Letras inúteis em suas combinações â Ximena L. Letras ... - Unioeste
Letras inúteis em suas combinações â Ximena L. Letras ... - Unioeste
Letras inúteis em suas combinações â Ximena L. Letras ... - Unioeste
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Letras</strong> inúteis <strong>em</strong> <strong>suas</strong> combinações –<br />
<strong>Ximena</strong> L.<br />
<strong>Letras</strong> inúteis <strong>em</strong> <strong>suas</strong> combinações<br />
Porque palavras tend<strong>em</strong> a ser inadequadas<br />
Desconfie das autoridades<br />
Chão coberto de juramentos, Paredes de regras<br />
Teto de culpa, papéis <strong>em</strong> branco<br />
T<strong>em</strong>plos de redenção<br />
T<strong>em</strong>pos de rendição<br />
Nascer, crescer reproduzir-se e morrer<br />
Nascer, crescer reproduzir-se e morrer<br />
toda rExistência é inútil<br />
Os piores medos são os antigos<br />
Querer não é poder algum<br />
Ninguém se importa com a r-evolução<br />
Submissão absoluta é uma forma de liberdade.<br />
______________________________________<br />
Sinto muito nada – <strong>Ximena</strong> L.<br />
A gente sabia que mentia enquanto estava,<br />
mas não incomodava, então não importava.<br />
Era divertido e calmante e colorido<br />
até momentos antes de se tornar apodrecido.<br />
Foi um instante, um momento<br />
piscamos olhos sentimos vento<br />
Aos nossos ouvidos, voltou o antigo ruído<br />
Sabíamos: "está destruído."<br />
O dito foi desdito<br />
e o gostado foi desgostado<br />
e para tal só foi preciso esse minuto maldito<br />
Sabíamos: "está acabado."<br />
A verdade é só mais uma ilusão<br />
nada nunca nos irritou por ser torto<br />
o essencial s<strong>em</strong>pre coube na palma da mão<br />
Mas sabíamos: "Está morto."<br />
E por conhecer as normas do contrato<br />
que derreteu tão rápido o que era abstrato<br />
velho e feio assim como o retrato<br />
É como é, já sabíamos, é fato.<br />
Agora penso a cada passo<br />
s<strong>em</strong> saber o que almejo<br />
s<strong>em</strong> <strong>em</strong>oção, movimento escasso<br />
nessa alma inerte vazia de desejo<br />
Eu já sabia: "É tudo falso."<br />
______________________________________<br />
Samba s<strong>em</strong> ritmo – <strong>Ximena</strong> L.<br />
Quase choro com qualquer abraço<br />
Tanta saudade <strong>em</strong> tudo o que faço<br />
Isso não me cansa mais<br />
Alegria mansa foi <strong>em</strong>bora, era incapaz<br />
Nas nuvens a lua vai sumindo,<br />
me puxando leva junto me engolindo<br />
é o fim do mundo, o fim, o fim de mim<br />
tão profundo e decisivo quanto um sim<br />
Ah, meu vício mais antigo<br />
Coração nublado é o meu melhor amigo<br />
Ah, meu probl<strong>em</strong>a mais querido<br />
Escuridão que <strong>em</strong>beleza tudo o que eu digo<br />
Ah, coração partido<br />
Já foi tanto t<strong>em</strong>po atrás<br />
ninguém percebe a minha paz<br />
Só agora, olhando de fora<br />
eu reconheço o b<strong>em</strong> que o mal me faz.<br />
______________________________________<br />
Filolóide – <strong>Ximena</strong> L.<br />
Liberdade é maldade<br />
A qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong>e a verdade<br />
Só não se perde o lirismo<br />
por medo do abismo<br />
Gentil, viril, senil<br />
Um leque com máscaras mil<br />
Bailes de galas mesquinhos<br />
Trar<strong>em</strong>os cicatrizes dos ninhos<br />
Como julgar por virtude<br />
um b<strong>em</strong> que faz mal à saúde<br />
Ou um mal que, quando escarlate<br />
com ondas de êxtase arrebate<br />
Vadio, sombrio e tardio<br />
Nada é tudo que há de vazio<br />
solidão é regra na multidão<br />
O mundo é mudo, eu não.<br />
- 1 -<br />
Projeto Abraço S<strong>em</strong> Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
Metade – Ferreira Gullar<br />
Que a força do medo que eu tenho,<br />
não me impeça de ver o que anseio.<br />
Que a morte de tudo o que acredito<br />
não me tape os ouvidos e a boca.<br />
Porque metade de mim é o que eu grito,<br />
mas a outra metade é silêncio...<br />
Que a música que eu ouço ao longe,<br />
seja linda, ainda que triste...<br />
Que a mulher que eu amo<br />
seja para s<strong>em</strong>pre amada<br />
mesmo que distante.<br />
Porque metade de mim é partida,<br />
mas a outra metade é saudade.<br />
Que as palavras que eu falo<br />
não sejam ouvidas como prece<br />
e n<strong>em</strong> repetidas com fervor,<br />
apenas respeitadas,<br />
como a única coisa que resta<br />
a um hom<strong>em</strong> inundado de sentimentos.<br />
Porque metade de mim é o que ouço,<br />
mas a outra metade é o que calo.<br />
Que essa minha vontade de ir <strong>em</strong>bora<br />
se transforme na calma e na paz<br />
que eu mereço.<br />
E que essa tensão<br />
que me corrói por dentro<br />
seja um dia recompensada.<br />
Porque metade de mim é o que eu penso,<br />
mas a outra metade é um vulcão.<br />
Que o medo da solidão se afaste<br />
e que o convívio comigo mesmo<br />
se torne ao menos suportável.<br />
Que o espelho reflita <strong>em</strong> meu rosto,<br />
um doce sorriso,<br />
que me l<strong>em</strong>bro ter dado na infância.<br />
Porque metade de mim<br />
é a l<strong>em</strong>brança do que fui,<br />
a outra metade eu não sei.<br />
Que não seja preciso<br />
mais do que uma simples alegria<br />
para me fazer aquietar o espírito.<br />
E que o teu silêncio<br />
me fale cada vez mais.<br />
Porque metade de mim<br />
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.<br />
Que a arte nos aponte uma resposta,<br />
mesmo que ela não saiba.<br />
E que ninguém a tente complicar<br />
porque é preciso simplicidade<br />
para fazê-la florescer.<br />
Porque metade de mim é platéia<br />
e a outra metade é canção.<br />
E que a minha loucura seja perdoada.<br />
Porque metade de mim é amor,<br />
e a outra metade...<br />
também.<br />
______________________________________<br />
Comigo me desavim – Mário de Sá-Carneiro<br />
Comigo me desavim,<br />
sou posto <strong>em</strong> todo perigo;<br />
não posso viver comigo<br />
n<strong>em</strong> posso fugir de mim.<br />
Com dor, da gente fugia,<br />
antes que esta assi crecesse;<br />
agora já fugiria<br />
de mim, se de mim pudesse.<br />
Que meo espero ou que fim<br />
do vão trabalho que sigo,<br />
pois que trago a mim comigo,<br />
tamanho imigo de mim<br />
______________________________________<br />
O se SÁ DE MIRANDA CARNEIRO – Alexandre<br />
O'Neill<br />
comigo me desavim<br />
eu não sou eu n<strong>em</strong> sou o outro<br />
sou posto <strong>em</strong> todo perigo<br />
sou qualquer coisa de intermédio<br />
não posso viver comigo<br />
pilar da ponte de tédio<br />
não posso viver s<strong>em</strong> mim<br />
que vai de mim paar o Outro<br />
- 2 -<br />
Projeto Abraço S<strong>em</strong> Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
Queixas Noturnas – Augusto dos Anjos<br />
Qu<strong>em</strong> foi que viu a minha Dor chorando!<br />
Saio. Minh'alma sai agoniada.<br />
Andam monstros sombrios pela estrada<br />
E pela estrada, entre estes monstros, ando!<br />
Não trago sobre a túnica fingida<br />
As insígnias medonhas do infeliz<br />
Como os falsos mendigos de Paris<br />
Na atra rua de Santa Margarida.<br />
O quadro de aflições que me consom<strong>em</strong><br />
O próprio Pedro Américo não pinta...<br />
Para pintá-lo, era preciso a tinta<br />
Feita de todos os tormentos do hom<strong>em</strong>!<br />
Como um ladrão sentado numa ponte<br />
Espera alguém, armado de arcabuz.<br />
Na ânsia incoercível de roubar a luz.<br />
Estou à espera de que o Sol desponte!<br />
Bati nas pedras dum tormento rude<br />
E a minha mágoa de hoje é tão intensa<br />
Que eu penso que a Alegria é uma doença<br />
E a Tristeza é minha única saúde.<br />
As minhas roupas, quero até rompê-las!<br />
Quero, arrancado das prisões carnais.<br />
Viver na luz dos astros imortais,<br />
Abraçado com todas as estrelas!<br />
A Noite vai crescendo apavorante<br />
E dentro do meu peito, no combate.<br />
A Eternidade esmagadora bate<br />
Numa dilatação exorbitante!<br />
E eu luto contra a universal grandeza<br />
Na mais terrível desesperação...<br />
É a luta, é o prédio enorme, é a rebelião<br />
Da criatura contra a natureza!<br />
Ah! Por todos os séculos vindouros<br />
Há de travar-se essa batalha vã<br />
Do dia de hoje contra o de amanhã,<br />
Igual à luta dos cristãos e mouros!<br />
Sobre histórias de amor o interrogar-me<br />
E vão, é inútil, é improfícuo, <strong>em</strong> suma;<br />
Não sou capaz de amar mulher alguma<br />
N<strong>em</strong> há mulher talvez capaz de amar-me.<br />
O amor t<strong>em</strong> favos e t<strong>em</strong> caldos quentes<br />
E ao mesmo t<strong>em</strong>po que faz b<strong>em</strong>, faz mal;<br />
O coração do Poeta é um hospital<br />
Onde morreram todos os doentes.<br />
Hoje é amargo tudo quanto eu gosto;<br />
A bênção matutina que recebo...<br />
E é tudo: o pão que como, a água que bebo,<br />
O velho tamarindo a que me encosto!<br />
Vou enterrar agora a harpa boêmia<br />
Na atra e assombrosa solidão feroz<br />
Onde não chegu<strong>em</strong> o eco duma voz<br />
E o grito desvairado da blasfêmia!<br />
Que dentro de minh'alma americana<br />
Não mais palpite o coração — esta arca,<br />
Este relógio trágico que marca<br />
Todos os atos da tragédia humana!<br />
Seja esta minha queixa derradeira<br />
Cantada sobre o túmulo de Orfeu;<br />
Seja este, enfim, o último canto meu<br />
Por esta grande noite brasileira!<br />
Melancolia! Estende-me a tua asa!<br />
És a árvore <strong>em</strong> que devo reclinar-me...<br />
Se algum dia o Prazer vier procurar-me<br />
Diz a este monstro que eu fugi de casa!<br />
Parai essas lutas, uma vida é pouca<br />
Inda mesmo que os músculos se esforc<strong>em</strong>,<br />
Os pobres braços do imortal se torc<strong>em</strong><br />
E o sangue jorra, <strong>em</strong> coalhos, pela boca.<br />
E muitas vezes a agonia é tanta<br />
Que, rolando dos últimos degraus,<br />
O Hércules tr<strong>em</strong>e e vai tombar no caos<br />
De onde seu corpo nunca mais levanta!<br />
E natural que esse Hércules se estorça,<br />
E tombe para s<strong>em</strong>pre nessas lutas,<br />
Estrangulado pelas rodas brutas<br />
Do mecanismo que tiver mais força.<br />
- 3 -<br />
Projeto Abraço S<strong>em</strong> Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel
Queixas Noturnas 3 [adaptado] – <strong>Ximena</strong> L.<br />
Vivo escondendo o quadro de aflições que me<br />
consome<br />
Como um ladrão sentado numa ponte,<br />
fico à espera que os primeiros raios de sol<br />
despont<strong>em</strong>,<br />
Para mais uma vez <strong>em</strong> vão<br />
Tentar roubar sua beleza<br />
E expressar sua magnitude<br />
Mas sua luz só me traz mais tristeza<br />
Porque ao cont<strong>em</strong>plá-los, tenho certeza<br />
Que minha mágoa de hoje é tão intensa<br />
Que penso que a alegria é uma doença<br />
E a tristeza é minha única saúde.<br />
A Noite vai crescendo apavorante<br />
E dentro do meu peito, no combate,<br />
A Eternidade esmagadora bate<br />
Numa dilatação agoniante!<br />
Luto contra a grandeza universal<br />
No mais incessante desespero<br />
É a luta, é a revolução, é o enterro,<br />
Das criaturas nascidas do mal!<br />
Uma vida é pouco d<strong>em</strong>ais<br />
Mesmo que os músculos se esforc<strong>em</strong>,<br />
Os pobres braços do mortal se torc<strong>em</strong><br />
E o sangue cai, para não voltar nunca mais.<br />
Da verdade construída por mentira<br />
Com o luar no céu disposto<br />
A mostrar o poder de sua ira.<br />
Vou enterrar agora minha fraqueza<br />
No choro silencioso dos mortos<br />
Por tudo aquilo que não puderam fazer<br />
E assim, no fim do dia agonizante,<br />
Fazer o esforço incessante<br />
De sair da estranha quimera<br />
Que até então conseguiu me entorpecer<br />
Que de hoje <strong>em</strong> diante<br />
Aquele que for imortal deva<br />
Esquecer toda a piedade mundana<br />
E saiba distinguir a dor<br />
Dos pobres atos da tragédia humana!<br />
Melancolia! Recolha-nos sob tua asa!<br />
Não se recuse a me abrigar...<br />
Se algum dia o sol vier me procurar<br />
Diga a este monstro que fugi de casa!<br />
E muitas vezes a agonia é tanta<br />
Que mesmo de joelhos, tentando subir os<br />
degraus,<br />
Se sente tr<strong>em</strong>er e tombar no caos<br />
De onde seu corpo nunca mais levanta!<br />
E natural que o mortal se contorça,<br />
E tombe para s<strong>em</strong>pre nessas lutas,<br />
Estrangulado pelas rodas brutas<br />
Do mecanismo que tiver mais força.<br />
Por todos os séculos que ainda virão<br />
Muitas batalhas travarão<br />
aqueles que suportar<strong>em</strong> o terror<br />
do dia de hoje contra o de amanhã,<br />
Das grandes guerras flamejando bandeiras de<br />
amor!<br />
Histórias de amor s<strong>em</strong>pre conta o mortal<br />
São inúteis e sutis seus modos de<br />
entretenimento<br />
Já que não é capaz de amar, ou de sentimento<br />
igual,<br />
Usa <strong>suas</strong> dores e rancores para divertimento;<br />
O amor faz correr nas veias sangue quente<br />
E ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que faz b<strong>em</strong>, faz mal;<br />
Porque o coração do poeta é um hospital<br />
Onde se abriga o louco e morre o doente.<br />
Hoje é dia de provar o amargo gosto<br />
- 4 -<br />
Projeto Abraço S<strong>em</strong> Medo: Leitura e Cidadania na Penitenciária Industrial de Cascavel