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A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...

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História, imag<strong>em</strong> e narrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

idólatras e tinham o d<strong>em</strong>ônio como í<strong>do</strong>lo. Essa percepção é uma justificativa mais <strong>do</strong> que<br />

plausível para que foss<strong>em</strong> persegui<strong>do</strong>s e, conseqüent<strong>em</strong>ente, expulsos <strong>do</strong> continente, caso não<br />

se convertess<strong>em</strong> ao cristianismo. (Id<strong>em</strong>, p. 260-277)<br />

As conversões pretendiam ser um paliativo para o clima de t<strong>em</strong>or instala<strong>do</strong> por toda<br />

parte. Entretanto, a despeito da conversão, muitos cristãos novos continuavam a praticar <strong>em</strong><br />

seus lares os antigos cultos. No caso de Granada, os mouros que mantinham a prática islâmica<br />

<strong>em</strong> seus lares foram expulsos, muitos <strong>do</strong>s quais inauguraram sua diáspora na Índia.<br />

No contexto cristão, a desobediência aos preceitos éticos e morais da Igreja gerava<br />

punição, pois a condição natural era obedecer-lhes. Como os mouros professavam outro<br />

cre<strong>do</strong>, eram considera<strong>do</strong>s bárbaros e, por isso, precisavam ser civiliza<strong>do</strong>s, l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong> que<br />

civiliza<strong>do</strong>, aqui, equivale a cristianiza<strong>do</strong>. Parece que os cristãos europeus tinham o desejo de<br />

ultrapassar os limites <strong>do</strong> consciente e realizar uma mudança radical na postura daqueles que<br />

consideravam infiéis. Além de desejar<strong>em</strong> a colonização <strong>do</strong> imaginário, <strong>em</strong>penhavam-se<br />

também na colonização <strong>do</strong> inconsciente.<br />

De que mo<strong>do</strong> esse afã coloniza<strong>do</strong>r de almas bárbaras pode ser visto <strong>em</strong> Os<br />

Lusíadas As características atribuídas aos mouros, ao longo da narrativa, estão<br />

simetricamente espelhadas nas características <strong>do</strong>s próprios portugueses. Entretanto, o uso da<br />

força, <strong>do</strong> engenho, da astúcia, da ira, da falsidade, da brutalidade, quan<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> português,<br />

é uma ação positiva. Quan<strong>do</strong> essas mesmas características são vistas no outro, ganham<br />

contornos negativos. Ora, se os portugueses se val<strong>em</strong> desses expedientes <strong>em</strong> favor da fé e da<br />

expansão através <strong>do</strong>s mares, seu <strong>em</strong>penho é louvável e benéfico. Mas, se, por outro la<strong>do</strong>, são<br />

os infiéis que se val<strong>em</strong> <strong>do</strong>s mesmos expedientes, sua ação é torpe, pois a utilizam <strong>em</strong> honra de<br />

Maomé e não de Deus. Assim, um português astuto, bravo e ardiloso é um excelente guerreiro<br />

<strong>em</strong> favor de sua pátria e cre<strong>do</strong>, ao passo que o mouro, com esses mesmos epítetos, é um<br />

bárbaro; precisa ser civiliza<strong>do</strong> nos preceitos ocidentais.<br />

O me<strong>do</strong>, então, torna-se produtivo, pois gera nos indivíduos uma necessidade de<br />

defesa, aqui explicitada pela negação da alteridade e pela impossibilidade da convivência com<br />

as diferenças, porque aceitá-las seria profanar o cristianismo. No caso específico de Portugal,<br />

profanar a verdade, ainda que mítica, contida no Milagre de Ourique, era colocar <strong>em</strong> risco a<br />

existência de uma nação <strong>em</strong> cuja gênese já se professava a conquista, o <strong>do</strong>mínio e civilização<br />

de outras terras e culturas.<br />

Bakhtin, <strong>em</strong> Estética da criação verbal, diz: “num mun<strong>do</strong> que me é exterior, o outro<br />

se oferece por inteiro à minha visão, enquanto el<strong>em</strong>ento constitutivo desse mun<strong>do</strong>. A cada<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

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