30.01.2015 Views

Antonia Terra Calazans Fernandes(USP) - ANPUH-SP

Antonia Terra Calazans Fernandes(USP) - ANPUH-SP

Antonia Terra Calazans Fernandes(USP) - ANPUH-SP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

1<br />

<strong>ANPUH</strong>-<strong>SP</strong> - XX ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA<br />

HISTÓRIA E LIBERDADE<br />

Franca, 6 a 10 de setembro de 2010.<br />

UNE<strong>SP</strong> - Campus de Franca<br />

10 de setembro - Mesa-Redonda – Currículo e reformas curriculares no estado de São<br />

Paulo – autonomia ou controle<br />

Apresentação: Profa. Dra. <strong>Antonia</strong> <strong>Terra</strong> de <strong>Calazans</strong> <strong>Fernandes</strong> – FFLCH- <strong>U<strong>SP</strong></strong><br />

Tema: Reformas curriculares e práticas escolares<br />

Resumo: A partir dos fundamentos teóricos de Maurice Tardiff de valorização dos<br />

saberes docentes, e de André Chervel de considerar a importância de análises dos<br />

currículos a partir das dimensões reais da escola, a apresentação tem a finalidade de<br />

discorrer sobre a complexidade de relações entre políticas educacionais públicas,<br />

currículos, materiais didáticos, desenvolvimento de práticas didáticas pelos professores e<br />

aprendizagens dos alunos.<br />

Palavras chaves: ensino de História, proposta curricular, material didático.<br />

Nos anos de 2008 e 2009, a secretaria de educação do estado de São Paulo<br />

produziu uma série de documentos com orientação e implementação curricular: Proposta<br />

Curricular – 2008; Jornal do Aluno – “São Paulo Faz Escola” – fev de 2008; Caderno do<br />

professor – 2008; Cadernos dos alunos – 2009. Todos os materiais estavam voltados,<br />

segundo os documentos oficiais, para uma ação “integrada e articulada” para organizar<br />

o sistema educacional, contestando as determinações da LDB de 1996, que propunham<br />

autonomia das escolas para definirem seus projetos político-pedagógicos. A secretaria<br />

justificou dizendo que a descentralização e a autonomia das escolas eram “táticas<br />

ineficientes” para a avaliação e qualidade do sistema.<br />

Os documentos e as ações da secretaria do estado contrariavam, então, o artigo 14<br />

da LDB, onde ficou estabelecido:<br />

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática<br />

do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e<br />

conforme os seguintes princípios:<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


2<br />

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto<br />

pedagógico da escola;<br />

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares<br />

ou equivalentes.<br />

Os documentos e as ações da secretaria do estado contrastavam também com as<br />

reflexões educacionais contemporâneas, que valorizam saberes dos diferentes sujeitos<br />

sociais presentes na escola, principalmente dos estudantes e dos professores, como<br />

orientam Paulo Freire, Michael Apple, Jean-Claude Forquin, Dominique Juliá, André<br />

Chervel, Maurice Tardiff e muitos outros.<br />

Como explicar então essa política de centralização da educação adotada pela<br />

secretaria do estado de São Paulo Segundo o educador português João Formosinho 1 ,<br />

problema semelhante tem sido encontrado em outros locais do mundo, como sendo uma<br />

expressão de uma grande contradição da educação contemporânea, que inclui o conflito<br />

entre: 1) as transformações sociais e econômicas mundiais e nacionais, que<br />

desencadearam mudanças nas finalidades escolares para atender uma população<br />

heterogênea em grande escala a partir da escola obrigatória; e 2) a permanência de um<br />

modelo educacional herdado de outra época, quando a escola voltava-se quase<br />

exclusivamente para uma única classe social, acolhendo principalmente os filhos das<br />

elites. Para o autor, esse conflito é próprio da “escola de massa”.<br />

O sistema educacional responde às questões da escola atual com centralização,<br />

controle, vigilância e padronização do ensino, enquanto a escola eclode em problemas,<br />

com alunos provenientes de realidades sociais heterogêneas, vivendo em contextos<br />

comunitários diversificados (de áreas urbanas, rurais, suburbanas), onde as culturas e os<br />

valores são diversos, atuando a partir de diferentes projetos de vida, construindo<br />

expectativas dispares em relação à escolaridade, pertencentes a famílias com distintos<br />

investimentos e motivações na obtenção das certificações.<br />

A heterogeneidade devia corresponder a um processo de diversificação curricular<br />

e metodológica, já que os processos de ensino testados nas escolas anteriores de elite tem<br />

falhado na escola de massa. Todavia, a resposta do sistema educacional tem sido<br />

contrária. Corresponde a um processo de uniformidade (pedagógico e organizacional):<br />

1) um currículo centralizado, iluminista, enciclopedista, uniforme para todos os alunos,<br />

preparatório e seguindo um sequencialismo - completamente independente da<br />

1 FORMOSINHO, João. Ser professor na escola de massas. IN: Formação de professores – Aprendizagem<br />

profissional e acção docente. Porto, Portugal: Porto Editora, 2009, p. 37 – 69.<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


3<br />

aprendizagem real e indiferente à sua eficácia – baseado no aluno médio, professor médio<br />

e escola medianamente equipada; 2) uma pedagogia uniforme – mesmos conteúdos,<br />

mesmo tempo de aula, mesma distribuição de disciplinas, controle do tempo escolar<br />

(interferindo no método de ensino), que acaba refletindo em insatisfações dos discentes,<br />

dos docentes e da sociedade.<br />

Nessa linha, seguindo padrões mundiais das “escolas de massa”, a centralidade<br />

curricular promovida pela secretaria de educação do estado de São Paulo foi configurada<br />

através de material sistemático de planejamento docente, também de material didático<br />

para os estudantes com exercícios de fixação de conteúdos, e ainda de sistema unificado<br />

de avaliação de aprendizagem, com resultado associado à promoção profissional dos<br />

professores. Nos discursos correntes nos meios de comunicação, a implantação do<br />

sistema tinha a intenção de garantir a qualidade do ensino, partindo da crença que ele<br />

deveria suplantar as deficiências de formação dos professores. E o uso sistemático dos<br />

materiais didáticos, produzidos especialmente para o programa, deveria garantir melhores<br />

resultados nas avaliações oficiais. Implantava-se assim um discurso normativo do que os<br />

alunos deveriam aprender e como os professores deveriam ensinar.<br />

O que esperar de avaliações unificadas É lúcido afirmar que a preocupação com<br />

a aprendizagem difere, nesse caso, das propostas dos autores socio-interacionaistas, que<br />

orientam para o reconhecimento, por parte do professor e do sistema educacional, das<br />

reconstruções dos alunos ao lidarem com o saber escolar, já que se reconhece que<br />

possuem representações e saberes sociais, que são recriados na interação com o que<br />

estudam na escola. A preocupação com a aprendizagem demanda uma série de reflexões<br />

e novas práticas por parte do professor e não unicamente resultados de processos<br />

unificados de avaliação formal.<br />

Dentro desse quadro mais amplo, a proposta desse texto é apresentar algumas<br />

reflexões sobre os cadernos de História dos alunos, para o ensino fundamental II, e seus<br />

resultados na aprendizagem, a partir da análise de exemplares utilizados e preenchidos<br />

em sala de aula ao longo de um bimestre letivo, doados por diferentes docentes que os<br />

cederam para estudo. Afinal, partimos da idéia de que os cadernos são conseqüência da<br />

proposta curricular de História, e que eles a concretizam na dinâmica escolar.<br />

Os cadernos dos alunos<br />

Foram analisados:<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


4<br />

Cadernos do aluno<br />

História<br />

2010<br />

Volume I<br />

5ª. série / 6º. ano 35<br />

6ª. série / 7º. ano 02<br />

7ª. série / 8º. ano 05<br />

8ª. série / 9º. ano 07<br />

Os cadernos possuem exatamente 40 páginas, com uma apresentação para o aluno<br />

que é igual em todos os anos escolares. Nessa apresentação há recomendações que<br />

estimulam valores de respeito, atitudes positivas e o estudo prazeroso. O objetivo da<br />

disciplina é apresentado como sendo o de compreender o significado de diversas<br />

sociedades e culturas (“incluindo a nossa”), defendendo, contraditoriamente, a idéia de<br />

que o conhecimento produzido pela humanidade é um “tesouro”. Intencionalmente ou<br />

não, a idéia de “tesouro” contém uma possível separação do passado (o tesouro herdado)<br />

dos acontecimentos do presente, ou de qualquer outra seleção de acontecimentos<br />

relevantes por outra possível reinterpretação histórica. Assim, nessa conotação, os<br />

estudos históricos são entendidos na perspectiva da erudição, dos legados já apresentados<br />

prontos, das grandes obras indiscutivelmente importantes criadas pela “humanidade”, que<br />

não deixam de esbarrar nas associações históricas com a história européia.<br />

Nessa apresentação, a ausência de uma especificidade de compromisso do ensino<br />

de história com as realidades brasileiras, ou latino-americanas, revela o não<br />

enfrentamento de uma das finalidades, recorrente em diferentes materiais e currículos do<br />

ensino de história, que é de propiciar aos alunos a identificação e a análise das<br />

contradições da sociedade em que vivem, para que possam dimensioná-la historicamente.<br />

O foco do material para os “tesouros” da humanidade orienta uma formação para<br />

iluminar o espírito dos jovens, e não propriamente para uma atuação e uma compreensão<br />

do mundo vivido, seja na dimensão do cotidiano, seja em perspectivas conjunturais ou<br />

estruturais. Não são prioridades as vivências contemporâneas e nem suas relações<br />

históricas com outras épocas ou com uma diversidade de sociedades; não estão em<br />

primazia os compromissos com estudos das desigualdades sociais, das dominações entre<br />

as classes e sociedades, das submissões, da exploração, da predominância de uma<br />

sociedade que privilegia a mercadoria em vez de valores humanistas.<br />

Nos cadernos dos alunos, a perspectiva é diferente. Para alcançar o tesouro, o<br />

conhecimento, há orientações para o estudante disciplinar o espírito para estudar. A ele é<br />

recomendado atenção nas aulas, fazer anotações, pesquisa, realizar trocas e descobertas.<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


5<br />

Fica evidente valores iluministas, com a preocupação de uma educação escolar voltada<br />

para uma formação moral e enciclopedista.<br />

Cada caderno apresenta quatro partes, designadas de “situações de<br />

aprendizagens”, que correspondem a temas de estudo convencionais, encontrados na<br />

maioria dos livros didáticos de História, com predomínio da história européia, que<br />

direciona a pouca inserção da história do Brasil, das Américas e da África. Nesse início<br />

do ano de 2010, apenas os alunos do 9º. ano, de todas as escolas da rede pública do<br />

estado de São Paulo chegaram a estudar um tema específico da história brasileira.<br />

Cadernos do<br />

aluno<br />

História<br />

2010<br />

Volume I<br />

Situações de aprendizagens<br />

5ª. série / 6º. ano 1. Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao<br />

longo da história<br />

2. As linguagens das fontes históricas...<br />

3. A vida na pré-história e a escrita<br />

4. Os suportes e os instrumentos da escrita<br />

6ª. série / 7º. ano 1. O feudalismo em suas relações sociais, econômicas...<br />

2. As cruzadas e os contatos entre as sociedades européias<br />

e orientais<br />

3. O renascimento comercial e urbano<br />

4. O renascimento cultural e científico<br />

7ª. série / 8º. ano 1. O iluminismo<br />

2. A colonização inglesa e a independência dos EUA<br />

3. A colonização espanhola e a independência da América<br />

espanhola<br />

4. A revolução industrial inglesa<br />

8ª. série / 9º. ano 1. Imperialismo e neocolonialismo no século XIX<br />

2. A primeira Guerra Mundial<br />

3. A revolução russa e o stalinismo<br />

4. A república no Brasil<br />

A partir dos temas, os cadernos apresentam basicamente exercícios (para classe e<br />

para casa), com espaço para o aluno responder, orientações para desenvolvimento de<br />

atividades, alguns textos (assinados pelos elaboradores, por outros autores e documentos<br />

de outras épocas), indicações de pesquisas e de bibliografias, sites e filmes para saber<br />

mais, e avaliações de aprendizagem (testes de múltipla escolha e dissertativos). As<br />

páginas possuem imagens com diferentes funções: ilustração, elementos de exercícios e<br />

para associação com dados apresentados nos textos. Os exercícios envolvendo textos<br />

frequentemente solicitam procedimentos de leitura, sugerindo ao aluno procurar<br />

significados de palavras, marcação das idéias principais, coleta de informações para<br />

responder questões específicas e sínteses das idéias dos parágrafos.<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


6<br />

Infelizmente, para a formação de um bom leitor não bastam esses procedimentos.<br />

É preciso que o leitor aprenda a ir além do texto (ou da obra), ou seja, aprenda a<br />

identificar e questionar os autores, os gêneros textuais, as linguagens, os contextos e os<br />

temas do qual falam, pois todos esses elementos comprometem as idéias defendidas.<br />

Textos e verdades precisam ser relativizados, na medida em que as sociedades, as idéias e<br />

os compromissos ideológicos e políticos se transformam historicamente. Confrontações<br />

de autores e argumentos, o uso de procedimentos metodológicos de análise de<br />

documentos históricos contribui significativamente na formação de leitores críticos.<br />

Assim, os exercícios de leitura nos cadernos são limitados, na medida em que são<br />

dirigidos para a coleta simples de dados, como se os textos de estudos históricos<br />

pudessem ser unicamente entendidos como verbetes de enciclopédias.<br />

Por sua vez, os testes de múltiplas escolhas no final de cada tema revelam a<br />

relação direta do material com a avaliação do sistema de ensino. A finalidade da<br />

educação passa a ser o resultado quantitativo de acertos. E a nota final das escolas passa a<br />

qualificar o desenvolvimento da sociedade paulista nas avaliações nacionais e<br />

internacionais.<br />

A maior parte dos cadernos analisados está preenchida pelos alunos. Isso significa<br />

que os professores fazem realmente uso desses cadernos em sala de aula, e que trabalham<br />

os temas apresentados e perseguem uma metodologia organizada pelo material. Assim, a<br />

interferência dos cadernos é efetiva nas didáticas dos docentes. Isso significa, pelo menos<br />

em parte, homogeneizar as aulas, os estudos dos alunos (conteúdos e métodos) e o papel<br />

do professor, que passa a ser, como analisa Torres 2 , citado por Kazumi Munakata,<br />

simples manipulador de textos e manuais, limitando sua formação e crescimento. Nos<br />

cadernos, as anotações indicam esse limite de interferência do professor, que se manifesta<br />

basicamente por sugestões de consultas ao livro didático, abandono de certas atividades,<br />

por meio de vistos de acertos e erros nas respostas dos alunos nos exercícios, ou de<br />

conciliação formal de uso dos cadernos com suas práticas educativas efetivamente<br />

correntes.<br />

As anotações dos estudantes nos cadernos sugerem: algumas atividades não<br />

designadas para esse fim são solicitadas como lição de casa; os alunos sublinham<br />

2 TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica As estratégias do Banco Mundial. In:<br />

TOMMAS, Livia de; WARDE, Miriam Jorge; e HADDAD, Sérgio (org.). O Branco Mundial e as políticas<br />

educacionais, 2ª. Ed. São Paulo: Cortez, 1998, p. 157 – 157. APUD, MUNAKATA, Kazumi. O livro<br />

didático e o professor: entre a ortodoxia e a apropriação. IN: MONTEIRO, Ana Maria, GA<strong>SP</strong>ARELLO,<br />

Arlette Medeiros, e MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História – Sujeitos, saberes e práticas.<br />

Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007, p. 140.<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


7<br />

frequentemente trechos dos textos quando isso é solicitado pelo material; os professores<br />

aconselham páginas de outros livros para consulta e solução dos exercícios; dão visto nas<br />

respostas assinalando se corretas ou erradas, com correção de informações e ortografia, e<br />

interrogações em exercícios não realizados. Nas correções, alguns professores são<br />

exigentes no uso das expressões consideradas corretas. Nos cadernos analisados, os<br />

espaços para registros de atividades de pesquisas geralmente não são preenchidos. A<br />

explicação para o não desenvolvimento de pesquisas sugere outras investigações.<br />

Kazumi Munakata, analisando a relação entre livros didáticos e a prática dos<br />

professores, lembra que muitos materiais solicitam atividades escolares à revelia do<br />

professor, interferindo na sua autonomia e na sua orientação dos estudos dos alunos 3 . No<br />

caso de solicitação de pesquisas, é possível ainda considerar as distâncias entre as<br />

expectativas do material em relação a um aluno ideal, e efetivamente as condições<br />

oferecidas pela escola, comunidade ou família.<br />

Os textos e os exercícios dos cadernos cumprem fundamentalmente o papel de<br />

sistematização e síntese de temas históricos, com uma evidente intencionalidade de<br />

fixação de informações e conceitos, que são colhidos diretamente dos textos apresentados<br />

e sem muita possibilidade de variação para a forma escrita da resposta. Quando mais<br />

dedicados à leitura (pois sublinham os textos do caderno), os alunos tendem a acertar o<br />

que era esperado. Porém, muitos erram a partir de uma referência formal solicitada, que<br />

não respeita suas lógicas em construção, e nem seus processos. Por exemplo, no 6º. ano,<br />

pelas escritas dos alunos é freqüente respostas com textos descritivos, quando a<br />

solicitação dos exercícios centra-se na avaliação de domínios conceituais. Muitos<br />

escrevem “chuva” para uma fotografia que tem a intenção de representar o “clima” no<br />

estudo do tempo; outros escrevem “Colombo chega ao Brasil” (que está escrito no pé da<br />

imagem), em vez de identificarem a gravura como exemplo de “tempo histórico”; ou<br />

escrevem “paisagem” em vez de “fonte visual”. Sem liberdade para expressarem suas<br />

dificuldades ou seu tempo de amadurecimento cognitivo, os alunos são frequentementes<br />

corrigidos com vistos de certo ou errado, sem apreciação ou diagnósticos de seus avanços<br />

ou dificuldades. As poucas questões abertas para propriamente acolherem seus saberes só<br />

são encontradas no início do caderno, quando ainda não iniciaram os estudos.<br />

Apesar da política da secretaria não levar em consideração, é necessário ponderar<br />

fundamentalmente que diferentes leitores (professores e alunos) dos cadernos não<br />

realizam a mesma leitura ou entendimento dos textos, e nem possuem as mesmas<br />

3 MUNAKATA, idem, p. 142.<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.


8<br />

expectativas em relação aos exercícios. Existe uma heterogeneidade de compreensão de<br />

um mesmo material e dos temas, por conta de leituras construídas a partir de repertórios,<br />

formações e idades variadas. Apesar das normatizações impostas, professores e alunos de<br />

algum modo recriam as situações e conteúdos escolares, mesmo que isso não seja<br />

reconhecido pelas avaliações oficiais.<br />

Os dados levantados a partir da análise dos “cadernos usados pelos alunos em sala<br />

de aula” solicitam ainda confrontação com outras fontes documentais, como no caso dos<br />

planejamentos dos professores, a observação direta das aulas e possíveis entrevistas.<br />

Todavia, esse levantamento revela preliminarmente qual o tipo de compromisso político<br />

de uma secretaria de educação com a formação de seus jovens e o que realmente esperam<br />

do trabalho de seus docentes.<br />

Bibliografia<br />

APPLE, Michael. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.<br />

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004<br />

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre o campo de<br />

pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.<br />

FORMOSINHO, João. Formação de professores – Aprendizagem profissional e acção docente.<br />

Porto, Portugal: Porto Editora, 2009.<br />

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura – As bases sociais e epistemológicas do<br />

conhecimento escolar. Porto Alegre: ArtMed, 1993.<br />

FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia - O cotidiano do professor. 5 a . ed., Rio de Janeiro:<br />

Paz e <strong>Terra</strong>, 1986.<br />

MUNAKATA, Kazumi. O livro didático e o professor: entre a ortodoxia e a apropriação. IN:<br />

MONTEIRO, Ana Maria, GA<strong>SP</strong>ARELLO, Arlette Medeiros, e MAGALHÃES, Marcelo de<br />

Souza. Ensino de História – Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ,<br />

2007, p. 137 – 147.<br />

TARDIFF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.<br />

ZABALA, Antoni. A prática educativa - Como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.<br />

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – UNE<strong>SP</strong>-Franca. 06 a 10<br />

de setembro de 2010. Cd-Rom.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!