</strong>ssa avaliação, Shawn<br />

trabalhava como professor <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> em administração escolar.<br />

Shawn e sua esposa estavam se divorcian<strong>do</strong>, e nas fases finais <strong>de</strong>sse<br />

processo, Shawn revelou pela primeira vez sua preferência bissexual e o intenso fluxo<br />

<strong>de</strong> fantasias homossexuais que estavam afloran<strong>do</strong> e contribuin<strong>do</strong> para os conflitos<br />

conjugais e que ele e sua esposa não conseguiram revelar naquele primeiro encontro<br />

<strong>de</strong>z meses antes. Shawn revelou também que naquele encontro sua ex-esposa sentiu<br />

que o analista tinha se senti<strong>do</strong> atraí<strong>do</strong> por ela, e que era por isso que ela tinha se<br />

recusa<strong>do</strong> a retornar para análise <strong>de</strong> casal. Shawn achava que talvez ela tivesse senti<strong>do</strong><br />

atração num nível inconsciente ou ainda ela tivesse pensa<strong>do</strong> que Shawn se sentira<br />

atraí<strong>do</strong> pelo analista, se bem que ele geralmente tinha preferência por homens<br />

grisalhos e carecas. Shawn não sentia conscientemente atraí<strong>do</strong> pelo analista, mas<br />

pensava que ele era carinhoso e sensível.<br />

Des<strong>de</strong> a infância, as preferências eróticas <strong>de</strong> Shawn eram<br />

pre<strong>do</strong>minantemente homossexuais e <strong>de</strong> qualquer forma ele sentia um gosto <strong>de</strong><br />

perversão por aquela mudança a ponto <strong>de</strong> chegar a vomitar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um encontro<br />

homossexual. Ten<strong>do</strong> em vista que Shawn era capaz <strong>de</strong> se manter interessa<strong>do</strong>,<br />

motiva<strong>do</strong> em dar continuida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong> análise, tinha sensibilida<strong>de</strong> introspectiva e<br />

inteligência, foi feito um acor<strong>do</strong> entre analista e analisan<strong>do</strong> em manter a análise com<br />

encontros quatro vezes por semana.<br />

A análise, assim como a vida sexual <strong>de</strong> Shawn estava bastante<br />

impulsionada. Durante aqueles seis anos <strong>de</strong> casa<strong>do</strong>, Shawn nunca tinha si<strong>do</strong> infiel com<br />

sua esposa, mas tão logo se separaram, soube <strong>de</strong> um caso <strong>de</strong> sua esposa com seu<br />

chefe <strong>de</strong> trabalho, que era algumas vezes seu chefe também em alguns projetos <strong>de</strong><br />

trabalho. Esse fato, e ainda mais o senso <strong>de</strong> encontrar novas amiza<strong>de</strong>s, impulsionou<br />

Shawn a encontrar novos e diversos parceiros homossexuais.<br />

Costumava chamar essas suas aventuras sexuais <strong>de</strong> “minha putaria”.<br />

Preferia o mun<strong>do</strong> pesa<strong>do</strong> da periferia e também fazia escolha pelos homens mais<br />

velhos. O analisan<strong>do</strong> se envolvia freqüentemente <strong>de</strong> forma perversa com seus<br />

parceiros e se excitava com os chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “sua pequena puta suja”, ou, ainda, seu<br />

pequeno “estranho sujo”, com penetração passiva e anal, com simultâneos orgasmos


77<br />

<strong>de</strong> forma masoquista. O analista experimentava sentimentos contratransferenciais <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong>, superproteção e <strong>de</strong> esclarecimentos quanto aos riscos <strong>de</strong> contrair o vírus<br />

da AIDS. Realisticamente, isto também concernia à relação terapêutica.<br />

Durante o processo <strong>do</strong> divórcio, Shawn passava por diversas pressões<br />

financeiras. Ele relutava em pedir ajuda financeira para seus três irmãos mais velhos e<br />

para seu pai. Eles rejeitavam cada um <strong>de</strong> seus pedi<strong>do</strong>s, ofereciam críticas gratuitas a<br />

sua maneira <strong>de</strong> viver e interpretações ama<strong>do</strong>ras a to<strong>do</strong>s aspectos <strong>de</strong> sua<br />

personalida<strong>de</strong>. Eles apenas reconheciam sua habilida<strong>de</strong> no que diz respeito ao<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> seu papel <strong>de</strong> pai.<br />

O analista apontou a Shawn que suas particularmente excitantes e<br />

promíscuas “pesadas putarias” invariavelmente ocorriam em situações próximas <strong>de</strong><br />

algum <strong>de</strong>sapontamento com alguma carta ou telefonema ou alguma intensa memória<br />

envolven<strong>do</strong> seu pai ou seus irmãos. O analista acrescentou também que esses<br />

episódios sexuais envolviam fortes riscos, que quase sempre eram acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

afetos <strong>de</strong>samorosos, com sujeitos embruteci<strong>do</strong>s e que faziam o analista temer por ele<br />

pelos sérios riscos <strong>de</strong> se contaminar com o vírus <strong>do</strong> HIV, ou ainda ser assalta<strong>do</strong> por um<br />

<strong>de</strong>sses “amantes”.<br />

Shawn começou a chorar e revelou que esses episódios envolven<strong>do</strong> sexo<br />

ocorreram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito ce<strong>do</strong> entre ele e seu irmão mais velho, e entre seu irmão mais<br />

velho e seu irmão mais moço.<br />

Essas memórias <strong>de</strong> segre<strong>do</strong>s incestuosos da infância eram excitantes e<br />

super estimulantes para Shawn, mas também causavam <strong>de</strong>sgosto e também o<br />

sentimento <strong>de</strong> ser algo vergonhoso. Especialmente vergonha em função <strong>do</strong> forte<br />

compromisso com a religião Católica <strong>de</strong> sua família.<br />

O analista logo experimentou sentimentos contratransferenciais <strong>de</strong><br />

preocupação, <strong>de</strong> superproteção e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> salvá-lo <strong>do</strong>s evi<strong>de</strong>ntes e ameaça<strong>do</strong>res<br />

riscos <strong>de</strong> contrair HIV⁄AIDS. No começo, a transferência <strong>de</strong> Shawn era dividida entre<br />

sentimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização e <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong> analista sempre compara<strong>do</strong> a<br />

outros homens mais velhos com quem Shawn mantinha seus “selvagens e arrisca<strong>do</strong>s<br />

encontros sexuais”, segun<strong>do</strong> a própria <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> analisan<strong>do</strong>. O trabalho <strong>de</strong><br />

interpretação visava confrontar Shawn com os aspectos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> morte <strong>de</strong> seu


78<br />

comportamento. Shawn respondia que apesar <strong>do</strong>s riscos, os homens com quem se<br />

encontrava eram amorosos, vigorosos e diferentes <strong>de</strong> seu frio, entediante e crítico pai<br />

que sempre o rejeitara.<br />

Apesar <strong>de</strong> o pai <strong>de</strong> Shawn ser bem sucedi<strong>do</strong> financeiramente e socialmente<br />

reconheci<strong>do</strong>, a experiência que Shawn tinha era a <strong>de</strong> um pai rígi<strong>do</strong>, <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r, distante<br />

e extremamente frio e abusivo. De maneira ambígua, simultaneamente, referia sentir<br />

fortes sentimentos <strong>de</strong> culpa por ter <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> o filho <strong>de</strong> cinco anos e <strong>de</strong>le se distanciar<br />

cada vez mais.<br />

Mesmo ten<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> em <strong>universida<strong>de</strong></strong>s <strong>de</strong> prestígio intelectual, o pai<br />

maltratava Shawn e suas irmãs, na sua perspectiva. Ele se orgulhava <strong>de</strong> ter trabalha<strong>do</strong><br />

em hospitais psiquiátricos durante seus anos <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>, mas nunca dispendia <strong>de</strong><br />

seu tempo com Shawn, nunca tinha lhe ensina<strong>do</strong> qualquer coisa, ou ainda nunca tinha<br />

li<strong>do</strong> nada para ele ou com ele, e também nunca tinha encoraja<strong>do</strong> nenhum <strong>de</strong> seus<br />

talentos naturais.<br />

Contraditoriamente, parentes distantes e amigos <strong>de</strong> seu pai diziam a Shawn<br />

que seu pai o via como o mais inteligente <strong>do</strong>s filhos, mesmo com seus problemas <strong>de</strong><br />

infância. Shawn começou então a questionar seus parentes e amigos sobre a infância<br />

<strong>de</strong> seu pai. O ponto central da memória emocional da família <strong>de</strong> Shawn começava a vir<br />

à tona.<br />

O avô paterno <strong>de</strong> Shawn tinha cometi<strong>do</strong> suicídio quan<strong>do</strong> seu pai tinha 13<br />

anos. O seu avô era <strong>de</strong>scrito como um tipo <strong>de</strong> homem gentil, que tinha si<strong>do</strong><br />

administra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um hospital em sua cida<strong>de</strong> natal, verea<strong>do</strong>r e era altamente i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong><br />

pelo pai <strong>de</strong> Shawn e suas irmãs.<br />

O seu suicídio dividiu a família psicologicamente, financeiramente e<br />

espiritualmente. O ato <strong>do</strong> suicídio foi visto como inesquecível e <strong>de</strong>sse dia em diante o<br />

pai <strong>de</strong> Shawn se recusou a mencionar o seu nome e ainda fazer qualquer comentário<br />

ou ainda qualquer informação sobre esse trágico e misterioso acontecimento. Shawn<br />

dizia que seu tio comentou que ele assemelhava-se fortemente com o avô paterno tanto<br />

fisicamente como em traços ou qualida<strong>de</strong>s da personalida<strong>de</strong>, inteligente <strong>de</strong> espírito,<br />

penetrante e fino, pareci<strong>do</strong> com um duen<strong>de</strong>.


79<br />

As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento com o pai pareciam confirmar no trabalho<br />

analítico as influências <strong>de</strong>ssas semelhanças e <strong>de</strong>sse segre<strong>do</strong> familiar, e da maneira<br />

como o seu pai parecia comparar e misturar os afetos entre o faleci<strong>do</strong> pai e o filho<br />

Shawn.<br />

Em Shawn, suas tendências mortíferas <strong>de</strong> se lançar ao risco em um<br />

movimento <strong>de</strong> busca da morte pu<strong>de</strong>ram ser compreendidas no contexto <strong>de</strong> sua história<br />

familiar e luto não elabora<strong>do</strong> na vida emocional <strong>de</strong> seu pai. Mas a compreensão <strong>de</strong>sses<br />

elementos <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> ou organização psíquica não foram suficientes para<br />

lançá-lo <strong>de</strong> volta a exposição ao risco por ocasião da perda <strong>de</strong> sua mãe.<br />

Ao longo <strong>de</strong> um mês, Shawn trouxe a notícia <strong>do</strong> falecimento <strong>de</strong> sua mãe, o<br />

que fez com que ele retornasse aos encontros amorosos <strong>de</strong> risco, <strong>de</strong>ssa vez então<br />

contamina<strong>do</strong>-se com o HIV, como po<strong>de</strong>-se perceber pelos sintomas iniciais <strong>de</strong> primeiro<br />

estágio da infecção e confirmação <strong>do</strong>s exames <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguns meses.<br />

Apenas com essa conquista, Shawn pô<strong>de</strong> então adquirir um outro padrão <strong>de</strong><br />

comportamento com seu corpo, com sua vida e recuperar sua função paterna com seu<br />

filho <strong>de</strong> cinco anos, com o qual voltou a se preocupar.<br />

A incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer as fantasias na relação com o pai e entrar em<br />

trabalho <strong>de</strong> luto pela perda mãe e da esposa e filhos, da vida familiar, expuseram<br />

Shawn na busca culposa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com o avô suicida e com a mãe já em fase<br />

terminal. Só a partir daí pô<strong>de</strong> então começar avaliar as conseqüências <strong>de</strong> seu<br />

comportamento e a refletir sobre o que realmente buscava para si. O trabalho <strong>de</strong> luto<br />

pelas perdas só veio encontrar condições para acontecer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> oferecer como<br />

sacrifício a própria vida.<br />

3.5.7 Grupo a<br />

Esse grupo aconteceu sob coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> um psicólogo clínico <strong>de</strong><br />

orientação existencial, em ambulatório <strong>de</strong> assistência psicológica a porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV.<br />

Com encontros semanais, no momento <strong>de</strong>ssa sessão aqui <strong>de</strong>scrita estava em fase<br />

inicial, com início há apenas <strong>do</strong>is meses. O grupo inicialmente acontecia com três


80<br />

componentes: um <strong>do</strong>utor, um advoga<strong>do</strong> e um banqueiro; to<strong>do</strong>s homossexuais,<br />

cuida<strong>do</strong>sos <strong>de</strong> sua aparência, caucasianos (louros) e bem-sucedi<strong>do</strong>s. To<strong>do</strong>s<br />

compartilhavam em seus trabalhos o fato <strong>de</strong> serem homossexuais e estavam<br />

atualmente ou tinham esta<strong>do</strong> recentemente em relacionamento amoroso estável, com<br />

relativa duração. Tinham envolvimento com a comunida<strong>de</strong> gay local e aparentemente<br />

<strong>de</strong>monstravam estar confortáveis com o fato <strong>de</strong> serem homossexuais.<br />

Foi introduzi<strong>do</strong> um membro novo no grupo, também gay, caucasiano (louro),<br />

mas que não tinha consegui<strong>do</strong> sucesso profissional ou o status social <strong>de</strong>stes outros<br />

homens. Quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong> pelo banqueiro, se tivesse ti<strong>do</strong> um parceiro, o membro<br />

novo <strong>do</strong> grupo explicou que para ele o que era emocionante era a busca contínua por<br />

parceiros sexuais novos. Começou então a falar sem culpa sobre como encontrava<br />

novos parceiros em casas <strong>de</strong> banho, em parques e em bares.<br />

Os três outros membros <strong>do</strong> grupo pareceram tornar-se cada vez mais<br />

incomoda<strong>do</strong>s enquanto o novo participante continuava a falar, até que o advoga<strong>do</strong><br />

explodiu e disse irritadamente: “... por causa <strong>de</strong> pessoas como você que nós temos<br />

que tratar da AIDS...” Falou <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> ofegante e disse logo a seguir: “Eu não acredito<br />

que eu tenha dito isso; eu falei como um hater gay ( homofóbico)”.<br />

A partir <strong>de</strong>ssa sessão, os outros três membros <strong>do</strong> grupo tiveram que lidar<br />

com o sentimento que fora <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong> pela presença <strong>do</strong> novo membro e a tendência a<br />

responsabilizar um outro por sua infecção por HIV até então negada. Nenhum <strong>de</strong>les<br />

i<strong>de</strong>ntificava-se conscientemente com o padrão da maioria <strong>do</strong>s homossexuais<br />

promíscuos, uma imagem que o novo participante <strong>do</strong> grupo provocou como porta-voz.<br />

O membro novo no grupo confrontou-os com a ligação entre o seu status <strong>de</strong><br />

soropostivo para HIV e seu comportamento sexual passa<strong>do</strong>. Eles tinham algum grau<br />

<strong>de</strong> homofobia internalizada e sentiam em algum nível que sua infecção era uma<br />

punição para a sua homossexualida<strong>de</strong>. Sua apresentação como sen<strong>do</strong> gays que<br />

aceitavam gays mascaravam esses sentimentos até essa sessão <strong>do</strong> grupo, on<strong>de</strong> a<br />

negação <strong>de</strong>sses sentimentos po<strong>de</strong> aparecer e ser trabalhada.


81<br />

3.5.8 Grupo b<br />

O grupo encontrava-se com freqüência semanal, inicialmente com quatro<br />

participantes, com a chegada <strong>de</strong> <strong>do</strong>is novos. O grupo era coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> por um casal <strong>de</strong><br />

terapeutas: C. e L. e sua duração era <strong>de</strong> uma hora.<br />

Inicialmente, um <strong>do</strong>s temas mais trazi<strong>do</strong>s pelos participantes era a reação<br />

que tiveram quan<strong>do</strong> foram notifica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> diagnóstico. O paciente G. B., <strong>de</strong> 33 anos,<br />

conta que tomou conhecimento <strong>do</strong> re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu exame nas vésperas <strong>do</strong> carnaval,<br />

mas continuou os preparativos para sair numa escola <strong>de</strong> samba, como se nada<br />

estivesse acontecen<strong>do</strong>, e assim permaneceu por mais alguns meses, numa forma <strong>de</strong><br />

negação encontrada por alguns pacientes como forma <strong>de</strong> negação e evitação <strong>do</strong><br />

sofrimento. G. B. passou a infância e a<strong>do</strong>lescência em diversas casas diferentes e aos<br />

15 anos veio sozinho para o Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Na fase inicial <strong>do</strong> grupo eram freqüentes perguntas objetivas a respeito da<br />

<strong>do</strong>ença, medidas preventivas, transmissão, medicamentos e exames. Um <strong>do</strong>s objetivos<br />

<strong>do</strong> grupo era também o <strong>de</strong> esclarecimento <strong>de</strong>ssas questões por serem fundamentais<br />

para a adaptação às novas condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Os pacientes costumavam trazer queixas sobre a falta <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> em<br />

seu círculo <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s: “Fui confiar nele e veja o que <strong>de</strong>u..., fui expulso da igreja”, se<br />

queixava A. E., em relato <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> buscar apoio junto ao chefe <strong>de</strong> sua igreja, da<br />

qual fazia parte <strong>do</strong> Conselho. A.E. tinha 48 anos, era homossexual, morava com sua<br />

mãe i<strong>do</strong>sa, não conheceu seu pai e vivia repetin<strong>do</strong> a história <strong>de</strong> que sua mãe teria<br />

tenta<strong>do</strong> fazer aborto <strong>de</strong> sua gravi<strong>de</strong>z.<br />

Outra questão que retornava com bastante freqüência era sobre como contar<br />

ou como proce<strong>de</strong>r diante <strong>de</strong> amigos não contamina<strong>do</strong>s, parentes e possíveis parceiros,<br />

sempre acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong> temor <strong>de</strong> revelar também a homossexualida<strong>de</strong>. Revelam<br />

também a preocupação com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual e escolha:<br />

M. – “Não entendi como se assumir, nunca pensei nisso; eu me relaciono<br />

com quem eu quero, seja homem seja mulher”


82<br />

A.E. – “Ah, ele não tem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual”.<br />

M. – “Quan<strong>do</strong> se fica <strong>do</strong>ente, cai fora da relação. Tenho mulher e já passei<br />

por preconceitos, não queriam nossa relação.”<br />

G. - “Me <strong>de</strong>fini ce<strong>do</strong>. A minha iniciação foi com filho <strong>do</strong> caseiro on<strong>de</strong> morava,<br />

naquela época se <strong>de</strong>u no mato, quan<strong>do</strong> eu ficava olhan<strong>do</strong> um lago, uma árvore,<br />

acreditava que só teria prazer se visse essa imagem.”<br />

G. mostra com essa fala, sua maneira passiva e contemplativa <strong>de</strong> obter<br />

prazer, pela pulsão escópica, pelo olhar. As cenas contemplativas costumam aparecer<br />

nos relatos <strong>de</strong> iniciação sexual.<br />

Terapeuta: “O grupo aborda <strong>de</strong> diversas formas o assunto da sexualida<strong>de</strong> e<br />

<strong>do</strong>ença, porém evitan<strong>do</strong> aprofundar os problemas, fican<strong>do</strong> novamente discutin<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>finição sexual”.<br />

O conflito básico que aparece nesse relato é a homossexualida<strong>de</strong> passiva e<br />

a bissexualida<strong>de</strong>. Tentam encontrar a plenitu<strong>de</strong> na homossexualida<strong>de</strong> passiva, mas se<br />

<strong>de</strong>svalorizam uns aos outros. A afirmação <strong>de</strong> M., com 27 anos, artista plástico e<br />

bailarino, e com posição homo e bissexual provoca inveja nos <strong>de</strong>mais, levan<strong>do</strong>-os a<br />

tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorizá-lo perante o grupo. Mostra-se ao grupo muito arredio e<br />

arrogante com faltas freqüentes. M. sente-se ameaça<strong>do</strong> em suas <strong>de</strong>fesas maníacas e<br />

narcísicas. O grupo leva-o a ficar irrita<strong>do</strong> e por fim aban<strong>do</strong>nar o tratamento.<br />

A. E. - “Se tivesse pais como vocês e juntos, não seria homossexual, nem<br />

estaria hoje com AIDS.”<br />

Nesse relato, A. E. mostra as origens mais profundas <strong>de</strong> sua<br />

homossexualida<strong>de</strong> como a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com a falta <strong>de</strong> um casal parental que<br />

falasse abertamente com os filhos, que os ouvissem e fossem tolerantes.<br />

Outra questão trazida pelo grupo diz respeito à i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong>s pais. Ficam<br />

imaginan<strong>do</strong> um pai e uma mãe que não falhem nunca, que sejam isentos <strong>de</strong><br />

características humanas, com limites, para suprir suas carências <strong>de</strong> estima.<br />

M. – “Faltei ao grupo, pois fiquei chatea<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> em minha última<br />

con<strong>sul</strong>ta na DIP fui atendi<strong>do</strong> corren<strong>do</strong>: me senti rejeita<strong>do</strong> e não subi na hora <strong>do</strong> grupo”.<br />

Terapeuta – “Mas você foi atendi<strong>do</strong> e sua alergia não evolui e no entanto<br />

você queria a Dra. só para você , queria toda a sua atenção”.


83<br />

M. é economista, com 31 anos, 11 irmãos, trabalha em um bar <strong>de</strong> sua<br />

proprieda<strong>de</strong>, viveu sempre fingin<strong>do</strong> a masculinida<strong>de</strong> e extroversão para escon<strong>de</strong>r a<br />

homossexualida<strong>de</strong>, com o diagnóstico, vive crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual.<br />

V. – “Não aceito minha mãe ter me evita<strong>do</strong> após o diagnóstico positivo”.<br />

Terapeuta - “É freqüente vocês i<strong>de</strong>alizarem tanto a mãe que se ela se<br />

mostra frágil e insegura, vocês se recusam a aceitá-la. Mãe não po<strong>de</strong> ser insegurança,<br />

tem que estar sempre pronta a dar, tem que ser perfeita.”<br />

V., 38 anos, homossexual e enfermeiro, foi trata<strong>do</strong> inicialmente como<br />

porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> linfoma até conhecer o verda<strong>de</strong>iro diagnóstico <strong>de</strong> AIDS. Viveu com o pai<br />

até os 15 anos e sente muita culpa por ter aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a mãe na ocasião da separação<br />

<strong>do</strong>s pais. Com esses exemplos, percebe-se a dificulda<strong>de</strong> que esses pacientes tem em<br />

tolerar frustrações comuns da vida e buscam um padrão <strong>de</strong> gratificação em todas as<br />

situações.<br />

A questão da presença <strong>do</strong> pai, ausente em suas vidas, é revivida<br />

intensamente durante as férias da terapeuta. O grupo com frente apenas ao pai se vê<br />

inseguro, ameaça<strong>do</strong>, não saben<strong>do</strong> como agir, o que falar <strong>de</strong> seus assuntos mais<br />

íntimos nesse momento. O grupo com a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter a presença <strong>do</strong> pai para<br />

ouvi-los e orientá-los, na ausência da mãe, não consegue vencer o temor ao pai que se<br />

expressa com faltas freqüentes.<br />

Alguns comentários revelam o sempre presente temor da morte: “Não sei se<br />

posso comprar um fogão a prazo para minha mãe, será que estarei vivo daqui a seis<br />

meses ”, diz A. G.<br />

- “Preten<strong>do</strong> ven<strong>de</strong>r meu bar logo, pois há futuro para mim ”, interroga M.<br />

Terapeuta: “Vocês não estão sentin<strong>do</strong> nada, mas ficam preocupa<strong>do</strong>s com<br />

os prazos da vida”.<br />

A preocupação com a morte se acentua intensamente quan<strong>do</strong> algum<br />

membro <strong>do</strong> grupo começa a faltar ou a<strong>do</strong>ece. Há um temor na dificulda<strong>de</strong> ou no<br />

fracasso em controlar a <strong>do</strong>ença e manter a vida.<br />

Também cabe ao terapeuta mostrar a supervalorização que fazem <strong>de</strong> seus<br />

sintomas:


84<br />

Terapeuta - “Você fica a falar <strong>de</strong> suas <strong>do</strong>res, como se apenas existisse o<br />

seu la<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>r, como se você não tivesse também um la<strong>do</strong> sadio que pu<strong>de</strong>sse ser<br />

utiliza<strong>do</strong> para fazer alguma coisa, como tem si<strong>do</strong> proposto, por diversas formas nesse<br />

grupo”.<br />

Por ocasião <strong>do</strong> Natal, através <strong>do</strong>s presentes ofereci<strong>do</strong>s aos terapeutas<br />

mostraram o que esperam <strong>de</strong>sses terapeutas “pai e mãe”. O terapeuta masculino foi<br />

presentea<strong>do</strong> com um creme <strong>de</strong> barbear, e a terapeuta recebe uma bonequinha <strong>de</strong><br />

gesso com a expressão assexuada e angelical. Esperam <strong>de</strong>sse terapeuta pai uma<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> másculo que esclareça e converse abertamente com eles. E a terapeuta mãe<br />

vista como pura e sem <strong>de</strong>sejos, expressa a forma como foram vistos por sua mãe, na<br />

infância, frágeis e femininos.


85<br />

3.6 CATEGORIZAÇÃO DOS DADOS ENCONTRADOS<br />

Os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s nos relatos <strong>de</strong> casos clínicos <strong>de</strong> sujeitos<br />

porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV positivo em psicoterapia, encontra<strong>do</strong>s nos artigos <strong>de</strong> periódicos, nas<br />

dissertações <strong>de</strong> tese <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> ou <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> e em livros, foram categoriza<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com os objetivos específicos <strong>de</strong>ssa pesquisa.<br />

Preten<strong>de</strong>u-se, <strong>de</strong>ssa forma, organizar e sistematizar o conhecimento<br />

que se encontra disponível na literatura científica sobre a intervenção psicoterápica em<br />

sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV, e a elaboração da perda da condição <strong>de</strong> sadio em<br />

acompanhamento em psicologia clínica, a partir <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica.<br />

Dessa forma, as categorias foram organizadas a posteriori como<br />

elementos <strong>do</strong> luto (a), luto pela perda da saú<strong>de</strong> (b), elaboração em psicoterapia (c) e<br />

especificida<strong>de</strong> em porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV (d).<br />

São duas tabelas <strong>de</strong> casos clínicos eleitos, com seis sujeitos em<br />

processo <strong>de</strong> psicoterapia, para as quatro categorias temáticas. E uma a respeito das<br />

<strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> psicoterapia <strong>de</strong> grupo a porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV assintomáticos<br />

foram categoriza<strong>do</strong>s, também para as mesmas quatro categorias correspon<strong>de</strong>ntes aos<br />

objetivos específicos. Nas tabelas torna-se possível uma melhor visualização <strong>do</strong>s<br />

re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s, que serão <strong>de</strong>scritos e analisa<strong>do</strong>s no capítulo 4.


Categorias<br />

Casos<br />

Marcos Carlos Tom<br />

86<br />

Elementos <strong>do</strong> luto<br />

Melancolia- trabalho <strong>de</strong> luto impedi<strong>do</strong>.<br />

Negação -Evita fazer luto da perda <strong>do</strong> namora<strong>do</strong> faleci<strong>do</strong><br />

com AIDS, busca outros companheiros.<br />

Culpa, sentimento <strong>de</strong> estar sen<strong>do</strong> puni<strong>do</strong><br />

Retorno ao corpo e vivência da <strong>do</strong>ença.<br />

Contato regredi<strong>do</strong> pela alimentação, incorporação oral,<br />

preso na recusa.<br />

Fragilida<strong>de</strong> e ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesas psíquicas.<br />

Raiva<br />

Ambivalência na relação com a mãe<br />

Perda das amiza<strong>de</strong>s.<br />

Melancolia<br />

Negação da proximida<strong>de</strong> da morte.<br />

Ambivalência na relação com a mãe.<br />

Vigília, insônia, controle <strong>do</strong> ambiente.<br />

Culpa, sentimento <strong>de</strong> estar sen<strong>do</strong> puni<strong>do</strong>.<br />

Raiva em relação ao pai, aos médicos e<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e da saú<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>cunha</strong><strong>do</strong>.<br />

Melancolia- trabalho <strong>de</strong> luto<br />

impedi<strong>do</strong>.<br />

Negação <strong>do</strong> sofrimento.<br />

Stress emocional,<br />

Fase pré-verbal,<br />

Ausência <strong>de</strong> simbolização,<br />

Desconecta<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo.<br />

Ausência <strong>de</strong> linguagem e<br />

simbolização, retorno ao<br />

inanima<strong>do</strong>.<br />

Pela perda da<br />

saú<strong>de</strong><br />

Retorno ao corpo e vivência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com a<br />

<strong>do</strong>ença.<br />

Busca pelo conhecimento <strong>do</strong> diagnóstico da evolução<br />

da <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong> tratamento.<br />

Percepção da rejeição <strong>de</strong> outros, ferida narcísica (me<strong>do</strong><br />

da contaminação expressa<strong>do</strong> pelo vizinho <strong>de</strong> leito).<br />

Busca pelo conhecimento da <strong>do</strong>ença e <strong>do</strong><br />

tratamento.<br />

Temor da morte.<br />

Percepção da rejeição <strong>de</strong> outros pela<br />

<strong>do</strong>ença, aparência <strong>de</strong> aidético, ferida<br />

narcísica.<br />

Raiva em relação aos médicos e<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e inveja da vitalida<strong>de</strong><br />

e saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>cunha</strong><strong>do</strong>.<br />

Perda da percepção <strong>do</strong>s limites<br />

corporais.<br />

“Deixei <strong>de</strong> sentir o fora <strong>do</strong> meu<br />

corpo”.<br />

Desconecta<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpo.<br />

Self <strong>de</strong>sintegra<strong>do</strong>.<br />

I<strong>de</strong>ntificação com ausência <strong>de</strong> vida.<br />

Elaboração em<br />

Psicoterapia<br />

Contato regredi<strong>do</strong> pela alimentação, incorporação oral,<br />

preso na recusa.<br />

Ambivalência na relação com a mãe.<br />

Recupera relacionamentos com profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

vizinho <strong>de</strong> leitos.<br />

Omite relacionamento amoroso, evita luto por sua perda.<br />

Cria imagens artísticas, recupera ligação com o prazer <strong>de</strong><br />

se alimentar e com auto- estima.<br />

Fala <strong>de</strong> seu arrependimento por sua opção<br />

sexual, da noção <strong>de</strong> castigo.<br />

Ambivalência na relação com familiares.<br />

Expressa sentimento <strong>de</strong> raiva pelos pais,<br />

<strong>cunha</strong><strong>do</strong>, médicos.<br />

Fala <strong>do</strong> me<strong>do</strong> <strong>de</strong> se separar da mãe e irmã, e<br />

<strong>de</strong> morrer.<br />

Morre em casa como queria, com serenida<strong>de</strong>.<br />

Ausência <strong>de</strong> linguagem e<br />

simbolização.<br />

Estratégias para criar um campo<br />

relacional.<br />

Perda <strong>do</strong> avô na infância, única<br />

referência afetiva em sua memória.<br />

Evitar que a cena terapêutica seja<br />

invadida pela morte.<br />

Específicida<strong>de</strong> em<br />

HIV⁄AIDS<br />

Sexualida<strong>de</strong> e homossexualida<strong>de</strong> passam a ser<br />

associadas com castigo e punição, angústia <strong>de</strong> castração<br />

Omite relacionamento amoroso, evita luto <strong>de</strong>ssa perda.<br />

Fragilida<strong>de</strong> e ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesas psíquicas.<br />

Mecanismos <strong>de</strong> luto não elabora<strong>do</strong>s no momento<br />

<strong>de</strong> exposição ao risco.<br />

Sexualida<strong>de</strong> e homossexualida<strong>de</strong> passam<br />

a ser associadas com castigo e punição.<br />

Angústia <strong>de</strong> castração.


Casos Clínicos<br />

Categorias Brad Steven Shawn<br />

87<br />

Elementos <strong>do</strong> luto<br />

Estresse emocional, <strong>de</strong>pressão.<br />

Negação das perdas como fonte sofrimento.<br />

Desespero e perda <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da vida<br />

Busca <strong>de</strong>senfreada pelo alivio <strong>do</strong> sofrimento<br />

viajan<strong>do</strong> sem parar.<br />

Isolamento emocional.<br />

Perda da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

Não se reconhecia mais perto <strong>do</strong> que era<br />

antes, perda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Culpa <strong>do</strong> sobrevivente em relação aos<br />

amigos.<br />

Estresse emocional, <strong>de</strong>pressão.<br />

Incapacida<strong>de</strong> para conectar-se com seus<br />

próprios sentimentos.<br />

Busca <strong>de</strong>senfreada pelo alívio da ansieda<strong>de</strong><br />

pela sexualida<strong>de</strong> compulsiva.<br />

Isolamento emocional.<br />

Raiva.<br />

Relação simbiótica com a mãe<br />

Depressão,<br />

Culpa, relação com Ambivalência frente a<br />

mãe.<br />

Negação <strong>do</strong> sofrimento e <strong>do</strong>s<br />

riscos.<br />

Busca <strong>de</strong>senfreada pelo alívio da<br />

ansieda<strong>de</strong> pela<br />

sexualida<strong>de</strong> compulsiva .<br />

Fortes <strong>de</strong>fesas maníacas.<br />

Luto não realiza<strong>do</strong> pela<br />

separação <strong>de</strong> esposa e filho e<br />

notícia <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença terminal da<br />

mãe, o impele rumo à infecção.<br />

Raiva intensa <strong>de</strong> pai e irmãos.<br />

Culpa pelo aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> filho.<br />

Pela perda da saú<strong>de</strong><br />

Perda da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Não se reconhecia mais, perto <strong>do</strong> que era<br />

antes.<br />

Self <strong>de</strong>sintegra<strong>do</strong> e feri<strong>do</strong>. Ferida narcísica.<br />

Culpa <strong>do</strong> sobrevivente em relação aos<br />

amigos.<br />

Ferida narcísica já anteriormente atingida<br />

frente as acusações da mãe.<br />

Episódios <strong>de</strong> bulimia e duas tentativas <strong>de</strong><br />

suicídio.<br />

Ansieda<strong>de</strong>s paranói<strong>de</strong>s e<br />

maníacas, negação <strong>do</strong>s riscos.<br />

Elaboração em<br />

Psicoterapia<br />

Po<strong>de</strong> viver o luto em relação a perdas <strong>do</strong>s<br />

amigos.<br />

Ainda não se torna capaz <strong>de</strong> substituir perdas<br />

por novas amiza<strong>de</strong>s.<br />

Segue em busca <strong>de</strong> algo que ainda não<br />

consegue localizar em seu próprio self feri<strong>do</strong>.<br />

“Quem espera na vida adulta per<strong>de</strong>r to<strong>do</strong>s os<br />

seus amigos e <strong>de</strong>ssa forma, então, toda sua<br />

família”<br />

Expressa<strong>do</strong>s sentimentos fortemente<br />

ambivalentes na relação com a mãe.<br />

Maior apropriação <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> psíquica,<br />

aceitação, redirecionamento <strong>do</strong> foco da vida<br />

para o futuro.<br />

Conecta seus sentimentos com o momento da<br />

exposição ao HIV e o senti<strong>do</strong> que tem no<br />

contexto relacional com sua mãe.<br />

Apenas po<strong>de</strong> iniciar trabalho <strong>de</strong><br />

luto pela perda <strong>de</strong> mãe com<br />

câncer, e <strong>de</strong> divorcio da esposa,<br />

quan<strong>do</strong> finalmente recebe a<br />

notícia <strong>de</strong> estar infecta<strong>do</strong>.<br />

Ambivalência intensa na relação<br />

terapêutica.<br />

Específicida<strong>de</strong> em<br />

HIV⁄AIDS<br />

Mecanismos <strong>de</strong> luto não elabora<strong>do</strong> no<br />

momento <strong>de</strong> exposição ao risco.<br />

Ferida narcísica é atingida na castração e<br />

na resolução edípica por conta da escolha <strong>de</strong><br />

objeto sexual e renúncia à reunião<br />

i<strong>de</strong>alizada e indiferenciada com a família <strong>de</strong><br />

origem.<br />

Perda da memória da história compartilhada.<br />

Mecanismos <strong>de</strong> luto não elabora<strong>do</strong>s no<br />

momento <strong>de</strong> exposição ao risco.<br />

Sexualida<strong>de</strong> e homossexualida<strong>de</strong> passam a<br />

ser associadas com castigo e punição.<br />

Ferida narcísica é atingida na castração e na<br />

resolução edípica por conta da escolha <strong>de</strong><br />

objeto sexual e renúncia à reunião i<strong>de</strong>alizada<br />

e indiferenciada com a mãe.<br />

Mecanismos <strong>de</strong> luto não<br />

elabora<strong>do</strong>s no momento <strong>de</strong><br />

exposição ao risco.<br />

Angústia <strong>de</strong> castração


88<br />

Categorias<br />

Grupos<br />

Grupo a<br />

Grupo b<br />

Elementos <strong>do</strong> luto<br />

Pela perda da saú<strong>de</strong>.<br />

Elaboração em psicoterapia.<br />

Especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> hiv.<br />

Negação <strong>do</strong>s sentimentos vivi<strong>do</strong>s frente à<br />

situação <strong>de</strong> infecta<strong>do</strong>s.<br />

Desconecta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sua condição anterior<br />

<strong>de</strong> vivenciar a homossexualida<strong>de</strong>, como<br />

busca <strong>de</strong>senfreada por diversos parceiros<br />

amorosos.<br />

Culpa, infecção vivida como castigo,<br />

ainda que <strong>de</strong> forma mascarada.<br />

Negação da condição <strong>de</strong> infecta<strong>do</strong>s.<br />

Projetam a responsabilida<strong>de</strong> por estarem<br />

infecta<strong>do</strong>s em outros “gays promíscuos”,<br />

negan<strong>do</strong> seu passa<strong>do</strong>, divisão interna.<br />

Angústia <strong>de</strong> castração.<br />

Foi possível para um porta-voz <strong>do</strong> grupo<br />

expressar sua indignida<strong>de</strong>, revelan<strong>do</strong> falsa<br />

aceitação da homossexualida<strong>de</strong>.<br />

Culpa, infecção vivida como castigo,<br />

ainda que <strong>de</strong> forma mascarada e não<br />

reconhecida.<br />

Doença vista pela “dimensão <strong>do</strong> outro”<br />

Negação diante <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong><br />

diagnóstico. (G. B.)<br />

Busca a<strong>do</strong>lescente por diversão, na provocação<br />

aos terapeutas.<br />

Busca por esclarecimentos sobre o tratamento.<br />

Temor da morte e <strong>de</strong> fazer planos para o futuro.<br />

Temor no fracasso em controlar a <strong>do</strong>ença e<br />

manter a vida.<br />

Supervalorização <strong>do</strong>s sintomas e das <strong>do</strong>res.<br />

I<strong>de</strong>alização <strong>do</strong>s pais e <strong>do</strong>s terapeutas.<br />

Temor diante da figura paterna durante férias<br />

da terapeuta.<br />

Me<strong>do</strong> <strong>de</strong> não haver futuro.<br />

Angústia <strong>de</strong> castração.


89<br />

4 ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS DADOS<br />

Nesse capítulo serão <strong>de</strong>scritos e analisa<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s casos<br />

clínicos eleitos e organiza<strong>do</strong>s nas tabelas acima. As tabelas mostram em linhas os<br />

objetivos específicos, e em colunas os sujeitos em psicoterapia.<br />

Os da<strong>do</strong>s levanta<strong>do</strong>s nos itens <strong>do</strong> referencial teórico foram aprofunda<strong>do</strong>s no<br />

que diz respeito ao rigor teórico no uso <strong>do</strong>s conceitos. A articulação <strong>do</strong>s re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

encontra<strong>do</strong>s na coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s com os conceitos agora po<strong>de</strong> ser feita no item <strong>de</strong><br />

análise <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s. Após terem si<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>s nas tabelas acima, então os da<strong>do</strong>s<br />

categoriza<strong>do</strong>s em casos clínicos e objetivos específicos serão neste capítulo <strong>de</strong>scritos e<br />

analisa<strong>do</strong>s a partir da articulação com o referencial teórico trabalha<strong>do</strong> no capítulo 2.<br />

O méto<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong> trouxe como vantagem o fato <strong>de</strong> que por serem casos<br />

publica<strong>do</strong>s, com os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s éticos, <strong>de</strong> fontes confiáveis, po<strong>de</strong>-se obter um<br />

levantamento e uma aproximação <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s expressos e elabora<strong>do</strong>s em<br />

psicoterapia que dificilmente seriam revela<strong>do</strong>s ou alcança<strong>do</strong>s em entrevistas únicas ou<br />

em alguns encontros. Por outro la<strong>do</strong>, traz como <strong>de</strong>svantagem o fato <strong>de</strong> que fica-se<br />

restrito ao que foi prioriza<strong>do</strong> e recorta<strong>do</strong> pelo autor e com a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

perguntas para maiores esclarecimentos no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> foco <strong>de</strong>ssa pesquisa, como no<br />

caso Tom, que pouco se sabe sobre sua história e seu percurso <strong>de</strong> construção<br />

subjetiva.<br />

Para a primeira categoria <strong>de</strong> elementos <strong>do</strong> luto, vê-se como principal da<strong>do</strong><br />

relevante a presença <strong>do</strong> elemento negação em quase to<strong>do</strong>s os sujeitos e <strong>de</strong> maneira<br />

unânime nos componentes <strong>do</strong> Grupo a e no participante G.B. <strong>do</strong> Grupo b. Ainda que<br />

ela se apresente <strong>de</strong> forma diferente, a negação se manifesta em to<strong>do</strong>s os relatos<br />

clínicos, ainda que seja <strong>de</strong>scrita como mais intensa no início <strong>do</strong> processo psicoterápico<br />

e tenha encontra<strong>do</strong> chance <strong>de</strong> elaboração e cedi<strong>do</strong> lugar ao reconhecimento <strong>do</strong><br />

sofrimento e da perda.<br />

No caso <strong>de</strong> Marcos, a negação aparece quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> trazer nas sessões<br />

suas histórias <strong>de</strong> ligação amorosa com o antigo parceiro, evitan<strong>do</strong> assim o sofrimento e<br />

o trabalho <strong>de</strong> luto. No caso <strong>de</strong> Carlos há uma negação inicial pela sua situação terminal<br />

e da proximida<strong>de</strong> da morte, “não sabe por que chamou uma psicóloga especialista em


90<br />

<strong>do</strong>entes terminais”. No caso Tom há uma ausência total <strong>de</strong> queixas ou sintomas<br />

mostran<strong>do</strong> uma negação <strong>do</strong> sofrimento e da angústia, veio apenas “buscar um élan que<br />

dê senti<strong>do</strong> para a vida”.<br />

No caso <strong>de</strong> Brad, a negação aparece no início <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> psicoterapia<br />

quan<strong>do</strong> em suas queixas iniciais não reconhece as perdas anteriores <strong>de</strong> amigos e<br />

parceiro amoroso como sen<strong>do</strong> fonte <strong>de</strong> seu sofrimento <strong>de</strong>pressivo, insônia e perda <strong>do</strong><br />

sentimento <strong>de</strong> valor da vida.<br />

Aqui a negação é em relação aos sentimentos <strong>do</strong>lorosos pelas perdas, da<br />

mesma maneira que no caso <strong>de</strong> Steven que ten<strong>do</strong> recém- conheci<strong>do</strong> seu diagnóstico<br />

<strong>de</strong> soro positivo, vivia ainda o primeiro estágio <strong>de</strong> luto proposto por Parkes, <strong>de</strong> alarme e<br />

<strong>de</strong>sespero. Da mesma forma como no caso <strong>de</strong> Shawn, em que a negação apenas<br />

começa a po<strong>de</strong>r ser trabalhada em psicoterapia após ter finalmente se contamina<strong>do</strong><br />

pelo vírus <strong>do</strong> HIV. A negação é pre<strong>do</strong>minante em todas as perdas <strong>de</strong> Shawn, diante<br />

das quais se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> forma maníaca e narcísica.<br />

Nos participantes <strong>do</strong> Grupo a, a negação aparece em bloco <strong>de</strong> forma<br />

homogênea em conivência como pacto <strong>de</strong>fensivo. To<strong>do</strong>s os participantes reagiram com<br />

indignação com os relatos <strong>do</strong> novo participante, negan<strong>do</strong> e julgan<strong>do</strong> criticamente<br />

aspectos <strong>de</strong> si mesmos que já aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s. Confirman<strong>do</strong> re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> da pesquisa, <strong>de</strong><br />

Oltramari e Camargo (2004), relatada no referencial teórico <strong>de</strong>sta pesquisa (p.26), no<br />

ítem caracterísiticas psicológicas. Nestas pesquisas os autores encontraram como<br />

representação social mais importante da AIDS, “a dimensão <strong>do</strong> outro” associada ao<br />

risco e ao perigo. Neste caso mesmo em sujeitos já infecta<strong>do</strong>s, o risco é visto como<br />

vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora, responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro.<br />

A negação como forma <strong>de</strong> reação diante <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> diagnóstico<br />

aparece também no membro G.E <strong>do</strong> Grupo b, que continua os preparativos para sair<br />

em <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> escola <strong>de</strong> samba no carnaval.(apenas alguns dias <strong>de</strong>pois). O fato <strong>de</strong> que<br />

a negação tenha apareci<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira significativa contribui para indicar a<br />

confirmação da associação entre melancolia e AIDS discutida por Moreira (2002), como<br />

foi visto no referencial teórico. Para a autora os melancólicos são gran<strong>de</strong>s nega<strong>do</strong>res.<br />

O segun<strong>do</strong> elemento <strong>do</strong> luto mais encontra<strong>do</strong>, foi o termo busca pelo objeto<br />

perdi<strong>do</strong>, nos casos Marcos, Carlos, Steven, Shawn, no membro novo <strong>do</strong> Grupo a e na<br />

história <strong>do</strong>s outros, e no relato <strong>de</strong> alguns membros <strong>do</strong> Grupo b. A busca por diversos


91<br />

parceiros amorosos parece ser a forma encontrada para lidar com a perda para evitar<br />

sentimentos <strong>do</strong>lorosos e aliviar a ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira compulsiva. No caso <strong>de</strong> Brad,<br />

a busca se manifesta pela mudança constante <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s, percorren<strong>do</strong> quase to<strong>do</strong> o<br />

país sem conseguir criar novas raízes ou fazer novas amiza<strong>de</strong>s, como conseqüência <strong>de</strong><br />

luto não concluí<strong>do</strong> pelas perdas vividas.<br />

O terceiro elemento <strong>de</strong> maior evidência na categoria <strong>do</strong> luto é a presença <strong>do</strong><br />

sentimento <strong>de</strong> culpa, possivelmente reforçan<strong>do</strong> a idéia da associação entre AIDS e<br />

melancolia, discutida por Moreira (2002). Como foi visto no item referencial teórico o<br />

elemento culpa é o diferencial para o processo <strong>de</strong> luto saudável ou quadro <strong>de</strong><br />

melancolia. No caso Marcos, ela é evi<strong>de</strong>nte diante <strong>de</strong> seu silêncio nos encontros com a<br />

terapeuta, sobre sua homossexualida<strong>de</strong> e história anterior <strong>de</strong> relacionamento amoroso.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> localizada por elemesmo no primeiro encontro, não associa com sua<br />

história <strong>de</strong> perdas nem <strong>de</strong> opção sexual. Esses aspectos permanecem sob efeito da<br />

repressão.<br />

No caso Carlos, a culpa aparece já mais reconhecida e expressa como<br />

arrependimento por sua opção sexual e pela associação da <strong>do</strong>ença com essa escolha<br />

como uma punição. No caso Tom, não temos elemento para i<strong>de</strong>ntificar. No caso Brad,<br />

aparece a culpa <strong>do</strong> sobrevivente, quan<strong>do</strong> diz pensar que “ <strong>de</strong>via ser ele a ter morri<strong>do</strong><br />

e não os amigos que eram melhores <strong>do</strong> que ele” . No caso Shawn, a culpa aparece<br />

como sentimento da ambivalência na relação com o filho, mesmo antes <strong>de</strong> se<br />

contaminar.<br />

A culpa aparece também nos participantes <strong>do</strong> Grupo a <strong>de</strong> maneira velada e<br />

encoberta pela aparência <strong>de</strong> simpatia e aceitação frente a homossexualida<strong>de</strong>.Na<br />

seqüência ao elemento culpa, aparece a raiva como elemento <strong>do</strong> luto que tem chance<br />

<strong>de</strong> ser provoca<strong>do</strong> e elabora<strong>do</strong> na psicoterapia, sen<strong>do</strong> também da<strong>do</strong> da categoria<br />

elaboração em psicoterapia. A raiva aparece em Carlos, principalmente que tem<br />

chance, <strong>de</strong> no acompanhamento psicoterápico, reconhecer, i<strong>de</strong>ntificar o componente<br />

agressivo na relação com os pais, com o <strong>cunha</strong><strong>do</strong> e com profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

expressá-la, o que possibilitou que alcançasse maiores graus <strong>de</strong> relativa serenida<strong>de</strong><br />

nas fases terminais e permanecer em casa até morrer. Neste caso corroboran<strong>do</strong> à<br />

teorização <strong>de</strong> Kübler Ross (1987) <strong>de</strong> que a externalização <strong>de</strong>sses conteú<strong>do</strong>s contribui<br />

com a aceitação <strong>do</strong>s últimos estágios <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>.


92<br />

Para primeira categoria temática, os elementos <strong>do</strong> luto verifica<strong>do</strong>s foram: a<br />

negação, a busca, a culpa e ambivalência e a raiva, a conquista <strong>de</strong> algum grau <strong>de</strong><br />

aceitação foi encontrada no relato <strong>de</strong> <strong>do</strong>is casos. Nessa primeira categoria percebe-se<br />

uma quase total concordância <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s com o que foi <strong>de</strong>scrito no<br />

referencial teórico. Principalmente no que diz respeito ao elemento negação<br />

correspon<strong>de</strong>nte a primeira etapa da sequência <strong>de</strong> reações a uma perda. A negação<br />

como elemento mais signifcativo, seja unanimida<strong>de</strong> em to<strong>do</strong>s os casos, seja pela<br />

persistência com que os sujeitos nela permanecem mesmo quan<strong>do</strong> em tratamento. A<br />

relutância em aban<strong>do</strong>nar essa etapa ou <strong>de</strong> aceitar po<strong>de</strong> ser indicativo da recusa a<br />

aceitar a perda, ou seja recusa da aceitação castração e <strong>do</strong>s limites imposto por ela.<br />

O aparecimento significativo <strong>do</strong>s elementos culpa e ambivalência indicam<br />

associação a presença <strong>de</strong> quadro <strong>de</strong> melancolia nos casos clínicos relata<strong>do</strong>s, também<br />

confirman<strong>do</strong> o que no referencial teórico foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> sobre a associação entre<br />

melancolia e AIDS.<br />

Na segunda categoria temática <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>, a busca se<br />

verifica em Marcos e em Carlos como uma busca por literatura para melhor<br />

compreen<strong>de</strong>r sua <strong>do</strong>ença e o tratamento. Isso aparece também no relato <strong>do</strong> Grupo b,<br />

como sen<strong>do</strong> uma das necessida<strong>de</strong>s expressas pelos membros <strong>do</strong> grupo.<br />

Aparece, ainda, a ferida narcísica atingida <strong>de</strong> maneira intensa, diante <strong>do</strong><br />

temor a respeito <strong>de</strong> sua aparência em Marcos e em Carlos e da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com a<br />

<strong>do</strong>ença e com a AIDS. No caso Brad ela aparece com sua <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

perdida, <strong>de</strong> confusão entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da <strong>do</strong>ença e da opção <strong>de</strong><br />

homossexual; não há distinção em sua experiência entre esses termos. Aban<strong>do</strong>na o<br />

tratamento antes <strong>de</strong> realizar essas <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ntificações e finalmente substituir as relações<br />

perdidas com maior grau <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong> psicológica. Po<strong>de</strong>-se pensar, talvez, que a<br />

ferida narcísica atingida e angústia <strong>de</strong> castração, por que mesclam on<strong>de</strong> foi<br />

impossível abrir mão <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al narcísico <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> e renunciar o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> família com<br />

igualmente homossexuais, para aceitação gradativa das perdas, na substituição <strong>de</strong><br />

outros vínculos e re<strong>de</strong> social, pois retorna ao estágio da busca <strong>de</strong> solução, mais uma<br />

vez viajan<strong>do</strong>.<br />

A angústia da castração, ligan<strong>do</strong> os temas <strong>do</strong> amor e da morte, surge em<br />

quase to<strong>do</strong>s os casos clínicos, expressa ou <strong>de</strong> forma velada No caso Tom, aparece


93<br />

situação extrema <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração sensorial e ausência <strong>de</strong> percepção da<br />

sensorialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio corpo.<br />

A angústia <strong>de</strong> castração aparece também com a associação entre a<br />

<strong>do</strong>ença como fator <strong>de</strong> punição para opção homossexual, ou ainda como dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

lidar com as diferenças <strong>de</strong> qualquer posicionamento nos <strong>do</strong>is grupos. Po<strong>de</strong>-se<br />

encontrar em Marcos, Carlos, Shawn e <strong>de</strong> forma velada nos participantes <strong>do</strong> Grupo a.<br />

No Grupo a, a ferida narcísica aparece assim como a negação <strong>de</strong> forma<br />

velada, pela atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> falsa ausência <strong>de</strong> conflitos diante <strong>de</strong> sua homossexualida<strong>de</strong>. A<br />

ferida narcísica atingida se revela algo <strong>de</strong>sconfortável que vem <strong>do</strong> outro, não localiza<strong>do</strong><br />

em si mesmo, se omitin<strong>do</strong> da responsabilida<strong>de</strong> pelas escolhas, como foi visto no<br />

referencial teórico (p. 26).<br />

Para a segunda categoria, os elementos encontra<strong>do</strong>s para luto pela perda da<br />

saú<strong>de</strong> foram: busca, ferida narcísica, angústia <strong>de</strong> castração, negação como recusa<br />

da castração, perdas <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> corpo.<br />

Na terceira categoria <strong>de</strong> elaboração em psicoterapia, a ambivalência, em<br />

que o componente agressivo se volta contra o eu, po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong> sem dificulda<strong>de</strong><br />

em to<strong>do</strong>s os casos relata<strong>do</strong>s, com exceção <strong>do</strong> caso Tom, apenas por falta <strong>de</strong> mais<br />

da<strong>do</strong>s. Isto po<strong>de</strong> então ser indica<strong>do</strong>r da presença <strong>de</strong> quadro melancólico, on<strong>de</strong> o<br />

componente hostil da ambivalência tem como <strong>de</strong>stino o próprio ego <strong>do</strong> sujeito como foi<br />

visto no referencial teórico, “Luto em Freud”. Ela aparece para Marcos na relação com a<br />

mãe, para Carlos com familiares, para Steven com a mãe <strong>de</strong> maneira intensa, e em<br />

Shawn com to<strong>do</strong>s relacionamentos. No caso Carlos foi claramente trabalhadas em<br />

psicoterapia, na relação com a psicodramatista que através <strong>do</strong> solilóquio obteve<br />

expressão da raiva <strong>do</strong>s pais, reconhecimento <strong>do</strong> ciúmes da irmã e inveja <strong>do</strong> <strong>cunha</strong><strong>do</strong>.<br />

Ainda na categoria da elaboração em psicoterapia, no caso Steven, no<br />

processo <strong>de</strong> realização <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong>, surge um elemento importante<br />

também para a próxima categoria que é a da especificida<strong>de</strong> na psicoterapia <strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r<br />

<strong>de</strong> HIV, a exposição ao risco.<br />

Especialmente nesse caso, na intenção <strong>de</strong> elaborar a perda da saú<strong>de</strong>, surge<br />

a memória <strong>do</strong> momento Steven chegou a pensar que contaminar-se po<strong>de</strong>ria ser uma<br />

saída para a resolução <strong>do</strong> conflito na relação ambivalente com a mãe. “Pensei então<br />

que se eu estivesse fatalmente <strong>do</strong>ente, talvez minha mãe, finalmente, me amasse.”


94<br />

Aparece a exposição ao HIV como uma forma <strong>de</strong> reação a uma perda, a um<br />

luto não elabora<strong>do</strong>. A perda da avó em Steven, <strong>do</strong> namora<strong>do</strong> em Marcos, da saú<strong>de</strong> em<br />

Carlos, <strong>do</strong>s amigos e parceiro amoroso em Brad, da esposa <strong>de</strong> quem se divorcia e da<br />

mãe com câncer em Shawn.<br />

. No caso Tom, como foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> no referencial teórico, no item <strong>de</strong><br />

Processo psicoterápico <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto,na página 42, o autor <strong>do</strong> caso clínico,<br />

está atento a corporalida<strong>de</strong> como estratégia terapêutica, evitan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixar que a angústia<br />

<strong>de</strong> morte e retorno ao inanima<strong>do</strong> roubasse o trabalho na psicoterapia. O corpo surge<br />

como espaço para reintegração da dimensão afetiva, no corpo, sain<strong>do</strong> da situação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sintegração.<br />

A aceitação da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conquistar um amor incondicional na<br />

relação i<strong>de</strong>alizada com a mãe, em Steven, faz com que se lance em direção a<br />

organização psíquica que põe em foco sua vida futura e compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> sua <strong>do</strong>ença. Isso apenas aparece no trabalho <strong>de</strong> elaboração em psicoterapia. O que<br />

foi significa<strong>do</strong> na psicoterapia é a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manter preso emocionalemente<br />

aos <strong>de</strong>sejos da mãe, ou com a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gratificá-la sempre, ou seja, foi<br />

elaborada a sua castração enquanto separação emocional da mãe.<br />

Essa associação entre momento <strong>de</strong> vida fragiliza<strong>do</strong> por uma perda ou <strong>de</strong> um<br />

luto não processa<strong>do</strong> é apresentada e amplamente aprofundada a partir <strong>do</strong> referencial<br />

psicanalítico na tese <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> <strong>de</strong> Oliveira(2003), em que discute a implicação entre<br />

vida psíquica e aquisição <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças. Oliveira (2003) mostra que anterior à história <strong>de</strong><br />

a<strong>do</strong>ecimento, existem histórias <strong>de</strong> amores e <strong>de</strong>samores, encontros e <strong>de</strong>sencontros,<br />

tentativas <strong>de</strong> amar e serem ama<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sses sujeitos que na condição humana são<br />

quase sempre acompanhadas <strong>de</strong> fracasso. Diferente <strong>do</strong> re<strong>sul</strong>ta<strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> na<br />

pesquisa <strong>de</strong> Oltramari e Camargo (2004), com mulheres, em que situações <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sencontros amorosos apresentavam como conseqüência maiores cuida<strong>do</strong>s na<br />

prática preventiva, e uso <strong>de</strong> camisinha, relatada no referencial teórico, (p.26 <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa).<br />

A impossibilida<strong>de</strong> narcísica <strong>de</strong> lidar com esses fracassos, ou seja, <strong>de</strong> lidar<br />

com essa condição humana <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong>, acaba encontran<strong>do</strong> a própria<br />

<strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> como saída, ou exposição ao risco, ou busca da morte como recurso e<br />

alívio final <strong>de</strong> um sofrimento que sequer tem si<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong>. Esse componente acima


95<br />

<strong>de</strong>scrito se verifica em cada caso clínico apresenta<strong>do</strong>. Na tentativa <strong>de</strong> busca pelo objeto<br />

perdi<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>sespero e a negação da <strong>do</strong>r e <strong>do</strong> sofrimento tomam as formas da<br />

exposição ao risco e manifestação da pulsão <strong>de</strong> morte como substitutos ao trabalho<br />

psíquico <strong>do</strong> luto.<br />

Na terceira categoria <strong>de</strong> elaboração em psicoterapia os elementos em<br />

<strong>de</strong>staque: ambivalência, a manutenção <strong>de</strong> graus <strong>de</strong> negação, esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sintegração em situação extrema, aceitação como re<strong>sul</strong>tante <strong>do</strong> trabalho<br />

psicoterápico <strong>de</strong> elaboração, e como será <strong>de</strong>scrito a seguir manifestação da exposição<br />

ao risco.<br />

Na quarta categoria temática da especificida<strong>de</strong> para psicoterapia, po<strong>de</strong>-se<br />

<strong>de</strong>stacar: angústia como pulsão <strong>de</strong> morte, angústia <strong>de</strong> castração acentuada por<br />

conta da associação entre sexualida<strong>de</strong> ou opção sexual com punição, exposição ao<br />

risco na busca <strong>do</strong> alívio da angústia, indican<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coincidência com<br />

quadro <strong>de</strong> melancolia, pela forte presença <strong>do</strong> elemento culpa dificultan<strong>do</strong> realização <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> luto. Especialmente no caso Shawn o elemento risco ou a fantasia <strong>de</strong> risco<br />

parece ser elemento integrante <strong>do</strong> prazer almeja<strong>do</strong>.<br />

A elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV, nesses<br />

sujeitos aqui relata<strong>do</strong>s, vem então acompanhada <strong>de</strong> um alto grau <strong>de</strong> angústia, por<br />

tratar-se na quase maioria das histórias <strong>de</strong> um campo em que encontra-se <strong>de</strong> antemão<br />

uma escolha narcísica <strong>de</strong> objeto amoroso, um grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e ambivalência na<br />

relações parentais, supervalorização <strong>do</strong> eu, e sobretu<strong>do</strong> um intensa negação a essa<br />

realida<strong>de</strong> psíquica.<br />

Concluin<strong>do</strong>, então, po<strong>de</strong>-se agrupar os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s pelos objetivos<br />

específicos nestes elementos:<br />

Luto: a negação, a raiva, a busca, a culpa indican<strong>do</strong> melancolia, raiva,<br />

aceitação.<br />

Luto pela perda da saú<strong>de</strong>: busca, ferida narcísica, angústia <strong>de</strong> castração.<br />

Elaboração em Psicoterapia: ambivalência, diminue a negação, possibilita<br />

expressão da raiva.<br />

Especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> HIV: exposição ao risco na busca <strong>do</strong> alívio da angústia,<br />

angústia <strong>de</strong> castração acentuada por conta da associação entre sexualida<strong>de</strong> ou opção<br />

sexual com punição, presença associação com melancolia.


96<br />

Na conclusão <strong>de</strong>ssa análise então é importante ressaltar que se a palavra<br />

negação aparece em quantida<strong>de</strong> significativa, temos para a palavra aceitação, apenas<br />

<strong>do</strong>is <strong>de</strong>sfechos o caso <strong>de</strong> Carlos, já em fase terminal, e o caso <strong>de</strong> Steven. Isso mostra<br />

que a realização <strong>de</strong>sse trabalho psíquico não acontece naturalmente. É lento e implica<br />

em certo grau <strong>de</strong> angústia em função das resistências e da dificulda<strong>de</strong> que seres<br />

humanos tem em renunciar em função <strong>de</strong> sua importância e pelo alto grau <strong>de</strong><br />

sofrimento que ele mobiliza.<br />

Essa constatação vêm então reforçar a idéia da importância da intervenção<br />

da psicoterapia na realização <strong>do</strong> trabalho psíquico <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto, seja pela<br />

perda da saú<strong>de</strong> ou ainda por todas as perdas <strong>do</strong>lorosas como recurso alternativo ao<br />

a<strong>do</strong>ecimento e a perda capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atingir algum grau <strong>de</strong> humanização. É possível<br />

que esses da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> alguma forma possam contribuir para as bases estratégicas <strong>de</strong><br />

campanha <strong>de</strong> prevenção e a<strong>de</strong>são nos tratamentos <strong>de</strong> HIV⁄ AIDS.


98<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:<br />

O tema central da pesquisa foi elaboração <strong>do</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em<br />

sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV em processo <strong>de</strong> psicoterapia dinâmica. Ressalta-se que a<br />

partir <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica na literatura científica disponível, selecionou-se recortes<br />

<strong>de</strong> casos clínicos, seis aborda<strong>do</strong>s individualmente, duas experiências <strong>de</strong> psicoterapia<br />

<strong>de</strong> grupo, como fonte <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s.<br />

Para o primeiro objetivo específico ou categoria temática, a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s<br />

elementos <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> luto, foi possível i<strong>de</strong>ntificar os elementos <strong>do</strong> luto em to<strong>do</strong>s os<br />

casos clínicos relata<strong>do</strong>s, como conhecimento na área da Psicologia. Foi também,<br />

possível verificar que a reação a perda e mais especificamente à perda da saú<strong>de</strong>,<br />

surge como elemento a ser elabora<strong>do</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da abordagem escolhida ou Teoria<br />

Psicológica.<br />

Sobre o objetivo específico elementos <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto, foram<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s elementos como a negação expressada em diversas formas. Como<br />

<strong>de</strong>sespero, entorpecimento, busca ou recusa ao reconhecimento da realida<strong>de</strong>. A<br />

negação foi o elemento i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> um maior número <strong>de</strong> vezes, mostran<strong>do</strong> relevância<br />

nos estágios iniciais <strong>de</strong> reação à perda, mas po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> também permanecer, diante <strong>de</strong><br />

um luto irrealizável, como na melancolia. Esse da<strong>do</strong> veio confirmar a hipótese <strong>de</strong><br />

associação entre melancolia e AIDS, em já existiria anteriormente uma escolha objetal<br />

<strong>de</strong> característica narcísica, tema <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> no referencial teórico, <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>.<br />

Ainda, como elementos <strong>do</strong> luto apareceram a raiva, a ambivalência e a culpa<br />

reforçan<strong>do</strong> a idéia <strong>de</strong> quadro clínico <strong>de</strong> melancolia e luto impossibilita<strong>do</strong> <strong>de</strong> elaboração.<br />

Os elementos <strong>do</strong> luto encontra<strong>do</strong>s vieram <strong>de</strong> encontro ao referencial teórico escolhi<strong>do</strong>,<br />

confirman<strong>do</strong> as teorias <strong>de</strong>senvolvidas, por Parkes, Kübler Ross e Bowlby, e <strong>do</strong> clássico<br />

da obra freudiana “Luto e Melancolia”, <strong>de</strong>1915 ⁄ 1917.<br />

No segun<strong>do</strong> objetivo específico, luto pela perda saú<strong>de</strong>, foi possível i<strong>de</strong>ntificar<br />

a perda vivida como uma ferida narcísica, como perda <strong>de</strong> um aspecto da completu<strong>de</strong>


99<br />

imaginária. A busca por conhecer sobre a <strong>do</strong>ença como forma <strong>de</strong> elaboração das<br />

perdas vividas no corpo no caso <strong>de</strong> Marcos e em Carlos.<br />

Apareceu a perda narcísica acentuan<strong>do</strong> à angústia <strong>de</strong> castração e ten<strong>do</strong><br />

como conseqüência uma busca <strong>de</strong>senfreada pelo alívio da angústia, em alguns casos<br />

Brad, Steven e Shawn seja viajan<strong>do</strong> ou ainda na ativida<strong>de</strong> sexual compulsiva.<br />

Os elementos raiva e ambivalência como importante expressão <strong>do</strong> objetivo<br />

específico que i<strong>de</strong>ntifica os elementos <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto, aparecem também como<br />

elementos também <strong>do</strong> terceiro objetivo específico que é a elaboração em processo <strong>de</strong><br />

psicoterapia. Nos casos Carlos e Steven foi possível verificar que a raiva quan<strong>do</strong><br />

conhecida e expressada abre espaço para substituir a negação por aceitação e<br />

conquista <strong>de</strong> maior integração da experiência da perda.<br />

Nestes <strong>do</strong>is casos este processo se <strong>de</strong>u apenas com a intervenção <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> psicoterapia. Para este objetivo, os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s em trabalho <strong>de</strong><br />

psicoterapia individual ou grupal, trouxeram confirmações importantes para a<br />

compreensão da condução <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong> luto, mesmo em diferentes<br />

abordagens. Com o caso Tom, aparece situação <strong>de</strong> extrema fragilida<strong>de</strong>, em caso<br />

clínico <strong>de</strong> situação limite, e surgiram elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintegração psíquica vivenciada<br />

no corpo, após passagem por estágio terminal da AIDS. Este caso mostrou uma<br />

intervenção que almejava alcançar níveis <strong>de</strong> maiores integração psíquica no corpo para<br />

evitar que a psicoterapia <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> acontecer, diante da gravida<strong>de</strong> da situação.<br />

Para o quarto e último objetivo específico que é a especificida<strong>de</strong> da<br />

elaboração <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto pela perda da saú<strong>de</strong> em sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV<br />

positivo, foram encontra<strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> presença <strong>de</strong> quadro clínico <strong>de</strong> melancolia<br />

nos casos Marcos, Carlos, Steven, Brad, Tom e Shawn, pelo aparecimento <strong>do</strong> elemento<br />

culpa, da ambivalência, tendências auto-<strong>de</strong>strutivas e intensa vulnerabilida<strong>de</strong><br />

psicológica <strong>de</strong>monstrada em suas histórias e contextos relacionais. Da<strong>do</strong>s que<br />

confirmam as pesquisas anteriores, encontradas e selecionadas para coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s.<br />

A exposição ao risco na busca <strong>do</strong> alívio da angústia, angústia <strong>de</strong> castração<br />

acentuada por conta da associação entre sexualida<strong>de</strong> ou opção sexual com a <strong>do</strong>ença<br />

compreendida como punição.<br />

A reação a situações <strong>de</strong> perdas, sejam da or<strong>de</strong>m afetiva, amorosa ou <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong> social interferem <strong>de</strong> maneira significativa na maneira como os indivíduos se


100<br />

movimentam e tomam <strong>de</strong>cisões em suas vidas. Uma perda merece ser reconhecida,<br />

significada.<br />

A presença invariável <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> lutos não elabora<strong>do</strong>s ou realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

maneira inconclusiva, mostra a importância <strong>de</strong> fatores como processos emocionais<br />

intrapsíquicos sejam consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s na elaboração <strong>de</strong> campanhas preventivas e controle<br />

epi<strong>de</strong>miológico. Em to<strong>do</strong>s os casos relata<strong>do</strong>s os fatores que contribuíram para a<br />

exposição ao risco encontram-se na maioria das vezes ligadas a situações <strong>de</strong> perda,<br />

evitação <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> luto, condição <strong>de</strong> extrema vulnerabilida<strong>de</strong> psicológica, nestas<br />

situações específicas aqui recortadas.<br />

Cabe ressaltar a importante contribuição <strong>do</strong> serviço <strong>de</strong> Comutação<br />

Bibliográfica da Biblioteca da Uni<strong>sul</strong>, to<strong>do</strong>s os artigos <strong>de</strong> periódicos e dissertações<br />

solicita<strong>do</strong>s foram encontra<strong>do</strong>s e viabiliza<strong>do</strong>s para essa pesquisa<br />

O fato <strong>de</strong> que esta pesquisa foi quanto a fonte <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s uma<br />

pesquisa bibliográfica, facilitou enormemente o aparecimento da<strong>do</strong>s relevantes para a<br />

compreensão da elaboração <strong>do</strong> processo <strong>do</strong> luto. Como também <strong>de</strong> suas dificulda<strong>de</strong>s<br />

e resistências vividas por esses sujeitos no trabalho psicoterápico. Os relatos <strong>de</strong><br />

psicoterapia grupal mostraram como intervir em situações <strong>de</strong> negação e resistência ao<br />

aprofundamento das questões, em situações <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong>s terapeutas, da<br />

<strong>de</strong>manda excessiva <strong>de</strong> atenção exclusiva, <strong>do</strong> culto a <strong>do</strong>r e supervalorização <strong>do</strong>s<br />

sintomas, temor <strong>do</strong> fracasso em manter a vida, e temor da separação nas férias <strong>do</strong><br />

terapeuta, pela ansieda<strong>de</strong> por um futuro incerto e por fim da morte, em situações<br />

grupais. Relatos como a expressão da raiva ou a revelação <strong>de</strong> lembrança <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s<br />

significativos que interferiram no momento imaginário da infecção e <strong>de</strong> que forma isso<br />

se conduziu nas sessões <strong>de</strong> psicoterapia dificilmente apareceriam em entrevistas<br />

avulsas ou questionários como instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

A escolha <strong>do</strong> méto<strong>do</strong>, vista por este aspecto foi a<strong>de</strong>quada, apenas limitou o<br />

conhecimento que se tem <strong>do</strong>s casos àquilo que foi prioriza<strong>do</strong> pelos autores <strong>do</strong> artigo ou<br />

dissertação, fican<strong>do</strong> a pesquisa<strong>do</strong>ra sem condições <strong>de</strong> obter mais da<strong>do</strong>s sobre a<br />

história <strong>do</strong>s sujeitos em questão, como nos casos Tom e Brad que pouco se soube<br />

sobre suas famílias e seus conflitos.<br />

No caso <strong>do</strong> quarto objetivo específico, que era o <strong>de</strong> caracterizar a<br />

especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> psicoterapia psicodinâmica nas situações <strong>de</strong> luto em


101<br />

sujeitos porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> HIV positivo os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s confirmaram pesquisas<br />

anteriores sobre processos psíquicos e HIV. Na associação a quadro clínico <strong>de</strong><br />

melancolia e <strong>de</strong> coincidência das situações <strong>de</strong> perdas significativas e exposição <strong>de</strong><br />

risco, em ambos são passíveis <strong>de</strong> investigações que busquem compreen<strong>de</strong>r os limites<br />

e os encontros entre forças <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> prazer narcísico e <strong>de</strong> morte. Os da<strong>do</strong>s<br />

encontra<strong>do</strong>s mereceriam maiores estu<strong>do</strong>s e pesquisas na intenção <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a<br />

associação entre pulsões <strong>de</strong> morte e busca <strong>do</strong> prazer, amplian<strong>do</strong> a compreensão que<br />

se tem das possibilida<strong>de</strong>s e limites na intervenção clínica.


102<br />

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