A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...
A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...
A casa portuguesa: Cristãos conquistadores em O último suspiro do ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
História, imag<strong>em</strong> e narrativas<br />
N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />
O ar é o meio pelo qual, no romance, tanto o corpo quanto o universo são unifica<strong>do</strong>s.<br />
Contrarian<strong>do</strong> o que afirmam filósofos como Zenão e Crisipo, (Cf. PETERS, 1983, p. 193)<br />
que acreditam que to<strong>do</strong> centro pneumático t<strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a diretivo, e que o <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> é o<br />
coração, o Mouro elege como sist<strong>em</strong>a diretivo o pulmão. Nele está projetada,<br />
metaforicamente, a incapacidade da narrativa de se estruturar senão a partir de <strong>suspiro</strong>s<br />
outros, uma vez que, acometi<strong>do</strong> pela asma, o pulmão perde grande parte de sua capacidade<br />
armazena<strong>do</strong>ra. Assim é que, prestes a uma falência física, <strong>em</strong> decorrência de uma crise<br />
asmática, o narra<strong>do</strong>r recorre a arquivos e estratégias culturais de outros t<strong>em</strong>pos e espaços,<br />
para manter, ainda que precariamente, sua vida e a vida da narrativa <strong>em</strong> funcionamento.<br />
Dessa forma, o relato camoniano ecoa como um palimpsesto que, rasura<strong>do</strong>, dá<br />
existência ao texto de Rushdie. Contu<strong>do</strong>, os portugueses são aqui projeta<strong>do</strong>s no mesmo<br />
espelho que a cultura muçulmana, a judaica e a hindu. É a partir dessa perspectiva rasurada<br />
que Rushdie reescreve, sob o viés pós-moderno, a história das identidades culturais que<br />
contribuíram para a formação da Índia cont<strong>em</strong>porânea. Neste artigo, entretanto, enfatizou-se<br />
de que maneira os portugueses – cristãos e <strong>conquista<strong>do</strong>res</strong> – desejam impor ao mun<strong>do</strong> que<br />
“civiliza” a fôrma de sua identidade e, por intermédio <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, inculcar nos cristãos a idéia<br />
de que os povos que resist<strong>em</strong> a esse processo são denomina<strong>do</strong>s infiéis.<br />
Uma leitura atenta de pistas colhidas não só n’Os Lusíadas, mas também <strong>em</strong> O<br />
último <strong>suspiro</strong> <strong>do</strong> mouro evidencia o quanto a compreensão <strong>do</strong> que foi e é a identidade<br />
<strong>portuguesa</strong> passa por entender o que significou a presença da “maura gente” <strong>em</strong> terras<br />
lusitanas e além. Repensar essa identidade na intricada rede elaborada por Salman Rushdie<br />
ajuda a entendê-la na sua constante e necessária mobilidade, porque nela circulam e<br />
conviv<strong>em</strong>, ainda que para<strong>do</strong>xalmente, muitos eus. Se fosse possível à humanidade<br />
compreender que somos como os textos literários: fragmentos de fragmentos que refratam e<br />
reverberam <strong>em</strong> outras culturas, talvez pudéss<strong>em</strong>os substituir o me<strong>do</strong>, esse que nos assombra,<br />
principalmente depois das investidas coloniza<strong>do</strong>ras, pela tolerância. Afinal, respiramos o<br />
mesmo ar.<br />
Referências Bibliográficas:<br />
ALBUQUERQUE, Luís de. Sobre o ambiente <strong>em</strong> que Camões planeou Os Lusíadas. Lisboa:<br />
Acad<strong>em</strong>ia das Ciências de Lisboa, 1980. Separata de: Com<strong>em</strong>oração <strong>do</strong> IV Centenário da<br />
Morte de Camões, Lisboa, 1980.<br />
http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />
110