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Livro Didático, Movimento Negro e PNLD: uma ... - ANPUH-SP

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<strong>Livro</strong> Didático, <strong>Movimento</strong> <strong>Negro</strong> e <strong>PNLD</strong>: <strong>uma</strong> proposta de pesquisa. 1Mírian Cristina de Moura GarridoMestranda em História, UNE<strong>SP</strong>/AssisAo longo da constituição do ideal de nação na história brasileira, houve a opção deadotar um conceito homogêneo de cidadania em detrimento de <strong>uma</strong> posição que privilegiasse asmúltiplas realidades étnicas e culturais do país.Como exemplo desse processo 2 , durante o período do Estado Novo as pesquisas deGilberto Freyre 3 ganham destaque nacional. Em sua obra clássica, Casa-Grande e Senzala,argumentando em prol de <strong>uma</strong> sociedade escravocrata de relações harmoniosas o autorincorpora as características dos formadores da sociedade brasileira em apenas um elemento, omiscigenado, por essa via, nega-se o conflito racial no Brasil e instaura-se a idéia de <strong>uma</strong>sociedade homogênea. O mito da democracia racial representou <strong>uma</strong> peça fundamental para aimplementação das propostas governamentais de Getúlio Vargas, pois possibilitava adequar amão-de-obra existente aos moldes industriais, ou seja, “começou um processo de redefiniçãoideológica do trabalho braçal, especializado ou não, qualificado ou sem qualificação [...]Tratava-se de libertar a força de trabalho e o trabalhador do estigma criado por séculos deescravismo” 4 . 5Para a construção da identidade nacional, diversos elementos transformaram-se em alvoda institucionalização, assim a feijoada, a capoeira, o samba, entre outros, tornaram-seelementos da cultura brasileira. “O momento coincide, ainda, com a escolha de Nossa Senhora1 As discussões aqui apresentadas fazem referência a um período preliminar do que virá a ser dissertação da autora,logo não existem conclusões definidas quanto aos problemas ou questões aqui levantadas, entretanto, trazer à tona aproposta de pesquisa, em importante encontro como a <strong>ANPUH</strong>, representa a possibilidade de amadurecer aspretensões do trabalho.2 Usamos o período como exemplo, porque acreditamos que a exclusão do negro enquanto elemento constitutivo dasociedade brasileira é alvo de discussão mesmo antes do período pormenorizado, além disso, as discussões relativasao negro na sociedade são também realizadas pós-Freyre, como no caso das análises de Florestan Fernandes.3 Considerado responsável pelo status de cientificidade da chamada “democracia racial”.4 IANNI, Octávio. A idéia de Brasil Moderno. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p.105.5 Importante instrumento utilizado pelo governo foi à educação, a exemplo disso, os livros didáticos do períodosalientavam a importância do africano para a vida econômica do país, mas procuravam mostrar que a negritudepassava por um processo de diluição por intermédio da miscigenação. O discurso dominante era que a imigraçãoeuropéia, a extinção do tráfico de escravos há quase um século e o efeito de leis de hereditariedade no crescimentodemográfico do país, teriam provocado o embranquecimento do povo. Neste sentido conferir: ABUD, Katia Maria.Formação da Alma e do Caráter Nacional. Ensino de História na Era Vargas. Revista Brasileira de História. 1998,vol 18, n.36.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


da Conceição Aparecida para padroeira do Brasil. Meio branca, meio negra, a nova santa eramestiça como os brasileiros” 6 .Apesar das “boas intenções”, a construção desse modelo de nação resultou naconstituição de <strong>uma</strong> sociedade que nega ser preconceituosa e inviabiliza a discussão do racismofora do âmbito da intimidade. Além disso, a naturalização de <strong>uma</strong> pretensa unidade social,impossibilita que a questão da desigualdade social seja vista pela ótica da desigualdadehistoricamente construída entre as diferentes etnias. De forma ilustrativa a pesquisa realizada em1988 por Lilia M. Schwarcz (1998) 7 , na cidade de São Paulo, aponta que 97% das pessoasentrevistadas afirmavam não ter preconceito e 98% dos mesmo entrevistados, admitiamconhecer pessoas que tinham manifestado seu preconceito. A pesquisa ainda revela que essaspessoas identificadas como preconceituosas eram, de maneira geral, muito próximas às pessoasentrevistadas: pai; mãe; conjugue; namorados e amigos. A autora sintetiza sua fala apontando:“Todo brasileiro parece se sentir, portanto, como <strong>uma</strong> ilha de democracia racial, cercado deracistas por todos os lados” 8 .Ao contrário do que se presume, os movimentos negros combateram essas noçõeshomogeneizantes, a exemplo temos a Frente Negra Brasileira (1931-1937) que teve sua vidapolítica reduzida, <strong>uma</strong> vez que, para a polícia política a discussão dos conflitos raciaissignificava por em xeque o ideal de democracia racial símbolo da nação. Durante a DitaduraMilitar, as tentativas dos movimentos negros na denúncia de sua realidade não compatível comoideal de sociedade almejado no plano político, foi também fruto de vigilância e coerção dapolícia política, no caso o DEOPS. 9O fim da Ditadura colocou na ordem do dia a preocupação de remover as heranças doautoritarismo e promover a cidadania por meio da inclusão social. Vários setores da sociedadeorganizaram-se e inauguraram novas formas de mobilização que encararam o cotidiano comoespaço de luta política. No que diz respeito ao combate às desigualdades raciais, a década de1970 foi marcada na mobilização política negra pela ênfase a identidade negra e a denúncia àdemocracia racial 10 . A década de 80 não perde esse caráter denunciativo, mas incorpora a6 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contraio: cor e raça na intimidade. In: NOVAIS,Fernando A.; SCHWARCZ, Lilia Moritz. (orgs) História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidadecontemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.197.7 SCHWARCZ, op.cit.8 Ibid, p.180.9 KÖSSLING, Karin Sant’ Anna. As Lutas Anti-Racistas de afro-descendentes sob vigilância do DEOPS/<strong>SP</strong> (1964-1983). Dissertação História Social, U<strong>SP</strong>, 2007, p. 71-79.10 Para Rodrigues, a luta anti-racista brasileira nesse período foi enriquecida pela experiência dos movimentosanteriores e o contexto de luta dos povos africanos, as lutas contra o Apartheid na África do Sul e dos negrosestadunidenses pelos direitos civis. Conferir: RODIGUES, Tatiane Cosentino. <strong>Movimento</strong> <strong>Negro</strong> no CenárioBrasileiro: Embates e Contribuições à Política Educacional nas décadas de 1980-1990. Dissertação – CiênciasSociais. UFSCar, 2005, p.41.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


pressão dos movimentos negros junto a alguns governos estudais e municipais para implementarpolíticas de valorização da população negra, possibilitando a construção de <strong>uma</strong> identidadepositiva ao segmento. 11Além das semelhanças e diferenças apontadas acima entre os movimentos negros emdiferentes momentos históricos, para Andréas Hofbauer (1999) 12 as orientações ideológicas einterpretações de cultura, raça e identidade do <strong>Movimento</strong> <strong>Negro</strong> Unificado (criado em 1978) eda Frente Negra Brasileira (década de 30) são divergentes, o MNU têm como foco a crítica aoregime político-econômico do país, não concebendo mais a noção de negro como culpado porsua situação econômica, como pensado pela FNB.A educação sempre foi considerada pelas organizações negras como importante campode disputa a ser incorporado por suas discussões, pois é entendida como instrumento deconscientização, valorização e inclusão social 13 . Assim, as lideranças negras procuraram searticular com o meio político a fim de influir na elaboração da Constituição de 1988 e a Lei deDiretrizes de Base da Educação 1996, de acordo com Rodrigues (2005) 14 apesar da poucaincorporação das propostas do segmento negro nesses dois momentos, houve ganhos nocombate à discriminação a partir de 1995, com a aprovação dos Parâmetros CurricularesNacionais (PCN’s), do Programa Nacional do <strong>Livro</strong> Didático (<strong>PNLD</strong>) e o manual “Superando oRacismo na Escola”. Também merecem destaque as conquistas da década seguinte: a criação doSeppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial) “que utiliza comoreferência política o Programa Brasil sem Racismo, que abrange a implementação de políticaspúblicas nas áreas do trabalho, emprego e renda; cultura e comunicação; educação; saúde; terrasde quilombos; mulheres negras; juventude, segurança e relações internacionais” 15 ; aprovação daLei n. 10.639 16 que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro Brasileira,orientada pelas Diretrizes Curriculares para Educação das relações Étnico-Raciais e para oensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; e a criação do SECAD (Secretaria de11 RODRIGUES, op. cit., p. 41-42.12 HOFBAUER, Andréas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. Doutorado em Antropologia,FFLECH da Universidade de São Paulo, 1999, p. 312.13 Sobre o assunto ver: GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. <strong>Movimento</strong>negro e educação. Revista Brasileira de Educação. 2000, nº 15, p. 134 – 158.14 RODRIGUES, op.cit.15 RODRIGUES, op. cit. , p.93.16 Militantes negros como Abdias do Nascimento acusam a escola de produzir e reproduzir a discriminação racialao valorizar conteúdos relacionados à Europa e aos EUA em detrimento da História dos africanos. Assim, aaprovação da Lei n. 10.639 atende <strong>uma</strong> antiga reivindicação do movimento negro apresentada no I Congresso do<strong>Negro</strong> Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do <strong>Negro</strong> em 1950; na Convenção Nacional do <strong>Negro</strong> pelaConstituinte, realizada em Brasília em 1986 que reivindicava inclusão da História da África e do <strong>Negro</strong> no Brasilem todos os níveis de ensino, a proibição de propaganda de guerra ou subversão da ordem e de preconceitos dereligião, raça, de cor e classe; e no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) vinculada ao Ministério da Educação, queenvolve entre outros temas, a educação de jovens e adultos, a diversidade étnico-racial.É relevante mencionar que antecipando o que viria a ser lei em 2003, com a 10.639, aspressões dos movimentos negros e suas articulações com políticos sensíveis à questão racialbrasileira, resultou por parte de alg<strong>uma</strong>s redes estaduais e municipais na adoção da História doContinente Africano e do <strong>Negro</strong> no Brasil. Entre os estados e municípios pioneiros encontramse:o Estado da Bahia; os Municípios de Belo Horizonte; de Porto Alegre; de Belém; deAracaju; de São Paulo; de Teresina; e Distrito Federal. 17Delimitando as discussõesPara nossa proposta atual de análise dois processos são fundamentais, a Lei 10.639/03 eas avaliações do Programa Nacional do <strong>Livro</strong> Didático, isso porque nosso objetivo é analisar asrepresentações do negro na literatura didática.A 10.639, em vigor desde 2003 que estabelece no âmbito nacional o estudo da Históriada África e dos afro-brasileiros, representa a concretização de <strong>uma</strong> das fortes reivindicações damilitância negra para a educação. Houve críticas quanto ao texto da lei, considerado genérico epor não determinar as formas de qualificação do professor ou da implementação da lei, alémdisso, coube apenas aos professores de Língua Portuguesa, Arte e História a execução dareferida lei, ignorando a existência da possibilidade de incorporar essas discussões em outrasdisciplinas 18 . Visando eliminar possíveis falhas na aplicação da lei, o Estado publicou, emparceira com militantes do movimento negro, as Diretrizes Curriculares Nacionais para aEducação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira eAfricana que atribui ao ensino a tarefa de reparar, reconhecer e valorizar a comunidade negra,possibilitando a superação de preconceitos e a melhoria qualitativa do ensino. O texto adverteque o racismo não se origina na escola, mas perpassa esse ambiente que, para ser democráticodeve permitir e estimular a discussão de temas como a discriminação. O discurso oficial,ostensivamente, aproxima-se das reivindicações da militância negra que cobra ações reparadorascomo forma de garantir o fim das desigualdades raciais.O governo brasileiro, no período da redemocratização, desenvolveu inúmeras reformas eprogramas educacionais, sendo a distribuição de livros didáticos <strong>uma</strong> das suas mais importantes17 SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei no. 10639/03 como fruto da luta anti-racista do <strong>Movimento</strong> <strong>Negro</strong>. In:Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nª 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização eDiversidade, 2005.18 Com relação a exemplos que possibilitem a ampliação das disciplinas no rol das executoras da valorização dacultura negra ver: SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Aprendizagem e ensino das africanidades brasileiras. In:MUNAGA, Kabengele.(org) Superando o racismo na escola. 3.ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria deEducação Fundamental, 2001, p. 151-168.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


ações 19 . Seja pela opção do assistencialismo à população mais carente, seja por pressão dasagências de financiamento internacionais, o fato é que o Brasil implementou o maior programade distribuição de livros do mundo, o que lhe valeu menção no Guiness e o converteu em umdos maiores compradores de livros do mundo 20 . Comprovam esse status, os valores gastos nacompra de didáticos em 2008: 559.752.767,00 (<strong>PNLD</strong>) e 186.733.493,13 (PNLEM) 21 . Sendo adistribuição, desde 1995, responsabilidade da Empresa Brasileira de Correio e Telégrafo (ECT),desempenho eficiente que lhe rendeu o prêmio World Mail, 2002, na categoria serviços aocliente, superando “concorrentes avançados” como o correio dos Estados Unidos, e ampliando avisibilidade do <strong>PNLD</strong>. Soma-se a esse cenário o aumento significativo dos programas dedistribuição de livros (como o já citado Programa Nacional de <strong>Livro</strong> Didático Para o EnsinoMédio – PNLEM – e para a Alfabetização de Jovens e Adultos – PNLA, além da distribuição dedicionários, obras em braile, livros de inglês e espanhol a partir de 2008 e compra de livros dediversos segmentos para a constituição de bibliotecas - PNBE).As avaliações dos livros didáticos tiveram início para o segundo ciclo do ensinofundamental em 1997 (<strong>PNLD</strong> 1999), desde então, o Estado compra apenas os aprovados, sendogarantida ao professor a seleção dentre essa lista de aprovados, que lhes são apresentados porintermédio do Guia do <strong>Livro</strong> Didático. A mesma estrutura é designada também às avaliações doensino médio, mas estas, com relação ao livro de História, tiveram início no PNLEM 2008.Críticas recaíram em relação a pouca autoridade do professor na escolha do manual didático,entretanto, países como Chile e México – lembrando que é conduta comum as avaliações empaíses com programas de distribuição de livros didáticos – exercem influência ainda maior nesseprocesso, no caso do México, por exemplo, não há avaliação para alguns níveis de ensino e oEstado é também produtor de livros didáticos para a educação pré-escolar e primária 22 .Os critérios para a exclusão de obras didáticas constituem resumidamente em: “1.conceitos e informações básicas incorretos; 2. incorreção e inadequação metodológica; 3.prejuízo à construção da cidadania (preconceitos)” 23 . O <strong>PNLD</strong> viabilizou a retirada do mercado,livros obsoletos e com erros graves, além de possibilitar que todos os alunos matriculados na19 Acreditamos na relevância de apontar que o <strong>PNLD</strong> surge no discurso oficial como novo programa de distribuiçãode livros, não mencionando a existência anterior do PLIDEF, por exemplo. “O objetivo é o de agregar valorpositivo a determinado governo que não quer ter usa imagem política associada ao governo anterior, que nessecaso, era <strong>uma</strong> ditadura.” CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil: dacriação do Programa Nacional do <strong>Livro</strong> Didático (<strong>PNLD</strong>) à entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). Tese em Educação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p.21.20 CASSIANO, op. cit., p. 10.21ABRALE – Associação Brasileira de Autores de <strong>Livro</strong>s Educativos. Disponível em:. Acesso em: 31 jan 08.22 CASSIANO, op. cit., p.81.23 BEZERRA, Holien Gonçalves; LUCA, Tânia Regina de. Em busca da qualidade – <strong>PNLD</strong> História – 1996-2004.In: <strong>SP</strong>OSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.) <strong>Livro</strong>s didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. SãoPaulo: Cultua Acadêmica, 2006, p.34.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


ede pública tenham acesso aos livros de diferentes disciplinas. Entretanto, é sabida a existênciade críticas em relação às ações governamentais, pois, essas estão envoltas por interesses diversose, por vezes conflitantes, capazes de influir sobre as direções adotadas, como exemplo, existe<strong>uma</strong> linha que acha prejudicial essa incisiva atuação política no livro didático, pois, resultaria napadronização do currículo, acreditamos, porém, que a multiplicidade de manuais escolaresinviabiliza esse tipo de crítica.O comprometimento estatal na compra de livros didáticos e o rígido sistema de avaliaçãoexigiram que o ramo editorial acompanhasse esse processo, o que resultou na profissionalizaçãodo setor e a transformação de editoras familiares em grupos empresariais 24 . Com relação àformação desses grupos empresariais, acrescenta-se como precedente a entrada de capitalestrangeiro no país, resultado das políticas acionadas pelo período da redemocratizaçãobrasileira como, por exemplo, a privatização de empresas estatais e a estabilização do mercadonacional. O grande diferencial desses grupos editoriais seria: seu poder de marketing; recursosdisponíveis para a elaboração de obras com múltiplos autores 25 – visando à incorporação dasorientações vigentes no ensino –; bem como, a possibilidade de comprar direitos autorais deobras clássicas, como o dicionário Aurélio, comprado pela Editora Moderna 26 . Contudo, entre ogrupo dos livros didáticos mais vendidos de 1990 a 2006, observa-se à manutenção de seiseditoras (Ática/Scipione; Editora do Brasil; FTD; IBEP/Cia. Editora Nacional; Saraiva/Atual;Moderna), apenas à partir de 2002 outras duas editoras tomam parte desse seleto grupo (Positivoe Nova Geração).A proposta de pesquisaDiante das informações delineadas até o momento, propomos a análise dos livrosdidáticos – representados por seus autores – que foram aprovados no <strong>PNLD</strong> e PNLEM em 2008e que tinham publicações didáticas antes das avaliações do Programa para o segundo ciclo doensino fundamental (1997). O recorte metodológico é válido também se pensado à luz daseditoras, pois, contempla sete das oito editoras mencionadas. Portanto, essa seleção nos permiteanalisar o “desenvolvimento” dos autores e editoras, possibilitando interpretar quais eram asrepresentações dos negros nos livros didáticos em 1997, antes das avaliações do <strong>PNLD</strong>, e seessas se modificam ao longo da existência das avaliações do <strong>PNLD</strong> e das condutas24 Neste sentido ver: CASSIANO, op.cit.; MUNAKATA, Kazumi.Produzindo livros didáticos e paradidáticos.Tese em História e Filosofia da Educação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997; GATTI JUNIOR,Décio. A escrita escolar da história: livro didático e ensino no Brasil (1970-1990). Bauru, <strong>SP</strong>: Edusc; Uberlândia,MG: Edufu, 2004.25 Kazumi Munakata afirma que a editora Ática já havia produzido coleções didáticas com diversos autores,assumindo então ela a autoria desses livros.26 CASSIANO, op.cit., p.93.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


governamentais que buscam introduzir <strong>uma</strong> História da África e dos afro-descendentes noscurrículos educacionais.O conceito de representação 27 é por nós entendido como estudo situado no campo daHistória Cultural, que “tem por principal objecto identificar como em diferentes lugares emomentos <strong>uma</strong> determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” 28 . Por essa ótica,os manuais escolares devem ser compreendidos como objetos que são constituídos e capazes deconstituir significados.Acreditamos que a literatura didática assim como determina Bittencourt (1993) 29 , deveser compreendido como possuidor de múltiplas facetas e, por isso, desperta interesse emvariados domínios da pesquisa. O livro como objeto deverá ser apreendido como: mercadoria,isto é, fruto da fabricação e comercialização inerentes aos interesses do mercado; depositário deconteúdos educacionais, sendo suporte privilegiado para se recuperar conhecimentos e técnicasconsiderados essenciais por <strong>uma</strong> sociedade, ao mesmo tempo em que sua utilização transformaseem fonte para o ensino; considerado veículo portador de um sistema de valores, de <strong>uma</strong>ideologia, de <strong>uma</strong> cultura; e objeto sujeito a diversas leituras e interpretações.O estudo de casoOs apontamentos aqui realizados, não devem ser considerados como conclusões oudiscussões finalizadas, eles constituem a iniciativa de dar visibilidade à multiplicidade de livrosdidáticos disponíveis, fato que se constata antes das avaliações do <strong>PNLD</strong> assim como em 2008.Tendo essas questões como ponto de partida, realizaremos <strong>uma</strong> breve análise de alguns aspectosdas coleções dos autores: Gilberto Cotrim; Claudino Piletti e Nelson Piletti; e Eliete Toledo eRicardo Dreguer.Com relação à visão historiográfica dos autores: Cotrim assume em 1995 30 a intenção deabordar os conteúdos didáticos dando atenção aos novos estudos históricos, dos quais discriminao cotidiano, a vida privada, a visão dos vencidos e a mentalidade de grupos sociais, entretanto olivro é pautado essencialmente por um modelo político e econômico, utilizando, inclusive,27 As representações são percepções do social que, por sua vez, são construídas e de forma alg<strong>uma</strong> constituemdiscursos neutros, elas: “produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor <strong>uma</strong>autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para ospróprios indivíduos, as suas escolhas e condutas”. O conceito de representação incorpora os conflitos declassificação e delimitação, traduzindo “configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de umespaço”. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel, 1988, p.17/27.28 Ibid, p.17.29 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. <strong>Livro</strong> didático e conhecimento histórico: <strong>uma</strong> história do saberescolar. Tese de Doutorado em Educação - Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasH<strong>uma</strong>nas da Universidade de São Paulo, 1993.30 COTRIM, Gilberto. História & Reflexão. 4. vols. 1.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


conceitos como modo de produção. Na coleção de 2004 31 , aprovado no <strong>PNLD</strong> 2005, o autorafirma estar atento as críticas as análises que privilegiam os aspectos políticos e econômicos dahistória, entretanto, na sua visão esse tipo de análise não perdeu seu valor. É interessante queembora apresente essa defesa da sua visão historiográfica, na coleção mais recente, asperspectivas de um “modelo de História Nova” são mais presentes, a própria bibliografiaevidencia esse fato, por exemplo, na “primeira geração” existia a presença massiva de autoresmarxistas, como Engels, em contrapartida na “segunda geração” consta referências como acoleção da História da Vida Privada no Brasil. Os irmãos Piletti no final da década de 80 32 ,afirmam que sua coleção privilegia <strong>uma</strong> história na qual o herói é o próprio povo, mas talinformação não inviabilizou a adoção de <strong>uma</strong> conduta política e econômica, presente no usorecorrente inclusive de conceitos como classe, donos do meio de produção, ideologia, relaçõesde produção. Na coleção do <strong>PNLD</strong> 2008 33 , houve a reafirmação da história feita por todos, eamenização da postura utilizada na coleção anterior. Ricardo Dreguer e Eliete Toledo, por suavez, propõe em 1995 34 , <strong>uma</strong> mudança significativa na apresentação dos conteúdos históricos,assim a coleção desse ano tem como orientação as discussões do “grupo dos Annales”, comoexemplo, incorporando a abordagem da mentalidade, como determinam os autores, desta formaa divisão dos capítulos é feita quatro itens: Cenário, Personagens, Trama, e Cenas Cotidianas.Na coleção do PLND 2008 35 , aparentemente, mantêm-se a visão apresentada na “geraçãoanterior”, entretanto, a organização dos conteúdos tem sua formatação estruturada de formamais convencional.Sobre o tema do cotidiano do escravo negro durante o período de produção da cana-deaçúcaras formas de abordar esse assunto variam inclusive na “primeira geração” dos manuaisanalisados. As violências sofridas pelos africanos escravizados, por exemplo, são descritas oraapenas como menção (Cotrim) ora com riqueza de detalhes (Piletti), ou não são mencionadas,como é o caso de Dreguer e Toledo, que afirmam que a revolta do escravo era resultado da duracarga de trabalho e do cerceamento da liberdade, fato que consideramos falho, mas que éamenizado pela ênfase que os autores dão as resistências desses africanos escravizados. Deforma geral, essas posturas são pouco modificadas nos livros da “segunda geração”, Cláudio eNelson Piletti, por exemplo, apenas amenizam os detalhes antes apresentados na descrição doscastigos físicos.31 COTRIM, Gilberto. Saber e fazer história. 4.vols. 2.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.32 PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. História e Vida. 4.vols. 1.ed. São Paulo: Ática, 1989.33 PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. História e vida integrada. 4.vols. 2.ed. São Paulo: Ática, 2007.34 DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. História: Cotidiano e mentalidades. 4.vols. 1.ed. São Paulo: Atual, 1995.35 DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. História: Conceitos e procedimentos. 4.vols. 1.ed. São Paulo: Saraiva,2006Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


Com relação à incorporação da Revolta de Malês (1835), acreditamos que possibilitariadar visibilidade ao poder de articulação e resistência dos negros escravizados no Brasil, assimcomo o movimento negro afirma explorar as formas de resistências negras pode auxiliar naconstituição de <strong>uma</strong> imagem positiva no aluno negro. Entretanto, dos livros aqui selecionadosevidenciamos que apenas a coleção: de 1989 de Nelson Piletti e Claudino Piletti, de 1995 deCotrim, e a de 2008 de Ricardo Dreguer e Eliete Toledo, possuem discussões sobre o tema.A presença de capítulos específicos destinados a História da África não é significativa,eles existem na “primeira geração” apenas na coleção de Dreguer e Toledo, os autoresapresentaram pelo menos um capítulo específico em cada volume, assim África “existe” emdiferentes momentos da História, já na “segunda geração” os autores mencionados acimaabordam o continente em apenas dois volumes – dois e quatro –, o primeiro destinado à Áfricaantes dos contatos com os europeus e século XVI e XVII e, o segundo sobre as lutas contra oneocolonialismo (capítulo contempla também as discussões referentes à Ásia). Nota-se que aocontrário do que era esperado, no caso destes dois autores o espaço destinado a História daÁfrica diminuiu. Claudino e Nelson Piletti, na coleção aprovada em 2008, assim como RicardoDreguer e Eliete Toledo, apresentam apenas dois capítulos específicos sobre África, o primeiroaborda a África antiga – volume um – e o segundo a descolonização da África e da Ásia –volume quatro. Portanto, no que circunscreve as obras analisadas, não há <strong>uma</strong> discussão sobre aHistória da África, como estabelece a lei 10.639.Para finalizar, é válido ressaltar que outros aspectos, como o caso da imagem,legibilidade visual, ou projeto gráfico, poderiam ser analisados, mas como inicialmentedeterminado no início desta seção, nosso intuito aqui foi propor discussões e não apresentaçãode conclusões. Finalizamos, ressaltando a importância do estudo do livro didático como fonte eobjeto, sobretudo no contexto atual, no qual as políticas públicas têm demonstrado interesse dereformular o ensino no país, aparentemente, incorporando reivindicações dos militantes negros.Referências BibliográficasABRALE – Associação Brasileira de Autores de <strong>Livro</strong>s Educativos. Disponível em:. Acesso em: 31 jan 08.ABUD, Katia Maria. Formação da Alma e do Caráter Nacional. Ensino de História na EraVargas. Revista Brasileira de História. 1998, vol 18, n.36.BEZERRA, Holien Gonçalves; LUCA, Tânia Regina de. Em busca da qualidade – <strong>PNLD</strong>História – 1996-2004. In: <strong>SP</strong>OSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.) <strong>Livro</strong>s didáticos deGeografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultua Acadêmica, 2006.Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. <strong>ANPUH</strong>/<strong>SP</strong> – U<strong>SP</strong>. 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.


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