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vivências subjetivas de psicólogos em seu dia-a-dia de trabalho

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VIVÊNCIAS SUBJETIVAS DE PSICÓLOGOS EM SEU DIA-A-DIA DE<br />

TRABALHO: O CONTATO COM PACIENTES SUICIDAS<br />

Eneida Silveira Santiago<br />

Luciane Soarez Lopez Ribeiro 1<br />

INTRODUÇÃO<br />

A morte traz consigo muitos atributos e associações: dor, ruptura, interrupção<br />

<strong>de</strong>sconhecimento, tristeza. Além <strong>de</strong> todos estes atributos e associações, traz para o<br />

hom<strong>em</strong> a única certeza existencial, a certeza <strong>de</strong> sua própria finitu<strong>de</strong>.<br />

Exist<strong>em</strong> diferentes tipos <strong>de</strong> morte, a morte clínica, a morte encefálica, morte por<br />

aci<strong>de</strong>ntes, e tantos outros tipos <strong>de</strong> morte, porém há uma morte <strong>em</strong> especial que nos<br />

chama a atenção, a morte por suicídio.<br />

A morte por suicídio é uma morte diferente da morte <strong>em</strong>inente, daquela que enten<strong>de</strong>mos<br />

como “parte natural” do <strong>de</strong>senvolvimento humano. O suicídio é uma morte<br />

diferenciada, pois, é uma morte que cresce por <strong>de</strong>ntro, não é uma morte que v<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

fora, que chega s<strong>em</strong> ser convidada, como na mão do assassino ou pela doença terminal,<br />

é um gesto do indivíduo contra si próprio. (CASSORLA, 1998).<br />

O número <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> suicídio v<strong>em</strong> crescendo gradativamente, o que aponta uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionais preparados para aten<strong>de</strong>r esta <strong>de</strong>manda. Neste sentido,<br />

pesquisas e <strong>de</strong>bates acerca <strong>de</strong>ste t<strong>em</strong>a se faz necessário <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos atuais, pois, os<br />

profissionais <strong>de</strong> psicologia estão cada vez mais <strong>em</strong> contato com esta realida<strong>de</strong>.<br />

Historicamente é possível visualizar como a socieda<strong>de</strong> tratou este fenômeno e como isso<br />

se alterou no <strong>de</strong>correr dos t<strong>em</strong>pos, o suicídio enquanto questão política foi tratado <strong>de</strong><br />

diferentes maneiras pelo estado.<br />

Na antiguida<strong>de</strong>, entre gregos e romanos, o suicídio era fato<br />

punível, pois tomava o caráter <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver para<br />

com outr<strong>em</strong> ou para com o estado. Sobre o cadáver do suicida<br />

recaíam ou a pena <strong>de</strong> infâmia ou a prática <strong>de</strong> mutilação ou <strong>de</strong><br />

outros tratamentos impiedosos. (NOGUEIRA, 1995, p.119).


2<br />

Na ida<strong>de</strong> mé<strong>dia</strong> a vida era compreendida como sendo um dom <strong>de</strong> Deus e somente ele<br />

po<strong>de</strong>ria tirá-la, o suicida, portanto, era privado dos sacramentos e <strong>de</strong> uma sepultura<br />

eclesiástica. (NOGUEIRA, 1995).<br />

Estes tipos <strong>de</strong> pensamentos favoreceram para a constituição preconceituosa que o<br />

suicida t<strong>em</strong> que enfrentar quando este não chega a falecer, pois estes pensamentos<br />

certamente foram transmitidos <strong>de</strong> geração <strong>em</strong> geração.<br />

Há vários tipos <strong>de</strong> posicionamentos <strong>em</strong> relação a este ato, exist<strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>s que<br />

abominam e rejeitam (como a nossa socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal), e socieda<strong>de</strong>s que incentivam<br />

por fins i<strong>de</strong>ológicos ou religiosos, como o caso das socieda<strong>de</strong>s orientais (quase s<strong>em</strong>pre<br />

<strong>de</strong> forma camuflada) on<strong>de</strong> o suicídio é uma alternativa <strong>de</strong> solução para <strong>de</strong>terminadas<br />

circunstâncias da vida, como por ex<strong>em</strong>plo, quando os guerreiros samurais optavam por<br />

se matar <strong>dia</strong>nte da <strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> uma guerra, ou hoje <strong>em</strong> <strong>dia</strong>, quando o jov<strong>em</strong> japonês não<br />

consegue alcançar o sucesso escolar esperado. (CASSORLA, 1998).<br />

Só po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar o ato como suicídio se houver por parte do suicida a intenção<br />

consciente <strong>de</strong> por fim a própria vida. Há a necessida<strong>de</strong> da intenção <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> si<br />

matar, isto é comportamento doloso. (NOGUEIRA, 1995).<br />

Segundo Kovács, (1992) o tratamento <strong>de</strong> um caso como este exige profunda<br />

compreensão das motivações básicas que leva o indivíduo a este ato. Para autora, este<br />

profissional <strong>de</strong>ve estar <strong>de</strong>vidamente preparado, pois o ato suicida po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar no<br />

terapeuta <strong>seu</strong>s próprios <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> morte, sua impotência.<br />

O profissional <strong>de</strong> psicologia não está restrito a campos como: <strong>em</strong>presas, escolas, ou a<br />

carreira acadêmica, mas estará sujeito a trabalhar também nos campos da saú<strong>de</strong>, como<br />

nos hospitais, nas clínicas entre outros. Nestes campos, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado momento, este<br />

profissional po<strong>de</strong>rá entrar <strong>em</strong> contato com a morte, muitas vezes aten<strong>de</strong>rá casos como<br />

os <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> suicídio. Segundo Kovács (1992), toda doença é uma ameaça à vida,<br />

conseqüent<strong>em</strong>ente um aceno á morte. Sendo assim, se faz necessário que este<br />

profissional esteja <strong>de</strong>vidamente qualificado para este tipo <strong>de</strong> atendimento, tanto técnica<br />

como afetivamente, uma vez que, caso isso não ocorra este profissional estará<br />

infringindo o código <strong>de</strong> ética do psicólogo.<br />

Trabalhar com o sofrimento ou a perda <strong>de</strong> significado da existência pelo paciente, po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spertar no profissional as mesmas vivências, ferindo <strong>seu</strong> narcisismo e sua<br />

1<br />

Bacharel <strong>em</strong> Psicologia – FAI- Faculda<strong>de</strong>s Adamantinenses Integradas - E-mail:


3<br />

onipotência, colocando – o <strong>dia</strong>nte do incompleto. (TORRES & GUEDES, 1987 apud<br />

KOVÁCS, 1992).<br />

Cassorla (1998) ressalta a importância que o profissional t<strong>em</strong> como receptor e<br />

<strong>de</strong>codificador da mensag<strong>em</strong> implícita no ato suicida, o preconceito ou a indiferença<br />

serve apenas como faixa aos olhos para que este profissional menospreze a importância<br />

do ato. Segundo o autor, até mesmo o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong>spreparado,<br />

muitas vezes acaba caindo no julgamento moral e termina por dar conselhos ao<br />

indivíduo. Isto muitas vezes acontece <strong>dia</strong>nte da ansieda<strong>de</strong> contratransferencial.<br />

O <strong>de</strong>sprezo neste momento po<strong>de</strong> ser letal, indo <strong>de</strong> rumo contrário ao da tarefa do<br />

psicólogo que é o <strong>de</strong> se preocupar com o b<strong>em</strong>-estar do ser humano ao longo <strong>de</strong> <strong>seu</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento, estando ele no estado <strong>em</strong> que estiver, pois, este analisa os processos<br />

intrapessoais e as relações interpessoais para que possa compreen<strong>de</strong>r e probl<strong>em</strong>atizar o<br />

comportamento humano <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s diversos estados, tendo como objetivo i<strong>de</strong>ntificar e<br />

intervir nos fatores <strong>de</strong>terminantes das ações dos indivíduos consi<strong>de</strong>rando sua história<br />

biológica, pessoal, familiar e social.<br />

Freud percebeu que o contato com o paciente <strong>de</strong>spertava no terapeuta alguns<br />

sentimentos que ele <strong>de</strong>nominou contratransferência, que po<strong>de</strong>ria se manifestar tanto<br />

conscient<strong>em</strong>ente quanto inconscient<strong>em</strong>ente no terapeuta. Este aspecto se tornou<br />

importante quanto à compreensão do conteúdo inconsciente que estava sendo analisado.<br />

(MATTIOLI, 2004).<br />

Não po<strong>de</strong>mos esquecer que o analista, é um ser humano como todos os outros, com <strong>seu</strong>s<br />

próprios probl<strong>em</strong>as, qualida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>feitos, conflitos e características <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>.<br />

O analista não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma pessoa, um ser humano<br />

vulnerável, sensível, vaidoso, ambicioso, invejoso, que ama e<br />

o<strong>de</strong>ia, que ainda que capacitado para sua prática terapêutica,<br />

também sente, segundo as circunstâncias, carinho, afeto,<br />

rejeição, tédio, frente ao que <strong>seu</strong> "paciente" fala, relata,<br />

apresenta, projeta nele/nela (transferência), e se irrita, fica<br />

ente<strong>dia</strong>do, sente <strong>em</strong>patia e segundo o material da t<strong>em</strong>ática<br />

tratada, se angustia e sofre. (SANTOS, 2007, p 02)<br />

luciane_lopez@yahoo.com.br


4<br />

Segundo Morgado (2002, p.94) “a estrutura libidinal do analista também é ambivalente,<br />

fixada <strong>em</strong> etapas psicossexuais infantis, po<strong>de</strong>ndo reviver nas relações atuais os mesmos<br />

conflitos que o analisando: atualização <strong>de</strong> protótipos, compulsão á repetição e<br />

resistência”.<br />

Quando o terapeuta se <strong>de</strong>para frente a uma tentativa <strong>de</strong> suicídio, frente a um indivíduo<br />

que lhe chega extr<strong>em</strong>amente frágil e como aponta Cassorla (1998), um indivíduo que<br />

encontrou a única forma <strong>de</strong> pedir ajuda sob este ato, trazendo ainda sob si resquícios da<br />

morte, o terapeuta se i<strong>de</strong>ntifica porque entre outras coisas, este não escapará da morte,<br />

talvez não <strong>de</strong>sta forma como o paciente suicida, mas <strong>de</strong>ntre uma das tantas faces <strong>de</strong>la.<br />

(LABAKI, 2006).<br />

Segundo Volich, (1999) “tratar o outro é po<strong>de</strong>r entrar <strong>em</strong> contato com o próprio<br />

sofrimento, e com as experiências que ele evoca <strong>em</strong> nosso foro mais íntimo” “É efetuar<br />

o <strong>trabalho</strong> permanente <strong>de</strong> reparação <strong>de</strong> nossas próprias feridas, reencontradas nas dores<br />

daqueles <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> cuidamos” (VOLICH, 1999 apud LABAKI, 2006 p. 53).<br />

Labaki, (2006 p. 53) aponta que “a ameaça <strong>de</strong> morte precipita no psicoterapeuta formas<br />

íntimas <strong>de</strong> amálgama com o paciente ou, opostamente modos abismais <strong>de</strong> escutá-los”.<br />

Cassorla (1998) fez um levantamento e concluiu que no atendimento a pacientes<br />

suicidas a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e principalmente o médico, se sente perdido no atendimento<br />

a estes casos, isto aconteceria segundo o autor pela captação inconsciente do sofrimento<br />

intenso do paciente, por i<strong>de</strong>ntificação e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negá-lo; por ser aterrorizante; ou<br />

pela sensação <strong>de</strong> impotência e <strong>de</strong>sesperança por i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> aspectos do paciente<br />

e/ou por mobilização <strong>de</strong> conflitos próprios do profissional. Segundo o autor quando o<br />

paciente chega a efetivar o ato a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sofre com o impacto violento <strong>de</strong>ste.<br />

“Aparecerão com gran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>, sentimentos <strong>de</strong> culpa, r<strong>em</strong>orsos, impotência,<br />

<strong>de</strong>sespero, complicados por <strong>de</strong>fesas do tipo: negações, projeções, racionalizações”.<br />

(CASSORLA, 1998, p. 162).<br />

Portanto, no atendimento a pacientes suicidas a relação contratransferencial é <strong>de</strong> suma<br />

importância quando <strong>de</strong>vidamente <strong>de</strong>tectada e <strong>de</strong>vidamente utilizada, pois, como já<br />

enfatizado o profissional <strong>de</strong> psicologia como todo e qualquer ser humano não escapa as<br />

projeções <strong>de</strong> <strong>seu</strong>s pacientes, este <strong>de</strong>verá tomar cuidado para que <strong>seu</strong>s conflitos próprios,<br />

não se mistur<strong>em</strong> com as projeções <strong>de</strong> <strong>seu</strong>s pacientes <strong>de</strong> forma muito intensa, a ponto <strong>de</strong><br />

tornar esta ativida<strong>de</strong> tão rica <strong>em</strong> pleno <strong>de</strong>sprazer e fonte <strong>de</strong> sofrimento.


5<br />

OBJETIVOS<br />

Compreen<strong>de</strong>r como o psicólogo vivencia afetivamente e utiliza as práticas terapêuticas<br />

num caso <strong>de</strong> finitu<strong>de</strong> tão próxima como é o caso <strong>de</strong> pacientes que tentaram suicídio.<br />

Objetivos específicos<br />

Verificar como o psicólogo compreen<strong>de</strong> o fenômeno do suicídio, e como ele vivencia,<br />

ou vivenciou a experiência <strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong>ste caso.<br />

Probl<strong>em</strong>atizar as razões cognitivas e psíquicas presentes na <strong>de</strong>cisão do psicólogo <strong>de</strong><br />

<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r uma relação terapêutica com pacientes que tentaram o suicídio.<br />

Verificar as técnicas terapêuticas adotadas pelo psicólogo no atendimento <strong>de</strong> pacientes<br />

que cometeram tentativa <strong>de</strong> suicídio, uma vez que este paciente já v<strong>em</strong> com uma alta<br />

carga <strong>em</strong>ocional e uma experiência <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> da morte.<br />

Verificar se existe por parte do psicólogo uma cobrança maior consigo mesmo por estar<br />

<strong>em</strong> contato com a possibilida<strong>de</strong> da morte do outro, po<strong>de</strong>ndo vir a se sentir responsável<br />

pela sobrevivência do paciente. Caso seja afirmativo, como este psicólogo vivencia o<br />

“sentir-se responsável pelo outro”.Compreen<strong>de</strong>r como é vivenciado pelo psicólogo, o<br />

<strong>trabalho</strong> com o sofrimento e a perda do significado <strong>de</strong> existência do paciente suicida,<br />

uma vez que isto po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar no psicólogo as mesmas vivências.<br />

Compreen<strong>de</strong>r as possíveis dificulda<strong>de</strong>s encontradas pelo profissional nesse encontro.<br />

METODOLOGIA<br />

Participaram <strong>de</strong>sta pesquisa 4 (quatro) sujeitos. Todos profissionais formados <strong>em</strong><br />

psicologia com atuação clínica mínima <strong>de</strong> 3 anos, que aten<strong>de</strong>m ou já aten<strong>de</strong>ram<br />

pacientes que tentaram suicídio. Os sujeitos possuíam ida<strong>de</strong>s entre 36 a 48 anos, sendo<br />

1 (um) hom<strong>em</strong> e 3 ( três) mulheres, todos moradores do interior do Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo. O t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> atuação clínica <strong>de</strong>stes sujeitos variaram <strong>de</strong> 08 há 19 anos.


6<br />

Instrumentos<br />

Utilizamos como instrumento <strong>de</strong> pesquisa a entrevista s<strong>em</strong>i-dirigida, com perguntas<br />

relacionadas à prática terapêutica que foi utilizada, ou que atualmente estava sendo<br />

utilizada com pacientes que passaram por tentativa <strong>de</strong> suicídio, b<strong>em</strong> como, perguntas<br />

relacionadas ao como é ou como foi para este profissional lidar diretamente com a<br />

possibilida<strong>de</strong> ou até mesmo a morte real do outro.<br />

Procedimentos<br />

O procedimento adotado foi à realização das entrevistas s<strong>em</strong>i-dirigidas, utilizadas como<br />

fonte <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, sendo estruturadas e analisadas <strong>de</strong> acordo com enfoque<br />

psicanalítico.<br />

A entrevista foi realizada <strong>de</strong> forma individual com psicólogos que aten<strong>de</strong>m ou já<br />

aten<strong>de</strong>ram pacientes que tentaram suicídio. Cada entrevista foi realizada <strong>de</strong> acordo com<br />

a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste profissional, no horário estipulado por ele, assim como o local<br />

(<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fatores quanto à privacida<strong>de</strong> do encontro foss<strong>em</strong> atendidas). Foram<br />

explicados aos sujeitos alguns dados da pesquisa, tais como: objetivo e o sigilo total <strong>de</strong><br />

sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Foram coletadas as assinaturas no termo <strong>de</strong> consentimento, e entregue<br />

aos sujeitos a carta <strong>de</strong> informação constando todos os dados da pesquisa a ser realizada.<br />

RESULTADOS:<br />

Ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero, fracasso individual e social, punição aos <strong>seu</strong>s, fuga da realida<strong>de</strong><br />

vivente, <strong>de</strong>sistência dos sonhos, da vida, busca <strong>de</strong> alívio, essas entre outras, são as<br />

concepções que os profissionais <strong>de</strong> psicologia entrevistados faz<strong>em</strong> da pessoa que<br />

comete o suicídio. Segundo Cassorla (1998), a morte <strong>em</strong> nossa socieda<strong>de</strong> possui caráter<br />

<strong>de</strong>preciativo, não é encarada como um dado natural do <strong>de</strong>senvolvimento humano, pois<br />

esforçamo-nos para bani-la <strong>de</strong> nossas experiências <strong>de</strong> vida. Se a morte “natural” já é<br />

encarada <strong>de</strong>sta forma, pior ainda é a morte por suicídio. Carregada <strong>de</strong> preconceitos e<br />

fantasias a cerca da causa, a morte por suicídio po<strong>de</strong> ser encarada como fracasso<br />

individual ou social como disse uma das entrevistadas:“Pra mim, o suicídio é um sinal


7<br />

<strong>de</strong> fracasso”. Pesquisador: Por que fracasso Entrevistada: “Porque significa que a<br />

pessoa falhou, e a socieda<strong>de</strong> também”.<br />

Segundo Durkheim (1983), o suicídio é um ato individual, porém com contribuições<br />

significativas da socieda<strong>de</strong> que as produz. O autor acredita que a socieda<strong>de</strong> t<strong>em</strong> papel<br />

fundamental na <strong>de</strong>cisão suicida do indivíduo, pois este meio social <strong>de</strong> certa maneira,<br />

não foi favorável e acolhedor <strong>de</strong> maneira a dar subsídios para que este indivíduo<br />

pu<strong>de</strong>sse sobreviver.<br />

Segundo Cassorla (1998), sob um olhar sociológico, as motivações que levariam o<br />

indivíduo a buscar pelo suicídio como sua última forma <strong>de</strong> arte no mundo estaria<br />

associada a motivações <strong>de</strong> aspectos sociais que transcen<strong>de</strong>riam a esfera da vida pessoal<br />

e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>riam <strong>de</strong> forças exteriores ao indivíduo presentes na dinâmica dos valores e<br />

padrões da cultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>.<br />

Os profissionais entrevistados acreditam que este indivíduo não encontrando outra saída<br />

tenta fugir <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>siste da vida, dos sonhos, do sentido que a vida antes lhe<br />

trazia, acredita que somente encontrará alívio após esta atitu<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> possivelmente<br />

ocorreria uma cisão do ego, um “surto” do psiquismo.<br />

A baixa estima, a disfunção mental como a <strong>de</strong>pressão também seriam fatores<br />

importantes que permeiam o ato segundo estes profissionais <strong>de</strong> psicologia.<br />

As razões cognitivas presentes na <strong>de</strong>cisão do psicólogo <strong>em</strong> <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r uma relação<br />

terapêutica com pacientes que tentaram o suicídio, na maioria dos casos é por falta <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r optar por aten<strong>de</strong>r ou não este tipo <strong>de</strong> caso. A maioria dos entrevistados aten<strong>de</strong> ou<br />

aten<strong>de</strong>ram <strong>seu</strong>s pacientes <strong>em</strong> hospitais ou centros públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, nestes locais não é<br />

permitido segundo eles, não aten<strong>de</strong>r um caso como este ou outro qualquer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

seja i<strong>de</strong>ntificada sua necessida<strong>de</strong>.<br />

Sobre as dificulda<strong>de</strong>s encontradas no atendimento a estes casos, Priscila assim<br />

respon<strong>de</strong>u: Eu fui à luta, fui estudar sobre o suicídio, e fui fazer terapia. Pesquisador:<br />

Por que você foi buscar terapia Entrevistada: Porque eu tinha dificulda<strong>de</strong> com estes<br />

assuntos <strong>de</strong> morte... Então eu <strong>de</strong>cidi buscar ajuda ... até pra me compreen<strong>de</strong>r melhor.<br />

Alguns profissionais <strong>de</strong>scobr<strong>em</strong> a tentativa ou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma possível tentativa<br />

durante o tratamento, e com o vínculo já estabelecido e uma transferênciacontratransferência<br />

já instaurada. Isso <strong>de</strong> certa forma contribui para que este profissional<br />

acabe por continuar o tratamento.


8<br />

O suicida é compreendido segundo estes profissionais como uma pessoa solitária,<br />

fragilizada e <strong>de</strong>pressiva. Muitas vezes não percebe que inconscient<strong>em</strong>ente busca por <strong>seu</strong><br />

aniquilamento como, por ex<strong>em</strong>plo, os alcoolistas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entre outros, que são<br />

compreendidos como suicida <strong>em</strong> potencial.<br />

Pô<strong>de</strong>-se perceber durante as entrevistas que os sentimentos <strong>em</strong> relação a estas pessoas<br />

tentadoras <strong>de</strong> suicídio estão permeados por sentimentos ambivalentes, pois, segundo os<br />

entrevistados estas seriam pessoas solitárias, fragilizadas e <strong>de</strong>pressivas, porém <strong>em</strong> outro<br />

momento são l<strong>em</strong>bradas como pessoas fortes e corajosas uma vez que, para cometer o<br />

suicídio há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muita corag<strong>em</strong>. Márcia, <strong>em</strong> relação à compreensão que faz<br />

do indivíduo suicida diz que: “Uma pessoa <strong>de</strong>sta é muito forte... T<strong>em</strong> que ser forte pra<br />

fazer isso... E <strong>de</strong>pois a gente fala que são pessoas fracas...”.<br />

Através <strong>de</strong>sta fala po<strong>de</strong>mos perceber que não é apenas o fato da morte que chama a<br />

atenção, mas a forma pela qual o indivíduo procura por ela. A forma agressiva que se<br />

mostra aos outros, um ato revestido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero.<br />

Sab<strong>em</strong>os que a morte um <strong>dia</strong> irá chegar, e que segundo Murphy (1959), o medo <strong>de</strong>la é<br />

universal e atinge a todos, está associada ao medo da solidão, da separação <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> se<br />

ama e do <strong>de</strong>sconhecido; o medo dos julgamentos por atos terrenos e o medo do que<br />

possa ocorrer aos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes; o medo da interrupção dos planos e fracasso <strong>em</strong> realizar<br />

os objetivos mais importantes da pessoa (apud Kovács, 1992). Por isso este tipo <strong>de</strong> ato<br />

causa certo espanto <strong>em</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, pois a maioria das pessoas busca “viver” numa<br />

socieda<strong>de</strong> que é quase impossível apenas “sobreviver”. Rebeca ao se referir sobre o<br />

valor da vida diz: “Veja b<strong>em</strong> que espetáculo maravilhoso é a nossa vida! Como é difícil<br />

gerar uma vida... Um espermatozói<strong>de</strong> disputa com centenas <strong>de</strong> outros espermatozói<strong>de</strong>s<br />

o óvulo... Que milagre que é a vida... Pra acabar assim... É muito triste!”.<br />

Estamos inseridos numa socieda<strong>de</strong> que não apóia este tipo <strong>de</strong> ato (não pelo menos<br />

diretamente) quando isso acontece é como se estivess<strong>em</strong> infligindo à lei, assim como<br />

antigamente, porém não a lei dos homens, mais a lei da vida.<br />

Muitas vezes, estes profissionais <strong>em</strong>basados neste tipo <strong>de</strong> representação prefer<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se com a técnica, ou sob a instituição que trabalha. Paulo relata a sua vivência<br />

com este tipo <strong>de</strong> caso: “Na verda<strong>de</strong> o paciente não era meu, não aten<strong>dia</strong> na minha<br />

clínica... Era da instituição!”


9<br />

Po<strong>de</strong>mos perceber certo tipo <strong>de</strong> distanciamento <strong>em</strong> relação ao paciente, Paulo<br />

provavelmente busca se manter distante. “O atendimento foi num hospital <strong>de</strong> base (ou<br />

público) o paciente passava não só por mim, mas pelo psiquiatra, pelos médicos então<br />

eu me senti seguro.”<br />

Em outra entrevista percebe-se o quão é importante para Priscila o <strong>trabalho</strong> juntamente<br />

com o psiquiatra: “Acho importantíssimo o <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> conjunto com o psiquiatra,<br />

sendo assim eu encaminho o paciente ao psiquiatra “Eu não brinco com essas coisas<br />

não”. Não é só com a terapia não... T<strong>em</strong> que ter <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> conjunto”.<br />

Talvez exista ligado a esta fala e a <strong>de</strong> Paulo um sentimento <strong>de</strong> insegurança, pois ambos<br />

sent<strong>em</strong>-se mais seguros com a ajuda <strong>de</strong> certos aparatos como: os r<strong>em</strong>édios do<br />

psiquiatra, e a segurança da instituição.<br />

A divisão da responsabilida<strong>de</strong> com outros colegas da área, seria uma forma <strong>de</strong> alívio,<br />

pois, caso o tratamento não obtivesse resultados e o paciente tentasse novamente e <strong>de</strong>ssa<br />

vez conseguisse, este profissional teria com qu<strong>em</strong> dividir esta impotência <strong>dia</strong>nte do<br />

caso. Este profissional muitas vezes chega a consi<strong>de</strong>rar o suicídio não tão importante<br />

quanto uma doença. Po<strong>de</strong>mos observar isto através da fala <strong>de</strong> Paulo: “Na verda<strong>de</strong> me<br />

preocupo muito mais com os pacientes que t<strong>em</strong> doenças auto-imune do que com um<br />

caso <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> suicídio, os pacientes com doenças auto-imune po<strong>de</strong>m comparar<br />

com uma bomba relógio, a qualquer momento o pior po<strong>de</strong> acontecer”.<br />

Como sab<strong>em</strong>os através <strong>de</strong> Cassorla (1998), alguns profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> chegam a<br />

tratar este sujeito com indiferença, não compreen<strong>de</strong>m o que se passa com este indivíduo<br />

e acabam por tratá-lo muito mal, às vezes até com zombarias. Diante da fala <strong>de</strong> Paulo<br />

po<strong>de</strong>mos verificar que mesmo sendo psicólogo e conhecendo <strong>em</strong> certo grau as vivências<br />

humanas, Paulo não se distância <strong>de</strong>stes profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, pois para ele é muito<br />

mais preocupante um paciente com doenças auto-imune.<br />

O acolhimento a estes indivíduos vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> como este profissional vê e<br />

compreen<strong>de</strong> este ato, b<strong>em</strong> como o contexto cultural <strong>em</strong> que esta inserido. De acordo<br />

com as entrevistas conviver e efetuar uma relação com este tipo <strong>de</strong> paciente é<br />

angustiante para estes profissionais, pois, apesar <strong>de</strong> <strong>seu</strong>s conhecimentos a cerca do<br />

hom<strong>em</strong> e <strong>de</strong> suas possíveis atitu<strong>de</strong>s, estão inseridos <strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong> que não esta<br />

aberta a probl<strong>em</strong>atizar e abordar assuntos como o da morte, muito menos, morte por


10<br />

suicídio. Porém, <strong>de</strong> acordo com os relatos, estes profissionais não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> tratá-los<br />

com respeito e cor<strong>dia</strong>lida<strong>de</strong>, o fato <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> psicólogos colabora para a compreensão<br />

<strong>de</strong>sse ser humano, mas não suaviza totalmente a impressão do ato agressivo, e do<br />

impacto que isto causa a socieda<strong>de</strong> atual, pois, o fator morte ainda é consi<strong>de</strong>rado um<br />

tabu <strong>em</strong> nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

Trabalhar com este tipo <strong>de</strong> caso está longe <strong>de</strong> se tornar um costume, é consi<strong>de</strong>rado<br />

como um caso difícil. Segundo os entrevistados constatar a perda da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver<br />

do outro é muito triste, não há como se acostumar. A vida é consi<strong>de</strong>rada para estes o<br />

b<strong>em</strong> mais precioso, per<strong>de</strong>-la ou querer perdê-la é um fracasso.<br />

Para alguns profissionais como Márcia vencer através <strong>de</strong> <strong>seu</strong>s pacientes a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

morrer ou ver <strong>seu</strong>s pacientes vencer suas dificulda<strong>de</strong>s lhe traz gran<strong>de</strong> orgulho. Em<br />

relação ao <strong>trabalho</strong> <strong>de</strong>senvolvido com os tentadores: Pesquisador: Você se orgulha<br />

disso Entrevistada: “Com certeza, como eu te disse, eu já trabalhei <strong>em</strong> vários<br />

lugares, e aon<strong>de</strong> eu vou eu procuro fazer o meu melhor... Eu tenho um profundo<br />

respeito pelo ser humano, eu amo o que eu faço, me orgulho da nossa profissão, eu<br />

jamais me arrependo da profissão que eu escolhi. Aqui eu não recebo muito, mais eu<br />

adoro trabalhar aqui”. Obs: Neste momento Márcia se <strong>em</strong>ociona e pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas ao<br />

entrevistador.<br />

Acostumar seria para estes o mesmo que aceitar, e isto não é aceito n<strong>em</strong> pela socieda<strong>de</strong><br />

<strong>em</strong> geral muito menos por estes profissionais cujo objetivo <strong>de</strong> sua profissão é o <strong>de</strong> se<br />

preocupar com o b<strong>em</strong>-estar do ser humano ao longo <strong>de</strong> <strong>seu</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, estando<br />

ele no estado <strong>em</strong> que estiver.<br />

Márcia que já aten<strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> 30 casos como este nos diz: “O <strong>dia</strong> que eu achar normal<br />

aten<strong>de</strong>r um caso <strong>de</strong>ste... o <strong>dia</strong> que eu me acostumar... eu vou parar <strong>de</strong> lutar”.<br />

Esta fala nos mostra como disse Kovács (1992), que a morte seria o inimigo que os<br />

vivos passam suas vidas tentando superar e <strong>de</strong>rrotar para s<strong>em</strong>pre. Isso ressalta o carater<br />

negativo que cai sobre a morte, juntamente com isso com qu<strong>em</strong> a “ousa cutucá-la a fim<br />

<strong>de</strong> encontra-la”, neste sentido, po<strong>de</strong>mos imaginar o quão doloroso <strong>de</strong>ve ser para o<br />

indivíduo que passou por um suicídio mal sucedido, o caráter negativo que recai sobre<br />

este. O psicólogo <strong>de</strong>ve estar atento a isto, pois o que ele menos nescessita neste<br />

momento é <strong>de</strong> mais uma rejeição.


11<br />

Quando perguntado a estes profissionais como eles se sentiam no atendimento a estes<br />

casos, respostas como: sentimento <strong>de</strong> impotência, tristeza, fracasso e angústia foram as<br />

mais citadas. Impotente respon<strong>de</strong> uma das entrevistadas: “Porque muitas vezes não sei<br />

se o tratamento vai dar certo, e se o indivíduo vai se curar ou melhorar”. Pensamentos<br />

como: E se ele fizer <strong>de</strong> novo E se <strong>de</strong>ssa vez ele conseguir Permeiam a psique <strong>de</strong>stes<br />

profissionais.<br />

Segundo Cassorla, (1998) a maior dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes profissionais da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> da<br />

invasão <strong>de</strong>stes sentimentos como a impotência, frustração e a fragilida<strong>de</strong> que se é<br />

sentida por estes profissionais <strong>dia</strong>nte dos ataques violentos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>em</strong>ocional que<br />

recebe <strong>de</strong>stes pacientes. Portanto o profissional se vê tomado por estes sentimentos, que<br />

os <strong>de</strong>ixam paralisados, o autor ressalta que este profissional se não estiver b<strong>em</strong><br />

preparado e não souber utilizar corretamente a favor do paciente os mecanismos<br />

contratransferências po<strong>de</strong> ao invés <strong>de</strong> ajudar o paciente, apenas piorar a situação.<br />

Ao perguntar a estes profissionais se eles se sentiam responsáveis pela vida <strong>de</strong> <strong>seu</strong>s<br />

pacientes alguns respon<strong>de</strong>ram que sim e outros que não, os que respon<strong>de</strong>ram que sim se<br />

justificam como nesta frase: “Com certeza ... Como eu disse antes, é muita<br />

responsabilida<strong>de</strong>, é uma vida! T<strong>em</strong> a família que espera o resultado do tratamento, e<br />

nós mesmos esperamos que dê tudo certo.”<br />

Os entrevistados que respon<strong>de</strong>ram que não se sent<strong>em</strong> responsáveis por estas vidas<br />

apoiam-se nas técnicas, como esta entrevistada: “Responsabilida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre há, como<br />

<strong>em</strong> qualquer outro caso... Porém quando o profissional <strong>de</strong> psicologia assume um caso<br />

como este, ele está ciente que está capacitado tecnicamente. Isso é agir com ética, se eu<br />

sei que não estou apto a seguir com o caso, eu n<strong>em</strong> <strong>de</strong>vo aceitá-lo. Por isso caso venha<br />

o paciente a concretizar o ato, não me sentiria responsabilizada, pois estava<br />

respaldada pela técnica”.<br />

Po<strong>de</strong>-se perceber que há sim uma responsabilida<strong>de</strong> sentida por estes, porém uns sent<strong>em</strong><br />

isso <strong>de</strong> forma mais intensa e outros apoiam-se nas técnicas, maneira esta <strong>de</strong> se sentir<br />

segura caso algo venha a acontecer.<br />

O sentimento <strong>de</strong> tristeza aparece com <strong>de</strong>staque nas falas <strong>de</strong> alguns, questionamentos<br />

acerca da causa, b<strong>em</strong> como a sensação <strong>de</strong> fracasso <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que não pô<strong>de</strong> fazer<br />

algo pra impedir é s<strong>em</strong>pre citado.


12<br />

Este sentimento <strong>de</strong> tristeza advém da constatação <strong>de</strong>ste profissional <strong>de</strong> que este paciente<br />

per<strong>de</strong>u a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver, per<strong>de</strong>u o brilho pela vida. E como citado por Brim (1970<br />

apud Kovács, 1992), o atendimento a estes casos po<strong>de</strong> ativar no terapeuta o medo da sua<br />

própria mortalida<strong>de</strong>, ou seja, lidar com a morte ou a possível morte do outro uma vez<br />

que, não se sabe se o tratamento vai realmente dar certo, é se perceber como um ser<br />

também transitório.<br />

Em relação à prática terapêutica, po<strong>de</strong>-se perceber através das entrevistas que o <strong>trabalho</strong><br />

<strong>em</strong> conjunto com o psiquiatra é utilizado <strong>em</strong> todos ou quase todos os casos, na maioria<br />

dos atendimentos o paciente já v<strong>em</strong> medicado e o encaminhamento é feito pelo médico<br />

psiquiatra. Geralmente este paciente é atendido <strong>de</strong> uma a três vezes por s<strong>em</strong>ana, isso<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> como ele se encontra psiquicamente, para uma <strong>de</strong> nossas entrevistadas<br />

existe a necessida<strong>de</strong> para a efetivação do tratamento <strong>de</strong> um <strong>trabalho</strong> feito sob o seguinte<br />

tripé: “O tratamento acontece com o seguinte tripé: O paciente, a medicação e a<br />

família, os três fatores são importantes e <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser trabalhados <strong>em</strong> conjunto”.<br />

Isso <strong>de</strong>monstra a importância que o meio social t<strong>em</strong> na vida <strong>de</strong>ste indivíduo e que além<br />

do tratamento <strong>de</strong>ste, <strong>de</strong>ve haver um <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> conjunto com o meio social que este<br />

está inserido, como a família.<br />

Na maioria das entrevistas realizadas, foi constatado que o profissional <strong>de</strong> psicologia<br />

não chega a dar alta a estes pacientes, pois estes acabam abandonando o tratamento, um<br />

dado muito significativo, pois o que será que ocorre para que estes pacientes acab<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>sistindo do tratamento São alguns questionamentos para possíveis discussões.<br />

Em nenhuma das entrevistas foi constatado que após o início do tratamento o paciente<br />

tenha tentado novamente e <strong>de</strong>sta vez chegado a óbito.<br />

Estes profissionais <strong>de</strong> maneira geral não teriam mais nenhum tipo <strong>de</strong> contato após o<br />

rompimento do tratamento, alguns chegam a ter notícias por vias diversas como à<br />

família, ou quando acabam se encontrando ocasionalmente.<br />

Através dos dados levantados eis que nos surg<strong>em</strong> alguns questionamentos, o<br />

atendimento a pacientes suicidas requer um novo tipo <strong>de</strong> profissional ou abre portas<br />

para uma nova prática<br />

Para esta pergunta ainda não há respostas, porém po<strong>de</strong>mos visualizar através <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa que este profissional no atendimento a este tipo <strong>de</strong> paciente se vê <strong>dia</strong>nte <strong>de</strong><br />

uma situação on<strong>de</strong> somente sua técnica já não é suficiente para lidar com este tipo <strong>de</strong>


13<br />

caso, pois no contato com o indivíduo suicida, este profissional <strong>de</strong> psicologia se <strong>de</strong>para<br />

com aspectos pessoais que se não for<strong>em</strong> <strong>de</strong>vidamente interpretados e trabalhados a<br />

favor do caso, possivelmente favorecerá para uma prática não eficaz.<br />

CONCLUSÃO<br />

Os dados nos permitiram perceber que no atendimento a pacientes suicidas o<br />

profissional <strong>de</strong> psicologia passa por uma série <strong>de</strong> alterações <strong>em</strong>ocionais, como<br />

sentimentos <strong>de</strong> impotência e até mesmo angústia ao lidar com assuntos referentes à<br />

morte. A pesquisa nos trouxe dados relevantes quanto ao impacto que à escolha dos<br />

meios utilizados pelo tentador causa á estes profissionais, uma vez que, ambos<br />

caminham rumo contrário, enquanto um busca contribuir para vidas mais satisfatórias o<br />

outro busca por eliminá-la, ou seja, sua própria morte. Isso muitas vezes leva estes<br />

profissionais a buscar auxílio <strong>de</strong> outros profissionais da área para melhor orienta-lo ou<br />

para <strong>seu</strong> próprio atendimento. Pensamentos acerca do êxito do tratamento são<br />

freqüentes, muitas vezes se questionam se darão “conta” do caso, alguns dos<br />

profissionais entrevistados visualizam este tipo <strong>de</strong> caso como um <strong>de</strong>safio á sua prática<br />

como psicólogo, pois, muitas vezes buscam aprimoramento para po<strong>de</strong>r dar “conta”.<br />

Para tal, existe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> atenção ao suicídio,<br />

uma vez que este número <strong>de</strong> tentadores e suicidas v<strong>em</strong> crescendo gradativamente, o que<br />

aponta a uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medidas preventivas. Da mesma forma existe a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionais mais b<strong>em</strong> preparados tanto técnica como afetivamente para<br />

lidar com essa realida<strong>de</strong> tão corriqueira <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos atuais. Po<strong>de</strong>mos nos questionar se<br />

os cursos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>stes profissionais têm estado atentos a estes tipos <strong>de</strong><br />

atendimento, pois como já citado anteriormente estamos inseridos <strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> cada vez mais assuntos referentes à morte estão sendo abolidos e <strong>de</strong>ixados <strong>de</strong> lado,<br />

o que v<strong>em</strong>os é uma socieda<strong>de</strong> que prioriza o ocultamento das manifestações <strong>de</strong> morte<br />

b<strong>em</strong> como suas ramificações como o suicídio. Pesquisas e <strong>de</strong>bates a cerca <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as<br />

como a morte, a morte por suicídio e o preconceito que este indivíduo (tentador)<br />

enfrenta <strong>em</strong> relação á socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> que vive (<strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>sta<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação aos fatores que levam este indivíduo a este ato, b<strong>em</strong> como, o<br />

aspecto negativo da morte) entre outros se faz necessários.


14<br />

Deixar que sentimentos negativos <strong>em</strong> relação a este ato contribua para uma prática não<br />

eficaz ou que aspectos pessoais <strong>de</strong>ste profissional interfira no atendimento a estes casos<br />

só colabora para o impedimento do avanço <strong>de</strong> uma ciência e <strong>de</strong> uma bela profissão<br />

como é a psicologia.<br />

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