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A saudade de casa apertava cada vez mais e eu<br />

chorei, tomada por um forte sentimento de remorso.<br />

Comecei a lembrar de quando brigava com os meus irmãos<br />

e me doía pensar que nunca mais estaria com eles. Por<br />

um golpe de sorte, fui encontrada por uma tia, chamada<br />

Cândida. A partir daí, minha jornada seria ao lado dela e<br />

do marido, um português ruivo e cheio de sardas. O casal<br />

tinha ainda uma filha biológica e outra adotiva.<br />

Fomos acolhidos em um grande acampamento em<br />

Kinshasa, capital do Zaire, hoje, República Democrática<br />

do Congo. Era impressionante ver aquele mar de gente<br />

andando para lá e para cá. Ali, imperava a lei do mais<br />

forte, e as crianças, definitivamente, não tinham vez.<br />

Os adultos dormiam em pedaços de colchões. Para nós,<br />

só restava o chão frio. Peguei sarna, piolho, frieira. Fui<br />

testemunha de todo tipo de violência e promiscuidade.<br />

Nem as meninas eram poupadas de tanto assédio. Ainda<br />

por cima, precisávamos conviver com as ofensas diárias dos<br />

zairenses, que nos enxotavam e diziam que estávamos lá<br />

apenas para sujar a cidade.<br />

Em um dia qualquer do mês de março, chegou<br />

a notícia de que os portugueses e suas famílias seriam<br />

repatriados. A princípio, pareceu a esperança de dias<br />

mais amenos, mas o fato é que aquele momento teve um<br />

peso incontestável na minha história. Estava dando adeus<br />

à minha querida mãe África, ao meu povo e à minha<br />

verdadeira identidade. Dali em diante, não seria mais uma<br />

negra entre tantos negros. Seria uma negra em um país de<br />

brancos. E isso fez – e ainda faz – toda a diferença.<br />

Meus tios, as filhas e eu desembarcamos em Lisboa<br />

em uma época de muito frio. Seguimos direto para a<br />

pequena cidade de Castro D’Aire e, lá, fomos alojados<br />

em pensões pagas pelo governo português. É impossível<br />

esquecer o olhar com que a população nativa nos recebeu,<br />

como se fôssemos bichos selvagens prestes a atacar<br />

qualquer um que passasse pela frente.<br />

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