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a atualidade do pensamento de florestan fernandes e suas ...

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1<br />

CAPITALISMO DEPENDENTE E AGRONEGÓCIO:<br />

A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE FLORESTAN FERNANDES E SUAS<br />

CONTRIBUIÇÕES PARA O AMBIENTALISMO.<br />

Luiz Americo Araujo Vargas 1<br />

1. Introdução<br />

O atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> e das relações capitalistas <strong>de</strong> produção<br />

permite-nos investigar distintos níveis <strong>de</strong> tensionamento das lutas sociais em disputa por<br />

propostas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> rumos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s mais claramente antagônicos às<br />

políticas totalitárias impostas pela sentença <strong>de</strong> que “não há alternativas”. Esta análise traz<br />

conseqüências das mais diversas para as estratégias <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> movimentos sociais,<br />

ambientalistas ou não, ten<strong>do</strong> na América Latina um <strong>do</strong>s epicentros <strong>de</strong> resistência e<br />

compressão política e o Brasil como foco <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>.<br />

A permanente superexploração e superexpropriação das riquezas produzidas no<br />

campo, converge para a manutenção e recru<strong>de</strong>scimento <strong>de</strong> uma condição capitalista<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte con<strong>de</strong>nan<strong>do</strong>, campo e cida<strong>de</strong>, e os trabalha<strong>do</strong>res e trabalha<strong>do</strong>ras que neles<br />

vivem, às condições <strong>de</strong> heteronomia necessárias a reprodução <strong>do</strong>s agentes econômicos<br />

privilegia<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> seus vínculos <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação.<br />

Embora a economia agrária brasileira nunca tenha si<strong>do</strong> uniforme e seja<br />

impossível <strong>de</strong>scobrir uma fórmula válida universalmente para qualquer<br />

uma <strong>de</strong> <strong>suas</strong> evoluções, ela sempre foi a parte da economia brasileira<br />

estrutural e dinamicamente mais afetada pela condição apontada <strong>de</strong><br />

heteronomia. (FERNANDES, 1972, p. 183).<br />

Para Florestan isto se dá porque os vínculos com as economias centrais, ou com os<br />

agentes econômicos privilegia<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssas economias, variaram na transição <strong>de</strong> um esta<strong>do</strong><br />

colonial para neocolonial e <strong>de</strong>ste para o <strong>de</strong> uma economia capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Contu<strong>do</strong>,<br />

no que se refere à economia agrária, para ele:<br />

1 Doutoran<strong>do</strong> <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Educação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro -<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – Laboratório <strong>de</strong> Políticas Públicas –e-mail: americo@lpp-uerj.net


2<br />

As transformações na natureza <strong>do</strong>s vínculos em relação às economias<br />

centrais foram menos acentuadas <strong>do</strong> que se po<strong>de</strong>ria presumir, ten<strong>do</strong> em<br />

vista a situação global da economia brasileira, nas diferentes épocas<br />

econômicas. (FERNANDES, 1972, p. 183, Grifos nossos).<br />

O que nos chama atenção neste trecho é: “a natureza” das transformações <strong>de</strong><br />

distintas “épocas econômicas”, pois, para as discussões que empreen<strong>de</strong>mos neste estu<strong>do</strong>,<br />

po<strong>de</strong>mos questionar: a partir da implementação das políticas neoliberais, houve<br />

transformações na natureza <strong>do</strong>s vínculos entre os agentes econômicos, privilegia<strong>do</strong>s e<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes Se sim, como essas transformações se materializam no presente E<br />

principalmente, como essas transformações se revelam na organização da classe<br />

trabalha<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> campo<br />

Importante <strong>de</strong>stacar que quan<strong>do</strong> Florestan fala sobre capitalismo ele busca situá-lo<br />

<strong>de</strong> forma bastante precisa e específica, pois “se convertermos a noção <strong>de</strong> capitalismo em<br />

uma categoria elástica, ela <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser útil à explicação sociológica”. (FERNANDES,<br />

1972, p. 180). Disto <strong>de</strong>corre consi<strong>de</strong>rarmos fundamental a busca pela compreensão das<br />

relações <strong>de</strong> classe presentes no <strong>de</strong>senvolvimento capitalista no Brasil, nas relações sociais<br />

que engendram a dinâmica interna <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> agronegócio enquanto mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

agricultura hegemônico, representativo das aspirações <strong>de</strong> frações das classes <strong>do</strong>minantes<br />

locais subordinadas às estrangeiras, mas com forte po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e articulação com<br />

os <strong>de</strong>mais agentes econômicos privilegia<strong>do</strong>s.<br />

Essa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>fine em senti<strong>do</strong> negativo o interesse e a situação <strong>de</strong> classe<br />

<strong>do</strong> campesinato, excluin<strong>do</strong>-o parcial ou totalmente <strong>do</strong>s mecanismos<br />

normais que po<strong>de</strong>riam valorizar seu <strong>de</strong>stino social, por meio das relações<br />

<strong>de</strong> produção e <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>. Se o sistema econômico pu<strong>de</strong>sse eliminar<br />

rapidamente as estruturas arcaicas semelhante polarização negativa teria<br />

escasso significa<strong>do</strong> sociológico. No entanto, a articulação <strong>de</strong> estruturas<br />

arcaicas e mo<strong>de</strong>rnas é um requisito <strong>do</strong> capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e este só<br />

po<strong>de</strong>rá modificá-la, manten<strong>do</strong>-se como tal, <strong>de</strong> maneira muito lenta e<br />

jamais completamente. (FERNANDES, 1972, p. 65).<br />

Portanto, buscaremos <strong>de</strong>stacar, neste estu<strong>do</strong>, como o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> agricultura inserida no contexto <strong>de</strong> uma economia capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte como no caso<br />

brasileiro, vem contribuin<strong>do</strong> para o que estamos assumin<strong>do</strong> como uma das <strong>de</strong>terminações<br />

fundantes <strong>do</strong> alargamento da falha no metabolismo socieda<strong>de</strong>-natureza e assim,<br />

inviabilizan<strong>do</strong> qualquer tentativa <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m capitalista.


3<br />

2. O conceito <strong>de</strong> metabolismo socieda<strong>de</strong>-natureza<br />

Iniciaremos com uma ligeira pontuação sobre a categoria <strong>de</strong> metabolismo<br />

socieda<strong>de</strong>-natureza, base conceitual sobre a qual se assentam nossas discussões, nos<br />

apoian<strong>do</strong> no instigante estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> John Bellamy Foster em que este busca enten<strong>de</strong>r e<br />

<strong>de</strong>senvolver uma “visão ecológica revolucionária” consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> suma importância visto<br />

que “associa a transformação social com a transformação da relação humana com a<br />

natureza <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>s que agora consi<strong>de</strong>ramos ecológicos”. (FOSTER, 2005, p. 13).<br />

Na obra supracitada, intitulada A ecologia <strong>de</strong> Marx: materialismo e natureza, Foster<br />

resgata o conceito <strong>de</strong> Marx <strong>de</strong> “falha metabólica” na relação <strong>do</strong> homem com a natureza,<br />

fazen<strong>do</strong> para isto a releitura <strong>de</strong> autores como Epicuro e Darwin, argumentan<strong>do</strong> a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as visões da natureza que surgiram <strong>do</strong> século XVII ao século<br />

XIX com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> materialismo e da ciência a fim <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as origens da<br />

ecologia. (FOSTER, 2005).<br />

Foster empreen<strong>de</strong>u ampla reconstrução <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate histórico sobre a <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong><br />

solo que emergiu em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX. Em um <strong>de</strong>stes resgates, Foster <strong>de</strong>staca o papel<br />

<strong>de</strong> um jovem agrônomo, George Waring (1833-1898) ao fazer uma conferência à<br />

Socieda<strong>de</strong> Geográfica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Nova York intitulada “As Características Agrícolas <strong>do</strong><br />

Censo <strong>de</strong> 1850”, na qual ele tentou <strong>de</strong>monstrar empiricamente que o solo estava sen<strong>do</strong><br />

sistematicamente rouba<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus nutrientes através <strong>do</strong> transporte <strong>de</strong> longa distância <strong>de</strong><br />

alimentos e fibras num movimento unilateral <strong>do</strong> campo para a cida<strong>de</strong>.<br />

A categoria conceitual principal da análise teórica <strong>de</strong> Marx nesta área é o conceito<br />

<strong>de</strong> metabolismo (Stoffwechsel). A palavra alemã “Stoffwechsel” encerra diretamente, nos<br />

seus elementos, uma noção <strong>de</strong> “troca material” subjacente à noção <strong>do</strong>s processos<br />

estrutura<strong>do</strong>s <strong>de</strong> crescimento e <strong>de</strong>cadência biológicos reuni<strong>do</strong>s no termo “metabolismo”. Ao<br />

<strong>de</strong>finir o processo <strong>de</strong> trabalho, Marx tornou o conceito <strong>de</strong> metabolismo central em sistema<br />

<strong>de</strong> análise, enraizan<strong>do</strong> nele a sua compreensão <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> trabalho. (FOSTER, 2005;<br />

LÖWY, 2005).


4<br />

O trabalho é, antes <strong>de</strong> qualquer outra coisa, um processo entre o homem e<br />

a natureza, um processo pelo qual o homem, através das <strong>suas</strong> próprias<br />

ações, me<strong>de</strong>ia, regula e controla o metabolismo entre ele e a natureza. Ele<br />

encara os materiais da natureza como uma força da natureza. Ele põe em<br />

movimento as forças naturais que pertencem ao seu próprio corpo, aos<br />

braços, pernas, cabeça e mãos, a fim <strong>de</strong> apropriar os materiais da<br />

natureza <strong>de</strong> uma forma adaptada às <strong>suas</strong> próprias necessida<strong>de</strong>s. Através<br />

<strong>de</strong>ste movimento, ele atua sobre a natureza externa e a modifica, e assim<br />

simultaneamente altera a sua própria natureza... Ele [o processo <strong>do</strong><br />

trabalho] é a condição universal da interação metabólica (Stoffwechsel)<br />

entre o homem e a natureza, a perpétua condição da existência humana<br />

imposta pela natureza. (MARX, Capital apud FOSTER, 2005, p. 221).<br />

A tese <strong>de</strong> Marx em que aqueles que afirmam que os homens são fruto das<br />

circunstâncias e da educação, e homens diferentes são frutos <strong>de</strong> circunstâncias e educação<br />

diferentes, se esquecem que as circunstâncias são criadas pelos mesmos homens e que o<br />

educa<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve ser educa<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> nos ajudar a compreen<strong>de</strong>r que: quan<strong>do</strong> afirmamos que<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>senvolver nossas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> sustentável e esta sustentabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá<br />

promover mudanças na forma como os homens se relacionam com a natureza, não <strong>de</strong>vemos<br />

nos esquecer que esta mesma sustentabilida<strong>de</strong> vincula-se ao mo<strong>do</strong> como os homens<br />

transformam a natureza e são por ela transforma<strong>do</strong>s, o que na tradição marxista conceituase<br />

categoricamente como trabalho e que na relação capital/trabalho este último é<br />

estranha<strong>do</strong>, assim como é a relação <strong>do</strong> homem com outros homens e <strong>do</strong> homem na<br />

natureza. Ainda, se estivermos <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Marx <strong>de</strong> que “a raiz <strong>do</strong> homem é o próprio<br />

homem”, concepções, propostas, projetos e estratégias que contemplem alguma<br />

sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem estar radicalmente vincula<strong>do</strong>s aos processos <strong>de</strong> transformação da<br />

natureza, isto é, trabalho, logo, da transformação <strong>do</strong> próprio homem visto ser ele também<br />

natureza.<br />

3. Condição capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte: o agronegócio “brasileiro” e sua essência<br />

heteronômica<br />

No esforço <strong>de</strong> esboçar um estu<strong>do</strong> sobre o trabalho <strong>do</strong> Professor Florestan<br />

Fernan<strong>de</strong>s, nos apropriamos das reflexões inscritas no artigo Capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

autocracia burguesa e revolução social em Florestan Fernan<strong>de</strong>s, da Professora Miriam


5<br />

Limoeiro Car<strong>do</strong>so (1997) 2 , cotejan<strong>do</strong>-o principalmente com o texto “Sobre a teorização <strong>do</strong><br />

capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em Florestan Fernan<strong>de</strong>s” da mesma autora, publica<strong>do</strong> em Fávero<br />

et ali (2005), e o Estu<strong>do</strong> Sociológico <strong>do</strong> Sub<strong>de</strong>senvolvimento Econômico, a Primeira Parte<br />

da obra Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes e sub<strong>de</strong>senvolvimento (1972), <strong>do</strong> Prof. Florestan.<br />

O conceito <strong>de</strong> metabolismo socieda<strong>de</strong>-natureza, sinteticamente aborda<strong>do</strong> acima,<br />

pô<strong>de</strong> ser forja<strong>do</strong>, enquanto conceito histórico, pois estava engendra<strong>do</strong> pelos conflitos <strong>de</strong><br />

classe em torno da proprieda<strong>de</strong> e uso <strong>do</strong> solo que acabavam por <strong>de</strong>stituir-lhe a fertilida<strong>de</strong><br />

bem como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. Portanto, para mantê-lo como<br />

conceito histórico, insistimos em a<strong>do</strong>tar um caminho que permita entendê-lo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

perspectiva que inclua a estrutura e as disputas <strong>de</strong> classes. Daí a<strong>do</strong>tarmos o <strong>pensamento</strong> <strong>de</strong><br />

Florestan em nosso estu<strong>do</strong>, menos como uma resposta <strong>de</strong>finitiva, mais como uma<br />

construção permanente e coletiva que se impõe diante da superexploração que as classes<br />

<strong>do</strong>minantes submetem o conjunto da classe trabalha<strong>do</strong>ra e que se expressam,<br />

simultaneamente, no avanço <strong>do</strong> saqueio sobre as riquezas naturais.<br />

Para Car<strong>do</strong>so, Florestan não formula uma teoria da <strong>de</strong>pendência “sua formulação<br />

<strong>do</strong> capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte constitui uma contribuição teórica à teoria <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

capitalista”. (CARDOSO, 1997, p. 1). Isto porque quan<strong>do</strong> ele pensa na <strong>de</strong>pendência (ou<br />

heteronomia) ele o faz <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> o conceito <strong>de</strong> capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong><br />

segun<strong>do</strong> Car<strong>do</strong>so como “parte <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> produção (o capitalismo);<br />

como parte <strong>de</strong>ste sistema num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento na história<br />

(capitalismo monopolista)”, e o que condiciona e reforça os vínculos imperialistas <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>minação <strong>de</strong> classes, isto é, “como parte que é uma <strong>de</strong> <strong>suas</strong> especificida<strong>de</strong>s nesta fase<br />

(parte heterônoma ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> capitalismo monopolista)” (CARDOSO, 1997, P. 2).<br />

Para vincularmos as “questões <strong>de</strong> classe” às relações <strong>de</strong> produção, são necessárias<br />

algumas características fundamentais <strong>do</strong> sistema econômico sob o capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

2 O texto <strong>de</strong> Car<strong>do</strong>so que utilizamos como referência foi prepara<strong>do</strong> por Car<strong>do</strong>so para o curso Movimentos<br />

Sociais, Políticas Públicas e Emancipações, promovi<strong>do</strong> pelo Programa Outro Brasil, <strong>do</strong> Laboratório <strong>de</strong><br />

Políticas Públicas da UERJ, em 2007. A numeração <strong>de</strong> <strong>suas</strong> páginas não correspon<strong>de</strong> necessariamente à <strong>do</strong><br />

texto original publica<strong>do</strong> Capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, autocracia burguesa e revolução social em Florestan<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Instituto <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Avança<strong>do</strong>s/USP (Coleção Documentos – Série História Cultural nº 6), julho<br />

<strong>de</strong> 1996; republica<strong>do</strong> “Capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, autocracia burguesa e revolução social em Florestan


6<br />

conforme Florestan, quais sejam: a) o sistema econômico não se integra da mesma forma<br />

que sob o capitalismo avança<strong>do</strong>: ele coor<strong>de</strong>na e equilibra estruturas econômicas (ou<br />

subsistemas econômicos) em diferentes estágios <strong>de</strong> evolução econômica; o que confere, em<br />

diferentes níveis, aspectos arcaicos e mo<strong>de</strong>rnos em distintos setores e b) a or<strong>de</strong>m<br />

econômica não exprime o ponto <strong>de</strong> equilíbrio dinâmico <strong>de</strong> um da<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> articulação<br />

<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, mas o conjunto <strong>de</strong> tendências que, no momento correspon<strong>de</strong>m, regulam as<br />

situações econômicas (ou algumas <strong>de</strong> <strong>suas</strong> fases) em bases propriamente capitalistas.<br />

(FERNANDES, 1972, p. 50-51), o que po<strong>de</strong>ríamos exemplificar com a reprimarização da<br />

economia brasileira conforme compreendida a partir <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Leher (2007).<br />

Segun<strong>do</strong> Car<strong>do</strong>so as relações entre burguesias hegemônicas e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

implicam relações <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação interna e externa que se conjugam: Dominação externa<br />

que é abastecida pela <strong>do</strong>minação interna, a qual se exerce não sobre um setor ou uma<br />

fração da burguesia, mas sobre o trabalho e a massa da população”. (CARDOSO, 1997,<br />

p.3). As burguesias locais tomam parte importante nessa articulação. É por meio <strong>de</strong>las que<br />

a articulação se realiza. Por isso Florestan as i<strong>de</strong>ntifica como parceiras das burguesias<br />

hegemônicas.<br />

Para Florestan, a economia capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte sofre intensa espoliação e<br />

apropriação <strong>de</strong> <strong>suas</strong> riquezas pelas burguesias interna e hegemônica e isso é feito “à custa<br />

<strong>do</strong>s setores assalaria<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong>s da população, submeti<strong>do</strong>s a mecanismos<br />

permanentes <strong>de</strong> sobre-apropriação e sobre-expropriação capitalistas”. (FERNANDES,<br />

1972 apud CARDOSO, 1997, p. 3). Assim, para dar conta <strong>do</strong>s lucros da burguesia local e<br />

da estrangeira hegemônica, a economia <strong>do</strong>s países capitalistas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, sob controle<br />

<strong>de</strong>sses agentes, precisa produzir uma super-exploração e super-expropriação capitalistas e,<br />

objetivamente, este “esforço” recai sobre a classe trabalha<strong>do</strong>ra, reduzin<strong>do</strong>-lhes seus direitos<br />

conquista<strong>do</strong>s ou através <strong>de</strong> mecanismos político-econômicos como o superávit primário.<br />

A <strong>do</strong>minação externa se duplica na <strong>do</strong>minação interna e os setores<br />

sociais <strong>do</strong>minantes internamente super-exploram e, conseqüentemente,<br />

super-<strong>do</strong>minam a massa da população (trabalha<strong>do</strong>ra e excluída) para<br />

garantir seus próprios privilégios e a partilha <strong>do</strong> exce<strong>de</strong>nte econômico<br />

Fernan<strong>de</strong>s”, Idéias (Revista <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp). Campinas, 4 (1 / 2):<br />

99-114, jan./<strong>de</strong>z., 1997. Consi<strong>de</strong>raremos a data <strong>de</strong> sua segunda publicação em nossas citações.


7<br />

com as burguesias das economias hegemônicas. (CARDOSO, 1997, p.<br />

4).<br />

O trabalho <strong>de</strong> Car<strong>do</strong>so nos chama atenção ainda para as reflexões que faz Florestan<br />

sobre o sistema <strong>de</strong> classes sociais que movimenta ou dinamiza o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

capitalista, o que nos impele a refletirmos não apenas sobre a configuração econômica e<br />

seus efeitos, mas sobre seus agentes, ou seja, as classes que se antagonizam. Os homens nas<br />

socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classes, para Car<strong>do</strong>so “fazem a história nas condições concretas que<br />

encontram e aí o seu agir é um agir <strong>de</strong> classe. (...) Portanto, a explicação da história se<br />

encontra nas relações <strong>de</strong> cooperação ou <strong>de</strong> luta entre as classes sociais”. (CARDOSO,<br />

1997, p. 2).<br />

Compreen<strong>de</strong>mos o assim chama<strong>do</strong> agronegócio como uma expressão atual da<br />

parceria histórica, explicada por Florestan, evi<strong>de</strong>nciada por uma aliança entre frações <strong>de</strong><br />

classes <strong>do</strong>minantes: a <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> capital nacional com o hegemônico capital estrangeiro.<br />

Um aparente para<strong>do</strong>xo mantém as condições arcaicas e mo<strong>de</strong>rnas criadas e recriadas ao<br />

longo <strong>do</strong>s estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista no Brasil.<br />

Triunfantes índices <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e obscuras relações entre capitais que vêm e que vão,<br />

promovem e conferem ao merca<strong>do</strong> uma liberda<strong>de</strong> que convive com o trabalho escravo e<br />

permanente tensão e violência no campo, confirman<strong>do</strong> o que <strong>de</strong>stacadamente já nos<br />

chamava atenção Florestan quan<strong>do</strong> nos ensinava que:<br />

A vantagem <strong>do</strong> caso brasileiro é que ele permite levar em conta, na<br />

caracterização <strong>do</strong> regime <strong>de</strong> classes no mun<strong>do</strong> sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>, tanto os<br />

aspectos mais arcaicos quanto os aspectos mais mo<strong>de</strong>rnos da<br />

estratificação social condicionada pelo capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

(FERNANDES, 1972, p. 49-50, Grifos <strong>do</strong> autor).<br />

Da exclu<strong>de</strong>nte Lei <strong>de</strong> Terras 3 e subseqüente institucionalização <strong>do</strong> trabalho livre<br />

(com a promulgação <strong>de</strong> 1888 e leis <strong>de</strong> imigração a partir <strong>de</strong> 1870) passan<strong>do</strong> pelos distintos<br />

3 Lei nº 601 <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1850. Aos usuários era dada concessão <strong>de</strong> uso, as terras eram <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> da Coroa. Essa lei exigia um pagamento à Coroa para o registro legal das terras em cartórios<br />

oficiais. Assim, passam a ser proprietários os que tinham dinheiro para comprar a terra. (STÉDILE, 2000, p.<br />

177).


8<br />

ciclos econômicos 4 (café, cacau, borracha, cana, por exemplo), as formas <strong>de</strong> apropriação e<br />

exploração da natureza e <strong>do</strong> trabalho humano, presente no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agricultura capitalista<br />

brasileiro, organizam-se conforme o capital precise reconfigurar as articulações entre as<br />

forças que o movem. E o agronegócio é o novo conceito aglutina<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ssas forças no<br />

campo.<br />

Aglutinam os latifundiários em sua especulação pelos maiores lucros alcança<strong>do</strong>s<br />

com os altos preços da terra. Aglutinam também os bancos nacionais e estrangeiros, que a<br />

partir da liberalização financeira neoliberal, promoveram o maior fluxo <strong>de</strong> capital<br />

especulativo e fornecimento <strong>de</strong> créditos para o setor. Aglutinam ainda a indústria <strong>de</strong><br />

insumos (sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máquinas, tratores, etc.) e <strong>de</strong> subprodutos da<br />

agropecuária, as gran<strong>de</strong>s empreiteiras ou consórcios <strong>de</strong> construção civil e por fim, mas não<br />

menos importante, os monopólios midiáticos <strong>de</strong> sua sustentação i<strong>de</strong>ológica.<br />

Mas o que é o agronegócio Será apenas um conceito como nos referimos antes<br />

Para que não seja apenas um conceito vazio, como <strong>de</strong>fini-lo Quem o <strong>de</strong>fine Os<br />

movimentos sociais Os trabalha<strong>do</strong>res Ou o governo Po<strong>de</strong>mos pensar em uma <strong>de</strong>finição<br />

para o agronegócio em termos <strong>de</strong> <strong>suas</strong> práticas e estas não nos parecem outras que não as<br />

da agricultura capitalista – com a mo<strong>de</strong>rna biotecnologia e o arcaico mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

monocultivos para exportação – portanto, sob os imperativos <strong>do</strong> lucro, apoiada e conduzida<br />

por um Esta<strong>do</strong> interventor forte, ao contrário <strong>do</strong> que preconiza a i<strong>de</strong>ologia neoliberal <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> mínimo.<br />

A Assessoria <strong>de</strong> Gestão Estratégica (AGE) <strong>do</strong> Ministério da Agricultura Pecuária e<br />

Abastecimento (MAPA) produziu um <strong>do</strong>cumento intitula<strong>do</strong> Projeções <strong>do</strong> Agronegócio<br />

Mundial e Brasil 2006/2007 a 2016/2017 5 , on<strong>de</strong> está projeta<strong>do</strong> o futuro <strong>do</strong> agronegócio 6<br />

4 Florestan Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fine como ciclo econômico, característico <strong>de</strong> países capitalistas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes aquele<br />

em que há “a conjugação <strong>de</strong> procura externa com técnicas <strong>de</strong> produção extensiva acarretan<strong>do</strong> um padrão <strong>de</strong><br />

crescimento econômico pouco flexível, funda<strong>do</strong> em substituição súbita <strong>do</strong>s produtos básicos e em constante<br />

mobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s centros economicamente prósperos”. (FERNANDES, 1972, p. 51).<br />

5 Disponível em:<br />

http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/<strong>do</strong>cs/PAGE/MAPA/MENU_LATERAL/AGRICULTURA_PECUA<br />

RIA/PROJECOES_AGRONEGOCIO/CENARIOS%20DO%20AGRONEGOCIO%202006-<br />

2007%20A%202016-2017%20A1.PDF Acessa<strong>do</strong> em 21/07/2007.<br />

6 O <strong>do</strong>cumento <strong>do</strong> MAPA estabelece que o agronegócio <strong>de</strong>ve ser entendi<strong>do</strong> como: a ca<strong>de</strong>ia produtiva que<br />

envolve, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fabricação <strong>de</strong> insumos, passan<strong>do</strong> pela produção nos estabelecimentos agropecuários e pela<br />

transformação, até o seu consumo. Essa ca<strong>de</strong>ia incorpora to<strong>do</strong>s os serviços <strong>de</strong> apoio: pesquisa e assistência


9<br />

“brasileiro”, para subsidiar os formula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> políticas públicas na sua tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

e <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong> atuação (...) para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável <strong>do</strong><br />

agronegócio brasileiro. Ressaltan<strong>do</strong> que esta visão prospectiva não é estática (...) em face<br />

<strong>de</strong> mudança no ambiente externo. (MAPA, 2006, p. 4. Grifos nossos).<br />

Dentre os <strong>de</strong>stinos das pujantes exportações <strong>do</strong> agronegócio estão envolvi<strong>do</strong>s países<br />

da União Européia (32,5% das exportações); Ásia (excluin<strong>do</strong> Oriente Médio) com 19,8%<br />

das exportações; 15,1% para Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e Canadá; 6,5% com a África e 4,4%<br />

soman<strong>do</strong>-se Mercosul e <strong>de</strong>mais países da América Latina. Quantos às importações, 42,6%<br />

originam-se <strong>do</strong> Mercosul; 19,5% da União Européia; 13,9% da Ásia (exceto Oriente<br />

Médio); Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e Canadá são responsáveis por 11,3% das importações <strong>do</strong> setor, o<br />

que nos remete ao que a mais <strong>de</strong> um século <strong>de</strong>monstrou George Waring no supracita<strong>do</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> Foster.<br />

Como referi<strong>do</strong> logo acima, outros setores são beneficia<strong>do</strong>s pela lógica <strong>do</strong><br />

agronegócio no Brasil como, por exemplo, as indústrias <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensivos agrícolas que em<br />

1995 vendiam US$ 1,5 bilhão em produtos que em 2005 saltaram para US$ 4,2 bilhões. A<br />

indústria <strong>de</strong> fertilizantes que em 1998 vendia 14,7 milhões <strong>de</strong> toneladas passou a ven<strong>de</strong>r em<br />

2005, 20,2 milhões <strong>de</strong> toneladas. As vendas internas <strong>de</strong> tratores também sofreram um<br />

aumento em 2004 <strong>de</strong> 40% em relação ao ano <strong>de</strong> 1999.<br />

Retornan<strong>do</strong> às projeções 7 <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento elabora<strong>do</strong> pela AGE/MAPA, existem<br />

quatro gran<strong>de</strong>s tendências que apontam para o crescimento e sustentação <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

produtivo <strong>do</strong> agronegócio, das quais abordaremos duas apenas, para efeito <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>:<br />

a) As tendências ambientais <strong>de</strong>finem que a produção agrícola <strong>de</strong>ve,<br />

progressivamente, fundamentar-se em práticas conservacionistas e, para isto: a)<br />

<strong>de</strong>senvolver-se-ão tecnologias que conservem água, florestas e a fertilida<strong>de</strong> natural<br />

da terra; b) a floresta amazônica será objeto <strong>de</strong> uma política específica, visan<strong>do</strong><br />

preservar sua sustentabilida<strong>de</strong> e c) disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos hídricos será <strong>de</strong><br />

técnica, processamento, transporte e comercialização, crédito, exportação, serviços portuários, distribui<strong>do</strong>res,<br />

bolsas e o consumi<strong>do</strong>r final. O valor agrega<strong>do</strong> <strong>do</strong> complexo industrial passa, obrigatoriamente, por cinco<br />

merca<strong>do</strong>s: o <strong>de</strong> suprimentos, o <strong>de</strong> produção propriamente dita, processamento, distribuição e <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r<br />

final. (MAPA, 2006, p. 5).<br />

7 Baseadas, conforme o <strong>do</strong>cumento, em estu<strong>do</strong>s prospectivos <strong>de</strong> instituições como: ONU, FAO, OCDE,<br />

USDA, FAPRI, IFPRI, EU, World Bank, FGV, IBGE, CONAB, CNA entre outras.


10<br />

fundamental importância para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> agronegócio e para a<br />

segurança alimentar.<br />

b) As tendências tecnológicas <strong>de</strong>stacam o papel da biotecnologia “transforman<strong>do</strong> os<br />

merca<strong>do</strong>s e amplian<strong>do</strong> as oportunida<strong>de</strong>s na agricultura e na bioindústria” e da<br />

nanotecnologia “para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas ferramentas para a<br />

biotecnologia e para a nanomanipulação <strong>de</strong> genes e materiais biológicos”. A<br />

perspectiva <strong>de</strong>sta tendência indica que para garantir a competitivida<strong>de</strong> no médio e<br />

longo prazos <strong>do</strong> agronegócio brasileiro, o <strong>de</strong>safio é “incorporar inovações<br />

tecnológicas <strong>de</strong>senvolvidas no Brasil e no mun<strong>do</strong>”.<br />

Conforme as projeções, entre 2005/2006 e 2016/2017 haverá um crescimento <strong>de</strong><br />

27% na produção <strong>de</strong> soja em grão. Brasil, EUA e Argentina passarão a concentrar 85% da<br />

produção mundial em 2015, sen<strong>do</strong> o Brasil o maior exporta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> grão neste ano. A<br />

participação <strong>do</strong>s EUA no merca<strong>do</strong> mundial cairá <strong>de</strong> 42,2% para 28,8% em 2015/16 e a<br />

participação <strong>do</strong> Brasil passará <strong>de</strong> 41% para 54,5%. As exportações brasileiras <strong>do</strong> produto<br />

em 2015/2016 serão 41,1% superiores as <strong>de</strong> 2005/6.<br />

O Programa <strong>de</strong> Aceleração <strong>do</strong> Crescimento (PAC) 8 prevê investimentos <strong>de</strong> R$<br />

503,9 bilhões, <strong>do</strong>s quais R$ 274,8 bi serão <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ao setor energético. O PAC possui<br />

como fundamentos econômicos a estabilida<strong>de</strong> monetária, a responsabilida<strong>de</strong> fiscal e a<br />

baixa vulnerabilida<strong>de</strong> externa, axiomas correntes das cartilhas neoliberais.<br />

Até 2010 está previsto o investimento <strong>de</strong> R$ 17,4 bilhões nos “combustíveis<br />

renováveis” 9 , sen<strong>do</strong> cerca <strong>de</strong> R$ 12,1 bilhões para a produção <strong>de</strong> etanol concentrada nos<br />

esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> SP, MS, MG e GO. Os alcooldutos previstos para ligar os centros produtores e<br />

consumi<strong>do</strong>res consumirão mais R$ 4,1 bilhões. Está prevista a construção <strong>de</strong> mais 77<br />

usinas em to<strong>do</strong> país.<br />

A produção <strong>de</strong> etanol projetada para 2017 é <strong>de</strong> 38,6 bilhões <strong>de</strong> litros, mais que o<br />

<strong>do</strong>bro da produção <strong>de</strong> 2006. O consumo interno para 2017 está projeta<strong>do</strong> em 28,4 bilhões<br />

8 Disponível em www.planejamento.gov.br. As informações apresentadas neste trabalho foram extraídas da<br />

versão resumida para a imprensa correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> exatamente à versão completa.<br />

9 Não faremos qualquer discussão sobre o <strong>de</strong>bate biocombustíveis versus agrocombustíveis, mas po<strong>de</strong>-se<br />

encontrar esclarece<strong>do</strong>ra problematização em BRAVO, Elisabeth. Agrocombustíveis, cultivos energéticos e<br />

soberania alimentar na América Latina: aquecen<strong>do</strong> o <strong>de</strong>bate sobre agrocombustíveis. São Paulo: Expressão<br />

Popular, 2007.


11<br />

<strong>de</strong> litros e as exportações em 10,3 bilhões. A Secretaria <strong>de</strong> Produção e Agroenergia <strong>do</strong><br />

MAPA projeta vendas para 2010, <strong>de</strong> 1,0 milhão <strong>de</strong> automóveis Flex, quase o <strong>do</strong>bro a mais<br />

que os automóveis a gasolina, cujas vendas projetadas são <strong>de</strong> 467 mil unida<strong>de</strong>s.<br />

O <strong>do</strong>cumento da AGE/MAPA ressalta que embora as projeções sejam favoráveis<br />

para o crescimento <strong>do</strong> agronegócio nos próximos anos, existem algumas “incertezas”<br />

como: crescimento econômico abaixo <strong>do</strong> previsto, protecionismo <strong>do</strong>s países <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s,<br />

falta <strong>de</strong> investimento em infra-estrutura física, atrasos na tecnologia e <strong>de</strong>fesa agropecuária.<br />

Finalizan<strong>do</strong>, o <strong>do</strong>cumento chega a algumas conclusões das quais consi<strong>de</strong>raremos<br />

principalmente:<br />

• A solução <strong>do</strong>s graves problemas <strong>de</strong> logística e <strong>de</strong> infra-estrutura criará condições<br />

para o crescimento da produção e maior rentabilida<strong>de</strong> para o setor, visto a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escoamento a longas distâncias <strong>de</strong> produtos brasileiros. A não<br />

realização <strong>do</strong>s investimentos necessários no setor po<strong>de</strong>rá se refletir em perda <strong>de</strong><br />

competitivida<strong>de</strong> internacional e na estagnação <strong>do</strong> agronegócio brasileiro.<br />

Se por um la<strong>do</strong> projeções econômicas são difíceis <strong>de</strong> serem analisadas com mais<br />

precisão, pelas “variantes” que a elas <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser incluídas, principalmente no que se<br />

refere aos elementos e resistências sociais inerentes, por outro nos <strong>de</strong>ixam alertas: trata-se<br />

antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> um negócio, daí que os seres humanos, a vida humana e <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais seres<br />

vivos pouco ou nada serem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s. Os números e as concepções i<strong>de</strong>ológicas não<br />

<strong>de</strong>ixam dúvidas sobre as intenções <strong>do</strong> agronegócio e impõem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, os ferozes <strong>de</strong>safios<br />

que <strong>de</strong>verão enfrentar os movimentos sociais, trabalha<strong>do</strong>res rurais, indígenas, ribeirinhos,<br />

quilombolas, pesca<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>mais grupos em luta pela compreensão e modificação das<br />

estruturas que <strong>de</strong>finem a condição heteronômica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong><br />

brasileira.<br />

Conforme a lista <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2007 10 <strong>do</strong> Cadastro <strong>de</strong> Emprega<strong>do</strong>res (Portaria 540 <strong>de</strong><br />

15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004), foram libertos 7.566 trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> 192 estabelecimentos em<br />

regime <strong>de</strong> escravidão ou trabalho <strong>de</strong>gradante entre junho <strong>de</strong> 2004 e junho <strong>de</strong> 2007.<br />

10 Disponível em: http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_JULHO_2007.pdf Acessa<strong>do</strong> em 23/07/2007. A<br />

lista atualizada está disponível em<br />

http://www.emdiacomacidadania.com.br/<strong>do</strong>cumentos/Trabalhoescravolista<strong>de</strong>z2007.pdf


12<br />

O número <strong>de</strong> pessoas submetidas ao trabalho escravo cresceu na região Centro-<br />

Oeste conforme da<strong>do</strong>s da CPT 11 . Em 2006 foram 1.078 ocorrências, que passaram para<br />

1.157 em 2007. O esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Goiás que em 2006 havia registra<strong>do</strong> 3 ocorrências com 113<br />

pessoas envolvidas, em 2007 registrou 8 ocorrências envolven<strong>do</strong> 441 trabalha<strong>do</strong>res. Em<br />

Mato Grosso, no ano <strong>de</strong> 2006 registrou-se 3 ocorrências com 39 pessoas envolvidas e em<br />

2007, 628 pessoas foram resgatadas em 9 ocorrências. O trabalho escravo também cresceu<br />

significativamente no Maranhão e no Piauí. Goiás também se <strong>de</strong>staca por ter aumenta<strong>do</strong> o<br />

número geral <strong>de</strong> conflitos, <strong>de</strong> 28 para 31 e <strong>de</strong> famílias envolvidas <strong>de</strong> 16.870 para 25.904.<br />

Carecemos <strong>de</strong> espaço neste breve artigo para problematizarmos com maior profundida<strong>de</strong><br />

estes da<strong>do</strong>s. Salientamos, contu<strong>do</strong>, o quão emblemático é este aumento em uma área<br />

prioritária para os projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> agronegócio no país.<br />

Sob o capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a persistência <strong>de</strong> formas econômicas<br />

arcaicas não é uma função secundária e suplementar. A exploração<br />

<strong>de</strong>ssas formas, e a sua combinação com outras, mais ou menos mo<strong>de</strong>rnas<br />

e até ultramo<strong>de</strong>rnas, fazem parte <strong>do</strong> “cálculo capitalista” <strong>do</strong> agente<br />

econômico privilegia<strong>do</strong>. (...) Em conseqüência, o agente econômico<br />

“mais arcaico”, que não tem possibilida<strong>de</strong>s (ou só tem possibilida<strong>de</strong>s<br />

estreitas) <strong>de</strong> reinvestir uma parcela <strong>do</strong> exce<strong>de</strong>nte econômico em <strong>suas</strong><br />

unida<strong>de</strong>s produtivas (agrícolas, <strong>de</strong> criação, extrativas, etc.), preenche as<br />

funções econômicas que <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> sua posição no sistema econômico:<br />

a) servir <strong>de</strong> elo entre o merca<strong>do</strong> interno e o merca<strong>do</strong> externo na captação<br />

<strong>de</strong> exce<strong>de</strong>nte econômico; b) alimentar uma pequena porção <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />

interno com alto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> consumo; c) servir <strong>de</strong> elo entre o “setor<br />

arcaico” e o “setor mo<strong>de</strong>rno” <strong>do</strong> sistema econômico, transferin<strong>do</strong> para o<br />

crescimento <strong>de</strong>ste último, indireta ou diretamente, parcelas substanciais<br />

<strong>do</strong> exce<strong>de</strong>nte econômico gera<strong>do</strong> no primeiro (e que não po<strong>de</strong>m ser<br />

reinvesti<strong>do</strong>s nele, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> produtivo, mantidas as condições <strong>de</strong><br />

articulação <strong>do</strong> sistema econômico). (FERNANDES, 1972, p. 53).<br />

O programa <strong>de</strong>senvolvimentista <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Lula da Silva aponta para a<br />

continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma agenda econômica que dita o ritmo social e político e impõe um<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> padrão <strong>de</strong> crescimento como caminho para geração <strong>de</strong> renda e diminuição das<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais. De fato, está claro que estimular o investimento em ativida<strong>de</strong>s<br />

produtivas através <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> infra-estrutura básica ten<strong>de</strong> a gerar um<br />

11<br />

Disponível em: http://www.cptnac.com.br/system=news&action=read&id=2108&eid=6 Acessa<strong>do</strong> em<br />

13/05/2008.


13<br />

incremento das forças produtivas que reflete diretamente nos rendimentos <strong>de</strong> uma fração<br />

das classes que vivem <strong>do</strong> seu trabalho, todavia, no caso em questão, estes investimentos se<br />

farão em benefício <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> qual projeto político Po<strong>de</strong>mos indagar <strong>de</strong> outro<br />

mo<strong>do</strong>: estradas, ferrovias, portos, aeroportos, hidrelétricas e usinas nucleares têm si<strong>do</strong><br />

ergui<strong>do</strong>s para servir à reprodução <strong>do</strong>s grupos sociais diversos ou <strong>do</strong> capital<br />

Entre os <strong>de</strong>bates mais ar<strong>de</strong>ntes e ações governamentais mais recentes sem dúvidas<br />

está o da utilização <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s “combustíveis renováveis”, <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacamos o<br />

etanol, pelo seu significa<strong>do</strong> e representações sociais e culturais que acompanham sua<br />

marcha, a saber: expulsão <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res (as) rurais <strong>de</strong> <strong>suas</strong> terras, precarização <strong>do</strong>s<br />

postos <strong>de</strong> trabalho restantes, uso irracional e privatização <strong>do</strong>s recursos naturais, intensa<br />

utilização <strong>de</strong> insumos e <strong>de</strong>fensivos agrícolas, concentração <strong>de</strong> terras e renda, crian<strong>do</strong> nexos<br />

com aquilo que compreen<strong>de</strong>mos como falha metabólica socieda<strong>de</strong>-natureza.<br />

Os argumentos favoráveis e os <strong>de</strong>bates centra<strong>do</strong>s nos “combustíveis renováveis”<br />

nublam as discussões sobre transportes públicos <strong>de</strong> massa, que po<strong>de</strong>riam transformar as<br />

vias urbanas e estradas e reduzir maciçamente as emissões <strong>de</strong> gases. Do mesmo mo<strong>do</strong>,<br />

camuflam as <strong>de</strong>sumanas relações neocoloniais <strong>de</strong> trabalho que acompanham o cultivo da<br />

cana-<strong>de</strong>-açúcar e que tem na figura <strong>do</strong> bóia-fria a expressão da miséria, <strong>do</strong> <strong>de</strong>srespeito e da<br />

grotesca exploração a que são submeti<strong>do</strong>s os que trabalham neste tipo <strong>de</strong> lavoura intensiva.<br />

Além, é claro, <strong>de</strong> privilegiar uma suposta primazia da técnica em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />

<strong>de</strong>mocráticas, resultantes <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> participação popular massiva.<br />

As metas estabelecidas pelo PAC nos dão indícios da <strong>de</strong>sregulamentação das ações<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em favor <strong>do</strong>s grupos priva<strong>do</strong>s. O PAC prevê a flexibilização <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong><br />

controle necessários à proteção <strong>do</strong>s territórios, principalmente, mas não apenas, <strong>do</strong> já muito<br />

ameaça<strong>do</strong> e <strong>de</strong>lica<strong>do</strong> Bioma <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, área pre<strong>do</strong>minantemente plana e com abundantes<br />

recursos hídricos que renovam a cobiça <strong>do</strong> capital na região e que hoje concentra boa parte<br />

<strong>do</strong>s investimentos previstos para o setor sucroalcooleiro.<br />

Compreen<strong>de</strong>mos que as políticas energéticas <strong>de</strong> base agrícola, traçadas pelo<br />

governo fe<strong>de</strong>ral, continuam acompanhan<strong>do</strong> a lógica neoliberal explicitada nos fundamentos<br />

econômicos <strong>do</strong> PAC e centrada em noções <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> economicista sintetiza<strong>do</strong>s na ilusória<br />

fórmula “crescer para dividir”. Esta lógica centra-se não apenas na racionalida<strong>de</strong>


14<br />

tecnocrática assumida pelas administrações neoliberais principalmente <strong>do</strong>s últimos 12 anos,<br />

mas também, e fundamentalmente, pelas reconfigurações <strong>do</strong> capital financeiro e industrial,<br />

que sustentaram e sustentam a ditadura rentista expressa na perversa política econômica<br />

vigente.<br />

É preciso também que estejamos atentos a este “retorno” <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nas iniciativas<br />

<strong>de</strong> investimentos em infra-estrutura. O Esta<strong>do</strong> sempre esteve presente, mesmo quan<strong>do</strong><br />

aparentemente ausente, pois nestes casos ele costuma estar mais sutilmente a serviço <strong>de</strong><br />

frações das classes <strong>do</strong>minantes. Por mais que o Esta<strong>do</strong> tenha assumi<strong>do</strong> e venha operan<strong>do</strong><br />

vultosas cifras em investimentos mimetiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sociais, precisamos compreen<strong>de</strong>r as<br />

estratégias que mantém a lógica <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolvimento”, pois este, por tratar-se <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, apenas expan<strong>de</strong> a superexpropriação e a<br />

superexploração em favor da manutenção e aperfeiçoamento da condição <strong>de</strong> heteronomia.<br />

4. Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

No Brasil, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organização da agricultura capitalista, em sua forma<br />

conhecida como agronegócio, é parte <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo capitalista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, já que comporta<br />

elementos arcaicos e mo<strong>de</strong>rnos que engendram este mo<strong>de</strong>lo apoia<strong>do</strong> necessariamente nas<br />

burguesias, locais e externas, que operam a exploração e <strong>do</strong>minação. Graves conseqüências<br />

<strong>de</strong>correm <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção, amplian<strong>do</strong> a falha metabólica socieda<strong>de</strong>-natureza,<br />

ameaçan<strong>do</strong> as bases materiais <strong>de</strong> sustentação da vida em todas as <strong>suas</strong> formas.<br />

A questão <strong>do</strong> capitalismo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em Florestan, pelo pouco que pu<strong>de</strong>mos<br />

compreen<strong>de</strong>r até aqui, com a indispensável contribuição <strong>de</strong> Car<strong>do</strong>so, parece-nos um campo<br />

fértil <strong>de</strong> idéias e uma fonte rica <strong>de</strong> problematizações, que lança sobre as pesquisas<br />

acadêmicas, sobretu<strong>do</strong>, aquelas voltadas para transformações profundas das relações<br />

sociais, um <strong>de</strong>safio urgente. Enten<strong>de</strong>mos que neste <strong>de</strong>safio, o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>ve ser a<br />

questão da classe no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> capitalismo e o ponto <strong>de</strong> chegada, a<br />

transformação social. Pelo caminho estão as <strong>de</strong>terminações que carregam as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> conferir ao trabalha<strong>do</strong>r uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe ao assumir a luta contra um <strong>de</strong> seus<br />

inimigos reconheci<strong>do</strong>s, o agronegócio, se aproprian<strong>do</strong> <strong>de</strong> meios para isso, como, por<br />

exemplo, a educação.


15<br />

Ao promoverem sua autoformação, os trabalha<strong>do</strong>res po<strong>de</strong>m dispor <strong>de</strong> mediações<br />

que lhes permitam apropriarem-se <strong>de</strong> sua posição <strong>de</strong> classe consciente na história e pôr em<br />

movimento o conceito <strong>de</strong> classe, classe camponesa. Tal esforço, é o próprio enfrentamento<br />

a heteronomia, tão necessária às classes <strong>do</strong>minantes, locais e estrangeiras. Este<br />

enfrentamento vem sen<strong>do</strong> feito por movimentos sociais e povos <strong>do</strong> campo, notadamente,<br />

no Brasil, pelo MST, através da luta política, mas também <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> formação<br />

político-pedagógicos construí<strong>do</strong>s ao longo <strong>de</strong> sua história e experiências e materializa<strong>do</strong>s<br />

na edificação da Escola Nacional Florestan Fernan<strong>de</strong>s. As utopias irradiadas a partir daí<br />

movem as lutas por transformações, pois, como nos ensina Gramsci, aqueles que as querem<br />

<strong>de</strong>vem buscar sua hegemonia mesmo sem serem <strong>do</strong>minantes.<br />

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LEHER, Roberto. Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional da América<br />

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Janeiro, Record, 2000.

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