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Intercâmbio Virtual Rio+20 - FME “Crise Capitalista, Justiça ...

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Intercâmbio <strong>Virtual</strong> Educação em um Mundo em Crise:<br />

Limites e Possibilidades frente à RIO + 20<br />

Grupo de Trabalho de Educação*<br />

Fórum Social Temático:<br />

Crise <strong>Capitalista</strong>, Justiça Social e Ambiental<br />

Objetivos:<br />

• Promover uma análise de "interligação" da educação de jovens e adultos aos principais temas<br />

a serem discutidos no âmbito do processo de Rio +20.<br />

• Repensar as necessidades de aprendizagem para um mundo em que valha a pena viver, no<br />

contexto de mudança de paradigmas.<br />

• Ampliando a oportunidade de alianças das redes e os movimentos que travalham pelo direito<br />

à educação com outros movimentos e organizações da sociedade civil, para providenciar<br />

complementaridade e fazerr ação coletiva para a transformação social.<br />

• Proporcionar um espaço virtual para socializar e e fazer um intercâmbio como o grupo de<br />

educação para Rio +20 e permitir a participação de todas pessoas que não poderam estar<br />

presentes no Fórum Social Temático em Porto Alegre.<br />

* Conselho Internacional pela Educação de Adultos (ICAE), Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação<br />

(CLADE), Jornada Internacional de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global,<br />

Fórum Mundial de Educação (<strong>FME</strong>), Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), CEAAL (Conselho<br />

de Educação de Adultos de América Latina).<br />

Uma conjuntura de crise.<br />

******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [Introduction]<br />

GT EDUCAÇÃO<br />

EDUCAÇÃO EM UM MUNDO EM CRISE:<br />

LIMITES E POSSIBILIDADES FRENTE À RIO + 20<br />

Elaborado por Sergio Haddad<br />

“A escalada da segunda fase da crise econômica capitalista – agora centrada na Europa, mas atingindo<br />

todos os países centrais – amplifica os efeitos sociais perversos da grave recessão que eclodiu em 2008. Ao<br />

mesmo tempo, a manutenção do crescimento na China e nos demais países emergentes demanda mais e mais<br />

recursos naturais. Os dois processos repercutem fortemente sobre a crise ambiental global e aprofundam as<br />

desigualdades sociais, gerando novas crises humanitárias. Todas exigem respostas urgentes. Todas exigem<br />

uma modificação profunda do sistema econômico, social, cultural e político vigente – o capitalismo global e<br />

suas instituições. Configuram, de conjunto, uma crise de civilização, que arrasta consigo o destino de bilhões<br />

de seres humanos.


Há, no horizonte, um encontro mundial onde estes problemas poderiam ser debatidos e soluções encontradas,<br />

se houvesse vontade política dos líderes das principais nações, a Conferência das Nações Unidas sobre<br />

Desenvolvimento Sustentável (<strong>Rio+20</strong>) que ocorrerá no Rio de Janeiro entre 20 e 22 de junho de 2012. Este<br />

encontro carrega o simbolismo dos vinte anos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o<br />

Desenvolvimento (Rio 92) e do ciclo de conferências que a ela se seguiu, ocasião em que emergiu com força<br />

um diagnóstico de que o mundo acumulava enormes problemas estruturais e onde foram elaboradas<br />

propostas para enfrentá-los.<br />

...<br />

Mudanças certamente virão, mas elas só ocorrerão se forem impulsionadas de baixo para cima, a partir do<br />

protagonismo da sociedade civil.”<br />

Assim começa a convocatório para a participação da sociedade civil frente à oportunidade da realização da<br />

Rio + 20 no próximo ano no Brasil. Crise econômica, crise socioambiental e crise de paradigmas parecem se<br />

complementarem em um momento histórico em que muitos se referem como uma crise de civilização. Para<br />

superar a atual situação, a aposta é no protagonismo da sociedade civil frente ao imobilismo de grande parte<br />

dos governos, impotentes frente ao que se apresenta e envolvidos pelos interesses das grandes corporações e<br />

do sistema financeiro mundial.<br />

A referência a uma crise de civilização existe porque os paradigmas éticos e de valores que alimentam o<br />

modelo civilizatório atual não conseguem se realizar na prática. Não é possível mais pensar em sociedades<br />

que promovem como valores e motor da vida: ganhar mais para consumir mais e poder ter mais. Tais valores<br />

produziram um modelo de desenvolvimento em que apenas 20% da população mundial consomem 80% de<br />

toda a produção, o que significa que para que algumas pessoas realizem o sonho do ter cada vez mais é<br />

necessário que outras tenham cada vez menos, ou continuem deixando de ter. Além do mais, para que umas<br />

poucas consumam muito, estamos esgotando os bens da natureza e produzindo danos a ela e aos que nela<br />

vivem; o aquecimento global é a face mais perversa desta crise ambiental. É um modelo insustentável! Temos<br />

que passar do modelo ganhar X perder, para o modelo ganhar X ganhar, com princípios e valores éticos<br />

baseados no cuidado entre todas e todos, na convivência e no compartilhamento, tendo como base a nossa<br />

reconciliação com a natureza. São valores que devem valer para a sociedade, para os novos modelos<br />

econômicos, para as novas ações de governos.<br />

Enormes taxas de desemprego, aumento das desigualdades, concentração de renda, super-exploração e<br />

precariedade do trabalho, deterioração ambiental, estrutura fundiária concentrada, crescimento das favelas,<br />

serviços sociais precários, bens comuns privatizados, crescimento das multidiscriminações, são sinais desta<br />

crise que se mostra de longo prazo. A crescente expansão das migrações de populações em busca de<br />

sobrevivência e trabalho decente tem produzido, ao contrário, mais violência e repressão dos países que<br />

recebem estas populações, com crescimento da xenofobia, do preconceito e da discriminação.<br />

As respostas dadas pelos governos para a superação da crise se apresentam com os mesmos receituários dos<br />

tradicionais ajustes econômicos cujas consequências já conhecemos através das famosas medidas de<br />

austeridade fiscal: maior desemprego, corte nos gastos dos serviços públicos, aumento de impostos, recursos<br />

públicos para salvar o sistema financeiro e as grandes corporações. Tomemos como exemplo o caso da Grécia<br />

e de vários países europeus, que guiados pela lógica financeira envolveram suas economias em uma realidade<br />

de forte especulação gerando um inchaço insustentável do setor financeiro em detrimento do setor produtivo.<br />

O resultado podemos acompanhar no sofrimento das populações que têm arcado com os impactos dessa lógica<br />

financeira voltada para a acumulação e concentração de lucros. Esta tem sido a realidade dos países dos<br />

blocos que tradicionalmente vem exercendo o poder no mundo.<br />

Ao mesmo tempo, os países emergentes, os chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul),<br />

vêm optando pelo crescimento econômico a qualquer preço, nos mesmos padrões de produção do modelo que<br />

hoje está em crise, com elevado consumo de bens naturais, sem conseguir oferecer bem-estar para às suas<br />

populações de uma maneira minimamente justa, reforçando as desigualdades e perpetuando o modelo<br />

extrativista, consumista e poluidor.<br />

Quem novamente pagará a conta será a maioria pobre, que menos tem condições de se defender e fazer valer<br />

seus direitos. Da mesma maneira o meio ambiente é diretamente afetado e cada vez mais apresenta sinais de<br />

mudanças em seu ciclo natural. As grandes corporações e o sistema financeiro, primeiros responsáveis pela


crise - fruto da inoperância dos governos em regular o mercado nestas décadas de políticas neoliberais -<br />

sairão, mais uma vez, ilesos e com seus generosos lucros praticamente intactos.<br />

A Educação como um direito humano e um serviço público, pode ser tomada como um dos exemplos desta<br />

crise: privatização, professoras/es despreparadas/os, mal remuneradas/os e desmotivadas/os, baixa qualidade<br />

dos serviços e no desempenho dos alunos. Além do mais, os objetivos de elaborar currículos para formar<br />

cidadãos e cidadãs para um mundo justo e democrático se transformam em programas nos quais as referências<br />

são orientadas às lógicas do mercado e às necessidades do sistema financeiro: competitividade, formação<br />

tecnológica desumanizada, etc.Tudo isto nos indica que grande parte dos objetivos firmados pelas nações nos<br />

vários acordos internacionais como o Quadro de Belém para Ação, as Metas do Milênio para o<br />

Desenvolvimento e Educação para Todos – tendo todos esses acordos 2015 como data final para apresentação<br />

de resultados – não serão atingidos apresentando maior dificuldade ainda nesse contexto da crise mundial.<br />

Frente a esta conjuntura, cabe nos perguntar, entre outras questões, como podemos analisar a crise e seu<br />

impacto? Quais são as causas estruturais das múltiplas crises e das falhas na implementação dos acordos<br />

internacionais? Que desafios têm os sistemas democráticos em gerar novas instituições para um sistema<br />

financeiro não especulativo e que garanta os direitos sociais e econômicos, assim como um desenvolvimento<br />

não predador do meio ambiente?<br />

Quais as consequências para o campo da Educação? Como podemos construir uma nova economia baseada na<br />

justiça social e ambiental, que promova uma educação em novas condições?<br />

O movimento da Sociedade Civil e o movimento dos/as educadores/as<br />

“Os povos se colocam presenciando um deslanchar de lutas populares muito mais original, difuso e vigoroso<br />

do que qualquer outro que vivemos nas últimas décadas. Mobilizações políticas varreram o mundo árabe.<br />

Indignados tomam as praças na Espanha e em outros países europeus. Ocupy Wall Street se espalha pelos<br />

Estados Unidos. Protestos indígenas produzem uma grande efervescência na usualmente tempestuosa região<br />

andina. Um nível inusitado de atividade de movimentos de massas atinge até mesmo países conhecidos por<br />

sua estabilidade social. Em 15 de outubro tivemos manifestações em quase mil cidades de 82 países.<br />

A indignação com as desigualdades e injustiças políticas e sociais aparece como uma marca comum à<br />

maioria destes movimentos que questionam o “sistema” ou o “poder”, se confrontam com sua destrutividade<br />

e rompem com a passividade das décadas neoliberais. As políticas de austeridade prometem mais miséria<br />

mais discriminação e levam aos jovens indignad@s com essa realidade a se mobilizarem por seu futuro. Em<br />

todos os continentes, setores antes apáticos se colocam em movimento de forma democrática, pluralista,<br />

unitária e autônoma em relação ao poder.<br />

Estes são movimentos que nascem das necessidades e aspirações do presente, depois de três décadas de<br />

globalização neoliberal. São mobilizações portadoras de valores perdidos nos anos neoliberais, como<br />

empatia pelo sofrimento alheio, solidariedade, defesa da igualdade, busca de justiça, reconhecimento da<br />

diversidade, crítica da homogeneização mercantil do mundo, e sua estrutura patriarcal, valorização da<br />

natureza – ideias centrais para a reconstrução de um projeto contra hegemônico, mais humano e justo.”<br />

Com estas palavras a mensagem distribuída pela organização da Cúpula dos Povos, atividade paralela à Rio +<br />

20, avalia o momento de reação frente à crise descrita anteriormente. Há uma aposta em que o mesmo tipo de<br />

mobilização terá continuidade no processo da Rio + 20, e várias atividades farão parte deste acúmulo de<br />

forças por parte da sociedade civil diante das seguintes agendas: como nas mobilizações ocorridas contra o<br />

G20 em Paris, em 3 e 4 de novembro; as mobilizações na COP 17, em Durban, de 28 de novembro a 9 de<br />

dezembro; o Fórum Social Temático, em Porto Alegre, em janeiro de 2012; o Fórum das Águas, em Marselha,<br />

em abril de 2012.<br />

O Fórum Social Temático Crise <strong>Capitalista</strong>, Justiça Social e Ambiental, que se realizará em Porto Alegre e<br />

Região Metropolitana nos dias 24 a 29 de janeiro de 2012, se apresenta como um destes momentos de<br />

acúmulo de forças da sociedade civil, por meio do debate sobre a realidade no mundo, a formulação de<br />

propostas para superá-las e o desenho de estratégicas de mobilização. Seu foco estará voltado para o grande<br />

encontro mundial denominado por Rio + 20, no contexto da crise global.


Espera-se que Porto Alegre e Região Metropolitana possam, em 2012, ser o ponto de encontro d@s<br />

indignad@s, das expressões dos povos originários e dos movimentos anti-sistêmicos de todos os quadrantes,<br />

capaz de afirmar uma saída para a crise, tirando daí as diretrizes e campanhas globais. Mais ainda, é<br />

importante estarmos cientes de que isso só será efetivo se conseguirmos afirmar e transmitir um paradigma<br />

alternativo de sociedade, se construirmos um vocabulário comum capaz de articular as demandas difusas de<br />

grande parcela das populações. Por ser temático, esse Fórum poderá construir uma reflexão estratégica e<br />

programática, capaz também de ser apresentada por ocasião da <strong>Rio+20</strong> que, em junho de 2012, atrairá<br />

multidões para o Rio de Janeiro.”, assim anuncia sua carta convocatória.<br />

No campo da Educação, temos a Campanha Global pelo Direito à Educação e as várias campanhas nacionais;<br />

diversos movimentos de educação popular, estando muitas delas embebidas pela perspectiva de gênero,<br />

raça/etnia, orientação sexual, etc.; temos também, como exemplo, o fortíssimo movimento dos estudantes no<br />

Chile.<br />

Essas e outras manifestações e articulações de movimentos da sociedade civil nos levam a perguntar como<br />

podemos visibilizar as lutas de resistência e em defesa de uma educação pública de qualidade, e que são<br />

portadoras do futuro agora? Como, enquanto educadoras/es, podemos barrar a mercantilização da vida, a<br />

privatização da natureza e dos bens comuns? Como potencializar as estratégias de luta e articulação e as<br />

campanhas existentes em prol de uma educação de qualidade e fazer emergir novas campanhas, fazendo das<br />

novas tecnologias de comunicação verdadeiras TEP: tecnologias de empoderamento e participação?<br />

Quais outras questões poderão nos ajudar a buscar significados para as nossas lutas de resistência e de busca<br />

de alternativas como movimento de educadoras e educadores para outro mundo possível?<br />

Nosso papel como educadoras/es<br />

Frente à crise e seus impactos no campo da Educação, frente às mobilizações de educadoras/es e outros<br />

setores sociais que reagem aos problemas produzidos pelo modelo civilizatório atual, cabe nos perguntas<br />

sobre o nosso papel stricto senso como educadores e educadoras.<br />

Um dos novos paradigmas, que podem vir a orientar novas práticas educativas nas suas diversas dimensões,<br />

do formal ao não escolar, é O Cuidado. Tal paradigma, caro entre as mulheres e seus movimentos, assim<br />

como em outros grupos sociais, assume a dupla função de prevenção de danos futuros e regeneração de danos<br />

passados.<br />

Consideramos que saber cuidar se constitui no aprendizado fundamental dentro dos desafios de sobrevivência<br />

da espécie porque o cuidado não é uma opção: como seres humanos ou aprendemos a cuidar ou padeceremos.<br />

Acreditamos que no atual contexto global do planeta e das sociedades, o cuidado é e será o novo paradigma<br />

ordenador e orientador da política, da ciência, da economia, da empresa, da estética, da vida cotidiana e da<br />

educação.<br />

Outros paradigmas vêm sendo trabalhados por outros grupos que se adicionam aos demais e que podem<br />

contribuir para um novo pensar para as práticas educativas. É o caso do paradigma do Bem-Viver. Resgatado<br />

pelas populações tradicionais andinas, o conceito, ao incentivar um modelo de vida baseado no bem-viver<br />

consequentemente estaria combatendo a espinha dorsal do sistema atual e sua dinâmica de produção e<br />

acumulação infinita e ilimitada. Isto por que:<br />

“Seu núcleo distinguível pode ser sintetizado essencialmente numa perspectiva holística e cósmica, de<br />

respeito e convivência horizontal com a natureza, de busca de justiça social e do pleno respeito pluricultural.<br />

De maneira essencial, enfatiza uma radical concepção do bem-estar e do desenvolvimento que impõe e<br />

autolimitação e a austeridade como opostos à produção ilimitada e o esbanjamento irresponsável e<br />

insustentável. A partir de profundos conteúdos comunitários, põe em muito limitada importância o consumo e<br />

a propriedade individual, mas releva um lugar crucial de inclusão de todos e a harmonia dos sentimentos.<br />

Um olhar e um sentir do ser humano e do mundo que o integra de maneira orgânica com a totalidade do


universo, separando-se do antropocentrismo hegemônico da modernidade ocidental capitalista”. (“Resgatar<br />

e valorizar outros pilares éticos”, de Ricardo Jimenez).<br />

Frente à crise socioambiental, movimentos da comunidade educativa vêm pensando em processos e<br />

programas que possam introduzir novos paradigmas e novas práticas que resgate o olhar e o sentido da relação<br />

da vida humana com a natureza. Uma das redes mais importantes que vem atuando neste resgate é a Jornada<br />

de Educação Ambiental que tomam para si, como documento de princípio, o Tratado de Educação Ambiental<br />

Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Neste documento, afirmam:<br />

“Consideramos que a educação ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de<br />

aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e<br />

ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a<br />

formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de<br />

interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva a nível local, nacional e<br />

planetário. Consideramos que a preparação para as mudanças necessárias depende da compreensão coletiva<br />

da natureza sistêmica das crises que ameaçam o futuro do planeta. As causas primárias de problemas como o<br />

aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo<br />

de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superconsumo para uns e subconsumo e falta de<br />

condições para produzir por parte da grande maioria. Consideramos que são inerentes à crise a erosão dos<br />

valores básicos e a alienação e a não participação da quase totalidade dos indivíduos na construção de seu<br />

futuro. É fundamental que as comunidades planejem e implementem suas próprias alternativas às políticas<br />

vigentes. Dentre estas alternativas está a necessidade de abolição dos programas de desenvolvimento, ajustes<br />

e reformas econômicas que mantêm o atual modelo de crescimento com seus terríveis efeitos sobre o<br />

ambiente e a diversidade de espécies, incluindo a humana. Consideramos que a educação ambiental deve<br />

gerar com urgência mudanças na qualidade de vida e maior consciência de conduta pessoal, assim como<br />

harmonia entre os seres humanas e destes com outras formas de vida.”<br />

Também o ICAE, na declaração que produziu em sua última Assembleia Geral em Malmö, afirma e clama<br />

pela responsabilidade para com os novos tempos, onde o conhecimento tem papel fundamental, desde que<br />

acessível a todas/os e com qualidade, em particular com pessoas Jovens e Adultas excluídas dos benefícios da<br />

humanidade:<br />

"Nós convocamos as organizações da sociedade civil para rever seus processos, e forjar estratégias para<br />

nutrir a forma emergente de vida e uma nova solidariedade econômica e ecológica, e para discutir como é<br />

possível um outro planeta, onde todos têm acesso a energia limpa e segura, a fim de alcançar os níveis<br />

críticos de consciência necessária para sustentar a ação na justiça climática.<br />

Reconhecemos que, no contexto da aprendizagem ao longo da vida, a exclusão social não significa apenas a<br />

exclusão de oportunidades de aprendizagem, mas também a perpetuação de uma hierarquia de conhecimento<br />

que, consciente ou inconscientemente, exclui o acesso a certos tipos de conhecimento. Em um mundo onde<br />

valha a pena viver, o acesso a todas as formas de conhecimento será aberto e democratizado, e chamamos<br />

aos Estados a desenvolver planos de ação para esse fim.<br />

Nós exigimos a educação de todas as pessoas ao longo da vida e novas políticas de educação onde a<br />

aprendizagem e a educação de jovens e adultos não é vista como uma despesa adicional, um apêndice da<br />

política de educação, mas como uma parte essencial da solução para os desafios que a humanidade enfrenta<br />

hoje. Pessoas sem acesso a oportunidades de aprendizagem e de poder precisam do apoio ativo do estado e<br />

uma infraestrutura efetiva na educação de adultos. Especial atenção deve ser dada a programas de<br />

patrocínio que asseguram a igualdade de voz, representação, reconhecimento, fortalecimento como cidadãos<br />

autônomos para as mulheres. (“Da Declaração de Malmö-ICAE”).<br />

O Conselho Internacional do Fórum Mundial da Educação, reunido no FSM de Dakar, decidiu impulsar um<br />

debate sobre as novas perspectivas para uma Educação que confronte os modelos e os velhos paradigmas, para<br />

isto está disponibilizada uma revisão bibliográfica sobre os conceitos de Educação para o Desenvolvimento<br />

Sustentável – EDS, na sua página http://www.forummundialeducacao.org/?page_id=471 / . Nela, discute-se o<br />

conceito de maneira crítica, que tem suas raízes na Conferência de Estocolmo das Nações Unidas sobre o<br />

Meio Ambiente de 1972, no Relatório da Comissão de Brundland de 1987 e nas Cúpulas Mundiais de 1992 e<br />

2002. Assim como apresenta alternativas e propostas concretas que diversas redes educativas estão realizando<br />

em várias latitudes.


Como podemos perceber, há, entre os educadores e educadoras, uma crescente preocupação em discutir novos<br />

paradigmas e produzir novos processos e programas que façam de suas práticas educativas consequentes para<br />

os novos tempos. Os exemplos acima são apenas alguns deles. O GT de Educação, além da temática da crise e<br />

dos seus impactos para o campo da Educação, estará dedicado a discutir e construir novos paradigmas e<br />

práticas educativas voltadas para um novo tempo, assim como a forma como tais práticas podem ser<br />

disseminadas e concretizadas.<br />

Neste sentido, devemos nos perguntar que novos paradigmas podem orientar uma renovação na concepção de<br />

educação para a solidariedade, o cuidado e o bem comum, face aos atuais baseados na lógica de mercado e na<br />

competição? Como, enquanto educadores/as, podemos fazer de nossas práticas educativas ações que permitam<br />

construir um outro mundo possível? Que exemplos de novas concepções e práticas podem ser sementes para<br />

uma nova educação possível? Que modalidades educativas podemos desenvolver que eduquem sob “os novos<br />

paradigmas” e que transcendam as capacidades que os sistemas escolares atuais podem oferecer? Que<br />

mudanças institucionais e políticas devemos propiciar para gerar novos itinerários de aprendizagem, que<br />

permitam desenvolver em jovens e adultos as capacidades necessárias para atuar com protagonismo na<br />

geração de novas cidadanias empoderadas e participativas?<br />

* Com as contribuições do GT Educação: composto pelas seguintes organizações, Conselho Internacional pela Educação<br />

de Adultos (ICAE), Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), Jornada Internacional de Educação<br />

Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, Fórum Mundial de Educação (<strong>FME</strong>), Faculdade<br />

Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), CEAAL (Conselho de Educação de Adultos de América Latina).<br />

*******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [2] Nicola Bullard<br />

Desafios para a sustentabilidade<br />

Nicola Bullard*<br />

Ao tratar de encontrar um equilíbrio entre o presente e o futuro sem propor uma reformulação<br />

fundamental do desenvolvimento, o enfoque de sustentabilidade da Comissão Bruntland, em<br />

retrospectiva, hoje resulta ingênuo. Não obstante, naquele momento parecia esperançoso. Creio que<br />

simplesmente subestimamos a voraz capacidade do capital de cooptar e desvirtuar as idéias para<br />

colocá-las a serviço de seus próprios interesses. E pode ser que o problema resida nem tanto no<br />

termo “sustentável” em si mesmo, mas na duvidosa companhia que o cerca. Consideremos o absurdo<br />

da promoção doutrinária que o Banco Mundial faz de um “crescimento sustentável”, através de<br />

políticas que basicamente autorizam às grandes empresas arrebatar e vender as riquezas naturais<br />

como se não houvesse um amanhã. Como consequência, estamos enfrentando hoje a possibilidade de<br />

que nossos amanhãs estejam contados, ou pelo menos os amanhãs que se pareçam ao hoje.<br />

Mas, apesar das boas intenções e sinceros desejos da Comissão Bruntland de encontrar um melhor<br />

equilíbrio entre a sociedade e a natureza, a visão era essencialmente antropocêntrica, uma vez que<br />

seu intuito era encontrar a forma de tornar possível que a humanidade pudesse viver digna e<br />

decentemente sem destruir o planeta. O desenvolvimento sustentável, um termo profusamente<br />

mencionado em todo o Informe Bruntland, depende do crescimento e da acumulação, embora<br />

também inclua sua redistribuição e que esta ocorra dentro de limites “sustentáveis”.<br />

De modo que talvez o maior desafio que enfrentamos não seja a forma como entendemos a<br />

sustentabilidade, mas sim como entendemos o desenvolvimento. Quando consideramos o estado do


mundo e o fracasso sistemático do “desenvolvimento” em prover alimentos, moradia, educação e<br />

cuidado à maioria invisível, a palavra deixa de ter conteúdo moral ou inclusive prático.<br />

Da mesma forma, confrontados com o colapso dos ecossistemas, de meio-ambientes tóxicos, do<br />

esgotamento dos solos, do caos climático, do desaparecimento de espécies e da finitude dos<br />

combustíveis fósseis, tem a sustentabilidade algum sentido, quando é tão pouco o que sobra para<br />

sustentar? Seria melhor que estivéssemos falando de regeneração e restauração do que foi destruído,<br />

e não de sustentabilidade.<br />

A falta de imaginação talvez seja o nosso maior obstáculo: não a falta de imaginação para elaborar<br />

soluções tecnocráticas complicadas para absorver os gases do efeito estufa, construir formas de vida<br />

feitas sob medida ou novos instrumentos financeiros para comercializar créditos de carbono. Já há<br />

demasiada imaginação humana destinada a “solucionar” problemas de maneira equivocada. O que<br />

falta é imaginação para pensar em como viver de modo diferente, como desarmar as estruturas de<br />

poder que obstruem as mudanças, e como repensar o “desenvolvimento”.<br />

As visões do futuro que se baseiam em um progresso linear em direção à modernidade e à felicidade<br />

nada mais são que ilusões. Os Povos Indígenas e outros povos que vivem com a Natureza já sabem<br />

disso. A sustentabilidade é circular, complexa, tem a ver com harmonia, relações e ritmos. Não é um<br />

exercício contábil cujo propósito seja racionar a forma como usamos os recursos do planeta.<br />

Os Povos Indígenas andinos falam da última crise – a “crise civilizatória” – que nos obriga a<br />

imaginar novamente o que significa “viver bem” ou “bem-viver”. O presidente da Bolívia, Evo<br />

Morales, descreve-o como “pensar não só em renda per capita, mas sim em identidade cultural,<br />

comunidade e harmonia entre nós e com a nossa Mãe Terra”.<br />

Lindas palavras, mas como podem se tornar realidade?<br />

O Estado Plurinacional da Bolívia escreveu de novo a sua Constituição. Tornou a nacionalizar<br />

recursos chaves, está desenvolvendo novas formas de governo e Evo Morales é o primeiro presidente<br />

indígena das Américas. Não obstante, são tremendos os obstáculos que é preciso vencer. A Bolívia<br />

continua profundamente submergida em uma divisão internacional de trabalho que se remonta ao<br />

colonialismo do século XVI, e que a relega ao papel de provedor de mão de obra barata, terra e<br />

recursos ao resto do mundo. Os povos da Bolívia reclamam emprego, moradia, terras, saúde,<br />

educação, água potável e oportunidades de futuro. Estas mesmas comunidades também defendem<br />

ativamente a Natureza e os Direitos da Mãe Terra, bloqueando o caminho às companhias mineiras,<br />

defendendo os bosques, detendo a extração de petróleo. O Banco Mundial talvez queira nos fazer<br />

acreditar que esses fatos contraditórios podem se amalgamar em algo denominado "desenvolvimento<br />

sustentável". Mas, na medida em que a Bolívia continue presa ao sistema mundial, em que o poder e<br />

os interesses econômicos se impõem sobre tudo, não haverá nem sustentabilidade nem<br />

desenvolvimento, só pobreza e desapropriação. E assim termina o viver bem ou o bem-viver.<br />

São muitos os desafios enfrentados pela sustentabilidade, mas em seguida apresento os três que<br />

quero sublinhar como conclusão.<br />

Em primeiro lugar, nossa forma de entender o “desenvolvimento” é simplesmente equivocada. Não é<br />

possível continuar pensando a sociedade como algo independente da natureza, nem a economia<br />

separada da base material da produção (natureza). Em segundo lugar, o planeta está excessivamente<br />

degradado e frágil para se falar em sustentabilidade. Devemos começar a falar de regeneração e<br />

restauração. Em terceiro lugar, a ordem política e econômica internacional se levanta como obstáculo<br />

aos direitos dos povos e da Mãe Terra, e é necessário transformá-la.


Nicola Bullard - Focus on the Global South e editora do Enfoque sobre Comércio.<br />

******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [3] Comentario/Comment/Commentaire<br />

*****<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [4] Gita Sen<br />

Contribuição para o debate eletrônico de ICAE sobre<br />

“Crise <strong>Capitalista</strong>, Justiça Social e Ambiental”<br />

Gita Sem (*)<br />

Esta contribuição se fundamenta amplamente nos debates para o Desenvolvimento de DAWN, e<br />

forma parte do processo coletivo de DAWN para um mundo baseado na justiça econômica,<br />

ecológica e de gênero (http://www.dawnnet.org/). Gostaria de agradecer especialmente aos<br />

membros do Comitê Executivo de DAWN por seus comentários e sugestões - Marina Durano, Gigi<br />

Francisco e Noelene Nabulivou.<br />

O início do século XXI foi marcado por dois acontecimentos sem precedentes: a "guerra contra o<br />

terrorismo" e a crise financeira global. Crises geradas em suas diferentes formas no exterior; as<br />

soluções às crises, em toda sua complexidade chegaram a preocupar todas as nações soberanas e seus<br />

povos. Nasceu um novo mundo feroz, um mundo cheio de agitadas premissas, de contradições<br />

complexas, de graves fraturas, de duras reações, de promessas não cumpridas e de resultados incertos<br />

para a população mundial, especialmente para as mulheres e as meninas da economia do Sul. Ao<br />

mesmo tempo, houve uma expansão de instituições de direitos humanos, incluindo a Corte Penal<br />

Internacional e o Conselho de Direitos Humanos, em virtude da luta dos movimentos sociais para<br />

refazer os contratos sociais dirigidos aos meios de vida sustentáveis, à erradicação da pobreza, à<br />

promoção dos direitos humanos, à liberdade de expressão e de mobilidade, e ao respeito à identidade<br />

e às múltiplas sexualidades.<br />

Do privilegiado ponto de vista de DAWN (a rede feminista do Sul, Alternativas de Desenvolvimento<br />

para a Mulher em uma Nova Era), o feroz novo mundo da economia política global está evoluindo<br />

rapidamente e está repleto de estruturas conflitantes e desiguais em que as respostas políticas estão<br />

fragmentadas e são ambíguas. Este mundo está cheio de ameaças à sobrevivência humana, à<br />

sustentabilidade ecológica e à justiça social, econômica e de gênero. Os rápidos avanços<br />

tecnológicos e as enormes mudanças que eles provocaram nos métodos de produção, distribuição,<br />

consumo e em todos os aspectos da vida humana estão profundamente entrelaçados com crises<br />

financeiras, alimentícias e mudança climática sem precedentes. As crises que enfrentamos hoje têm<br />

raízes estruturais mais profundas no capitalismo financeirizado, na espoliação voraz da ecologia e<br />

dos modos de vida sustentáveis, nas políticas de militarização e violência, e nas ideologias e práticas<br />

religiosas fundamentalistas que são brutalmente anti-mulheres e anti- pessoas LGBTQI. Isto desatou<br />

uma enorme pressão sobre os movimentos sociais para que respondam e inovem. Podem-se refazer<br />

contratos sociais que fracassaram ou estão fracassando?<br />

Em toda parte, as mulheres e especialmente as meninas enfrentam os problemas da sobrevivência<br />

diária, da perda de habitat e ecologia, do ressurgimento de patriarcados que estão dando lugar a<br />

novas formas de violência e de restrição à autonomia pessoal (inclusive sexual e reprodutiva) e da<br />

luta por ter participação e voz política. Os movimentos feministas e de mulheres e seus sócios e<br />

aliados em outros movimentos de justiça social necessitam desenvolver novas estratégias e repensar


as antigas, na peleja por criar contratos sociais visando maior justiça econômica, ecológica e de<br />

gênero.<br />

Clareza analítica e compreensão das inter-relações entre as diferentes dimensões são fundamentais<br />

para o desenvolvimento de um marco de ação neste momento de tanta confusão. Em DAWN nos<br />

perguntamos que significado tem este feroz novo mundo para as agendas políticas e as ações dos<br />

movimentos de mulheres. Que novas idéias podem aportar as feministas do Sul para promover uma<br />

crítica política e ações? Existe espaço e potencial para um novo e inter-relacionado enfoque dos<br />

direitos humanos que possa nos ajudar a enfrentar e transformar este feroz novo mundo?<br />

Muita gente tem que queixado que o idioma do “empoderamento” foi cooptado por instituições<br />

poderosas e distorcido para enfatizar as relações no seio de família, sem levar em consideração as<br />

relações de poder entre os gêneros em estruturas e instituições econômicas e políticas no nível<br />

nacional, regional e mundial. Estas distorções tornam possível que o "empoderamento" conviva com<br />

sistemas econômicos neoliberais inalterados e com políticas neocoloniais de dominação,<br />

militarização e violência.<br />

Igualmente provocadora é a prática de algumas pessoas dentro dos movimentos sociais que falam de<br />

igualdade de gênero da boca pra fora, mas cuja prática como indivíduos ou como organizações só<br />

muda de forma marginal. Já é hora de que estas organizações sejam sérias quanto a sua práxis e<br />

transformem sua cultura organizativa para a justiça de gênero. Temos que recuperar o uso feminista<br />

original do empoderamento para centrar-nos, por um lado, nas interações e nas conexões entre as<br />

relações de poder na família e nas relações pessoais (inclusive as sexuais); e por outro, na economia<br />

política mais ampla e na luta para transformá-la. A "tomada de consciência” dos direitos humanos só<br />

pode vir de um enfoque que identifique os titulares de direitos e os possuidores de obrigações e que<br />

também crie, fortaleça e mantenha os caminhos através dos quais os direitos possam ser negociados,<br />

seja possível lutar por eles e se tornem realidade.<br />

A transformação da ordem social requer a criação de novos valores e normas, instituições e<br />

estruturas, e comportamentos e práticas que se baseiem nos direitos humanos universais, sempre<br />

respeitando a diversidade. Isso é frequentemente o produto de muitas lutas que acontecem durante<br />

longo tempo e em diversos espaços, com múltiplas "paradas y arrancadas”, e que estão entrelaçadas e<br />

são complexas. A idéia de luta por parte de diferentes grupos de atores sociais, e entre vastas e<br />

competitivas forças econômicas e políticas é central para que pensemos em nossos contratos sociais.<br />

Por exemplo, a solução da luta entre o capital financeiro e industrial será fundamental para qualquer<br />

resposta sólida à crise financeira atual. A mobilização de grupos políticos de direita, como o “Tea<br />

Party” nos Estados Unidos, de apoio aos interesses do capital financeiro, está profundamente imerso<br />

na política anti-mulheres dos conservadores sociais que se opõem à igualdade de gênero e aos<br />

direitos sexuais e reprodutivos. Muitos desses grupos e seus filiados são também céticos quanto à<br />

mudança climática e estão empenhados na continuação do domínio dos Estados Unidos na ordem<br />

mundial. Como a luta pela justiça e pelos direitos humanos vencerá a batalha com essas poderosas<br />

forças para dar uma nova forma aos convênios coletivos de maneira sustentável? Que papel podem e<br />

devem desempenhar as feministas do Sul?<br />

Podem ser refeitos os contratos sociais mediante a ampliação das quatro dimensões chaves dos<br />

direitos humanos: a econômica, a política, a relação do ser humano com e no mundo natural e a<br />

liberdade pessoal (a separação da religião do estado, da sexualidade e da reprodução)? É este o nosso<br />

desafio.<br />

(*)(para DAWN – Alternativas de Desenvolvimento para a Mulher em uma Nova Era) Novembro de 2011


*******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [5] Commentaire/Comentario/Comment<br />

******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [6] Roberto Bissio<br />

O direito a um futuro<br />

Uma visão geral do Informe Social Watch 2012<br />

Roberto Bissio<br />

A Assembléia Geral das Nações Unidas encomendou uma conferência de cúpula que será celebrada<br />

em junho de 2012, no Rio de Janeiro, Brasil, a cidade que acolheu há vinte anos a histórica<br />

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Conhecida<br />

popularmente como a Cúpula da Terra, a conferência do Rio de 1992 respaldou a noção de<br />

desenvolvimento sustentável e aprovou as convenções internacionais sobre a mudança climática, a<br />

desertificação e a biodiversidade.<br />

A Comissão Brundtland(*) definiu naquele momento o “desenvolvimento sustentável” como “um<br />

conjunto de políticas que satisfazem as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das<br />

gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Tem sido entendido comumente como<br />

determinante dos requisitos da esfera social (mediante a erradicação da pobreza) permitindo, ao<br />

mesmo tempo, que a economia cresça respeitando o meio ambiente.<br />

A cúpula do Rio de 1992 não ofereceu uma definição do que são exatamente as “necessidades do<br />

presente”, mas na série de conferências da ONU dos anos noventa foram definidos vários<br />

compromissos sociais, entre os quais o de erradicar a pobreza e alcançar a igualdade de gênero, e<br />

foram identificados vários indicadores e objetivos. Cada país deveria decidir sobre as políticas para<br />

atingir esses objetivos e metas acordados universalmente. No entanto, após o colapso do Pacto de<br />

Varsóvia e a desintegração da União Soviética, parece haver um consenso generalizado de que o<br />

caminho a seguir era o do livre comércio e da liberalização econômica.<br />

Desse modo, a Organização Mundial do Comercio, criada em 1995, anuncia em seu portal na Web<br />

que "a abertura dos mercados nacionais ao comercio internacional (...) alentará e contribuirá para o<br />

desenvolvimento sustentável, aumentará o bem-estar das pessoas, reduzirá a pobreza e fomentará a<br />

paz e a estabilidade". Do mesmo modo, o primeiro artigo do Convênio Constitutivo do Banco<br />

Mundial, emendado em 1989, estabelece como objetivo "promover o crescimento equilibrado e de<br />

longo alcance do comércio internacional, bem como a manutenção do equilíbrio das balanças de<br />

pagamento, estimulando investimentos internacionais para fins de desenvolvimento dos recursos<br />

produtivos dos membros, ajudando assim a aumentar a produtividade, elevar o nível de vida e<br />

melhorar as condições de trabalho em seus territórios".<br />

Estas duas poderosas organizações internacionais deram forma às políticas econômicas dos países<br />

em desenvolvimento nas últimas duas décadas, através de suas resoluções sobre o comércio e as<br />

condições impostas às economias endividadas. Ambas estão de acordo em afirmar claramente que o<br />

crescimento comercial e o econômico constituem os objetivos principais de suas políticas e as<br />

contribuições mais importantes ao desenvolvimento sustentável de seus países membros.<br />

E tiveram êxito: o total das exportações no mundo multiplicou-se quase cinco vezes em vinte anos,<br />

passando de um valor total de 781 bilhões de dólares americanos em 1990 a 3.7 trilhões de dólares


em 2010. No mesmo período, o habitante médio do mundo mais que duplicou sua renda de 4.079<br />

dólares americanos por ano em 1990 a 9.116 dólares em 2010.<br />

O déficit da dignidade<br />

Estes indicadores aludem a uma abundância de recursos mais que suficientes para garantir as<br />

necessidades essenciais dos sete bilhões de habitantes do mundo. E, no entanto, muitos deles<br />

padecem fome.<br />

Para monitorar as privações, Social Watch desenvolveu um Índice de Capacidades Básicas (BCI),<br />

que é uma média da mortalidade infantil, nascimentos atendidos por pessoal especializado e<br />

educação fundamental. Estes três indicadores são muito básicos e deveriam atingir cem por cento,<br />

isto é, nenhuma criança deveria estar fora da escola, nenhuma mulher deveria dar à luz sem<br />

assistência e nenhuma criança nascida viva, ou menos de um por cento delas, deveria morrer antes de<br />

completar cinco anos, uma vez que as principais causas dessas mortes evitáveis são a desnutrição e a<br />

pobreza. Todos os indicadores calculados no BCI formam parte dos objetivos acordados no nível<br />

internacional e refletem aquilo que um piso social mínimo deve alcançar. Abaixo disso há um déficit<br />

de dignidade.<br />

Mas o mundo está longe de atingir esses objetivos básicos. O BCI subiu apenas sete pontos entre<br />

1990 e 2010, o que é um avanço muito pequeno. Na realidade, esse avanço foi de pouco mais de<br />

quatro pontos percentuais entre 2000 e 2010. É a tendência oposta ás linhas para o comércio e a<br />

renda, que cresceram mais rápido depois do ano 2000 que na década anterior. É surpreendente que os<br />

indicadores sociais tenham avançado mais lentamente depois da mudança de século, apesar dos<br />

excelentes resultados da economia e do compromisso internacional de acelerar o progresso social e<br />

atingir os ODM.<br />

A razão óbvia dessa divergência de tendências entre os indicadores econômicos e sociais é o<br />

crescimento desigual dentro de cada país e entre os países. E os indicadores sociais só podem piorar,<br />

pois o impacto da crise financeira global que começou em Wall Street em 2008 ainda não está<br />

registrado nas estatísticas comparáveis no nível internacional. Os números básicos demonstram que a<br />

prosperidade não “goteja”. Costumava ser de sentido comum que uma economia em crescimento<br />

beneficiaria os pobres, que a maré crescente levantaria todos os barcos, grandes ou pequenos, ou que<br />

o bolo tivesse que crescer primeiro antes de ser repartido, mas os indicadores de progresso social<br />

parecem mostrar o contrário.<br />

Crescimento a qualquer custo<br />

O crescimento da economia é uma prioridade para todos os governos. Alguns o definem como um<br />

primeiro objetivo político porque foi muito lento ou inclusive reverteu-se durante a crise financeira<br />

global que começou em 2008. A desigualdade é a razão pela qual, contra qualquer teoria e modelo, a<br />

pobreza não está diminuindo, ou o está fazendo de maneira muito lenta, inclusive em países onde a<br />

economia está crescendo rapidamente. Ao dar às empresas mais direitos sem as obrigações<br />

correspondentes, a globalização exacerbou as desigualdades entre as nações e dentro delas. Tanto<br />

nos países ricos como nos pobres, apenas uma pequena minoria beneficiou-se do excelente resultado<br />

econômico mundial até a crise financeira de 2008. E depois, aos que não se beneficiaram, foi pedido<br />

que pagassem para resgatar um sistema bancário nos países mais ricos do mundo que havia se<br />

tornando “grande demais para fracassar”.<br />

O crescimento econômico requer energia, e a energia está no coração de muitos dos problemas<br />

denunciados pelas coalizões dos países da Social Watch nesse informe. A extração de petróleo é<br />

identificada facilmente com a poluição, mas fontes de energia supostamente “mais limpas”, tais<br />

como represas hidroelétricas, aparecem como problemáticas em vários depoimentos.


Os biocombustíveis, frequentemente etiquetados como "ecológicos", são uma causa importante de<br />

perturbação do meio ambiente na Colômbia, onde o apoio governamental à monocultura<br />

agroindustrial (que proporciona os insumos para os biocombustíveis) está causando o deslocamento<br />

de populações inteiras de pequenos agricultores. E se fosse pouco, isso nem sequer é resultado da<br />

demanda interna, mas sim das necessidades dos Estados Unidos, subsidiado por empréstimos de<br />

bancos multilaterais de desenvolvimento. A desertificação aparece uma ou outra vez nos informes<br />

como um problema importante, especialmente na África. A mudança climática também é a causa do<br />

desastre oposto, catastróficas inundações que assolaram a América Central em 2011 e o Benin em<br />

2008 e 2010, onde as lavouras foram destruídas e se registraram casos de cólera, meningite e febre<br />

amarela.<br />

Direitos na base<br />

Quando os direitos civis e políticos básicos não estão presentes, a sociedade civil é incapaz de<br />

organizar-se pacificamente, as pessoas não podem fazer com que sua voz seja ouvida e a qualidade<br />

das políticas é afetada. Na Eritréia, “o inferno da África”, e na Birmânia, afirma-se claramente a<br />

necessidade de um governo democrático como requisito prévio, do mesmo modo que a Palestina<br />

expressa que não há desenvolvimento possível sob a ocupação estrangeira, ou que o Iêmen adverte<br />

dramaticamente que “pouco se pode avançar para o desenvolvimento sustentável porque o país está<br />

à beira da guerra civil e enfrenta uma fome generalizada e uma catástrofe social”.<br />

No entanto, a sociedade civil mostra uma assombrosa capacidade de recuperação e desenvolve una<br />

grande criatividade sempre que tem a mínima oportunidade. No Iraque, as manifestações que<br />

sacudiram o país em fevereiro de 2011 exigindo a eliminação da pobreza, do desemprego e da<br />

corrupção, ilustram o novo papel que está começando a desempenhar a cidadania iraquiana em uma<br />

sociedade onde anteriormente a participação democrática era violentamente reprimida ou silenciada<br />

completamente. Embora ainda em meio a um ambiente de insegurança e liberdades civis muito<br />

deficientes, as organizações da sociedade civil estão crescendo e desempenhando um papel cada dia<br />

maior no desenvolvimento da nação, e estão se unindo à insurgência democrática da "primavera<br />

árabe" da região.<br />

No Quênia, após muitos anos de luta por uma soberania e uma cidadania verdadeira, finalmente se<br />

conseguiu negociar uma Constituição inovadora em 2010. Seu enfoque nos direitos fundamentais, na<br />

participação, na prestação de contas à cidadania, oferece a base para definir o papel do Estado como<br />

elemento central para a construção de una economia que cumpra com a promessa de equidade e<br />

direitos sociais e econômicos fundamentais. Em termos ambientais, a nova Constituição também é<br />

um passo à frente, uma vez que estabelece o direito de todos os quenianos a um meio ambiente limpo<br />

e saudável.<br />

Na Bolívia e no Equador, os processos de reforma constitucional, respaldados também por grandes<br />

maiorias, reforçaram os direitos dos povos indígenas e em lugar de utilizar a frase “desenvolvimento<br />

sustentável” inspiraram-se em suas culturas para estabelecer, constitucionalmente, os direitos da<br />

Pachamama (Mãe Terra).<br />

Na Itália, mesmo que o desenvolvimento sustentável nunca tenha sido parte das prioridades do<br />

Governo de Berlusconi, quatro exitosos referendos promovidos pela sociedade civil (contra a energia<br />

nuclear, a privatização forçada da água e outros serviços públicos e contra a exoneração do Primeiro<br />

Ministro da norma jurídica) levaram quase 27 milhões de italianos às urnas e conseguiram<br />

encaminhar o país para a direção correta. As lutas ambientais, recorda o informe da Bulgária, foram


muito importantes na luta do país pela democracia. Agora, depois de anos de crescente apatia, cada<br />

vez mais pessoas estão se envolvendo em assuntos ambientais. A introdução de Organismos<br />

Geneticamente Modificados (OGM) no mercado e várias falhas na implementação do programa<br />

NATURA 2000 para a conservação de áreas naturais converteram-se em dois grandes temas no<br />

debate político e na mobilização cidadã.<br />

Desenvolvimento sustentável: metas ou direitos?<br />

Mediante o monitoramento dos esforços de luta contra a pobreza e as estratégias de desenvolvimento<br />

no nível nacional e internacional, Social Watch encontrou que os indicadores econômicos e os<br />

indicadores de bem-estar social não estão correlacionados. Portanto, há que revisar de forma urgente<br />

as estratégias econômicas para alcançar os objetivos acordados internacionalmente e que o usufruto<br />

dos direitos humanos seja uma realidade para todos.<br />

Na Cúpula da Terra, os líderes do mundo afirmaram que “a principal causa da deterioração contínua<br />

do meio ambiente mundial é o padrão insustentável de consumo e produção, particularmente nos<br />

países industrializados (...) o que agrava a pobreza e os desequilíbrios". Isso é tão verdade hoje como<br />

o foi em 1992.<br />

Atuando sozinho, nenhum estado pode prover os bens públicos do mundo, e isso inclui a preservação<br />

da vida, as funções de apoio à atmosfera e aos oceanos (ameaçados pela mudança climática global)<br />

ou a confiabilidade e a estabilidade do sistema financeiro global, indispensável para o comercio e o<br />

desenvolvimento, mas ameaçado pela especulação livre de obstáculos, pela volatilidade monetária e<br />

pela crise da dívida. O fato de não fornecer esses bens públicos afeta o sustento de bilhões de pessoas<br />

em todo o mundo e põe em perigo o bem público que inspirou a criação nas Nações Unidas: a paz<br />

mundial.<br />

Além do mais, apesar das recomendações formuladas pela Cúpula da Terra para desenvolver<br />

indicadores de desenvolvimento sustentável, e todo o trabalho realizado nessa área deste então, a<br />

comunidade internacional ainda carece de indicadores de consenso para medir a sustentabilidade dos<br />

bens públicos mundiais sob sua vigilância.<br />

O informe da comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi(**) sugere claramente que os indicadores de bem-estar e<br />

os indicadores de sustentabilidade têm uma natureza diferente, e os compara com o painel de um<br />

automóvel, com diferentes indicadores para a velocidade e o combustível restante. Um informa sobre<br />

o tempo necessário para chegar a determinado destino e o outro tem a ver com um recurso necessário<br />

que está sendo consumido e pode atingir um limite antes de chegar ao destino.<br />

O marco de direitos humanos estabelece objetivos claros para os indicadores de bem-estar. Os<br />

direitos à alimentação, à saúde, à educação, impõem o mandato de levar a assistência universal a<br />

todas as crianças, a redução da mortalidade infantil a menos de 10 mil por nascidos vivos (já que a<br />

mortalidade acima dessa cifra está relacionada com a desnutrição e a pobreza), a assistência<br />

universal a todos os partos por pessoal especializado, o acesso universal à água potável e ao<br />

saneamento, e inclusive o acesso universal aos serviços telefônicos e de Internet.(***)<br />

O exercício desses direitos é uma responsabilidade dos governos “de forma individual e mediante a<br />

assistência e a cooperação internacionais, especialmente econômica e técnica, até o máximo de<br />

recursos disponíveis”, segundo o Pacto Internacional dos DESC. A priorização de recursos também<br />

se aplica à ajuda internacional. Para monitorar o uso efetivo dos máximos recursos disponíveis<br />

(inclusive os de cooperação internacional), deve ser reforçado o Exame Periódico Universal do<br />

Conselho de Direitos Humanos. Além disso, o Protocolo Facultativo do Pacto dos DESC deve ser<br />

ratificado para permitir à cidadania reclamar seus direitos ante os tribunais, e as agências bilaterais e


multilaterais de desenvolvimento têm que se tornar responsáveis de seus efeitos nos direitos<br />

humanos.<br />

Por outro lado, os indicadores de sustentabilidade se referem ao esgotamento de determinadas<br />

reservas ou ativos não renováveis. Quando eles formam parte de acordos internacionais comuns<br />

globais estão obrigados a garantir a sustentabilidade. Ao contrario do bem-estar humano, que pode<br />

ser formulado em termos de objetivos, a sustentabilidade deve ser abordada em termos de limites. Os<br />

limites podem ser formulados como uma proibição absoluta de certas atividades, como a proibição<br />

de caça de baleias ou da emissão de gases que esgotam o ozônio (Protocolo de Montreal), ou podem<br />

estabelecer quotas para assegurar o não esgotamento, que podem ser destinadas aos atores<br />

econômicos, através dos diferentes mecanismos de mercado e não de mercado, respeitando a<br />

equidade e os princípios de solidariedade.<br />

Qualquer formulação de "objetivos de desenvolvimento sustentável” que não inclua objetivos<br />

adequados de mudança climática ou não aborde aspectos dos direitos humanos e da sustentabilidade<br />

ao mesmo tempo e de uma maneira equilibrada, corre o risco de desbaratar a agenda integral de<br />

desenvolvimento sustentável sem nenhum benefício compensatório.<br />

Em lugar de fixar novas metas, o que se necessita é um sistema de monitoramento e prestação de<br />

contas que possa fazer com que todos os governos, os de Norte e os do Sul, realmente fiquem<br />

sujeitos à revisão de suas obrigações domésticas e, ao mesmo tempo, criem um direito de apoio<br />

quando essas obrigações internas se cumpram, mas os recursos disponíveis ainda não sejam<br />

suficientes. Ao não cumprir com sua responsabilidade de criar um sistema financeiro global<br />

sustentável, os países mais poderosos tampouco estão permitindo aos governos dos países pobres<br />

utilizar seus recursos disponíveis adequadamente. Devem ser estabelecidos novos direitos e<br />

mecanismos institucionais em relação à sustentabilidade.<br />

Este “direito a um futuro” é a tarefa mais urgente do presente. Trata-se da natureza, sim, mas<br />

também se trata de nossos netos e de nossa própria dignidade, das expectativas de 99 por cento dos<br />

sete bilhões de homens e mulheres, meninas e meninos do mundo a quem se prometeu a<br />

sustentabilidade há duas décadas e que, em seu lugar encontraram que suas esperanças e aspirações<br />

se afundam em fichas de apostas de um cassino financeiro global que está fora do seu controle. Os<br />

cidadãos e cidadãs de todo o mundo estão exigindo uma mudança, e este informe é só uma forma<br />

adicional de fazer ouvir sua voz. A mensagem não poderia ser mais clara: as pessoas têm direito a<br />

um futuro e o futuro começa agora.<br />

(*)Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida pela sua presidenta, a ex-primeira ministra<br />

norueguesa Gro Harlem Brundtland. Publicou o informe intitulado Nosso futuro comum que inspirou as deliberações da<br />

Cúpula da Terra.<br />

(**)O informe está disponível em http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/<br />

(***)Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todo individuo tem direito à liberdade de opinião e de<br />

expressão; este direito inclui o de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de pesquisar e receber informações<br />

e opiniões e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão.<br />

*********<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [7] Comentario/Comment/Commentaire<br />

********


[<strong>Rio+20</strong>education] [8] Ladislau Dowbor<br />

Uma crise sistêmica<br />

Ladislau Dowbor (*)<br />

Novembro de 2011<br />

Um outro mundo possível não é um sonho. É uma necessidade. Estamos vivendo um lento<br />

desenrolar de processos críticos que convergem e nos ameaçam. De forma muito resumida, trata-se<br />

dos desequilíbrios ambientais e da desigualdade econômica, e da concentração financeira que os<br />

agravam. Frente a estes eixos críticos, os instrumentos de governança hoje disponíveis são<br />

simplesmente insuficientes. (ver gráfico (1) em http://www.icae2.org/files/4_ladislau_pt.pdf)<br />

Somos hoje 7 bilhões de habitantes, contra 1,5 bilhão há um século. A cada ano, são 80 milhões a<br />

mais, um país como o Egito. E todos querendo consumir mais, o que se reflete na linha do PIB<br />

(GDP). Com isto, expande-se a emissão de dióxido de carbono e aumenta a temperatura. Ambos<br />

processos estão diretamente ligados à expansão da frota de automóveis (estamos chegando a um<br />

bilhão de carros) e ao desmatamento planetário. A pressão sobre sobre a água está aumentando, e já<br />

se fala em ouro azul. O desmatamento, excesso de quimização do solo e redução de habitat estão<br />

gerando uma crise de biodiversidade. As tecnologias modernas estão levando, com GPS que permite<br />

mapear as rotas dos cardumes e outras tecnologias de pesca industrial, a uma generalização da<br />

sobrepesca e à ruptura das cadeias alimentares oceânicas. Os sistemas globalizados de fluxos<br />

financeiros permitem uma sobre-exploração generalizada dos recursos, entre outros do petróleo. Este<br />

último é exemplar: resulta de processos naturais de milhões de anos, e o teremos esgotado em 200. A<br />

convergência das tensões geradas para o planeta torna-se evidente.<br />

Não é só o planeta que vai mal. O segundo iceberg que o nosso Titanic planetário tem pela frente é o<br />

drama da desigualdade. A financeirização dos processos econômicos vem há décadas se alimentando<br />

da apropriação dos ganhos da produtividade que a revolução tecnológica em curso permitiu, e de<br />

forma cada vez mais desequilibrada. A concentração de renda no planeta está atingindo limites<br />

absolutamente obscenos.<br />

O poder de compra é determinado pelo acesso à renda. Imaginem a totalidade da produção do<br />

pleneta, 60 trilhões de dólares, numa taça de champagne. No topo, “os 20% mais ricos da população<br />

se apropriam de tres quartos da renda do mundo. Na parte mais baixa do gargalo, onde a taça fica<br />

mais estreita, os 40% mais pobres detêm 5% da renda do mundo e os 20% mais pobres apenas 1,5%.<br />

Os 40% mais pobres correspondem basicamente aos 2 bilhões de pessoas que vivem com menos de<br />

US$2 por dia.” A América Latina ocupa um lugar de destaque: “A distribuição global de renda na<br />

também faz ressaltar o grau extremamente elevado de desigualdade na América Latina.” (HDR-<br />

2005, p. 37 http://hdr.undp.org/en/media/HDR05_complete.pdf )<br />

(ver Figura (2) http://www.icae2.org/files/4_ladislau_pt.pdf)<br />

A concentração de renda é absolutamente escandalosa, e nos obriga de ver de frente tanto o problema<br />

ético, da injustiça e dos dramas de bilhões de pessoas, como o problema econômico, pois estamos<br />

excluindo bilhões de pessoas que poderiam estar não só vivendo melhor, como contribuindo de<br />

forma mais ampla com a sua capacidade produtiva. Não haverá tranquilidade no planeta enquanto a<br />

economia for organizada em função de um terço da população mundial. As pessoas nem sempre se<br />

dão conta do tamanho do drama. Hoje um bilhão de pessoas passam fome. Destas, cerca de 180<br />

milhões de crianças. Destas, por sua vez, entre 10 e 11 milhões morrem anualmente por não ter<br />

acesso ao alimento, e muitos por sequer terem acesso á água limpa.<br />

Na lógica do sistema capitalista em que vivemos, interessa produzir para que têm capacidade de<br />

compra. E as empresas mais poderosas adquirem o controle das mais frágeis, gerando uma extrema


concentração de poder que por sua vez reforça a concentração de renda. Hoje 737 empresas<br />

controlam 80% do conjunto do mundo corporativo, e um núcleo de 147 controla 40%<br />

(http://bit.ly/LZXpX)<br />

(Figura (3) http://www.icae2.org/files/4_ladislau_pt.pdf)<br />

O mapeamento desta rede de controle corporativo planetário é publicado pelo Instituto Federal Suiço<br />

de Pesquisa Tecnológica, um dos mais respeitados do mundo, com 31 prêmios Nóbel, e insuspeito de<br />

manipulações ideológicas. Segundo os pesquisadores, combinando o poder de controle dos atores no<br />

topo (top ranked actors) com as suas interconexões, “encontramos que, apesar de sua pequena<br />

dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe,<br />

quase 4/10 do controle sobre o valor econômico das Empresas Trans-Nacionais (ETNs) do mundo,<br />

através de uma teia complicada de relações de propriedade, está nas mãos de um grupo de 147 ETNs<br />

do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo<br />

podem assim ser considerados como uma “super-entidade” na rede global das corporações. Um fato<br />

adicional relevante neste ponto é que ¾ do núcleo são intermediários financeiros.” Isto não é mais<br />

mercado, é política. E ninguém elegeu os executivos da Goldman&Sachs ou da Lehman Brothers.<br />

A partir de um determinado nível de poder, começam a mudar as regras do jogo. As grandes<br />

corporações financeiras que dominam o sistema passaram a mudar as leis que regem o próprio<br />

sistema financeiro, promovendo a redução dos impostos para os mais ricos, substituindo os impostos<br />

pagos pelos ricos por endividamento público, liquidando os sistemas de regulação que davam aos<br />

governos certo controle sobre o sistema.<br />

Ao juntarmos os tres eixos, do comprometimento do planeta, da concentração de renda e da<br />

concentração do controle corporativo financeiro, chegamos a uma conclusão bastante óbvia: estamos<br />

destruindo o planeta, para o proveito de um terço da população mundial. E de tanto concentrar<br />

riqueza, este sistema nem sequer consegue se governar, e aprofunda a crise. Estes são os dados<br />

básicos que orientam as nossas ações futuras: inverter a marcha da destruição do planeta, reduzir a<br />

desigualdade acumulada, e regular o sistema corporativo financeiro que domina estes processos.<br />

(*)Ladislau Dowbor é professor da PUC-SP, consultor das Nações Unidas, e colaborador de várias instituições, entre as<br />

quais o Instituto Paulo Freire, o Instituto Pólis e o Núcleo de Estudos do Futuro. http://dowbor.org<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [9] Comentario/Comment/Commentaire<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [10] Síntesis/Síntese/Synthesis/Synthèse<br />

Síntese do Primeiro Módulo<br />

“Contextos globais: diferentes visões”<br />

Jorge osorio<br />

1. A <strong>Rio+20</strong> se desenvolve em uma conjuntura global de crise. Não assistimos apenas às<br />

conseqüências residuais da crise financeira de 2008, mas uma crise de maior magnitude em todos os<br />

indicadores sociais e econômicos. Embora o olhar de analistas e da opinião pública esteja focalizado<br />

na Europa e nos Estados Unidos, a conjuntura manifesta sinais de colapso (em um sentido mais<br />

dramático), de esgotamento de um modelo de desenvolvimento capitalista de tipo neoliberal. Os<br />

organismos multilaterais alertam sobre as modalidades da crise e sobre as necessárias políticas de


ajuste que permitam retomar o crescimento e reduzir o déficit fiscal dos países em bancarrota.<br />

Entretanto, existe uma crescente tomada de consciência sobre as conseqüências basais desta crise, de<br />

maneira especial em matéria de recortes de gasto social, tanto por parte dos próprios observadores<br />

econômicos, como dos movimentos cidadãos.<br />

2. O inédito desta conjuntura é que, diferentemente da crise de 2008, a força mobilizadora dos<br />

movimentos cidadãos recompuseram uma agenda global e dinamizaram o debate sobre as<br />

possibilidades de recomposição do modelo neoliberal. Esses movimentos têm se expressado em<br />

diversas modalidades, impactando de maneira substantiva a re-acomodação da política de vários<br />

países e regiões: seja pelas reivindicações pelos direitos humanos e a democratização, a indignação<br />

pelo desemprego e a exclusão de setores importantes da população dos serviços sociais básicos, o<br />

descontentamento dos cidadãos e cidadãs com os modos existentes de organizar a política<br />

democrática, a mobilização estudantil por una educação gratuita universal, ou as lutas de<br />

organizações ecologistas contra estados e grandes corporações depredadoras do meio ambiente, o<br />

movimento global de cidadania enfrenta desafios de curto e médio prazo de grande alcance ético e<br />

político.<br />

3. Na rota da <strong>Rio+20</strong>, estes movimentos cidadãos globais, dos quais os membros deste Seminário<br />

<strong>Virtual</strong> somos parte coordenam suas propostas e articulam formas de colaboração e ação em todos os<br />

níveis em que se debate a agenda da Sustentabilidade. Um dado importante é a transversalidade desta<br />

agenda, que orienta e dá sentido integrador a muitos movimentos setoriais, que no passado agiam de<br />

uma maneira particular, sem chegar a ter uma capacidade de manifestação global que, respeitando as<br />

diversas posições, coloca seu acento nos giros civilizatórios que as sociedades e o planeta requerem<br />

para enfrentar o futuro. Conceitos como justiça ecológica e “futuro” como direito estão na base de<br />

novas formulações sobre o denominado “desenvolvimento”, cuja formulação predominante e<br />

sustentada pelos “consensos” dos organismos multilaterais e pelas corporações está sendo<br />

radicalmente questionada.<br />

4. A partir da ótica do capital, a crise atual é vista como uma oportunidade de recomposição da<br />

economia de mercado, incorporando ajustes institucionais, maiores controles aos mecanismos de<br />

avaliação de riscos e uma fiscalização mais rigorosa dos sistemas financeiros e da indústria<br />

bancária. Entretanto, os indicadores vão demonstrando que a vontade dos governos não está sendo<br />

suficiente para restabelecer a “confiança” dos atores econômicos e dos mecanismos sensores do<br />

funcionamento do “mercado”, e que ao teor dos impactos sociais da crise e das políticas de ajuste<br />

vai-se suscitando um “sentido comum global” acerca dos limites do atual modelo econômico para<br />

responder a questiones basilares do desenvolvimento humano e do cuidado dos eco-sistemas, da<br />

governança da mudança climática e dos recursos hídricos, da geração de uma matriz energética<br />

Independiente das fontes fósseis, da habitabilidade das cidades e das zonas rurais, da aprendizagem<br />

do cuidado do meio ambiente, da saúde e das comunidades.<br />

5. Associados a essa trama assistimos a níveis muito altos de descrédito das formas tradicionais de<br />

organizar a política democrática, e de suas formas mais convencionais que são os partidos políticos e<br />

os Parlamentos. O desenvolvimento da participação cidadã e a geração de redes ativas diante de<br />

situações de violação de direitos humanos e de catástrofes meio-ambientais estão sendo um fator de<br />

mudança muito significativo na política dos países, levando o debate sobre as formas institucionais<br />

do sistema democrático a postos prioritários nas agendas nacionais. Existem movimentos muito<br />

fortes orientados a desenvolver processos auto-constituintes de iniciativas populares de lei e de<br />

elaboração de novas Constituições. Essas demandas civis de alcance institucional estão plenamente<br />

integradas nos movimentos anti-ditaduras nos países árabes, mobilizações de “indignados e<br />

indignadas” e de estudantes que estamos vendo progredir no mundo nos últimos meses.


6. Para alguns sectores, a <strong>Rio+20</strong> é uma oportunidade para enverdecer a saída das crises, fazer apelos<br />

à responsabilidade social e ambiental das empresas, estabelecer acordos “na medida do possível”<br />

diante da mudança climática e gerar um movimento “progressista” que “ambientalize” a agenda<br />

global, em consonância com os objetivos do milênio, colocando o acento na luta contra a pobreza e<br />

as discriminações. No processo preparatório vimos muitas expressões destas tendências liberais ou<br />

progressistas usando a linguagem em uso na atualidade. A partir de um olhar crítica e<br />

qualitativamente diferente, entendemos que a <strong>Rio+20</strong> deve ser um processo que amplifique a<br />

mobilização neo paradigmática, para avançar a sociedades justas e integralmente sustentáveis,<br />

capazes de responder às necessidades tangíveis e intangíveis dos seres humanos e suas comunidades,<br />

habitando o planeta de maneira inclusiva com as lógicas da terra (a casa comum) e gerando um novo<br />

modo de entender a convivência, a diversidade e a solidariedade como recursos cívicos e éticos<br />

básicos para uma democracia de participação.<br />

7. Nesta encruzilhada abordamos o tema do “futuro” tanto como um desafio como um direito. Há um<br />

apelo para gerar condições de viver em um mundo sustentado em uma justiça inter-geracional,<br />

vivenciada como cultura política e sistema de organização institucional que potencialize as<br />

dimensões participativas da democracia e o reconhecimento das diversidades das culturas e de suas<br />

visões de mundo e do bem- estar ou bem-viver. Está em curso um debate sobre as contribuições que<br />

o sentido cultural profundo dos povos originários, particularmente sobre a relação do “humano” com<br />

os eco-sistemas, que está sendo profusamente socializado dando pistas e inspiração a novas formas<br />

de conceber e praticar as políticas sociais em nossos países. Da mesma forma, as contribuições das<br />

experiências de economia solidária, presentes em nossas comunidades e a “matriz epistêmica e ética”<br />

do “Cuidado”, tão cara a feministas e ecologistas estão dando lugar a um campo de desenvolvimento<br />

político que nutre também os recentes movimentos cidadãos.<br />

8. Diante deste contexto, propusemos o tema dos atores da mudança, dos sujeitos que podem<br />

desenvolver uma nova maneira de fazer cidadania democrática, a partir das “margens” do que “está<br />

estabelecido”, a partir das lutas contra as discriminações, de movimentos de dignificação e de defesa<br />

de direitos humanos, a partir da “indignação”... Para todos e todas é preciso aprofundar a forma<br />

como será possível sustentar esses movimentos, não apenas da perspectiva de uma luta conjuntural,<br />

mas também de mudança paradigmática, das formas de conceber a civilização, a humanidade e o<br />

planeta. O tema a “subjetividade” é um aspecto chave na pedagogia cidadã na atual conjuntura.<br />

Trata-se de restabelecer um sentido emancipador dos processos de empoderamento, entendidos como<br />

o desenvolvimento de recursos cívicos e metodológicos para fazer política, gerar conhecimentos,<br />

potencializar os saberes e aprendizagens que se produzem nas lutas democráticas e que precisam de<br />

lideranças inclusivas, organizações participativas, alianças com organizações democráticas da<br />

sociedade civil e a permanente e necessária “ponderação radical-pragmática” (inédita-possível diria<br />

Paulo Freire) nas definições de acordos, consensos e associatividade com a diversidade de atores que<br />

a política realmente existente tem, sem renunciar a teses incontestáveis como os direitos humanos, a<br />

não discriminação por nenhum tipo de razão, o sexismo, a “descartabilidade” social por razões de<br />

estigmatização cultural, sanitária ou religiosa.<br />

9. A “sustentabilidade” em todas as suas dimensões supera o paradigma “progressista” do<br />

desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade é Dignificação, Justiça e Democracia Participativa.<br />

Isso implica um giro político e cognitivo e nesses termos de “disputa” a abertura a novos paradigmas<br />

de bem-viver, deve ser debatido no caminho à <strong>Rio+20</strong>, assim como devem ser orientados os<br />

processos educativos e de aprendizagem, entendidos como a criação de capacidades dos cidadãos e<br />

das cidadãs, das comunidades, dos movimentos de cidadania para agir e criar novas condições de<br />

“ser humano-humana” e de “estar-habitar-o-planeta”. Serão os temas dos próximos dias em nosso<br />

Intercâmbio <strong>Virtual</strong><br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [11] Jorge Osorio-Vargas<br />

Segundo Módulo<br />

“<strong>Rio+20</strong> como oportunidade para aprofundar novos paradigmas”<br />

Novos paradigmas em educação e política: cidadania e desafios nos movimentos<br />

globais de educadores e educadoras.<br />

Jorge Osorio-Vargas (*)<br />

O desenvolvimento da globalização de tipo tecno-neoliberal e suas repercussões nas formas de<br />

organização dos mercados, da estrutura financeira, do desenvolvimento tecnológico e dos sistemas<br />

políticos impacta de maneira crucial as modalidades de organização das instituições educativas e o<br />

papel dos educadores e educadoras.<br />

O chamado “capitalismo cognitivo” - outra maneira de identificar a atual fase do capitalismo tecnoneoliberal<br />

- consegue paulatinamente homogeneizar as pautas de socialização dos conhecimentos e o<br />

uso das novas tecnologias de comunicação. No entanto, no plano da cultura e da educação tal<br />

hegemonia está em disputa, e uma expressão desta situação é a emergência de novos movimentos<br />

neo-paradigmáticos, que redefinem as bases do “progresso” baseadas nas lógicas mercantis, e<br />

assentam as bases de um novo entendimento do bem-estar, conciliando o bem-viver humano e a<br />

saúde dos ecossistemas nos quais se desenvolve a Vida.<br />

Estes novos paradigmas são essencialmente democráticos, pois se sustentam na capacidade de<br />

participação dos cidadãos e cidadãs e em uma crítica aos obstáculos que o mercantilismo extremo<br />

impõe através de seus modelos de democracias “tecno-tuteladas” ou “protegidas policialmente”, à<br />

plena expressão das pessoas, de suas organizações e movimentos sociais.<br />

As genuínas experiências de “reinvenção democrática” que se expressam nos movimentos<br />

altermundistas, eco-políticos, juvenis, feministas, indígenas, de direitos civis, que vemos crescer em<br />

muitos lugares do mundo, não são alheias a movimentos de educadores, educadoras e estudantes que<br />

batalham politicamente em seus países, pela orientação e o sentido da educação como chave de<br />

emancipação, participação e geração de poder cidadão.<br />

Como se manifesta esta “politização” segundo os novos paradigmas?<br />

1. Globalizando o debate sobre o sentido da educação e da distribuição social dos<br />

conhecimentos e saberes, na perspectiva de uma sociedade justa e de uma democracia<br />

participativa.<br />

2. Gerando mobilizações culturais e políticas que reorientem as agendas hegemônicas das<br />

políticas educativas para novas formas de relações sociais e econômicas, sustentadas no<br />

reconhecimento da diversidade humana e no cuidado da Vida em todas as suas manifestações<br />

3. Desenvolvendo novas maneiras de expressão cidadã que valorizem a “proximidade”, o<br />

cuidado, os vínculos locais e os saberes próprios das diversas culturas e povos; e<br />

4. Perante a pretensão uniformizadora da globalização neoliberal, fortalecendo as capacidades<br />

de gestão cidadã dos governos locais e regionais e da “governança” dos ecossistemas,<br />

sobretudo quando ela se encontrar sob o controle das grandes corporações.<br />

Estas quatro grandes dimensões de um movimento global por uma educação justa requerem<br />

urgentemente associar suas propostas políticas com “giros” epistêmicos e políticos explícitos,


que comecem a constituir um poder de contestação, que questione as bases da sociedade<br />

mercantil e seus mecanismos de reprodução.<br />

Destes destacamos os seguintes:<br />

1. A ampliação do sentido da educação e da aprendizagem permanente como direitos humanos<br />

que sejam garantidos pelo Estado, e cujas modalidades de desenvolvimento devem estar<br />

contidas em políticas educativas geradas com a participação ativa dos cidadãos e das<br />

cidadãs e suas organizações (como propõem atualmente os movimentos estudantis do Chile<br />

e da Colômbia).<br />

2. O reconhecimento de novas modalidades institucionais de aprendizagem, que integrem<br />

também as escolas administradas por movimentos sociais, governos locais e entidades da<br />

sociedade civil democrática, e que se proponham a gerar e aprofundar os saberes e<br />

capacidades necessárias para uma “cultura de sustentabilidade integral e do bem-viver”<br />

3. Dar um sentido de inclusão e empoderamento ao acesso da população às TIC, formando<br />

capacidades locais para o seu uso nos processos de socialização crítica de cidadãos e<br />

cidadãs e de participação política em seus países.<br />

4. Fortalecer a educação cidadã, em todas as suas modalidades (popular, comunitária, escolar)<br />

como um recurso político que acrescente o capital cívico (empoderamento) das comunidades<br />

e permita sua mobilização na defesa e promoção dos direitos humanos em todas as suas<br />

gerações e na luta contra todo tipo de discriminação.<br />

5. Formar educadores e educadoras que assumam o “giro” epistêmico e político na educação<br />

que resuma uma “cultura de vida”, sustentada no cuidado da “casa comum“ e em modos de<br />

socialização que reforcem a reciprocidade, o reconhecimento da diversidade, a justiça entre<br />

as gerações e os valores de “ser-para-a-vida” e do “bem-viver”.<br />

(*) Docente-Pesquisador do Programa de Educação de Adultos e Aprendizagem Permanente da Universidade de Playa<br />

Ancha, Valparaíso, Chile.<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [12] Comentario/Commentaire/Comment<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [13] Sofía Valdivielso<br />

A igualdade como matriz dos novos paradigmas emergentes<br />

Sofía Valdivielso Gómez<br />

GEO/ICAE<br />

Os discursos sobre os novos paradigmas emergentes se apresentam a partir de um marco<br />

genericamente neutro e isso exemplifica o que Isabella Baker (2008) denomina de “silencio<br />

conceitual” que se nega a reconhecer, explícita ou implicitamente, que toda mudança se produz em<br />

um terreno marcado pelo gênero.


Estamos vivendo um momento histórico-social de reação patriarcal, isto é, estamos em um momento<br />

de retrocesso na conquista dos direitos, porque no contexto atual, caracterizado pela globalização<br />

econômica e pelas políticas de ajuste estrutural é evidente que o avanço em igualdade foi ficando<br />

mais lento e em muitas regiões do planeta até retrocedeu (Cobo, 2010). Em grande parte deste<br />

pequeno planeta as mulheres continuam sendo abertamente socializadas segundo os cânones do olhar<br />

do outro e em uma pequena parte, a mais rica, a mais democrática e a mais livre, essa socialização<br />

persegue o mesmo fim, embora disfarçada sob o discurso da livre escolha e da responsabilidade.<br />

As nossas escolhas, homens ou mulheres, se dão em função de uma série de mandatos implícitos que<br />

todos os corpos normativos (família, escola, sociedade, religiões, leis) se encarregam de transmitir.<br />

Quando meninos e meninas começam sua escolarização formal não levam a mesma coisa em suas<br />

mochilas escolares. As delas estão cheias de mandatos para cumprir o que Amelia Valcárcel<br />

denomina a lei do agrado, enquanto que a deles está cheia de mandatos para cumprir a lei do<br />

domínio. Ambos os mandatos continuam se perpetuando por discursos herdados, legitimados e<br />

determinados socialmente, tal como o da oposição dos sexos (tudo o que é masculino não é feminino<br />

e vice-versa) e da complementaridade dos sexos (homens e mulheres se constroem como partes<br />

complementares, não como totalidades em si mesmas)<br />

O discurso feminista ajudou as mulheres das décadas de 1970-1980 a se centrarem em seus próprios<br />

desejos e em sua autonomia. Mas esse direito à autonomia e à auto-afirmação tornou-se o contrário<br />

para suas netas. Para elas são vendidas como uma forma de consumismo extremamente mesquinha<br />

que faz com que se vejam como objetos e invistam toda sua criatividade e energia para ficar bonitas<br />

e ser aprovadas e admiradas pelos outros e pelas outras.<br />

Vejamos um exemplo: na última década houve una explosão da indústria global do entretenimento<br />

(brinquedos, filmes, música, videogames, etc.) através da qual se incitam as meninas a se converter<br />

em princesas. Todas as meninas de menos de oito anos querem ser princesas, todas querem se vestir<br />

de princesas e para todas elas a cor preferida é cor-de-rosa. Embora a princesa atual se apresente<br />

como uma mulher “empoderada”, ativa, que toma iniciativas e que gosta de se sentir bonita, as<br />

mensagens sutis de ser em função do olhar do outro continuam sendo muito potentes. Assim, vemos<br />

meninas de quatro a oito anos vestidas de purpurina e sonhando ser qualquer das princesas saídas da<br />

fábrica Disney. O consumo destes estereótipos é maciço no contexto das sociedades mais ricas e<br />

democráticas. Entre os oito e os doze anos o modelo que mais aparece é o das Barbies e Bratzs.<br />

Agora elas querem se vestir como suas bonecas e a indústria lhes oferece o que pedem: a boneca<br />

vestida e o mesmo vestido para elas. A estética é se vestir com leggings e minissaias, calçar<br />

bailarinas ou sandálias de ponta, pentear-se com tranças postiças e cabelos alisados, pintar as unhas e<br />

passar brilho nos lábios. Uma imagem muito sexualizada para meninas de oito a doze anos. Todas<br />

querem ser como suas bonecas e viver a vida que os agentes de socialização (meios de comunicação,<br />

indústria de brinquedos, moda, cinema, etc.) se encarregam de meter-lhes na cabeça, sem que elas<br />

possam se defender de tudo isso e sem que ninguém as proteja. Não há reflexão nem debate social<br />

sobre o condicionamento a que esta geração de meninas está sendo submetida pela indústria de<br />

brinquedos, como primeiro passo para depois serem modeladas pela cultura da imagem que as<br />

constrói como bonecas bonitas e desejáveis para o outro. Nesse sentido Natasha Walter (2010)<br />

afirma:<br />

“A viajem mais longa que se espera de uma menina só a leva a percorrer o caminho que fará com<br />

que os demais a admirem por seu físico, e isso se faz através da retórica sobre a independência e a<br />

liberdade de ser ela mesma.” (Walter, 2010, 86)<br />

Vejamos outro exemplo: a naturalização da prostituição, a generalização do pornô suave, a<br />

proliferação das baladas se nutrem desses modelos de consumo de massa e se alinham com a tese da<br />

descriminalização da prostituição e seu tratamento como se fosse qualquer outra indústria. Para isso


se produz um processo de cooptação do significado de determinados conceitos socialmente aceitos e<br />

que são manipulados. Os discursos a favor da regulamentação ou legalização da prostituição<br />

começaram a usar palavras como “agencia” “livre empresa” e “decisão raciocinada” (Jeffreys, 2011)<br />

de maneira descontextualizada produzindo com isso uma enorme confusão terminológica, ao mesmo<br />

tempo em que: legitimam a indústria global do sexo, convertem os proxenetas em empresários,<br />

colocam os governos em uma posição cômoda ao não ter que proibi-la. Além do mais não<br />

questionam o pilar sobre o qual se sustenta o contrato sexual das sociedades patriarcais, a saber: O<br />

direito dos homens de pagar por sexo, comprar o corpo das mulheres e submetê-las a sua vontade. Os<br />

argumentos de que elas o fazem porque querem, que tomaram uma decisão pensada, que é um<br />

trabalho como outro qualquer, gerou milhões de euros de lucro majoritariamente nas mãos dos<br />

homens e encobertou o argumento de que a prostituição é a expressão máxima da violência que se<br />

exerce contra as mulheres. Esta indústria global se alimenta do tráfico de mulheres jovens que são<br />

escravizadas. Os que as exploram, escravizam e maltratam já não são os proxenetas, agora se<br />

chamam empresários do mundo do espetáculo e as garotas não são mulheres prostituídas, mas sim<br />

trabalhadoras do sexo.<br />

O patriarcado é a raiz comum de todos os nossos problemas atuais. Embora aparentemente tenha se<br />

debilitado continua gozando de una enorme capacidade de penetração em todos os âmbitos de nossas<br />

vidas. Está na base da mentalidade industrial, do capitalismo, do tráfico de seres humanos, da<br />

exploração dos recursos naturais, de nossa incapacidade de viver em paz, etc. Prova disso é a<br />

primazia da competitividade sobre a cooperação, da razão sobre a emoção, do masculino sobre o<br />

feminino e do poder sobre o amor.<br />

Os novos paradigmas emergentes e os valores que defendem devem ser trabalhados a partir da matriz<br />

da igualdade. Sem ela, convertem-se em aliados fundamentais das teorias neoliberais que justificam<br />

suas ações (demissões em massa, exploração no trabalho, emergência de novas escravidões ou as<br />

mesmas de sempre com outros nomes), baseando-se precisamente neles. Sem igualdade não há<br />

autonomia para que as mulheres atuem livremente; só lhes resta a obrigação de continuar construindo<br />

suas identidades segundo os cânones do “contrato sexual” (Pateman, 1988) em virtude do qual os<br />

homens se constroem para si mesmos e as mulheres para os outros. Ou seja, para eles o poder e para<br />

elas a subordinação, embora isso seja feito de maneira sutil nas sociedades democráticas e livres.<br />

Os novos paradigmas devem emergir da matriz da igualdade. É urgente educar em igualdade, coeducar.<br />

Isso significa intervir intencionalmente reconhecendo que há dois sexos diferentes e esta<br />

intervenção deve estar dirigida à construção de um mundo comum e não de enfrentamento. O<br />

reconhecimento da igualdade formal nos marcos jurídicos internacionais não significa que essa<br />

liberdade se realize para ambos os sexos. Para isso é necessário que este princípio se converta em um<br />

objetivo que seja ensinado em todos os espaços de socialização nos quais interagimos como seres<br />

humanos. (Simón, 2010)<br />

Referências:<br />

BAKKER, ISABELLA (1998) Dotar de género a la reforma de la política macroeconómica en la era de la<br />

reestructuración y el ajuste global, en ROSA COBO (2010): La nueva política sexual del Patriarcado y sus alianzas con<br />

la globalización capitalista<br />

http://www.cnm.gov.ar/generarigualdad/attachments/article/449/Mujeres_sexo_poder_economia_ciudadania.pdf<br />

COBO BEDÍA, ROSA (2011) Hacia una nueva política sexual. Las mujeres ante la reacción patriarcal. Madrid, Catarata<br />

JEFFREYS, SHEILA (2011) La industria de la vagina. La economía política de la comercialización global del sexo.<br />

Buenos Aires, Paidós.<br />

Título original: The Industrial Vagina. The Political Economy of the Global Sex Trade. Routledge, London and New<br />

York, 2009


SIMÓN RODRIGUEZ, ELENA (2010) La igualdad también se aprende. Cuestión de co-educación. Madrid, Narcea<br />

Ediciones.<br />

WALTER, NATASHA (2010) Muñecas vivientes. El regreso del sexismo. Madrid, Turner Publicaciones<br />

Título original: Living Dolls. The Return of Sexism. Virago Press, 2010<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [14] Antonio Salgado<br />

A mudança de paradigmas no contexto de múltiplas crises.<br />

O bem-viver como elemento essencial na substituição paradigmática<br />

Antonio Salgado – CEAAL – México<br />

Como pensar para pensar o mundo, para pensar-nos no mundo e para ser no mundo<br />

Como pensar para pensarmos no outro e para ser no outro<br />

Como atuar em consequência com esse pensar emergente, para transformar o mundo, para<br />

transformar-nos no mundo e para ser o mundo(*)<br />

O mundo atual enfrenta múltiplas crises. Fala-se, de maneira sistemática, de crise política,<br />

econômica e financeira, institucional, ambiental e social; a convergência destas crises tem levado à<br />

afirmação de que se transita por una crise de civilização.<br />

Esta situação, que agora se vislumbra planetária, é consequência do paradigma civilizatório<br />

dominante, que tem favorecido um modo de produção e este, por sua vez, um estilo de vida baseado<br />

no consumo, ignorando os ritmos e limites biofísicos da natureza e os estilos de vida das múltiplas<br />

sociedades que habitam e co-existem entre elas e com o planeta.<br />

O momento se torna paradoxal, as sociedades de mercado estabelecem um modo particular de “ser”<br />

no mundo, um estilo de vida eminentemente diferenciado, injusto e desumano. As grandes<br />

contradições sociais criam, ao mesmo tempo, as condições para a emergência de uma consciência<br />

crítica ao sistema na qual os movimentos sociais surgem e se expressam nos contextos modernos,<br />

pelo direito de ser e pelo direito de viver una vida digna construindo, a partir das suas ações,<br />

propostas e estratégias alternativas de ação articulada entre diferentes atores e escalas: local, nacional<br />

e também ação global.<br />

Una das riquezas dessas propostas alternativas, é que souberam escutar e se nutrir das vozes<br />

tradicionalmente invisibilizadas, negadas e deslegitimadas pelas elites do poder. A partir do<br />

reconhecimento da interculturalidade como base para o entendimento dos povos, tem-se escutado o<br />

pensamento, o sentido e o significado do pensar-fazer de diversos povos originários e entre eles<br />

foram encontrados pontos de articulação relacionados com suas visões sobre a vida das pessoas, da<br />

comunidade e da coletividade, que se baseiam em princípios de confiança, complementaridade,<br />

correspondência e ajuda mútua.<br />

O pensamento convergente do bem-viver é construído, a partir dos povos originários, como um<br />

paradigma alternativo que propõe a harmonização de nossas relaciones pessoais, comunitárias,<br />

sociais e com a natureza, como a alternativa para a transformação da humanidade e do planeta.<br />

Estamos então ante um momento que parece de rupturas, posto que supõe o desgaste de um modelo<br />

de referência, o paradigma dominante, e com ele a emergência de um paradigma alternativo que


explique melhor nossa posição e ação diante de e no mundo. Entretanto, devemos reconhecer que o<br />

paradigma dominante “teve a capacidade de incorporar conceitos que provinham de discursos<br />

alternativos” (I) e por isso parece que a substituição paradigmática se torna más lenta.<br />

No marco da educação popular tem-se discutido amplamente a conceituação de paradigmas, e para<br />

diferenciar-se do paradigma dominante e situar seu pensar-fazer na postura crítica, a EP estabelece<br />

como conceito o termo de “paradigmas emancipadores”, entendidos como o conjunto de propostas<br />

teóricas e políticas alternativas ao “pensamento e modelo único ”(II), ou seja, convertem-se em uma<br />

referência para a ação, uma vez que “dão cabida às visões e propostas que mostram seu desacordo<br />

com as desigualdades e assimetrias da ordem imperante, e por isso pré-figuram uma sociedade justa<br />

e humanizada (...) traduzem-se em conceitos operativos, capazes que enriquecer-se com as diversas<br />

práticas e correntes contestadoras de pensamento que se opõem ao sistema de múltipla dominação e<br />

suas causas ”(III). Nesse contexto, o bem-viver também traduzido como “vida em plenitude” (IV) é um<br />

paradigma emancipador.<br />

A pergunta que fica na discussão e que motiva estas linhas é: como consolidar esse paradigma?<br />

Tomas S. Khun assinala que um paradigma tem dois componentes principais, a matriz disciplinar e a<br />

matriz sociológica. Como parte da matriz disciplinar se inclui a comunicação e os livros de texto,<br />

fazendo referencia implícita a um processo educativo, que forme as pessoas nos elementos<br />

conceituais e metodológicos do paradigma em questão. Por outro lado, mas vinculado com o<br />

anterior, a matriz sociológica se refere à comunidade que vive e tem como referencial esse<br />

paradigma.<br />

Nesse sentido o trabalho educativo se converte no elemento principal para formar a matriz disciplinar<br />

a partir desta postura crítica para que atores sociais de maneira consciente e decidida, afirmem seu<br />

pertencimento a uma comunidade que tem como base um novo paradigma, neste caso, o paradigma<br />

do bem-viver.<br />

No entanto, não basta inscrever-se ou reconhecer-se como parte de uma comunidade; é preciso que<br />

cada integrante da comunidade viva os valores éticos, políticos e filosóficos que se enquadram no<br />

paradigma e, portanto, que sua comunidade de pertencimento vibre e comunique com esperança a<br />

outras comunidades suas ações neste “novo” paradigma.<br />

Na medida em que vivemos e comunicamos dentro dos marcos do paradigma do bem-viver,<br />

vibramos e criamos sinergias. Vivemos e comunicamos a partir das nossas ações e de nossa prática<br />

cotidiana que, considerando os princípios e valores do bem-viver, tece laços entre as pessoas e<br />

adensa relações em diferentes níveis, desde a escala doméstica, a organização de bairros, a<br />

comunidade ou as relações inter-comunitárias. Constituindo assim elementos fundamentais para a<br />

consolidação e substituição paradigmática.<br />

Nesse sentido nos permitimos sugerir alguns elementos que nos permitam, com base no<br />

reconhecimento de que vivemos e comunicamos os paradigmas emancipadores, fazer e viver uma<br />

nova comunidade.<br />

• Reconhecer que nos relacionamos a partir do que sentimos, cremos, pensamos e sabemos;<br />

• Reconhecer que estes aspectos se convertem em elementos constitutivos de nossa<br />

personalidade e que são uma construção social e cultural. São aprendizagens da cultura a que<br />

pertencemos;<br />

• Reconhecer os próprios marcos de referencia, desde os quais estou me comunicando com o<br />

outro e reconhecer-me no outro, na diferença;<br />

• Estabelecer um diálogo de saberes que permita o intercambio baseado no respeito;


• Aspirar à síntese cultural, que implica que eu aprendo do outro enquanto o outro aprende de<br />

mim e assim o pensamento se alimenta se reordena, se afirma, se re-afirma; se constrói e se<br />

reconstrói permanentemente;<br />

• No querer mudar o outro porque não é como eu. A imposição sempre é a negação.<br />

Reconhecer o direito de “ser” e reconhecer no outro os direitos humanos que eu mesmo<br />

possuo;<br />

• Construir com o outro as possibilidades da consciência crítica;<br />

• “Ser com o outro”, porque aprendi a ser comigo mesmo, a estar orgulhoso de quem sou e de<br />

onde venho.<br />

• Reconhecer as ameaças do contexto, do global no local e como o outro e eu as vivemos e as<br />

exteriorizamos.<br />

• Construir cidadania, como una tarefa intencional de vontades coletivas articuladas e cheias de<br />

sentido.<br />

• Estar disposto a conhecer as contribuições de outras culturas e estar disposto a compartilhar<br />

meus próprios valores. O que sei do outro, o que sabe o outro de mim? Até onde estou<br />

disposto a compartilhar, compartilhar-me com o outro?<br />

• Transcender a relação entre alteridades, para começar a construir um nós, em função dos<br />

projetos e aspirações partilhadas.<br />

• Comprometer-me com a solidariedade e a ajuda mútua<br />

• Compreender e respeitar as necessidades dos outros e as minhas próprias.<br />

• Reconhecer as próprias fraquezas e carências para transcendê-las no diálogo coletivo que<br />

reconstrói as fortalezas.<br />

• Estar disposto a reconhecer os conflitos e buscar soluções para o bem comum, pela via do<br />

diálogo e da negociação.<br />

• Outras mais que cada um pode aportar<br />

Finalmente, gostaríamos de destacar nas palavras Huanacuni que “o desafio e a oportunidade que<br />

temos diante de nós, neste contexto de múltiplas crises, é justamente a aplicação de toda una cosmo<br />

visão e paradigma “antigo” e “novo” ao mesmo tempo, na prática real, impulsionada em grande parte<br />

a partir da geração e implantação de ações no marco do viver bem” (v).<br />

(*)J. Antonio Salgado. Reflexão a partir de grupos de trabalho. Reunião Intermediária CEAAL. El Salvador, 2010.<br />

(I)<br />

Torres Carrillo, Alfonso, La educación popular. Trayectoria e actualidad, Editorial El Búho, Colômbia, 2008, p. 90.<br />

(II) Torres, Educación, 2008, p. 90.<br />

(III) (IV) (IV)<br />

Leis, Raúl. Los desafíos de la educación popular e del CEAAL (Consejo para la Educación de Adultos en<br />

América Latina), 2007. Diapositivos consultados em Torres Carrillo, Alfonso, “Educación popular y paradigmas<br />

emancipadores” em Educaciòn popular: Recreándola en nuestros tiempos, La Piragua, Revista Latinoamericana de<br />

Educación y Política, Número 30, III/2009, pp 11 – 32.<br />

(IV) Para conhecer a análise linguistica do termo, recomenda-se consultar Huanacuni Mamami, Fernando, Buen vivir/Vivir<br />

bien, Filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas, CA-OI, 2010, 80p.<br />

(V) Huanacuni, Buen vivir, 2010, p 56.<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [15] Amaia Orozco<br />

Segundo Módulo “<strong>Rio+20</strong> como oportunidade para aprofundar novos<br />

paradigmas”<br />

Crise civilizatória da sustentabilidade da vida<br />

Amaia Orozco<br />

Espanha - Dezembro de 2011<br />

Os mercados capitalistas não só se situaram no epicentro de nossa estrutura socioeconômica, mas<br />

colonizaram nossas expectativas vitais e nossos projetos políticos. Para liberar-nos dessa fortíssima<br />

influência que nos situa em um terreno onde as pessoas e seu bem-estar não têm importância,<br />

sugerimos outro ângulo de visão. Colocar no centro a sustentabilidade da vida, os processos de recriação<br />

de vidas que mereçam ser vividas. Isto significa perguntar-nos pelo menos duas coisas: o que<br />

entendemos com vida que mereça ser vivida; e quais são as estruturas sócio-econômicas mediante as<br />

quais podemos ver suas possibilidades.<br />

Desde antes do estouro financeiro afirmávamos que estávamos vivendo uma crise multidimensional<br />

e sistêmica, que abarcava uma crise ecológica (global); uma crise de reprodução social (que afetava o<br />

conjunto de expectativas de reprodução material e emocional das pessoas no Sul global); e uma crise<br />

dos cuidados (que afetava uma dimensão concreta das expectativas de reprodução, dos cuidados, no<br />

Norte global). Esta crise se agrava com a resposta política ao estouro financeiro (que implica um<br />

ataque direto e duríssimo às condições de vida). Podemos, necessitamos reconhecer que estamos<br />

vivendo uma crise civilizatória, de um sistema que não é só capitalista, mas também heteropatriarcal,<br />

antropocêntrico e imperialista. Trata-se de uma crise que atravessa o conjunto das<br />

estruturas (políticas, sociais, econômicas, culturais, nacionais, etc.), mas também das construções<br />

éticas e epistemológicas mais básicas (a própria compreensão da “vida”). A vida é entendida em<br />

termos de um sonho louco e daninho de excisão entre a vida humana e a não humana (e de colocação<br />

do conjunto do planeta ao serviço da “civilização”), de auto-suficiência individualista mediante o<br />

consumo no mercado. Isso se consegue ocultando as “dependências” em terrenos que não queremos<br />

ver, de maneira fundamental nos trabalhos não remunerados. E as estruturas priorizam o processo de<br />

valorização de capital, garantindo-o ao colocá-lo à disposição do conjunto da vida (humana e não<br />

humana). Ou seja, convertendo a vida e suas necessidades em um meio para o fim da acumulação de<br />

capital, no melhor dos casos (no pior, a vida constitui um estorvo e é mais rentável destruí-la). É um<br />

sistema que se assenta sobre um conflito estrutural e irresolúvel entre o capital-vida, que com o<br />

processo de financeirização e globalização neoliberal nada mais fez que tornar-se mais agudo a cada<br />

dia.<br />

Ante esta crise, necessitamos ser capazes de pensar e intervir simultaneamente em vários níveis.<br />

Entre eles: necessitamos um questionamento ético, dos próprios valores que sustentam o sistema e<br />

que interpretam a vida (a humana e a não humana); e necessitamos um questionamento das estruturas<br />

que organizam essa vida (essas vidas).<br />

Isso implica romper com o estrabismo produtivista de grande parte da esquerda, que continua<br />

prisioneira da “metáfora da produção”, e que, diante da perversidade do capitalismo financeiro,<br />

aposta em uma volta a um “capitalismo produtivo”, deificando todos seus elementos associados: o<br />

crescimento “econômico”, o emprego, o salário, o consumo. Desde diversas visões foram feitas


profundas críticas à idéia de “produção”. A ecologia deixou claro que os sistemas sócio-econômicos<br />

são subsistemas abertos (extraem recursos e absorvem energia, geram resíduos e emitem energia<br />

degradada) que funcionam em um sistema fechado, a biosfera (que não intercambia materiais com o<br />

exterior e muito pouca energia). Extraímos e transformamos, mas não produzimos nada. A produção<br />

é uma fantasia antropocêntrica, que tem uma única forma de se manter: criar um meio fantasma de<br />

acumular essa suposta riqueza criada, o dinheiro. O feminismo afirma que a outra coisa oculta da<br />

produção é a reprodução, em um esquema epistemológico hetero-patriarcal que está na base da<br />

exploração da natureza e da opressão das mulheres. A produção encarna valores da masculinidade, e<br />

usa a natureza feminizada para construir civilização. A partir disso se produz uma dissociação entre o<br />

crescimento, o progresso, entendido como o objetivo civilizatório, e a mera sustentação, condição<br />

que se supõe que deve ser superada (transcender é plenamente humano e entra em contradição com a<br />

imanência; a vida em si não vale nada se não é para pô-la a serviço de um fim superior: o progresso,<br />

o crescimento, a industrialização...). A questão não é apenas visibilizar que, além de serem<br />

produzidos bens e serviços, também se reproduzem pessoas. Mas assinalar que ambos os processos<br />

não estão separados, que a produção só nos importa na medida em que reproduz vida. A reprodução,<br />

portanto, é a lente pela qual olhar o conjunto, o eixo transversal. Dito de outra forma: não há<br />

contradição entre o objetivo de “viver bem” e a sustentabilidade. Trata-se de sustentar as condições<br />

que tornam possível viver bem, não de viver melhor (melhor que antes, melhor que outras pessoas).<br />

A pergunta não pode ser como recuperar o crescimento econômico e a produção. A pergunta deve<br />

ser reformulada: como reproduzimos as condições de possibilidade para uma vida que mereça ser<br />

vivida e de que fluxos materiais e energéticos realmente dispomos.<br />

O que é uma vida que merece ser vivida? Rompendo com a idéia de auto-suficiência, devemos<br />

reconhecer nossa inerente vulnerabilidade: a vida é precária, por isso há que cuidá-la. Isso não é um<br />

problema, mas sim uma energia, porque nos permite sentir-nos afetados pelo que sucede a outras<br />

pessoas, e porque a única forma de enfrentar a vulnerabilidade é na interação. A interdependência e a<br />

eco-dependência são condições inerentes à vida. É a partir daí que devemos formular as perguntas:<br />

como conseguir níveis suficientes de autonomia em uma realidade de interdependência? Como<br />

construir a interdependência em termos de reciprocidade e não de assimetria? São as necessidades<br />

que convertem a vida em uma vida significativa? Estas necessidades devem ser definidas de maneira<br />

coletiva (não é o que individualmente consideramos necessário, mas sim o que coletivamente nos<br />

responsabilizamos de garantir) e devemos qualificá-las eticamente: como garantir essas necessidades<br />

em termos de universalidade e igualdade (reconhecendo ao mesmo tempo a diversidade).<br />

Com que estruturas administramos a responsabilidade coletiva de obter as condições de possibilidade<br />

para esse “viver bem”? Na hora de discutir isto temos que introduzir no debate todas as estruturas<br />

sócio-econômicas possíveis: a diversidade existente e as que poderiam existir, saindo do espartilho<br />

que nada mais vê além do mercado e do estado: lares (unidade econômica básica e colchão de<br />

reajuste do sistema; colocando em primeiro plano que as famílias são instituições muito pouco<br />

democráticas), economia social e solidária, formas comunitárias, autogestão, pequena economia<br />

camponesa, redes… Tendo em mente essa diversidade, há apenas algumas coisas que temos claras:<br />

Não queremos que os mercados capitalistas se encarreguem de impor as condições para a vida,<br />

porque elas se assentam sobre o conflito capital-vida, porque priorizá-las supõe colocar a vida<br />

sempre sob ameaça. Tampouco queremos que sejam os lares, onde até agora foi privatizada,<br />

feminizada e invisibilidade a responsabilidade de cuidar da vida em um sistema que a colocava a<br />

serviço da acumulação. Queremos fórmulas que coletivizem essa responsabilidade e que a<br />

democratizem (e a desfeminizem), convertendo-a em prioridade social.<br />

Para isso, há dois movimentos estratégicos fundamentais: Primeiro, ir subtraindo recursos da lógica<br />

de acumulação (recursos de tempo de vida, financeiros, naturais, de espaços…). Para chegar a isto<br />

temos uma pletora de ferramentas (propostas de reformas fiscais, de redução da jornada e da vida


laboral, de expropriações, de nacionalizações…). Segundo: pôr esses recursos para trabalhar em<br />

instituições socioeconômicas democráticas que funcionem sob uma lógica de reciprocidade e<br />

interdependência. E a pergunta é: quais são essas instituições? É aqui onde temos o debate: falamos<br />

de reformar o estado? O que deixamos e o que tiramos como responsabilidade dos lares, e como os<br />

democratizamos? Queremos outras estruturas coletivas diferentes?<br />

A partir de distintos âmbitos estão sendo lançadas propostas de mudança radical, que propõem<br />

começar definitivamente fazendo uma ruptura ética com o mundo tal como o conhecemos, e que<br />

asseguram que só a partir daí (nunca a partir das meras discussões tecnicistas) podemos pensar e<br />

lutar pelas condições para (outras) vidas vivíveis. Entre elas estão o decrescimento e o bem-viver ou<br />

viver bem (sumak kawsay en quéchua, suma qamaña em aimará). A partir do feminismo lançamos a<br />

metáfora da cUIdadania. Se a cidadania é a forma de reconhecer os sujeitos em sociedades que<br />

colocam os mercados capitalistas no epicentro (o que nos permite como única margem de<br />

reivindicação aquela que deixa livre a imposição da lógica da rentabilidade capitalista) a cidadania se<br />

referiria a uma nova forma de reconhecer-nos sujeitos sociais que construímos direitos em<br />

sociedades que colocam os cuidados e a sustentabilidade da vida no centro.<br />

Não há metáforas e miradas críticas melhores que outras, todas elas são imprescindíveis para abrir<br />

um debate radicalmente democrático sobre o que é uma vida que merece ser vivida e como<br />

estabelecer as condições para torná-la possível. Para romper o cordão que nos ata ao eixo mercantil,<br />

liberar-nos da força centrípeta da lógica da acumulação e assim podermos sair pela tangente.<br />

Amaia Orozco<br />

Dezembro de 2011<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [16] Sueli Carneiro<br />

Raça e gênero na construção de um novo contrato social*<br />

Sueli Carneiro<br />

Brasil<br />

Quiero reposicionar, argumentos apresentados no 10° Encontro Feministas, quanto ás tecnologias de<br />

poder que determinam os desafios que defrontamos para alcançar igualdade e equidade em nossas<br />

sociedades.<br />

No que concerne á luta feminista e anti-racista, vivemos sob a égide de duas tecnologias de poder em<br />

operação no mundo. E entendemos que essas duas tecnologias de poder impedem a própria<br />

realização da democracia como sistema político.<br />

Há, tal como sustenta a feminista Carole Patman, há um Contrato Sexual em vigor no mundo cujo<br />

desvelamento manifesta o acordo oculto e injusto dos homens sobre o qual na verdade baseia-se o<br />

contrato social ostensivamente neutro em termos de gênero. Um Contrato Sexual suportado por um<br />

acordo oculto que realiza na prática social a hegemonia masculina no mundo.<br />

Há, também, tal como formulado pelo filósofo afro-americano Charles Mills, um Contrato Racial em<br />

vigência no mundo cujo desvelamento revela um sistema político não-nomeado que é a supremacia<br />

branca e patriarcal no mundo. Porque como nos aponta Charles Mills:


“Contrato Racial estabelece uma sociedade organizada racialmente, um Estado racial e um sistema<br />

jurídico racial, onde o status de brancos e não-brancos é claramente demarcado, quer pela lei, quer<br />

pelo costume. E o objetivo desse Estado, em contraste com o estado neutro do contratualismo<br />

clássico, é, inter alia, especificamente o de manter e reproduzir essa ordem racial, assegurando os<br />

privilégios e as vantagens de todos os cidadãos integrais brancos e mantendo a subordinação dos<br />

não-brancos. Da mesma forma, o “consentimento” esperado dos cidadãos brancos é conceituado em<br />

parte como um consentimento, quer explícito, quer tácito, na ordem racial, na supremacia branca, no<br />

que poderia ser chamado de Branquitude.”<br />

Portanto vivemos ainda sob a égide de um sistema político que impede a realização da democracia<br />

nas suas dimensões de raça, classe e de gênero. Porém nesse Contrato Racial todos os brancos são<br />

beneficiários, embora nem todas as pessoas brancas sejam dele signatárias.<br />

É então a certeza de que todas as mulheres brancas são beneficiárias mas não necessariamente<br />

signatárias desse Contrato Racial e a certeza de que o Contrato Sexual limita-nos todas é o que<br />

oferece a possibilidade de alianças e da construção coletiva da crítica política ao Eu hegemônico que<br />

oprime a todas embora em diferentes graus.<br />

E é por isso que lutamos. Pela necessidade de construção de novos pactos raciais e de gênero em que<br />

possamos caber todas e que desafiem as hegemonias de todos. Fazendo desse presente, um<br />

amalgama de conquistas, paradoxos e novos desafios.<br />

Assim, a contribuição das mulheres negras, índias e não-brancas em geral para a teoria e a luta<br />

feminista tem consistido em revelar como a articulação de duas tecnologias de poder, o<br />

patriarcalismo e o racismo produz de gêneros subalternizados ou descartáveis em função da<br />

racialidade.<br />

Do mergulho nesse mar de contradições nós, mulheres brasileiras, latino americanas e caribenhas<br />

emergimos sempre mais fortes, ousando ofertar um projeto de radicalização democrática ao Estado e<br />

às nossas sociedades. Radicalização democrática que tem como vocação um novo pacto de gênero e<br />

um novo pacto racial em oposição ao Contrato Racial reservado aos racialmente hegemônicos e em<br />

oposição ao Contrato Sexual reservado ao aos sexualmente hegemônicos. Novos pactos racial e de<br />

gênero sustentados nos princípios da igualdade, da diversidade, da participação, da solidariedade e a<br />

da liberdade.<br />

É isso o que vimos construindo, programaticamente, enquanto movimento social e que equivale a<br />

uma verdadeira revolução cultural e novos projetos políticos para nossos países buscando selar um<br />

pacto de solidariedade e co-responsabilidade entre feministas negras, indígenas e brancas, na luta<br />

pela superação das desigualdades de gênero e das desigualdades persistentes entre as mulheres a<br />

partir do compromisso com a luta feminista e anti-racista e a defesa intransigente dos princípios da<br />

equidade racial, étnica e de gênero.<br />

Nós mulheres negras fomos escravizadas, discriminadas e inferiorizadas racialmente. Arrancaram os<br />

nossos filhos de nossos seios. Nos obrigaram a amamentar e criar filhos que não eram nossos.<br />

Essa experiência brutal explica o nosso apreço pela liberdade. Liberdade que é para nós um princípio<br />

inegociável. Essa experiência brutal também nos inscreveu no paradigma do Outro, do não-ser. E aí,


nesse lugar que o eurocentrismo europeu nos deslocou aprendemos como se produzem<br />

subjetividades subalternas e hegemônicas, escravos e senhores. Porque assistimos aquelas crianças<br />

brancas, que alimentamos, que fizemos adormecer em nossos braços confiantes, se tornarem em<br />

feitores, em comerciantes de carne humana, em torturadores de negros revoltados em estupradores de<br />

escravas.<br />

Mas é daquela experiência brutal que sabemos que tanto podemos educar as pessoas para discriminar<br />

e oprimir como para respeitar, acolher e se enriquecer com as diferenças raciais, étnicas e culturais<br />

dos seres humanos. Esse é outro desafio posto para o futuro.<br />

A valorização e o reconhecimento da integridade humana de todos e todas torna-se para nós então,<br />

um pré-requisito e mais um fundamento ético para a reconciliação de todos os seres humanos. O<br />

princípio capaz de fazer com que cada um de nós com a sua diferença possa se sentir confortável e<br />

‘em casa nesse mundo” pertencentes que somos todos a mesma espécie e gênero humanos. Essa<br />

missão civilizatória é talvez o ponto mais importante da agenda das próximas gerações de feministas.<br />

(*) Fragmento de comunicação apresentada no 10° Encontro Feminista<br />

*****<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [17] Comentarios/Commentaires/Comments<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [18]Comentário/Comment/Comentario/Commentaire<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [19] Julian Waters-Lynch<br />

Conselho internacional de educação de pessoas adultas<br />

Documento de síntese para discussão e advocacy<br />

Aprendizagem ao longo de toda a vida para a sustentabilidade<br />

em um mundo de clima mutável (*)<br />

Julian Waters-Lynch<br />

Introdução<br />

Este informe trata sobre a educação em um mundo de clima mutável. No entanto, apesar de que uma<br />

nova aprendizagem para um mundo melhor é o tema central, é importante esclarecer tanto o estado<br />

atual dos temas globais como as causas subjacentes que nos conduziram até aqui. Por isso, este<br />

documento considerará as contribuições dos membros do ICAE sobre a natureza da crise climática:<br />

pobreza, desigualdade e discriminação de gênero, e a oportunidade para que 2012 aborde uma<br />

mudança de sistema mais ampla em lugar de um debate limitado de respostas à mudança climática,<br />

ao papel do capital, dos mercados, da tecnologia e a perspectiva de uma economia verde. Por último,<br />

concluirá com seis sugestões sobre as futuras instruções do ICAE.


As crises do clima e do ecossistema<br />

A mudança climática induzida pelos seres humanos é perigosa e um fenômeno real que está<br />

acompanhado por una miríade de outros drásticos problemas ecológicos que ameaçam a saúde do<br />

ecossistema planetário. Inclui exemplos tais como a desertificação, o desmatamento, a perda de<br />

biodiversidade, a contaminação tóxica dos oceanos, a diminuição da vida marinha e uma crescente<br />

crise de água e alimentar. Tomados coletivamente, podem se caracterizar como um colapso<br />

potencialmente catastrófico dos ecossistemas que têm sustentado e preservado a vida de muitas<br />

espécies no planeta, inclusive a civilização humana.<br />

Pobreza, desigualdade e desenvolvimento<br />

Os impactos mais dramáticos da mudança climática afetarão provavelmente os grupos de pessoas<br />

mais pobres e vulneráveis. As últimas décadas têm visto um aumento da desigualdade na renda e do<br />

consumo entre (e dentro) dos países, o que se pode caracterizar como a disparidade entre o Norte e o<br />

Sul Global. O modelo de desenvolvimento técnico-econômico atual não é sustentável nem desejável<br />

para o futuro. Por isso, o ICAE continua exigindo a concretização de um novo paradigma de<br />

desenvolvimento que equilibre as dimensões econômica, ambiental, social e cultural da vida<br />

comunitária. É importante destacar que, além de aumentar as oportunidades de desenvolvimento e de<br />

apoio para o Sul Global, esse marco também vai requerer mudanças nos padrões de produção e<br />

consumo nos países do Norte.<br />

Gênero e mudança climática<br />

Os efeitos da mudança climática não são imparciais em matéria de gênero. No hemisfério Sul, desde<br />

as taxas de mortalidade relacionadas com catástrofes até a segurança alimentar, o abastecimento da<br />

água e o cuidado informal da saúde, as mulheres sofrerão os efeitos da mudança climática de forma<br />

desproporcional em relação aos homens. Vão dispor de menos tempo e energia para participar em<br />

atividades comunitárias, em desempenhar papéis de tomada de decisão, em geração de renda ou para<br />

dedicar-se à saúde e à educação de seus filhos. Existe uma grave preocupação de que a mudança<br />

climática agrave essas desvantagens e dificulte o movimento de mulher de chegar à liderança e a<br />

postos onde possa tomar decisões.<br />

Entretanto, as mulheres não devem ser vistas como vítimas passivas, mas sim como líderes na<br />

orquestração do tipo de mudanças integrais necessárias para abordar as causas subjacentes da<br />

mudança climática e da destruição do meio ambiente. Em muitos casos, a participação das mulheres<br />

em papéis de liderança e de tomada de decisões se vê limitada por fatores sociais e culturais que não<br />

servem aos interesses da comunidade coletiva. As crises ecológicas são, portanto, uma oportunidade<br />

para a transformação na participação das mulheres e na inserção de perspectivas de integração de<br />

gênero no discurso público e na formulação de políticas.<br />

A oportunidade 2012: Mudança de sistema na mudança climática<br />

A mudança climática nada mais é que um sintoma de múltiplas crises, inclusive as econômicas e<br />

políticas, que podem ser caracterizadas coletivamente como uma crise de civilização. Essas crises<br />

requerem o surgimento de uma nova arquitetura sistêmica em diversos campos da atividade humana,<br />

inclusive na governança, na economia, na organização social e nas visões do mundo cultural. As<br />

possibilidades de transformação da educação desempenharão um papel fundamental na evolução<br />

desses campos. O novo sistema deve colocar a sustentabilidade social e ambiental no centro das<br />

aspirações coletivas e demandará mudanças em nossa forma de pensar, em nossas condutas e<br />

arraigadas relações de gênero. Esse sistema emergente também demandará novas metodologias de<br />

comunicação, organização e governança.


Nova aprendizagem para um novo mundo<br />

Como educadores, temos a responsabilidade de desenvolver uma pedagogia que nutra o novo sistema<br />

através das habilidades e dos valores que transmitir, uma educação que valorize o diálogo, a<br />

participação e a aprendizagem através da prática. No desenvolvimento dessa pedagogia podemos<br />

aproveitar muitas das ricas e diversas tradições de aprendizagem de todo o mundo. É provável que<br />

este tipo de pedagogia que apoiamos aconteça quando homens e mulheres compartilhem a esfera de<br />

produção e reprodução da vida; as comunidades comecem a desenvolver sistemas cooperativos; as<br />

famílias modifiquem seus hábitos alimentares; meninos e meninas aprendam a organizar suas vidas<br />

em uma perspectiva de um futuro sustentável; acadêmicos e povos tradicionais troquem<br />

conhecimentos e aprendizagens; indivíduos e comunidades pratiquem uma economia solidária,<br />

novos enfoques conceituais desmistifiquem sistemas globais e políticos conservadores; que sejam<br />

revisadas ciências e tecnologias modernas de acordo com sua sustentabilidade; que cidadãos locais<br />

que se considerarem parte da comunidade e da vida elaborem leis e tratem de utilizar recursos e<br />

soluções locais para problemas locais; que se multipliquem os acordos de paz como parte do viver<br />

bem; que a gestão territorial e ambiental seja participativa e transcenda os limites geopolíticos.<br />

A aprendizagem é um processo de desenvolvimento que pode continuar durante o ciclo de vida e<br />

como consequência, a sustentabilidade não pode ser abordada como um tema à parte, mas deve ser<br />

incorporada às práticas de aprendizagem ao longo de toda a vida. Além de uma boa prática<br />

institucional, essa aprendizagem também deve acontecer fora do sistema escolar formal, em casa, no<br />

local de trabalho e em outros âmbitos comunitários.<br />

Capital, mercados, tecnologia, desenvolvimento sustentável e a economia verde.<br />

A Cúpula da Terra de 1992 no Rio de Janeiro introduziu a expressão “desenvolvimento sustentável”<br />

ao léxico estabelecido. No entanto, apesar de alguns notáveis exemplos de boas práticas, as últimas<br />

duas décadas têm visto uma piora global da situação ecológica. Por isso, o ICAE observa a nova<br />

expressão de Economia Verde com um otimismo prudente. Otimismo ante a perspectiva do<br />

reconhecimento de que o sistema econômico mundial necessita um enverdecimento em escala<br />

global, e que o bem-estar social e ecológico deve ser tecido dentro da estrutura da atividade<br />

econômica cotidiana. Precaução ante a perspectiva de que outra palavra de moda se filtre através dos<br />

canais de comercialização de negócios como de costume, e que os mecanismos "inovadores" de<br />

mercado e as soluciones tecnológicas continuem, em última instância, com as mesmas práticas<br />

insustentáveis e injustas.<br />

Uma verdadeira economia verde demandaria o livre acesso às tecnologias intensivas do<br />

conhecimento orientadas à restauração dos sistemas naturais, transições nos estilos de vida do<br />

consumidor, investimento público maciço em tecnologias verdes; e abordar as contradições entre<br />

diversas políticas da Organização Mundial do Comércio e os acordos ambientais multilaterais.<br />

Também devemos reconhecer que a discussão de um novo paradigma civilizatório pode afrontar<br />

muitas pessoas, e que alguns dos interesses mais poderosos da industria no mundo trabalham<br />

ativamente contra a ação, apesar da esmagadora evidência dos perigos da mudança climática.<br />

4 de novembro de 2011<br />

(*) Esta é a versão resumida de um documento mais extenso preparado pelo consultor Independiente Julian Waters-<br />

Lynch como resumo das posições chaves dos membros do ICAE baseado nas discussões do seminário virtual e nos<br />

resultados da Assembléia Mundial do ICAE. Este documento está destinado a ser una das contribuições do ICAE para<br />

as atividades que precedem a conferência das Nações Unidas de 2012, Rio +20.<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [20] Gabriele Merz<br />

O paradigma do cuidado e a sustentabilidade da vida na economia feminista<br />

Gabriele Merz, REPEM<br />

Grupo de Trabalho Latino-americano (GTL) do Programa Educação, Gênero e Economia *<br />

A sustentabilidade da vida – humana, social e ecológica – é o maior desafio que temos como<br />

humanidade, para que esta e as futuras gerações, mulheres e homens, possam sobreviver e conviver<br />

em paz, com direitos iguais, com justiça social e de gênero. A economia feminista nos anima com<br />

um novo paradigma de desenvolvimento centrado no cuidado e na sustentabilidade da vida.<br />

Na Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e do Caribe (REPEM)<br />

intercambiamos leituras, reflexões e propostas através dos seminários virtuais, e um presencial, em<br />

torno das diversas correntes da economia feminista(1), com o objetivo de revisar e renovar nossos<br />

enfoques teórico-conceituais, nossas estratégias e nossas práticas educativas como rede de<br />

organizações de mulheres e feministas que acompanham mulheres empreendedoras em projetos de<br />

geração de renda, mulheres operárias, indígenas, de zonas rurais e donas de casa em diversos<br />

processos formativos.<br />

Um dos marcos interpretativos discutidos nesses seminários foi a perspectiva do cuidado e da<br />

sustentabilidade da vida da economia feminista, baseada em textos de Jeanine Anderson, Cristina<br />

Carrasco e Ana Felicia Torres(2).<br />

No centro desta perspectiva estão o cuidado e o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres, a<br />

dependência humana e os processos de reprodução e manutenção da vida, propondo análises que<br />

partem da experiência das mulheres e incluem o conjunto de relações sociais que garantem a<br />

satisfação das necessidades das pessoas. Esta concepção significa uma crítica aos “modelos teóricos<br />

elaborados a partir da economia que se centraram exclusivamente na economia de mercado” (C.<br />

Carrasco, p. 169), desmontando as visões bipolares de: mercado-não mercado, econômico-social,<br />

trabalho pago-não pago que excluem “os processos de vida das pessoas e o trabalho das mulheres”<br />

(C. Carrasco, op. cit.).<br />

O cuidado e o trabalho de cuidado são aspectos fundamentais neste marco interpretativo, considerado<br />

parte substantiva nos processos de reprodução e manutenção da vida e do bem-estar humano.<br />

Referem-se ao conjunto de necessidades, materiais e imateriais, objetivas e subjetivas, de mulheres e<br />

homens, que há que satisfazer. Segundo Cristina Carrasco, “o cuidado começou a emergir como um<br />

aspecto central dos afazeres domésticos: além de alimentar-nos e vestir-nos, proteger-nos do frio e<br />

das doenças, estudar e educar-nos, também necessitamos carinho e cuidados, aprender a estabelecer<br />

relações e viver em comunidade” (C. Carrasco, p. 177). A autora argumenta que essa atividade, é que<br />

deveria servir de referência e não o trabalho realizado no mercado.<br />

A perspectiva do cuidado leva a economia feminista a questionar a noção de dependência que é<br />

utilizada em relação com as crianças ou com pessoas doentes, anciãs ou com alguma deficiência. Na<br />

perspectiva do cuidado se afirma que a dependência não é algo específico de determinados grupos da<br />

população; é intrínseca à condição humana: “todos e todas somos dependentes e necessitamos<br />

cuidados, embora, naturalmente, com diferentes características segundo o momento do ciclo vital;<br />

satisfazer uma necessidade requerida por uma dependência significa, de fato, realizar cuidados” (C.<br />

Carrasco, p. 178).


Este olhar da economia, da satisfação das dependências e o trabalho de cuidado como elementos<br />

centrais da reprodução e da manutenção da vida definem o conceito de sustentabilidade da vida,<br />

constituindo, segundo a autora, “uma base teórica sobre a qual há que exigir que a sociedade em seu<br />

conjunto dê resposta” (C. Carrasco, p. 183). A sustentabilidade da vida se refere a “um processo<br />

complexo, dinâmico e multidimensional de satisfação de necessidades em contínua adaptação das<br />

identidades individuais e das relações sociais (...) que requerem recursos materiais, mas também de<br />

contextos e relações de cuidado e afeto (...) um conceito que permite dar conta da profunda relação<br />

entre o aspecto econômico e o social (...) e que expõe como prioridade as condições de vida das<br />

pessoas, mulheres e homens” (C. Carrasco, p. 183). Conceito, ademais, intimamente ligado à<br />

sustentabilidade social e ecológica.<br />

O Seminário, do qual fazemos este breve resumo da perspectiva do cuidado e da sustentabilidade da<br />

vida da economia feminista, aportou-nos importantes reflexões e propostas e também interrogações.<br />

Aqui apontamos algumas.<br />

O trabalho doméstico e de cuidados é parte substantiva da economia e das condições de vida de<br />

mulheres e homens de todas as idades, ou seja, de toda a sociedade, porém realizados em grande<br />

parte pelas mulheres e assumidos por elas como sua responsabilidade, e que foram impostos por<br />

normas culturais e sociais e integradas ao sistema patriarcal e aos modelos econômicos dominantes<br />

como trabalho invisível e sem valor econômico e social.<br />

No contexto das atuais crises: econômica, financeira, alimentar e ambiental, e a acelerada<br />

deterioração das condiciones de vida, as necessidades de cuidados vão aumentando, afetando as<br />

mulheres com mais trabalho no mercado e em casa, precarização do trabalho, mais problemas e<br />

violências de todo tipo. Esta responsabilidade das mulheres é uma das chaves da desigualdade entre<br />

mulheres e homens, da desigualdade entre as próprias mulheres, e é uma das principais fontes da<br />

pobreza específica das mulheres.<br />

Não obstante, longos anos de lutas feministas e das mulheres pelo direito de exercer nossos direitos,<br />

o trabalho doméstico e de cuidados realizados pelas mulheres continuam sendo uma dimensão da<br />

vida não valorizada pela sociedade, e não há respostas sociais que conduzam à justiça e à equidade.<br />

Os atuais debates sobre a economia e a crise se esquecem desta parte importante do bem-estar<br />

humano.<br />

“O trabalho das mulheres, no mercado, nos seus lares e nas comunidades, não levou a menos<br />

problema e melhores condições de vida. Depois de 15 anos da IV Conferencia Mundial sobre a<br />

Mulher, as mulheres, em geral, reduzimos nossa ‘pobreza de voz’. Entretanto, isso não incidiu em<br />

uma redução substantiva e com justiça de nossa pobreza de recursos e de nossa pobreza de<br />

oportunidades” (A.F. Torres, p. 2).<br />

A crise dos cuidados afeta sobretudo as mulheres pobres. Não só aumenta o tempo e as energias<br />

requeridas em casa e nas comunidades, mas cada vez mais as mulheres têm menos tempo e energia<br />

para cuidar de si mesmas. O conflito e a contradição são cada vez mais fortes entre os diferentes<br />

cuidados: cuidar de nós mesmas e cuidar de outros e outras, satisfazer as necessidades e aspirações<br />

próprias das mulheres, da família, do trabalho remunerado e da gestão comunitária; afeta as mulheres<br />

que se trasladam dentro e entre países para cuidar de outros e outras – as “cadeias mundiais de<br />

cuidados”, sem qualquer proteção legal, deixando em seus lugares de origem outras mulheres a cargo<br />

do cuidado.<br />

A dimensão ecológica da perspectiva que cruza a sustentabilidade da vida humana e social exige<br />

outro modelo de sociedade e de desenvolvimento. A co-responsabilidade social dos afazeres<br />

domésticos e de cuidado (mulheres e homens nos seus lares, na comunidade, no Estado, no setor


privado, nas associações) que relacione a economia com o cuidado da vida em todas suas esferas, e a<br />

formulação de políticas públicas em uma perspectiva de justiça, igualdade e inclusão das mulheres<br />

no desenvolvimento.<br />

Cremos ser fundamental que se incorpore na discussão de novos paradigmas de desenvolvimento as<br />

dimensões do cuidado (3) e da sustentabilidade da vida em uma perspectiva feminista. Atualmente,<br />

os debates sobre as diversas crises que afetam o mundo e a humanidade continuam sendo<br />

centralizados exclusivamente na economia de mercado, levando a aguçar a crise dos cuidados que<br />

hoje em dia continua sendo trabalho quase exclusivo das mulheres, especialmente das mulheres mais<br />

pobres, sem reconhecimento econômico, político, social e cultural.<br />

Textos apresentados no “Segundo Seminário <strong>Virtual</strong> “Gênero, Economia, Feminismo e<br />

Desenvolvimento”, desenvolvido pela REPEM entre 17 de outubro e 4 de novembro de 2011.<br />

• Anderson, Jeanine - Crisis de Cuidados y Cadenas de Cuidados. Trabalho apresentado para o<br />

Seminário.<br />

• Carrasco, Cristina. “Mujeres, Sostenibilidad e Deuda Social”. Artigo publicado na “Revista<br />

de Educación”, Número Extraordinário 2009, pp. 169-191.<br />

• Torres, Ana Felicia. “Formación Política de Mujeres en Mesoamérica ¿Para el mercado o<br />

desde el cuidado?”. Trabalho apresentado para o Seminário.<br />

Recomendam-se os artigos de: Bosch, Anna; Carrasco, Cristina; e Grau, Elena (2004), “Verde que te<br />

quiero violeta. Encuentros e desencuentros entre feminismo e ecologismo”, IX Jornadas de<br />

Economia Crítica, disponível em http://www.ucm.es/info/ec/jec9/index.htm [2004, 27 de março].<br />

* Contribuição realizada a partir das leituras e reflexões do Segundo Seminário <strong>Virtual</strong> “Gênero,<br />

Economia, Feminismo e Desenvolvimento” realizado pela REPEM entre 17 de outubro e 4 de<br />

novembro de 2011.<br />

(1) Os seminários fazem parte do Programa Educação, Gênero e Economia da REPEM, cujo objetivo é “aportar à<br />

construção de nova proposta de desenvolvimento para as mulheres, baseada na justiça, na equidade de gênero e<br />

social, através de diversos processos de formação, de produção e sistematização de saberes e incidência<br />

política”.<br />

(2) As referências se encontram no final deste texto.<br />

(3) As referências se encontram no final deste texto. Dimensões que abarcam o aspecto econômico e material,<br />

político, cultural, ético e moral, segundo o texto de Jeanine Anderson para o Seminário.<br />

********<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [21] Síntesis/Synthesis/Synthèse/Síntese<br />

Síntese do Segundo Módulo<br />

<strong>Rio+20</strong> como oportunidade para aprofundar novos paradigmas”<br />

Por Jorge Osorio<br />

1. As transformações globais e de época que identificamos nos obrigam a repensar as formas de<br />

conhecer a realidade individual e coletivamente para gerar condições de uma nova sociedade<br />

justa e integralmente sustentável, bem como de uma cultura de respeito e convivência na<br />

Casa Comum que é o planeta.


2. Esses novos paradigmas não só devem ser mapas para que possamos mover-nos nos novos<br />

contextos, mas também textos de conteúdo, conseqüentes com as finalidades que buscamos<br />

como movimento cidadão de educadores e educadoras. Podemos assinalar que na atualidade<br />

estamos sendo partícipes de uma disputa de paradigmas. E por esta razão, urge potencializar<br />

as redes que sistematizam o saber dos movimentos sociais e as práticas das quais emergem os<br />

sinais das novas formas de entender o sentido do humano e da civilização.<br />

3. Predomina como sentido técnico e político das agencias multilaterais e de muitos governos<br />

ocidentais que promovem uma mudança modernizadora, uma agenda que se sustenta em<br />

objetivos de governabilidade global, cujos componentes são: estabilidade macroeconômica,<br />

segurança e transparência financeira, legitimidade dos sistemas políticos, modernização do<br />

Estado, “desenvolvimento com cuidado do meio ambiente”, economia verde de mercado e<br />

ampliação dos procedimentos de participação cidadã no marco democrático existente.<br />

4. Em uma segunda agenda “progressista”, proposta a partir de uma visão de “gestão global ”<br />

de uma “sociedade de risco”, acentuam-se outras dimensões substantivas dos processos de<br />

transformação que, de maneira mais sofisticada nos oferecem uma mirada mais crítica das<br />

“agendas modernizadoras” , aproximando-se de um olhar de mais longo prazo e de maior<br />

compromisso com o futuro del planeta. Nesta agenda têm mais relevância as consequências<br />

dos processos de globalização cultural e os impacto do capitalismo tecno-neoliberal no meio<br />

ambiente, assim como as consequências da chamada “sociedade do conhecimento” nos<br />

planos de democratização dos países e de suas respectivas políticas sociais e educacionais.<br />

Alguns dos eixos mais importantes desta agenda são: os requerimentos e competências<br />

demandadas pelos processos de reconversão industrial e de deslocalização das atividades<br />

produtivas; o desenvolvimento da alfabetização tecnológica e da formação permanente para<br />

satisfazer as necessidades dos sistemas produtivos; a geração de capital social como pilar das<br />

políticas de desenvolvimento comunitário; o desenvolvimento de procedimentos<br />

participativos nos sistemas democráticos para assegurar coesão social e a legitimidade do<br />

regime político; a valorização da diversidade de sujeitos sociais e suas demandas de inclusão<br />

e não-discriminação, modernizando os marcos legais relacionados com os direitos humanos à<br />

diferença , em particular os relacionados aos âmbitos de gênero e etnia; a geração de um<br />

consenso acerca de que o Estado tem o papel de garantir “mínimos” de satisfação no<br />

repertório dos direitos sociais e econômicos, e entre outros, não menos importantes, os<br />

processos de integração regional e supra regional para potencializar a cooperação no tema da<br />

mudança climática.<br />

5. Ambas as agendas não colocam em questão as bases do modelo de produção, consumo e<br />

ordenamento financeiro dominante, como tampouco são propostas a partir de lógicas capazes<br />

de desmontar não só um modelo econômico, mas de propor uma agenda de transformação<br />

bio-poli-civilizatória, que encaminhe os humanos e humanas a “outra-maneira-de-viver-econviver”.<br />

Neste seminário virtual identificou-se esta nova busca com expressões como<br />

”bom viver”, “cidadania”, “sustentabilidade integral”… Em todas as contribuições se afirmou<br />

que no caminho à <strong>Rio+20</strong> não é possível deixar de aprofundar temas tão cruciais como:<br />

- As novas subjetividades e suas formas de expressão, de circulação de mensagens, de<br />

produção de saberes e de constituição de capital e poder cidadão<br />

- O desenvolvimento de espaços públicos nos quais se expanda o poder de contestação e<br />

criatividade dos “novos paradigmas” alternativos e críticos, gerando, a partir deles,<br />

itinerários de formação e de construção de capacidades para novos tipos de ação coletiva<br />

- A instalação de uma teoria política que redimensione a democracia como um espaço<br />

humano deliberativo, de proximidade, igualitário em suas relações de gênero e


despatriarcalizado, fecundado pela prática do reconhecimento, da reciprocidade e do<br />

respeito às diversas formas de ser-com-outros-e-outras, de viver a sexualidade e de<br />

habitar o “mundo da vida”<br />

- A criação de movimentos, redes e instituições educativas que potencializem as<br />

capacidades e o capital cognitivo, afetivo e cívico das sociedades, que outorguem a<br />

textura a esta nova maneira de conviver democraticamente<br />

6. Através das contribuições de nosso Seminário e de outras redes que sintonizam em suas<br />

propostas preparatórias à <strong>Rio+20</strong>, podemos identificar algumas chaves deste (ou destes)<br />

novo(s) paradigma(s):<br />

- Entender os processos sociais e humanos a partir de uma ótica de complexidade. Ver que<br />

neles concorrem diversas matrizes de necessidades humanas, o desenvolvimento de<br />

capacidades tanto cognitivas, como afetivas, organizativas, con-vivenciais e de<br />

“cuidado”, e um repertório amplo de formas de organizar as ações coletivas<br />

- Potencializar o valor da “palavra” e da linguagem própria e dos saberes locais em todas as<br />

suas manifestações, como expressão de identidade do humano e veículo de socialização e<br />

de reconhecimento dos outros e outras<br />

- Conceber a política como uma corrente de vida que se expressa em redes sociais e em<br />

lideranças democráticas e inclusivas, e de cujo desenvolvimento surgem saberes que se<br />

distribuem socialmente e constituem o poder cidadão (polis+poesis)<br />

- Sustentar a habitabilidade humana e sua conexão planetária a partir de uma cultura do<br />

Cuidado, que em sua dimensão de ética pública redimensiona a “ética moderna da<br />

justiça”, que se centra no âmbito político do Governo e de suas relaciones com os<br />

cidadãos e cidadãs, convergindo ambas para uma ética de “cidadania” e de “concidadania”<br />

que integre as éticas da polis com a do “mundo da vida”<br />

- Do ponto de vista desta ética, a política é não só um atributo social-mediador dos<br />

humanos e humanas. Mas sim a capacidade de criar um espaço de proximidade, de<br />

reciprocidades, de resolução de conflitos, de justiça reparadora, de comunicabilidade e de<br />

resistência à indolência ante o sofrimento humano e a crise planetária.<br />

7. A rota de nosso Seminário nos leva propor agora o papel da sociedade civil, de seus<br />

movimentos e em particular dos movimentos de educadores e educadoras para identificar<br />

suas possibilidades e potencialidades pedagógicas, culturais e políticas nas condiciones atuais<br />

da(s) mudança(s) societária(s) e planetária(s). Do que foi sustentado algumas manifestações<br />

vão se manifestando com caráter reitor. A ação dos nossos movimentos se projeta:<br />

- Potencializando as “correntes de vida” visíveis e fazendo emergir os saberes hoje<br />

subordinados e cuja sabedoria merece ser socializada para a ampliação dos modos de<br />

entender o bem-viver<br />

- Gerando e socializando os saberes que se produzem nas práticas de educação democrática<br />

de todas as regiões do mundo, avançando assim para uma “Paidéia” global pluricultural e<br />

linguística<br />

- Globalizando as aprendizagens e o poder dos educadores e educadoras dos novos<br />

paradigmas da bio-poli-civilização, ou seja, educação de base que permita gerar uma<br />

“pedagogia da justiça e do cuidado”<br />

- Valorizando a dimensão local do cuidado da Vida e do papel que nela desempenham a<br />

eco-educação e com isso propiciar novas formas de habitabilidade humana e de<br />

sustentação planetária da Vida<br />

- Associando suas ações coletivas aos processos globais de contestação e acumulação<br />

cidadã de poder, de distribuição social dos saberes necessários para promover um “giro<br />

paradigmático” na solução dos problemas globais, dos riscos planetários e dos medos


sociais, através da prática de um comunitarismo ativo, em todos os níveis da sociedade,<br />

que faça da “indignação” e do “altermundismo” uma corrente crítica e criativa ao mesmo<br />

tempo.<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [22] Comentario/Commentaire/Comment<br />

******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [23] Jose Roberto 'Robbie' Guevara<br />

Terceiro Módulo “Movimento de educação y o Movimento da Sociedade Civil”<br />

Com quem deveríamos aprender?<br />

Por José Roberto ‘Robbie’ Guevara (*)<br />

A natureza da crise, conforme descreveram os autores anteriores nesta conversação é complexa.<br />

Embora a crise seja descrita freqüentemente em termos de causas econômicas e de impactos,<br />

sabemos que tem causas ambientais, sociais, culturais e políticas, e também impactos. Mesmo que<br />

freqüentemente seja descrita como uma crise global, nós a sentimos em todos os níveis: regional,<br />

nacional e local, porém muito especialmente no âmbito doméstico. Ainda que seja descrita<br />

freqüentemente como um problema com raízes históricas que tem assolado há muito tempo nossa<br />

civilização, temos que encontrar uma solução imediata que seja sustentável para as gerações futuras.<br />

Uma crise tão complexa é apenas um sintoma de uma crise educativa<br />

Já em 1971, Ivan Illich(1) identificou a necessidade de uma "revolução cultural" para tornar a<br />

examinar e questionar o que descreveu como ênfase na “escolarização” que perpetua uma sociedade<br />

onde o desenvolvimento é medido em termos de produção e lucros, e onde a qualidade de vida é<br />

medida pela capacidade de consumir de cada um. No entanto, transcorridos vários anos, a desejada<br />

transformação não se produziu; de fato, a própria “escolarização” que Illich descreveu só se<br />

intensificou.<br />

Em 1995, Neil Postman(2) afirmou que a educação contemporânea continuou centrando-se em<br />

conhecimentos mecânicos, que com freqüência se baseiam em descobrir a próxima inovação<br />

tecnológica para consertar o problema que a tecnologia anterior criou; com ênfase no<br />

desenvolvimento de habilidades que preparam as pessoas para o emprego e fomentam atitudes que<br />

valorizam as próprias capacidades para acumular riquezas e posses.<br />

O que sabemos da mudança que se necessita?<br />

Já não basta uma solução e uma explicação material única. Já não é adequado um slogan como<br />

“pense global, atue local". Já pode não ser suficiente aprender lições do passado para assegurar um<br />

futuro mais brilhante.<br />

Como educadores, podemos encontrar elementos do que estamos vendo no que Matthias Finger e<br />

Jose Manuel Asun(3) chamaram de “learning our way out”; um processo de aprendizagem que tem


como objetivo chegar a comunidades social e ecologicamente sustentáveis, mediante a vinculação da<br />

consciência e da resistência desde o princípio.<br />

Entretanto, a natureza abrangente da crise deu como resultado a expansão dos locais tradicionais de<br />

resistência. Muitos dos movimentos da sociedade civil que presenciamos recentemente, como o<br />

movimento Ocupar cuja tendência foi ser uma resistência localizada com presença global, e o<br />

ativismo baseado em temas que se uniu às exigências mais amplas de transformação social.<br />

Como educadores, dentro de nossas respectivas organizações da sociedade civil e movimentos para<br />

transformar, o desafio consiste em identificar, dentro dessa complexidade, por onde começar. Paulo<br />

Freire advogou por começar no “aqui e agora” (4) que descreveu como “a situação em que [as<br />

pessoas] se encontram submergidas, da qual emergem, e na qual intervêm.” (5)<br />

Somos conscientes de que se queremos realmente "aprender nossa forma de sair" desta crise, o<br />

sistema de educação formal tem que mudar. Essa mudança implica que o sistema de educação formal<br />

se abra cada vez mais a outras formas de conhecimento, como a sabedoria indígena e local; também<br />

significa aceitar um repertório mais amplo de habilidades para a vida, relevantes para o contexto de<br />

transformação dinâmica; além disso significa estar disposto a desafiar os valores individualistas e<br />

consumistas dominantes tendendo para o que Sergio Haddad(6) chamou de um paradigma do<br />

cuidado.<br />

Recentemente estamos trabalhando pela mudança, tanto dentro como fora do sistema educativo<br />

formal. O próprio Freire identificou esta tensão há alguns anos atrás, quando em uma conversação<br />

com Ira Shor(7) disse que “às vezes as pessoas caem em posições sectárias e dizem que não<br />

deveríamos ter nada a ver com professores e professoras que trabalham apenas dentro das escolas.<br />

Um pensamento sectário... de que os ativistas só devem trabalhar fora das escolas.” Freire disse:<br />

“Não. Os educadores dentro das escolas fazem um trabalho importante e devem ser respeitados por<br />

sua contribuição à transformação social.”<br />

Cabe destacar que como movimento de educação, abraçamos a necessidade de ampliar nossos locais<br />

de aprendizagem e ação. Já não trabalhamos exclusivamente nas margens. Já não “pregamos para os<br />

convertidos”.<br />

Paulo Freire argumentou que é importante que também aprendamos "como não trabalhar sozinhos,<br />

como conhecer os demais, como estabelecer relações para que possamos... fazer melhor a<br />

transformação” (8)<br />

Portanto, a pergunta que faço aos educadores dentro de nosso movimento para a mudança é - se<br />

vamos desenvolver uma compreensão integral que nos permitirá responder com urgência à<br />

crise: com quem deveríamos aprender?<br />

Interessa-me escutar sobre associações de aprendizagem não tradicional que formaram indivíduos,<br />

organizações e movimentos sociais para avançar em nossa luta pela transformação verdadeira e<br />

sustentável.<br />

(*)Vice-presidente (Ásia): Conselho Internacional de Educação de Pessoas Adultas (ICAE)<br />

Presidente:Associação de Educação Básica e de Adultos do Pacífico Sul e Ásia (ASPBAE)<br />

(1)Ivan D. Illich, DeSchooling Society. (Londres: Calder & Boyars, 1971)<br />

(2)Neil Postman, El Fin de la Educación: Redefinir el valor de la escuela. (Nueva York: Alfred A Knopf, Inc., 1995)<br />

(3)Matthias Finger e Jose Manuel Asun, Adult Education at the Crossroads: Learning Our Way Out. (Londres: Zed<br />

Books. 2001)<br />

(4)Paulo Freire, Pedagogía del oprimido.. (Nueva York: The Continuum Publishing Corporation, 1993), p.66.


(5)Freire, Pedagogía del Oprimido, p.66.<br />

(6)Sergio Hadad (2011) La Educación en un mundo en crisis: Limitaciones e posibilidades hacia Río+20. Intercambio<br />

virtual del ICAE<br />

(7)Ira Shor, uma pedagogía para a liberación. (Massachusetts: Bergin & Garvey Publishers, Inc, 1987) p 131.<br />

(8)Shor, uma pedagogía para la liberación. p 131.<br />

*******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [24] Malick SY<br />

Movimento de educação e Movimento da Sociedade Civil<br />

Por Malick SY<br />

Confederação Nacional de Trabalhadores do Senegal (CNTS)<br />

O mundo está vivendo a crise mais grave de sua história bem diante de nossos olhos. Nenhum setor<br />

se salva. Trata-se de uma crise multidimensional, econômica, social, alimentar, ambiental, financeira,<br />

energética, política, etc. O sistema capitalista neoliberal dominante está cambaleando e luta para<br />

sobreviver.<br />

Os povos aos quais, sem nenhuma consideração, queremos fazer suportar o peso mais pesado dessa<br />

crise resistem, e passam à ofensiva para dizer não a este sistema que ameaça a vida na terra. Os<br />

números apavorantes (desemprego e dispensas em massa, custo de vida insuportável, estado<br />

deplorável do meio ambiente, racismo exacerbado...); crise do sistema capitalista, fracasso do<br />

neoliberalismo, crise de civilização. Os documentos: “Chamado para participar” e “Reinventemos o<br />

mundo” descrevem bem a situação atual.(*) Podemos selecionar, entre outros, dois elementos:<br />

• “A indignação ante as desigualdades e as injustiças políticas e sociais parecem ser um<br />

denominador comum na maioria desses movimentos populares que questionam o “sistema” ou os<br />

“poderes” instalados, opondo-se à destrutividade, à passividade e à inércia de décadas de política<br />

neoliberal. Os povos se puseram em marcha.<br />

• “Um desafio se impõe: é necessário reinventar o mundo.”<br />

Mas a reinvenção do mundo não virá de nossos dirigentes atuais, nutridos com a seiva capitalista,<br />

veteranos defensores das políticas neoliberais.<br />

Reinventar o mundo é ver as possibilidades que podem aportar o movimento de educação e o<br />

movimento da sociedade civil. Apresentamos aqui algumas idéias a serem consideradas:<br />

1/ O movimento da sociedade civil tem demonstrado ser um verdadeiro espaço de debate, de<br />

propostas de alternativas populares e democráticas, já convencido de que "outro mundo é possível".<br />

Neste sentido, o papel que desempenhou e continua desempenhando junto aos povos nos diferentes<br />

âmbitos da vida (direitos humanos, justiça, economia, desenvolvimento, gênero, segurança,<br />

educação, meio ambiente, cultura...) não é de se desprezar. Reconheçamos: a sociedade civil se<br />

converteu em uma “força” inevitável apesar das limitações e/ou fraquezas na sistematização de suas<br />

missões, suas formas de intervenção ou de organização que é útil aprofundar.<br />

Na execução das missões da sociedade civil, o movimento de educação, que forma parte dela,<br />

contribui de maneira significativa.<br />

2/ O movimento da educação intervém em um dos campos mais complexos, em cuja base se<br />

encontram os conhecimentos. É conveniente, pois, participar ativamente em uma educação de<br />

qualidade à qual o maior número possível de pessoas possa ter acesso. Portanto, é preciso trabalhar<br />

para defender a escola pública. As organizações de educadores devem estar na vanguarda desta luta<br />

através da participação ativa na elaboração, implementação de políticas educativas, formais ou


informais. Ao desempenhar este papel, participam no fato do povo se apropriar do conhecimento e<br />

da experiência. Na realidade, a aquisição de conhecimento permite que as pessoas entendam<br />

realmente seu entorno, inscrevendo-se em una perspectiva de ruptura com o sistema que os explora e<br />

oprime, e se tornem verdadeiras autoras de seu desenvolvimento. Será um desenvolvimento a<br />

serviço do ser humano liberado da mecanização, do automatismo emburrecedor, da miséria material<br />

e moral.<br />

3/ Devemos identificar os requisitos<br />

• O movimento da educação, junto com a sociedade civil em geral trabalhará para fortalecer<br />

sua unidade visando uma intervenção coerente, para alcançar seu objetivo na defesa dessa<br />

escola de qualidade a serviço do público.<br />

• Deverá aprofundar a crítica desse desenvolvimento humano cujo lema é crescimento e lucro<br />

e que marginaliza a imensa maioria das pessoas, especialmente as mulheres.<br />

• A elaboração de alternativas populares baseadas em outros modelos de produção e<br />

distribuição da riqueza, de exploração da natureza, rompendo com a lógica da acumulação<br />

capitalista e de destruição do meio ambiente também deve ser uma preocupação importante<br />

do movimento de educação.<br />

• Este novo modelo será baseado no direito de expressão, de livre circulação, à educação, ao<br />

trabalho decente, na questão de gênero, na solidariedade, no desenvolvimento da juventude,<br />

na luta contra as divisões raciais, culturais e religiosas. Uma sociedade não pode prosperar se<br />

não forem consideradas essas problemáticas e uns “ensinarem” a outras e outros. Este<br />

conteúdo alternativo para una sociedade nova mostrará então todos os limites da<br />

mercantilização da vida, da privatização da máquina e dos bens comuns e criará assim uma<br />

verdadeira esperança das pessoas por “um mundo em que valha a pena viver”.<br />

• Quanto aos meios a serem utilizados, as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação<br />

(NTIC) são um verdadeiro instrumento por sua velocidade e pela quantidade de pessoas a que<br />

podem chegar ao mesmo tempo. São meios extraordinários de difusão de informação e<br />

também oferecem possibilidades reais de organização. Um exemplo claro nos foi dado pelo<br />

que chamamos de “primavera árabe”.<br />

• Temos outros meios de comunicação ao nosso alcance para essa intervenção: folhetos,<br />

documentários...<br />

• Criar espaços de convergência, redes para enriquecer a reflexão e a ação entre as diferentes<br />

estruturas que se preocupam constantemente por promover uma educação que liberte a<br />

humanidade, é outro requisito. Advocacy e lobby serão instrumentos de nossa ambição.<br />

O mundo para ser reinventado é "um mundo em que valha a pena viver, que necessita experiências<br />

de aprendizagem de alta qualidade, educadores qualificados com melhores condições de trabalho,<br />

que se inspirem nas ricas práticas ao redor do mundo, incluindo a educação popular, feminista e a<br />

educação para a transformação”. (Cf.: Declaração final da VIII Assembléia Mundial do ICAE,<br />

Malmö, 15/16 de junho de 2011).<br />

O movimento de educação e o movimento da sociedade civil, em sua articulação, contribuem<br />

enormemente para isso.<br />

(*)http://rio20.net/pt-br/iniciativas/forum-social-tematico-crise-capitalista-justica-social-e-ambiental-2<br />

********


[<strong>Rio+20</strong>education] [25] Graciela Rubio<br />

Indignação estudantil no Chile: movimento social para a mudança educacional e<br />

de aprendizagem democrática<br />

Por Graciela Rubio (*)<br />

A atual hegemonia de condições neoliberal globalizadoras caracterizada pela polarização através da<br />

concentração do poder econômico (crise e desigualdade) e dominação cultural (liquidação social) e a<br />

crescente fragmentação social causada pela ruptura das redes sociais (desmantelamento do estado<br />

bem-estar, serviços sociais e vidas no trabalho) nas mãos do capital, tem levado ao surgimento de<br />

movimentos globais de diferentes tipos, entre os quais o movimento estudantil chileno, em que a<br />

reavaliação dos direitos dos cidadãos tem criado um debate público global, assim como a<br />

necessidade de repensar as nossas sociedades, a política e o senso de ação coletiva.<br />

É precisamente o contexto global que promove a ligação dos espaços de descontentamento com as<br />

injustiças e o fechamento de oportunidades legítimas na política (excepto Internet). Essa é uma nova<br />

cultura de ação que tem construído em torno das singularidades uma crítica que tem entrado em<br />

colapso (para o Chile) e derrubado a ordem política existente (Primavera Árabe). O sentido da ação<br />

desses movimentos se baseia no reconhecimento de seus valores e cultura como fontes de identidade<br />

abertas e difusas que promovem uma multi-dimensionalidade da ação (ética, social e político,<br />

público e privado), reconhecida como foco de sua crítica; à globalização (e os efeitos da exclusão<br />

social, gênero e etnia) e estruturas de poder não democráticas (prática militarista, autoritária. No caso<br />

do Chile, a forma oligárquica da República.) e definem, de acordo com o exposto acima, as redes<br />

horizontais de comunicação que permitem a autonomia de áreas locais e onde as reuniões se<br />

apresentam como espaços privilegiados para a tomada de decisão. É precisamente a ênfase radical<br />

democrática deste exercício da soberania que pode unir esses movimentos contra as políticas<br />

neoliberais superando as formas tradicionais de ação para explorar redes abertas, fóruns sociais,<br />

consultas e desobediência imaginativa.<br />

É comum a esses movimentos, ver como o estado representativo está sujeito ao capital, para<br />

consolidar uma maioria que se sente explorada, e que vê multiplicar a privatização dos lucros e<br />

socialização dos prejuízos (movimento dos indignados na Espanha e nos Estados Unidos e o<br />

movimento dos estudantes no Chile), o produto de uma democracia hiper-regulamentada e bancos<br />

desregulamentados. É por isso que esses movimentos promovem uma crítica à transformação das<br />

democracias, exigem um trabalho digno, o direito à educação e o reconhecimento das subjetividades<br />

que têm sido violadas.<br />

Estas novas formas de ação de crescente expansão, tem levado também a pensar mais profundamente<br />

sobre suas chances de entendimento como uma nova forma de razão cosmopolita frente à<br />

globalização hegemônica neoliberal (De Souza Santos, 2011) que requer a abertura da análise desses<br />

movimentos como novas formas de aprendizagem e promoção de novos cenários alternativos aos<br />

existentes. Isto requer abrir novas epistemologias capazes de compreender as novas singularidades e<br />

criar novos substantivos para descrever a realidade a partir de uma tradução intercultural. Nesta<br />

convergência, nos foi proposto que a transformação do sistema mundo atual evidenciaria uma<br />

relação equilibrada entre seus eixos (econômico, político e cultural) dentro do centro ideológico que<br />

reúne o sistema, a ideologia do progresso, seria enfraquecida. No entanto, o capitalismo é um sistema<br />

polarizador, e o ideal liberal de um progresso gradual é impossível dentro do sistema atual. Ele,<br />

portanto, propõe potencializar a ação desses movimentos para pressionar para a democracia como<br />

uma forma real de representação e convicência. Como um aprofundamento da democracia.<br />

Sua exibição pública foi caracterizada pela realização criativa de uma carnavalização crítica do


sistema político vigente dando conta de um modo de expressão cidadã que visa substituir a política<br />

do consenso instalada na transição para a democracia por justiça, integrando novas formas de<br />

subjetividade da experiência social jovem em torno dos referenciais republicanos de Estado que<br />

pareciam esquecidos, como a defesa da educação pública gratuita e de qualidade. Considerou-se que<br />

o movimento estudantil em defesa da educação pública e contra o lucro, seria um movimento da<br />

classe média extentida, mas, ao mesmo tempo muito frágil e vulnerável. Embora seja possível<br />

considerar neste movimento a presença de uma ação anti-neoliberal, se obseravam também outras<br />

linhas de análise que têm a ver com o modelo de transição para a democracia assumida no Chile e às<br />

políticas educacionais neoliberais desenvolvidas.<br />

O movimento tem denunciado como a desigualdade no acesso e a legitimação do lucro no ensino<br />

superior tem sido parte das políticas de educação desenvolvidas pelos governos democráticos em<br />

continuidade com as diretrizes ditatoriais. As políticas de ensino superior têm promovido uma<br />

expansão do setor após a privatização da sua oferta e um enfraquecimento da Universidade pública<br />

(isso permitiu uma expansão da cobertura, para 2012 é esperado em torno de 1.000.000 de estudantes<br />

na segundo a OECD, 2009), a partir de uma ampliação do nível de participação das matrículas<br />

privadas (84,2%. do financiamento total é fornecido pela família).<br />

Diretrizes para a reflexão e ação<br />

O sistema de ensino (básico, secundário e superior) vigente tem sido considerado a pedra angular do<br />

modelo neoliberal, portanto, não só foi um espaço para o enriquecimento que tem permitido a<br />

consolidação de grandes grupos empresariais associados a títulos (em constante expansão e<br />

diversificação), mas também tem ajudado a consolidar o princípio da livre escolha como um<br />

exercicio extendido de identidade na sociedade à custo de altos endividamentos) e de reforço dos<br />

modos institucionalizados de conceber o conhecimento, a cultura e os aprendizados que se<br />

expandiram a concepção de educação pública (originalmente entendida como um direito político de<br />

todas e todos) até uma oferta de mercado, enfraquecendo lentamente as instituições encarregadas de<br />

se responsalizarem pelo conhecimento público; as universidades estaduais e/ou tradicionais.<br />

O movimento estudantil visto a partir de sua relação com o passado recente na história republicana,<br />

daria conta de uma acumulação histórica no senso comum em curto espaço de tempo: inclui<br />

experiências de mobilização dos movimentos atuais e do Movimento Pinguim (Salazar, 2011), que<br />

encontra sua base de apoio na articulações de memórias de projetos de realização social que foram<br />

abortadas (1973); de expectativas de realização democráticas não cumpridas (1990-2010) e da<br />

lembrança da experiência neoliberal (1990-2011) de perda dos direitos dos cidadãos. Os dois<br />

primeiros referem-se diretamente a um relatório crítico da classe política condutora e o terceiro à<br />

experiência de subjetivação vivida como permanente vulnerabilidade (permanente estado de<br />

exceção) no atual o regime neoliberal cancela o reconhecimento e exercício dos direitos civis<br />

fundamentais promovidos pela educação (Igualdade, o acesso para todos). Daria conta de uma<br />

memória republicana que se projeta a partir de pouco tempo em relação ao passado recente como um<br />

princípio orientador da projeção futura para uma educação pública gratuita e de qualidade para todos.<br />

Em longo prazo, está relacionada com a organização da sociedade civil representada pelo movimento<br />

de alunos que evidencia uma continuidade histórica de associação horizontal e montagem que<br />

delibera, neste caso, sobre a educação como um direito político reivindicando a igualdade e a<br />

representação que cabe ao estado que está a cargo. A luta atual representaría uma continuidade como<br />

experiência histórica da repressão da sociedade civil e de exercício desenfreado do poder pela classe<br />

política que hoje, fundada nos princípios dos acordos, decidiria mais uma vez o contrario da base<br />

social. O movimento anunciaria uma crítica ao antigo marco oligárquico da política republicana<br />

chilena, que questiona a classe política e as reuniões institucionais nas quais reside hoje o poder<br />

deslegitimado.


O contexto social e político no qual o movimento se desenvolve faz parte de seu capital, mas ao<br />

mesmo tempo de sua vulnerabilidade tanto em limitar sua capacidade de ampliação como reduzir sua<br />

força. Então, provavelmente foi recorrido a uma arma moral de integridade social política (distante e<br />

observaodor dos envolvidos) representante das decisões de suas bases (correndo o risco de autoreferência),<br />

que coloca suas demandas por uma educação pública gratuita e de qualidade para todos<br />

no marco público de discussão como parte da identidade social republicana de cidadania. Foi<br />

enfraquecido desde o princípio da igualdade a liberdade, o centro do sistema neoliberal instalado no<br />

Chile e com ele o pilar da identidade da classe política dominante. O movimento, novamente vem<br />

para dar conta da crise que permite vislumbrar outro futuro, que em consequencia da rebelião de<br />

subjetividades, desenvolve uma mudança política mais radical que o apresentado pelo movimento<br />

estudantil de 2006 (Movimento Penguin), desde a capacidade de compreender a qualidade da<br />

educação como um direito até a defesa da educação pública, onde o espaço público surge como<br />

representação social política na educação. Isso significa o fim do lucro na educação e a integração<br />

(eliminação do sistema escolar apartheid, o fim do subsídio à demanda e o fim da liberdade de<br />

escolha associada com o prêmio de melhor pontuação) como uma forma de recuperar desde agora os<br />

direitos civis perdidos. O desafio é dar corpo a esses princípios para articular um projeto social<br />

representativo e sustentável.<br />

(Documento preparado para o Seminário do ICAE, Novembro 2011)<br />

(*) Ed.D. Universidade de Granada, Espanha Metropolitan University. Professor de Ciências da Educação,<br />

Santiago, Chile<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [27] Leslie Campaner<br />

Movimento de educação e o movimento da sociedade civil<br />

Por Leslie Campaner de Toledo(*)<br />

Como podemos visibilizar as lutas de resistência e em defesa de uma educação pública de<br />

qualidade, e que são portadoras do futuro agora? Como, enquanto educadoras/es, podemos barrar<br />

a mercantilização da vida, a privatização da natureza e dos bens comuns? Como potencializar as<br />

estratégias de luta e articulação e as campanhas em prol de uma educação de qualidade e fazendo<br />

das novas tecnologias de comunicação verdadeiras TEP: tecnologias de empoderamento e<br />

participação?<br />

Manteremos as perguntas do roteiro proposto porque não existe uma fórmula ou receita, antes uma<br />

considerável possibilidade de respostas. Este debate já é uma ação que as promove, faz emergir a<br />

pluralidade de experiências e olhares. E o faz com a vontade da construção coletiva, de busca do<br />

diálogo, da troca de ideias que não estão fixadas, sem ocultar a polêmica, as contradições ou as<br />

dúvidas e, além disso, com a diversidade de organizações, movimentos sociais e redes que, como<br />

mínimo, trabalha para outro(s) mundo(s) possível (eis) onde a mercantilização da vida, a privatização<br />

da natureza e dos bens comuns não tenha lugar.<br />

Para fazer avançar o debate e compartilhar experiências, as ferramentas da internet e as mídias<br />

alternativas têm um papel fundamental, mas não se pode esquecer que ainda não há igualdade de<br />

acesso às redes em todo o mundo e/ou para todos os segmentos sociais. No entanto, o fato de que a<br />

informação vai além das direções dos movimentos sociais já é uma mudança. Que mais e mais<br />

pessoas participem e compartilhem estes conteúdos pode gerar empoderamento.


O panorama que se apresenta a partir da primavera do hemisfério norte deste ano é de lutas e<br />

mobilizações intensas. O mundo árabe já não é mais o mesmo e, embora seja cedo para afirmações,<br />

poderia dizer-se que os movimentos sociais desempenhou um papel central nelas. No Estado<br />

espanhol o movimento social que desembocou no acampamento da Puerta del Sol de Madrid (depois<br />

ampliado)_ o 15-M_ composto por uma série de organizações e plataformas com menos de três anos,<br />

é a expressão que a sociedade não está adormecida, está em movimento, manifesta as suas<br />

preocupações e se rebela.<br />

A escolha de experiências como a que está desenvolvendo o Movimento 15-M nos interessa porque<br />

utiliza as novas tecnologias ao serviço das antigas lutas e/ou demandas, restaurando a ocupação das<br />

ruas por sua grande capacidade para acolher a pluralidade, levar a iniciativa e ser imprevisível (três<br />

pontos remarcados em alguns manifestos). E ter claro que o inimigo é o capitalismo e que “as mil<br />

decisões cotidianas pelas quais sustentamos este sistema do qual fazemos parte todxs porque<br />

ninguém está fora” já é um ganho. Em menos de seis meses conseguiram construir um movimento de<br />

Protesto Global no dia 15 de Outubro, ocuparam praças, bloquearam despejos, manifestaram-se sem<br />

permissão e sem violência, de forma desobediente e criativa, com uma rebeldia que conjuga antigas<br />

ideias com novas percepções, colocando de manifesto a incapacidade dos governos, da academia e<br />

das instituições (autodenominadas de esquerda) para cumprir seu próprio projeto. Uma cidadania<br />

ativa que se politiza a si mesma e à sociedade e, ademais, consegue penetrar nos meios de<br />

comunicação convencionais. Vão alcançar resultados concretos? Depende como se olhe ¿ou tudo isto<br />

não são resultados concretos?<br />

Tal e como tomou forma às mobilizações chamadas “Maré Verde”, nos últimos anos se<br />

desenvolveram diversas experiências de confluência dos movimentos sociais nas lutas educacionais.<br />

Este foi também o caso de algumas das Plataformas em Defensa da Educação Pública que se<br />

constituíram em outras latitudes do Estado espanhol.<br />

Através delas, organizações de mães e pais, sindicatos de estudantes e do professorado, movimentos<br />

de renovação pedagógica e outros segmentos sociais como as associações de moradoras/es ou<br />

entidades culturais, priorizaram a busca do consenso sobre os diversos eixos educativos, e a partir<br />

dele, organizaram mobilizações contra as políticas neoliberais. Para isto, foram necessários acordos<br />

sobre o conteúdo reivindicativo e o esforço em procurar uma agenda comum e diferentes formas de<br />

luta.<br />

Se bem que as plataformas, em muitos casos, não trouxeram conquistas imediatamente, o fato é que<br />

foi gerando novas formas de trabalho motivando o debate no interior da diversidade de movimentos<br />

que a integravam e a realização conjunta de assembléias públicas. Este processo permitiu aproximar<br />

as lutas de cada segmento e ver que estas não eram opostas, mas que tinham objetivos comuns:<br />

impedir a mercantilização da vida e a privatização da educação pública de qualidade. Como<br />

resultado disto, quando não existia consenso, se renunciava ou adiava as greves (pontuais) do<br />

professorado ou de estudantes, ou as reivindicações das famílias. Enquanto que, quando havia<br />

consenso em objetivos e estratégias, se convocava ações conjuntas (incluindo greves) e a<br />

comunidade educacional se manifestava nas escolas, nas ruas, nas praças. Um conjunto de mudanças<br />

que potencializou estes segmentos.<br />

No entanto, nos processos de mobilização ainda há muito que superar sobre o currículo, planos e<br />

conteúdos educacionais. Apesar de que os Movimentos de Renovação Pedagógica do Estado<br />

espanhol vêm trabalhando esta questão há décadas, continua sendo difícil avançar dentro do<br />

movimento sindical e das famílias. E esta é uma questão fundamental.<br />

A luta por uma nova sociedade com justiça social e ambiental deve estar ligada a uma nova<br />

concepção do currículo, uma nova atitude em relação ao conteúdo e aos tradicionais livros didáticos


e planos educacionais. Enquanto educadoras e educadores, temos que assumir o compromisso com<br />

outros valores e princípios dentro da educação formal, não formal ou informal. Como conceber outro<br />

mundo possível com planos educacionais que estimulam a competição, o consumo, à produção<br />

depredadora? De que maneira defender a natureza e a cultura dos povos originários com sistemas<br />

educacionais antropocêntricos? Até onde vai a cumplicidade com a violência, especialmente contra<br />

as mulheres? Necessitamos construir outro(s) sistema(s), a começar da diversidade de culturas, onde<br />

qualquer e cada forma de vida possa se relacionar com toda a complexidade do mundo do qual<br />

fazemos parte. Restaurar o perdido, regenerar o que foi destruído, sustentar o que resiste, fundar<br />

relações igualitárias para a Vida. Este é o desafio.<br />

O relato das experiências é somente uma amostra para o debate que estamos iniciando. São muitas as<br />

que surgirão neste espaço até a Cúpula dos Povos Río+20. Articulá-las com os saberes, propostas e<br />

com elas elaborar uma agenda comum é outro repto.<br />

(*)Leslie Campaner de Toledo – Secretaria Executiva do Conselho Internacional do Fórum<br />

Mundial de Educação (SE CI <strong>FME</strong>) – Federació de Moviments de Renovació Pedagògica del<br />

País Valencià (FMRPPV)<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [28] Refaat Sabbah<br />

Terceiro Módulo “Movimento de educação y o Movimento da Sociedade Civil”<br />

“O Povo quer derrocar o Sistema Educativo”<br />

Por Refaat Sabbah(*)<br />

"O povo quer derrocar o regime": uma declaração que foi iniciada pelos jovens na Praça Tahir no<br />

Cairo, e que se converteu em um slogan para cada indivíduo que rechaça a opressão e a repressão<br />

nos caminhos, organizações, escolas e casas. Professores, diretores de escola, pais, diretores de<br />

organizações, ministros, presidentes, nem sequer os monarcas se livraram das repercussões desta<br />

declaração que foi longe, até sacudir a arquitetura de organizações sociais, econômicas, políticas e<br />

religiosas. Apesar das pessoas que defenderam essa declaração tenham enfrentado a opressão, o<br />

assassinato e a destruição, não retrocederam e se esforçaram continuamente para que suas demandas<br />

fossem cumpridas. Para o povo árabe não é estranho ter que enfrentar balas, metralhadoras e gases<br />

lacrimogêneos com manifestações pacíficas silenciosas e força interior; as pessoas foram pacientes,<br />

estóicas e, finalmente, conseguiram alcançar suas demandas utilizando cada um dos métodos<br />

pacíficos disponíveis, inclusive cantando, dançando, pintando, demonstrando e praticando a<br />

insubordinação e reforçando a solidariedade. A mensagem era clara: o povo quer derrocar o regime.<br />

Derrocar esse regime opressivo e totalitário, com todas as suas entrelaçadas estruturas, é produto da<br />

necessidade de abolir seu arcabouço: pessoas, legislações, herança e repercussões educativas,<br />

sanitárias, sociais, econômicas, políticas e religiosas. O povo quer derrocar o sistema educativo<br />

porque esse sistema foi construído para proteger o Estado e os indivíduos ligados ao estado. O<br />

sistema educativo árabe estava unido para servir diretamente aos objetivos do sistema político,<br />

criando assim um cenário em que a totalidade dos programas, inclusive os livros em seu conjunto,<br />

docentes e entornos educativos se converteram em um reflexo dos desejos da autoridade para<br />

preservar-se e submeter as pessoas. O sistema educativo possui uma característica totalitária, que se<br />

recusa a dar espaço ao estudante e não permite perguntas sobre diversos assuntos que são percebidos<br />

como violações da liberdade. É um sistema que não melhora nem promove a liberdade individual,


que é produto da preservação do nacionalismo árabe e da nação islâmica. Em resumo, esse sistema<br />

limita o liberalismo que proporciona o espaço para as liberdades individuais.<br />

Após a derrota de 1967 levantaram-se vozes que criticavam o sistema educativo, especialmente<br />

daqueles que desenvolveram teorias críticas, inclusive Jalal Sadeq Al Athem e Hisham Sharabi, cujas<br />

proposições condenaram o pensamento religioso. Além de serem deportados de sua pátria à força,<br />

esses ativistas foram apresentados como traidores e apóstatas. Em vez de ser um lugar de produção, a<br />

escola se converteu em um local para a reprodução de idéias, onde a cultura e o conhecimento<br />

serviam para manter o regime e submeter as pessoas; e uma vez que a escola que é freqüentada por<br />

muitas pessoas foi pensada para satisfazer as necessidades e desejos do regime no poder, qualquer<br />

atividade que não se encaixasse nesse marco era proibida e se convertia em um tabu; esses regimes<br />

eram capazes até de prender qualquer docente, diretor de escola ou estudante que se atrevesse a<br />

desobedecer as regras. Além disso, todo docente que quisesse exercer a sua profissão em um<br />

estabelecimento de ensino tinha que obter uma declaração das forças de segurança que certificasse<br />

que essa pessoa demonstrava uma "conduta apropriada" e que estava "apta" para formar e educar<br />

"bons cidadãos" de acordo com os critérios do regime.<br />

A instituição educativa se converteu em um lugar proibido para qualquer grupo ou organização que<br />

quisesse induzir uma mudança no sistema e, portanto, se tornou impossível para as organizações da<br />

sociedade civil participar ativamente no sector educativo. Para piorar ainda mais as coisas, não<br />

apenas proibiram os sindicatos de docentes em vários países, mas também seus líderes e fundadores<br />

foram detidos e fustigados; a partir de então, esses mesmos regimes estabeleceram sindicatos<br />

alternativos de docentes, ligados ao governo, para assegurar a censura totalitária sobre a sua ação.<br />

Até bem pouco tempo, em alguns países, todos os docentes de formação tinham que ter previamente<br />

uma aprovação da segurança; mesmo quando algumas normas foram alteradas, especialmente as que<br />

estão relacionadas com a criação de organizações da sociedade civil em países como a Jordânia, o<br />

Iêmen, o Egito, a Palestina, o Líbano e o Iraque, o espaço continua sendo limitado, o que significa<br />

que a participação da sociedade sob o lema “a educação é responsabilidade de todos” era uma mera<br />

faceta modelada pelo desejo dos regimes de governo. Apesar da sombria situação, algumas<br />

organizações da sociedade civil foram capazes de aplanar o caminho e estabelecer redes e coalizões<br />

que buscam induzir a mudança; entre elas está a Campanha Árabe para a Educação, que se<br />

estabeleceu como uma iniciativa do Centro de Criatividade Docente na Palestina. Afortunadamente,<br />

esta coalizão específica foi estabelecida com o surgimento da "primavera árabe" e, portanto houve<br />

espaço para uma efetiva mobilização, e as demandas foram, em grande medida, os desejos das<br />

pessoas.<br />

Estas coalizões e alianças ainda são deficientes em seu desenvolvimento para se converterem em um<br />

movimento educativo social, entre outras razões, pela ambiguidade na mensagem desejada, pela falta<br />

de experiência suficiente e de conhecimentos entre os membros, pela ausência de uma coordenação<br />

efetiva, pelo medo de enfrentar-se ao regime, pelo desejo de preservar os interesses individuais e<br />

locais, pela ausência de uma verdadeira democracia dentro das organizações, pela dependência do<br />

financiamento externo e pela insuficiente exploração dos recursos internos. Nessas revoluções árabes<br />

há uma importante lição para estas coalizões e, portanto é necessário examinar e analisar a<br />

informação disponível e os fenômenos populares, e como consequência utilizar todos os recursos<br />

disponíveis. As energias e as capacidades de todos os indivíduos devem ser investidas coletivamente<br />

nas atividades das coalizões/redes.<br />

Por exemplo, foi inesperada a participação ativa das figuras femininas do Iêmen. As campanhas<br />

organizadas no Iêmen sobre a importância da educação das mulheres agora servem como uma base<br />

fértil para colocar em primeiro plano essa prioridade e induzir a participação das mulheres, exigindo<br />

seus direitos educativos. É muito importante incorporar as necessidades dos povos a nossos lemas, e<br />

isto deveria servir como base para produzir mensagens claras que satisfaçam as necessidades e os


desejos das pessoas. As manifestações contínuas e a crescente solidariedade refletem a correlação<br />

das demandas com os desejos e as necessidades da população.<br />

Outra das lições aprendidas das revoluciones árabes foi a participação das pessoas em campanhas de<br />

advocacy, proporcionando espaço e inculcando-lhes a confiança coletiva; isso demonstra que elas<br />

seriam criativas ao pensar métodos e estratégias de incidência, e então teriam o sucesso em suas<br />

mãos. A chave desse sucesso reside em demonstrar às pessoas que estas palavras de ordem e<br />

mensagens satisfazem suas necessidades, desejos e aspirações. As revoluções árabes nos ensinaram<br />

que as pessoas simples são mais capazes que as pessoas sofisticadas em definir denominadores<br />

comuns entre suas demandas, e são mais capazes de coordenar de maneira eficaz, uma vez que<br />

possuem uma energia interior fortalecida e, portanto são as mais adequadas para derrocar o sistema<br />

educativo imperante.<br />

Todo movimento social destinado a ter êxito deve dar conta da importância de incorporar as<br />

mensagens da população, pais, docentes e de todas as pessoas que estão ativas no setor da educação;<br />

os agricultores e trabalhadores também necessitam se integrarem para melhorar a conexão entre eles,<br />

seus interesses, e chegar a uma educação de qualidade. Não creio que as organizações que recebem<br />

financiamento externo sejam capazes de induzir a mudança; mas o que sei é que o lançamento de um<br />

movimento social que seja capaz de induzir mudanças tem que vir da população, e que este<br />

movimento não terá êxito se não prevalecerem a verdadeira democracia e o cumprimento das<br />

aspirações e desejos da coletividade.<br />

(*)Presidente da campanha árabe pela educação<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [29] Nélida Céspedes Rossel<br />

Movimento de Educação e lutas sociais e políticas<br />

Por Nélida Céspedes Rossel (*)<br />

Há um consenso generalizado da crise da educação e do fracasso das políticas educativas. Entre as<br />

principais razões é que a educação, a partir do modelo neoliberal tem sido vista como uma<br />

mercadoria e não como um direito. Por isso não se garantiu a educação pública e gratuita<br />

expulsando milhares de estudantes do sistema escolar, causando uma alta repetência e abandono e<br />

grandes brechas educativas entre escola urbana e rural. A educação tem se caracterizado por ser<br />

mono-cultural e homogeneizante e o Estado não assegurou o direito à educação na diversidade das<br />

maiorias nacionais.<br />

Apesar da assinatura de acordos, eles não foram cumpridos com os orçamentos designados e o<br />

financiamento é deficiente. Isso trouxe como consequência uma educação de péssima qualidade, e<br />

são as famílias que aportam uma grande porcentagem do orçamento para a educação, deixando claro<br />

o caráter não gratuito da educação pública.<br />

Embora a educação seja responsabilidade do Estado, é fundamental a participação da sociedade; em<br />

muitos países esta participação tem um caráter de formalidade e por isso as sentidas necessidades dos<br />

e das estudantes não estão suficientemente visibilizadas na vida escolar. Por outro lado a relação<br />

entre escola e comunidade – bairro é fraca, e a escola está de costas para a geração de uma sociedade<br />

educadora.


Assinalamos que há ineficiência no sistema público educativo, bem como falta de transparência e<br />

corrupção, o que torna muito mais frágil a vigência do direito à educação.<br />

Por isso, de norte a sul do continente latino-americano e caribenho, temos assistido à flagrante<br />

violação ao direito à educação; no Sul, as lutas que tem travado o movimento estudantil no Chile,<br />

nada mais fez que revelar que o modelo privatizador baseado no lucro, que nos quiseram vender<br />

como a saída para a educação, demonstrou sua inoperância e o esquecimento do Estado como<br />

garantidor dos direitos, elitizando a educação através de um sistema que viola a gratuidade da<br />

educação, discrimina e segrega social e economicamente os estudantes do sistema escolar. O<br />

fechamento das escolas rurais do Brasil levantou o protesto do Movimento dos Trabalhadores sem<br />

Terra, que as exigiram de volta, uma vez que não defender o direito dos e das estudantes do campo é<br />

um crime. Também temos a mobilização dos estudantes centro-americanos: o de Honduras, da<br />

mesma forma que o movimento estudantil chileno foi duramente reprimido; e as lutas dos<br />

caribenhos de Santo Domingo pelos 4% do orçamento em Educação. Cada uma dessas lutas que se<br />

deram em diferentes níveis desataram grandes mobilizações nos países, nas regiões e no nível<br />

internacional.<br />

Tomando como exemplo as lutas do movimento estudantil no Chile, que está na base dos demais,<br />

dizia Camila Vallejo: “No Chile, instaurou-se no âmbito educacional um modelo de mercado, um<br />

modelo neoliberal que faz parte da instauração de um modelo de desenvolvimento que não está<br />

apenas na educação, mas que repercute fortemente na educação e que, em termos gerais da sociedade<br />

chilena, reproduz e aprofunda as desigualdades. Este modelo, que privilegia os lucros de uns poucos,<br />

macula a dignidade e a estabilidade da grande maioria, saqueia constantemente nossos recursos<br />

naturais e isso também tem uma expressão na escala micro da educação. Então, isso foi sendo<br />

evidenciado e houve diferentes manifestações ao longo destas décadas, mas com pouco êxito. Foram<br />

alguns beliscões, alguns impulsos, que atualmente desencadeiam uma expressão maior de síntese, em<br />

que não são apenas os estudantes que saem às ruas, mas sim a sociedade chilena em seu conjunto, as<br />

famílias, os trabalhadores, porque o problema da educação acaba sendo um problema social e um<br />

problema estrutural”.<br />

Portanto a mobilização pelo direito à educação é um problema social e um problema estrutural e<br />

embora seja necessária a sua organização e aprofundamento, ele tem que ser articulado com o<br />

conjunto das outras lutas sociais, pela vida, pela dignidade das pessoas e das sociedades. É, antes de<br />

tudo, uma luta política.<br />

É ante esta luta política que os princípios da educação popular têm toda a sua vigência, porque como<br />

corrente político-pedagógica que se constrói em inter-relação com o contexto está baseada em: a) um<br />

pensamento crítico para a análise da realidade política, social, cultural, econômica, no sentido de<br />

avançar para a emancipação pessoal e social; b) uma intencionalidade política emancipadora; c) O<br />

reconhecimento do papel dos sujeitos populares como atores de sua emancipação, d) Entender os<br />

sujeitos em suas múltiplas dimensões: racionais, afetivas, lúdicas, transcendentes; e) Processos<br />

pedagógicos que interagem com tais dimensões para a transformação pessoal e social, f)<br />

Metodologias e estratégias de trabalho que contribuem para que os sujeitos se construam como<br />

pessoas ativas, participativas, sujeitos sociais de direitos e cidadania contribuindo com o bem<br />

comum. E é, sobretudo, uma aposta ética, política e pedagógica.<br />

Marco Raúl Mejía, em seu livro, “Educaciones y pedagogías críticas desde el sur” assinala que:<br />

“Propor a vigência da educação popular como parte de um pensamento educativo e pedagógico<br />

latino-americano nestes tempos de revolução científica, de capitalismo cognitivo, significa não só<br />

recolher os desafios para dar respostas a estes tempos variáveis, mas também um exercício de voltar<br />

para dentro dela e de suas práticas, e dali reconhecer os elementos que a partir de sua acumulação lhe


dão hoje uma presença e uma vigência que nos permita dar conta, neste momento histórico de: Para<br />

que? Porque? Como? se faz educação popular”.<br />

APROFUNDANDO ALGUNS DESAFIOS<br />

Educação mono-cultural e homogênea: uma das faces mais excludentes da educação está no<br />

esquecimento das populações rurais, indígenas, amazônicas e afro-descendentes da América Latina e<br />

do Caribe. Não foram consideradas as suas particularidades e riquezas culturais e o mesmo<br />

aconteceu no mundo. Foi-nos imposto um modelo educativo ocidentalizado que homogeneíza, que<br />

padroniza, que é mono-cultural e colonizador.<br />

Por isso, é uma questão de ética de política, e de grande valor, o paradigma educativo que está sendo<br />

desenvolvido na Bolívia, o paradigma do Bem-Viver que propõe um novo tipo de relações entre o<br />

ser humano e a natureza fundado no respeito à cosmovisão, baseando-se também em uma<br />

perspectiva intercultural.<br />

A perspectiva intercultural, e acrescentamos inter-culturalidade crítica, é substantiva a este<br />

paradigma. Tubino(1) considera que o enfoque da educação que se depreende dessa interculturalidade<br />

crítico-libertadora não é funcional senão crítico ao modelo econômico e de sociedade<br />

vigente; nesse enfoque não se pode nem se deve dissociar inter-culturalidade de cidadania.<br />

Kimlika(2) nos fala de uma cidadania diferenciada (direitos de autogoverno, direitos poli-étnicos,<br />

direitos especiais de representação). O enfoque da inter-culturalidade crítica na educação é um<br />

enfoque que prioriza a formação de cidadãs e cidadãos interculturais, comprometidos com a<br />

construção de uma autêntica democracia multicultural e inclusiva da diversidade. Nesse sentido, a<br />

inter-culturalidade não é concebida como a integração ao modelo cultural hegemônico, mas sim<br />

como a base do novo pacto social que nossas sociedades necessitam e que se entende como:<br />

• Processo que se constrói permanentemente, confrontando relaciones assimétricas entre<br />

culturas; não evita o conflito e busca a transformação da sociedade respeitando a<br />

diversidade e a cidadania diferenciada.(3)<br />

• Processo pedagógico de aprendizagem para o reconhecimento de saberes de diversas<br />

racionalidades na construção de conhecimento, para interpelar as certezas e enfrentar as<br />

incertezas.<br />

• Processo político, nas relações de poder na escola e na comunidade que questiona a<br />

subordinação do conhecimento e a cultura de grupos oprimidos e excluídos, que acompanhou<br />

o colonialismo e que atualmente continua com a globalização.(4)<br />

• Um tema ético, de reconhecimento do outro diferente, diverso, como válido, não só no espaço<br />

rural vinculado ao bilinguismo, mas também no urbano, como proposta de país.<br />

Estes são pontos centrais – que não estão tão presentes - nos quais devem se sustentar atualmente os<br />

sistemas educativos e sociais, porque enfrentam a desigualdade e a exclusão de milhões de pessoas<br />

no mundo e constituem uma das bandeiras de luta do movimento educativo e social por uma vida<br />

digna.<br />

A harmonia entre o ser humano e a natureza<br />

O antropocentrismo é uma doutrina que colocou o ser humano como centro do mundo, sem<br />

contemplar a natureza como algo digno de ser respeitado, mas sim como algo que foi utilizado em<br />

benefício próprio. Esta doutrina tem provocado efeitos como o aquecimento global do planeta, as<br />

guerras bacteriológicas, entre outros, que só nos levaram à depredação do planeta, contribuindo para


seu desequilíbrio e destruição, em virtude do ser humano ter se colocado em total desconexão com a<br />

natureza. O desafio atual é levar uma vida em equilíbrio com todos os seres dentro de uma<br />

comunidade. O Bem Viver se baseia na íntima relação entre o ser humano e a natureza, e a chama de<br />

sua irmã. Perspectivas como o desenvolvimento sustentável se aproximam de alguma maneira ao<br />

Bem-Viver.<br />

Existem diversas práticas que estão sendo desenvolvidas na escola e devem ser potencializadas,<br />

como a escola que aprende no campo, cultivando a terra e a água, conhecendo e praticando o que<br />

fazem seus pais, aprendendo a partir do calendário que os aproxima da natureza e seus ciclos. Talvez<br />

sejam pequenas iniciativas, mas é gota a gota que se fazem as grandes mudanças.<br />

Estas pequenas iniciativas são respostas a políticas depredadoras pelo grande capital que fez de nosso<br />

universo seu butim.<br />

Junto à luta por um novo modelo político, social, ambiental, social e cultural, devem ser<br />

desenvolvidas propostas educativas para ir prefigurando a sociedade que ansiamos e com profundo<br />

sentido de transformação, andando contra a corrente.<br />

Movimento de educação ou movimento político-social?<br />

Não há dicotomia possível; a luta pelo direito à educação é uma luta política de responsabilidade de<br />

todos e todas. Estamos diante de uma grande crise que requer a maior unidade, que implica trabalhar<br />

por um novo projeto de sociedade.<br />

No entanto, é de responsabilidade do movimento de educadores aprofundar-se em torno da educação<br />

como contribuição às propostas político-sociais. A propósito da preocupação com a educação de<br />

jovens e adultos, indicamos que a Educação Popular, no aspecto epistemológico, busca a construção<br />

de um novo conhecimento, entendendo a EP como um ato libertador, no qual o conhecimento é<br />

construção social permanente dos sujeitos, ligado a dinâmicas reais sócio-econômicas, políticas,<br />

culturais, ambientais, de gênero, que requerem novos diálogos com correntes de pensamento que nos<br />

interpelam e enriquecem nossas visões.<br />

A partir da pedagogia, entendemos que é um processo sócio-educativo em que ninguém educa<br />

ninguém, que se baseia em uma pedagogia crítica, democrática, uma pedagogia do diálogo que tem<br />

como ponto de partida a experiência e a vivência dos atores sociais, para voltar à vida,<br />

transformando-a.<br />

É urgente a articulação com os atores sociais constituindo-nos todos em atores da mudança política<br />

na qual o aspecto educativo constitui um aporte fundamental. Nossa ação transformadora se nutre da<br />

diversidade cultural que recolhe de todas as culturas sua própria cosmovisão, promove laços de<br />

irmandade e diálogo intercultural em prol da convivência humana, da justiça social e do<br />

desenvolvimento das pessoas e comunidades, em igualdade de oportunidades e com sentido não<br />

consumista da vida; que aspira a que homens e mulheres vivamos como seres produtivos, criativos,<br />

solidários, com pensamento crítico, e possamos construir uma grande coletividade humana universal<br />

em bem-estar, em paz, com alegria, humor e amor.<br />

Como movimento de educadores populares, urge articular-nos aos movimentos sociais e<br />

organizações sociais dos diferentes contextos latino-americanos e caribenhos, por que é ali que se<br />

nutre nosso pensamento e nossa prática educativa, ao lado daqueles que lutam por sua libertação<br />

contra a exploração capitalista, contra o modelo neoliberal que torna mais aguda a pobreza e a<br />

exclusão econômica e social; ao lado dos movimentos meio-ambientalistas, das lutas dos povos e<br />

culturas originárias, dos movimentos de mulheres que demandam direitos específicos e equidade de<br />

gênero, ao lado dos movimentos dos produtores do campo que reclamam terra e acesso ao mercado,<br />

ao lado dos povos que lutam contra a imposição dos tratados de livre comércio e os que lutam contra


o pagamento da dívida externa porque ser injusta, ao lado dos movimentos de direitos dos imigrantes<br />

que são a força de trabalho explorada que ocupa os postos de mais baixo nível salarial e piores<br />

condições de trabalho nos EEUU e na Europa.<br />

Pela riqueza e poder das propostas que servem de base ao Movimento de Educação e de lutas sociais<br />

e políticas, compartilho alguns pontos assinalados por Marco Raúl Mejía(5):<br />

• Construir a especificidade latino-americana da educação destes tempos. A síndrome<br />

da globalização com o olhar do mundo do norte fez com que os tecnocratas do sul<br />

tenham ficado, na área de educação, com a síndrome da transferência tecnológica do<br />

mundo do norte para o sul. Estas políticas foram adaptadas para o campo da educação,<br />

obviando nossas particularidades culturais, políticas e sociais, montando uma<br />

educação para o mundo do sul, como se nosso projeto fosse ser como os do norte. Isso<br />

vai exigir um esforço permanente por recobrar nossa identidade, como expressão que<br />

enfrenta o pensamento único em educação.<br />

• Construir a massa crítica como comunidade educativa destes tempos. Não será possível<br />

desenvolver a tarefa se não se produzir uma interconexão entre grupos, movimentos,<br />

pessoas, que construam o olhar crítico sobre este momento. Isto requer construir<br />

plataformas que movidas a partir de temas afins e sem centros que homogeneízem, dêem<br />

forma a redes e processos de construção coletiva, que aproveitem os desenvolvimentos<br />

da tecnologia para construir comunidade de pensamento e ação, que nos tire do<br />

isolamento local ou nacional, abrindo-nos perspectivas nas quais a deliberação pública<br />

do aspecto educativo tome forma em múltiplas comunidades, formadas nos mais<br />

variados lugares.<br />

• Construir um debate público sobre a questão político- pedagógica. O assalto da<br />

pedagogia pela concepção saxônica – que menos a valoriza – requer que os grupos se<br />

movam em outros paradigmas ou em olhares críticos, conjuguem esforços para abrir um<br />

debate intelectual, com consequências práticas sobre o lugar da pedagogia nesta<br />

encruzilhada.<br />

• Construir os movimentos sociais da educação e da pedagogia. Nunca como antes a<br />

educação se faz indispensável para a sociedade. Isso requer construí-la além do grêmio e<br />

do governo, construindo os movimentos da pedagogia neste tempo, coerente com certa<br />

erupção da subjetividade globalizadora.<br />

• Construir o professor como sujeito de saber. O olhar colonizador sobre as mentes dos<br />

professores insiste em ditar currículos realizados por especialistas e executados pelos<br />

docentes, convertendo-os em objetos de saber e em algumas ocasiões portadores de<br />

metodologias e enfoques pedagógicos. É necessário que o professor seja assumido como<br />

sujeito construtor e produtor de saber, que estabeleça outra relação com sua prática, que<br />

exerça sua profissão na sociedade, tendo esse novo estatuto cultural e salarial.<br />

• Gerar reconhecimento aos processos de transformação escolar. Em múltiplos lugares há<br />

processos em marcha, que se produzem como resposta crítica às políticas oficiais,<br />

configurando a educação como uma construção a partir do cotidiano da escola e da<br />

classe. Estas “inovações”, “experiências significativas”, devem ser promovidas,<br />

reconhecendo essas geo-pedagogias como novo lugar de enlace e construção de projetos,<br />

a partir da especificidade de seus territórios; novo local de política na classe, onde estão<br />

transformando sua realidade a partir do cotidiano escolar.


(*)Presidência – CEAAL. Vice-presidenta (America Latina): Conselho Internacional de<br />

Educação de Pessoas Adultas (ICAE)<br />

(1)Fidel Tubino. Interculturalidad para todos ¿Un slogan más? Decano da Facultad de Estudios Generales da PUCP. Lima,<br />

Peru.<br />

(2)Kymlicka Will. Ciudadanía multicultural. Paidos, Barcelona, 1996<br />

(3)Kymlcika Will. Ciudadanía multicultural. Paidos, Barcelona, 1996<br />

(4) Quijano Anibal. http://www.rrojasdatabank.info/pfpc/quijan02.pdf<br />

(5)LENDO AS POLÍTICAS EDUCATIVAS DA GLOBALIZAÇÃO. Apresentação no painel sobre reformas educativas na<br />

América Latina no XX Congresso da CIEC, Santiago de Chile 8 a 14 de janeiro de 2004. Versão ampliada da minha<br />

apresentação no Seminário de Mestres Gestores, Medellín, Colômbia, 4 e 5 de dezembro de 2003, e do meu artigo<br />

“Remédios que adoecem”, publicado por Le Monde Diplomatique, edição latino-americana, agosto de 2003.<br />

*******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [30] Camilla Croso<br />

RESISTÊNCIA: NÃO À DESUMANIZAÇÃO DOS SERES HUMANOS!<br />

Por Camilla Croso(*)<br />

Nossa humanidade está em xeque.<br />

No campo da educação, a teoria do capital humano pulsa forte nos lineamentos promovidos por<br />

atores com grande incidência e alcance na vida de milhões e até milhares de milhões de pessoas. A<br />

recém lançada estratégia educativa do Banco Mundial para a próxima década, de autoria do Banco,<br />

mas cujas idéias fundamentais são partilhadas por inúmeras agências de cooperação internacional,<br />

por setores de organismos das Nações Unidas e até por segmentos da sociedade civil, entre outros,<br />

assume que as pessoas são capital, que estão a serviço do crescimento econômico e que a educação é<br />

um meio fundamental para esse fim.<br />

Recentemente, a concepção de seres humanos como capital, assumiu, talvez, a sua face mais<br />

perversa ao tratar de crianças de tenra idade. A ciência e a economia, dizem, constata que meninos e<br />

meninas de 0 a 3 anos rendem mais que qualquer outra pessoa. Que são um excelente investimento<br />

para que as nações gerem riqueza. E isso não é força de expressão de minha autoria, é como foi<br />

intitulada a primeira conferência internacional da UNESCO sobre educação e cuidados na primeira<br />

infância, que aconteceu em Moscou em 2010.<br />

A definição de pessoas como capital nega a elas sua condição de sujeitos de direito e aniquila sua<br />

humanidade. As pessoas não são meio, são fim; não são úteis, simplesmente são. São humanas,<br />

singulares, dignas. E nessa perspectiva, a educação, como há mais de 60 anos insiste em nos lembrar<br />

a Declaração Universal dos Direitos Humanos “terá por objeto o pleno desenvolvimento da<br />

personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades<br />

fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os<br />

grupos étnicos ou religiosos”.<br />

Há quem diga que devemos buscar dar lugar aos argumentos de custo/ benefício no discurso dos<br />

direitos humanos; que isso, de algum modo o moderniza, torna-o atual, quase o viabiliza nesta nossa<br />

modernidade. O que é preciso sublinhar nas lutas sociais que colocamos em marcha é que o<br />

paradigma do capital humano e o dos direitos humanos são irreconciliáveis, uma vez que têm<br />

princípios, meios e fins diferentes que levam a decisões, práticas e processo educativos antagônicos.<br />

Vale assinalar que a perspectiva de direitos põe em evidência o papel do Estado como seu garante,


esponsável por satisfazer interesses coletivos de uma maneira que não se submeta à lógica da taxa<br />

de retorno.<br />

Ao paradigma do capital humano interessa uma educação que integre as pessoas ao mercado,<br />

tornando-as empregáveis, produtivas e capazes de responder aos interesses do capital e à manutenção<br />

do status quo. Este projeto “educativo” requer que sejam desenvolvidas determinadas habilidades e<br />

aptidões que atendam à referida empregabilidade; requer que os e as estudantes se tornem<br />

homogêneos para que respondam de acordo com o esperado; Além disso, requer pouco<br />

questionamento, uma certa maneira mecânica de ser e atuar, uma predisposição à obediência e à<br />

submissão; requer que as pessoas se individualizem e compitam entre elas; requer que se naturalize a<br />

idéia de exploração de outras pessoas e da natureza; requer a ausência de debate, de reflexão e de<br />

pensamento crítico.<br />

Esse conjunto de requisitos que o paradigma neoliberal impõe ao campo educativo se articula a outro<br />

requisito estrutural: o encolhimento, tendendo ao aniquilamento, do setor público. Nesse cenário, em<br />

que prima o privado sobre o público, o individual sobre o coletivo, não há espaço para uma cidadania<br />

ativa e nem sequer para um horizonte de realização de direitos, mas apenas o estabelecimento de<br />

relações entre clientes e prestadores de serviços. É assim que vai desaparecendo a noção de Estado<br />

como garante de direitos, que deve prestar contas à cidadania, e se difunde, a partir da concepção de<br />

liberdade de escolha e satisfação do cliente, a idéia de que os serviços têm que prestar contas aos<br />

seus clientes. Na área educativa, a escola prestadora de serviço e as famílias clientes rompem a<br />

coluna vertebral da gestão democrática, da aliança e cooperação entre os três sujeitos principais da<br />

comunidade educativa: estudantes, profissionais da educação e famílias.<br />

Por outro lado, o encolhimento do setor público vem acompanhado por uma intolerância ao debate e<br />

à participação social, de modo que vemos, em nosso continente, uma crescente criminalização dos<br />

movimentos sociais, e no que se refere ao campo educativo, de estudantes, professores e professoras.<br />

As lutas dos movimentos sociais pelo direito à educação devem, portanto, situar-se e articular-se a<br />

lutas mais amplas, de democratização, de Estados como garantes de direitos, de mudanças profundas<br />

de paradigmas de viver, que tenham bases e que apontem a horizontes onde a humanidade dos seres<br />

humanos e sua dignidade estejam no centro e onde a educação seja meio e fim para isso. Zygmunt<br />

Bauman sublinha a importância da educação na construção de uma nova cidadania, o que implica em<br />

resistir à crescente individualização de nossa modernidade líquida[1], que aniquila o sentido do<br />

público e o reconhecimento das pessoas como sujeitos de direitos, dotados de poder e capazes de<br />

promover justiça.<br />

As lutas coletivas de movimentos sociais e de redes de organizações que se articulam na defesa do<br />

respeito, proteção e realização do direito humano à educação têm sido absolutamente fundamentais<br />

em resistir e avançar nesse sentido. Todas as conquistas alcançadas em matéria de direitos humanos<br />

são fruto de lutas sociais que têm história. A ação coletiva que realizam esses movimentos e redes,<br />

sua maneira de agir a partir do debate, do diálogo, da articulação dos diferentes, da promoção do<br />

pensamento crítico, são em si mesmo o início do caminho para um paradigma alternativo ao que hoje<br />

se apresenta como hegemônico.<br />

Recentemente, o mundo vem acompanhando as mobilizações estudantis de nossa região e<br />

especialmente as do Chile, que clamam pelo reconhecimento da educação como direito humano<br />

fundamental e do Estado como seu garante. Essas mobilizações ocuparam o espaço público com<br />

[1] “A modernidade líquida é uma figura da mudança e da transitoriedade, da desregulamentação e da liberalização dos mercados. A<br />

metáfora da liquidez tenta também dar conta da precariedade dos vínculos humanos em uma sociedade individualista e privatizada,<br />

marcada pelo caráter transitório e volátil de suas relações”. Vásquez Adolfo (2008). Zygmunt Bauman: Modernidad Líquida y<br />

Fragilidad Humana. Revista Nómadas.


debate, com expressão e com cidadania ativa, assinalando que o espaço público deve ser recuperado,<br />

que as lutas por direitos e por democracia vão de mãos dadas, que o que é humano em nós não vai se<br />

entregar e que, mesmo em um cenário hostil, a resistência insiste e se impõe.<br />

(*)Coordenadora Geral da CLADE e Presidenta da CME<br />

*********<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [31] Comentarios/Commentaires/Comments<br />

*******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [32 ] Patricia Jaramillo<br />

Necessitamos ser mais humanas e mais humanos e a democracia necessita das<br />

ciências humanas e sociais<br />

Patricia Jaramillo(*)<br />

REPEM – Colômbia<br />

O sociólogo Pablo González Casanova em um artigo publicado no México no diário La Jornada em<br />

outubro de 2004 dizia:<br />

“Nestes tempos de mentira e infâmia, como diria o grande poeta Antonio Machado, a<br />

luta pela autonomia da universidade, no só exige lutar contra a lógica mercantil como<br />

visão do mundo e da vida, mas sim contra os argumentos a favor de uma universidade<br />

que só atende à educação dos jovens em função das demandas do mercado, proposta<br />

não só irracional, mas sim desapiedada”.<br />

Na Colômbia, durante o presente ano aconteceram inúmeras atividades em torno à proposta de<br />

Reforma da Lei 30 de 1992 que rege a educação superior. No entanto, tais seminários, fóruns,<br />

debates e demais ações do setor universitário, passaram despercebidas para próprios e estranhos, em<br />

parte porque apenas reparamos nos problemas da universidade quando a suposta normalidade da vida<br />

é alterada em alguma das ruas próximas aos centros de educação superior pública.<br />

É por esta razão que os meios de comunicação do país e alguns da região, registraram desde o mês de<br />

outubro, um estranho movimento universitário que saiu às ruas em grandes marchas por todas as<br />

cidades com estratégias de denuncia baseadas na criatividade e na expressão pacífica de suas<br />

demandas, gerando desconcerto e admiração por sua capacidade argumentativa e organizativa.<br />

Bem, mas o que é que move os e as estudantes? Neste ponto é necessário retomar as palavras de<br />

González Casanova, para refletir um pouco sobre uma das causas do mal-estar.<br />

As políticas educativas contemporâneas estão orientadas também pelas decisões que se desprendem<br />

do modelo neoliberal de mercado, que foi sendo aprofundado a partir dos anos 1990, quando cerca<br />

80 países, entre eles a Colômbia, vincularam-se ao chamado Consenso de Washington(1), que<br />

marcou um caminho: entregar a produção e a distribuição dos direitos sociais e a administração do<br />

bem comum às forças do mercado.<br />

No caso da educação superior, preparar indivíduos capazes de vender seu conhecimento à melhor<br />

oferta e dar à universidade uma função meramente instrumental: a geração de produtos (leia-se<br />

profissionais, técnicos, tecnólogos) funcionais ao mercado, para produzir o lucro economicamente


necessário, em contraposição com a idéia do trabalho como valor social e socialmente necessário,<br />

para o bem-estar da população.<br />

O resultado neste país com uma grande quantidade de população jovem está à vista: cada vez mais as<br />

pessoas se equiparam de maneira dramática com unidades de produção; a diferença é que as pessoas<br />

que saem dos centros de educação são diferenciadas em relação ao capital humano, isto é, às<br />

habilidades para apostar no mercado.<br />

Não há dúvida de que o mal-estar que acompanha a juventude de nossos países se relaciona com o<br />

modelo de desenvolvimento no qual esta necessidade criada de capital humano, mesmo quando se<br />

consiga acumular e cada país melhore seus níveis, não gera resultado para as pessoas e sua qualidade<br />

de vida.<br />

Diante das cifras exorbitantes de crescimento econômico (Colômbia é um dos países mais desiguais<br />

del mundo e espera seguir crescendo economicamente acima dos 5%) todos os dias é informada a<br />

ampliação das brechas entre ricos e pobres. A riqueza continua se concentrando em poucas mãos (o<br />

índice de Gini para a Colômbia é 0,82) e a pobreza se incrementa em populações cada vez mais<br />

amplas (45% dos colombianos são pobres e 16% estão abaixo da linha da pobreza)(2).<br />

Poderíamos dizer que este é o mal-estar que move os estudantes a denunciar e mobilizar-se.<br />

Entretanto, esta é apenas uma face da moeda, pois do outro lado está o processo de<br />

“desfinanciamento” da educação, mediante o qual os direitos se transformam em serviços que se<br />

compram e se vendem, segundo o poder aquisitivo de cada indivíduo (leia-se família); esse processo<br />

se cristaliza por um lado no déficit orçamentário enfrentado pelas universidades públicas, e de outro<br />

no Projeto de Lei(3) que pretende reformar a Lei 30 que rege a educação superior e mediante o qual<br />

se busca colocar as universidades públicas estatais em uma competição desleal com as universidades<br />

privadas; e transforma radicalmente o principio do financiamento ao ofertar um sistema de crédito<br />

para “financiar” a demanda, ou seja: converte o direito à educação em um serviço educativo e os<br />

estudantes em seus usuários. Ao mesmo tempo, os que estiverem interessados em comprar esse<br />

serviço podem endividar-se com hipotecas similares ou ainda mais onerosas que as de compra de<br />

habitação, por quinze (15) anos ou mais, dependendo das opções oferecidas pelo mercado educativo.<br />

Estas são, em termos muito gerais, algumas das razões que deram lugar às mobilizações estudantis e<br />

à monumental organização de universidades públicas e privadas na Colômbia, assim como em outros<br />

países da América Latina.<br />

A juventude fez com que sentássemos com ela para refletir a partir desta problemática, sobre a<br />

justeza de seus argumentos e transcender o olhar sobre o sistema socioeconômico imperante, no qual<br />

o bem comum deixa de ser o objetivo do desenvolvimento e coloca neste ponto outros temas aos<br />

quais se dá maior importância econômica e política: o gasto em defesa e segurança. Para isso<br />

algumas cifras permitem ilustrar sobre a pouca importância que se confere aos orçamentos da<br />

educação superior:<br />

“… Quanto ao gasto militar as cifras são indicativas: em 2002 foi de 11.003 bilhões de pesos<br />

correntes e em 2010 ascendeu a 23.065 bilhões de pesos. Em proporção ao PIB teve o seguinte<br />

comportamento: em 2002 correspondeu a 5,38%, e em 2010 a 4,9%. Se o colocarmos no<br />

contexto regional, o caso colombiano é excepcional porque enquanto que em 2008 quase todos<br />

os países gastavam menos de 1,0% e outros entre 1,0% e 1,5% (Brasil, Venezuela, Peru,<br />

Uruguai e Bolívia), Chile gastava 3,5% e Colômbia 5,47%. Por outro lado, “em valores<br />

absolutos, com 12.468 milhões de dólares, o gasto militar colombiano ocupa em 2010 o 20º<br />

lugar no mundo, mais que todos os países da América Latina e do Caribe, com exceção do<br />

Brasil”.


O único setor onde o “emprego” aumentou de maneira sustentável foi o militar, porque a cada<br />

ano são criados novos comandos e batalhões e se amplia a base da polícia e do exército, até o<br />

ponto em que, em 2009 os efetivos conjuntos chegavam a 452.873. O Exército passou de 181<br />

mil homens a 241 mil entre 2004 e 2008; na atualidade, há no país mais de 80 mil soldados<br />

profissionais. … o orçamento para a defesa em 2010 foi de 21,1 trilhões, em 2011 de 21, 3<br />

trilhões e para 2012 foi destinada uma soma de 23,8 trilhões.<br />

Enquanto isso, os gastos educativos evoluíram assim: em 2010, 20,58 trilhões, em 2011, 21,2<br />

trilhões, e para 2012 foram destinados 23 trilhões de pesos.<br />

O assunto é mais significativo se consideramos o gasto em educação superior. A esse respeito<br />

vale assinalar a evolução do orçamento destinado ao setor: em 2002 se destinavam 500 bilhões<br />

(0.87% do total do orçamento), em 2010, 2,29 trilhões (1,5%), em 2011, 2,371 trilhões (1.6%)<br />

e em 2012 foi destinado um total de 2,5 trilhões (1,5%). Poderíamos pensar que houve um<br />

notável incremento no orçamento para a educação superior, porque foi dobrado, mas isso é<br />

relativo pelo aumento forçado da cobertura educativa e, além do mais, porque se comparamos<br />

com o aumento do orçamento militar o aumento do gasto em educação superior resulta<br />

ridículo, uma vez que o primeiro saltou de 11 a 24 trilhões e o segundo subiu de meio trilhão<br />

de pesos a dois trilhões e meio no mesmo período.(4)<br />

Nesse contexto, a Mesa Ampla Nacional Estudantil – MANE- e o movimento que criou, devolveu a<br />

esperança a um país que, além disso, enfrenta múltiplas crises, mas que vê neles a possibilidade de<br />

recompor a trama social e fortalecer a sociedade civil, tão ausente na Colômbia durante as últimas<br />

décadas. Portanto, nos convidam a continuar construindo caminhos de esperança para um bem-viver<br />

onde todos e todas tenham oportunidades e as ciências humanas e sociais não sejam reduzidas a<br />

desenvolver e executar habilidades para solucionar os desastres ou, às vezes, para participar em suas<br />

causas.<br />

Retomando o paradigma do conhecimento estabelecido por Kuhn(5), podemos também conhecer e<br />

aprender coletivamente e construir, desta forma, outros referenciais de conhecimento para onde<br />

confluam os diversos saberes e se retroalimentem para alcançar o bem-viver.<br />

Necessitamos ser mais humanas e mais humanos e a construção da sociedade necessita das ciências<br />

humanas e sociais.<br />

(*)Patricia Stella Jaramillo Guerra. Coordenadora Regional REPEM América Latina- Professora<br />

Associada da Universidade Nacional da Colômbia. Dezembro de 2011<br />

(1)http://www.odg.cat/documents/publicacions/CW-David-NOV02.pdf consultado em outubro de 2011<br />

(2) http://www.caracol.com.co/noticias/actualidad/colombia-es-uno-de-los-paises-mas-desiguales-del-mundogobierno/20110315/nota/1439710.aspx<br />

março 2011<br />

(3)Que o Governo retirou por causa da pressão do movimento estudantil, mas ainda continua vivo<br />

(4)Tomado de VEGA CANTOR, Renàn: CONTRARREFORMA EDUCATIVA EN COLOMBIA: ¡Bienvenidos a la<br />

Universidad de la Ignorancia! Profesor Titular da Universidad Pedagógica Nacional. Bogotá, 11 de Novembro de<br />

2011<br />

(5)KUHN, Thomas. Segundos pensamientos sobre paradigmas (1970)<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [33] Gigi Francisco<br />

Produção de conhecimento feminista no ativismo social<br />

Contribuição de Gigi Francisco<br />

DAWN- Filipinas<br />

Muito obrigada por este ativo intercâmbio. Gostaria de abrir um pequeno parêntese na conversação<br />

sobre igualdade na educação formal, para outra forma de aprendizagem que está alojada no ativismo<br />

dos movimentos sociais.<br />

A produção de conhecimento tem sido, por muito tempo, uma importante prática política de<br />

organizações feministas transnacionais e redes da sociedade civil (ver Eschle e Maiguashca 2010). E<br />

dentro disso, a pesquisa, a informação e a documentação ativista feminista têm provocado fortes<br />

críticas sobre as relações de poder existentes no capitalismo. Tanto quando tiveram uma tolerância<br />

parcial do sistema empresarial capitalista, como quando se opuseram totalmente a ele, todas as<br />

feministas estão de acordo que hoje em dia o capitalismo está intrinsecamente contaminado com o<br />

patriarcado. A atual divisão sexual do trabalho e o trabalho não remunerado das mulheres,<br />

juntamente com outras hierarquias sexuais que provocam diferentes formas de controle e violência<br />

contra os corpos, a força de trabalho e a sexualidade de mulheres (e homens) vêm sendo<br />

reproduzidas uma e outra vez para sustentar a dominação do capital (Federici, 2004).<br />

Com o renovado descrédito do capitalismo corporativo como resultado da crise econômica que varre<br />

as economias capitalistas avançadas, ativistas sociais, inclusive as feministas têm uma vez mais a<br />

oportunidade de projetar e socializar visões alternativas e propostas políticas. Nós, feministas,<br />

devemos aproveitar o momento e colocar nossas análises e propostas sobre a mesa de alternativas,<br />

mas ao mesmo tempo devemos fazer uma análise crítica de outras alternativas, por suas<br />

consequências em nossa desejada reorganização de consumo e distribuição de recursos, política,<br />

cultura, vida familiar, sexualidades, relaciones sociais e determinação e liderança igualitária das<br />

instituições.<br />

Estou de acordo com publicações anteriores nas quais os conceitos de cuidado e diversidade sexual,<br />

bem como os direitos reprodutivos e do corpo, oferecem poderosas sementes para avançar nas<br />

discussões sobre as alternativas. Estes conceitos nos permitirão ampliar as dominantes e<br />

frequentemente limitantes interpretações legalistas da injustiça, dos direitos e da igualdade, e no<br />

processo expor formas persistentes e emergentes de relações humanas desiguais e injustas. No<br />

entanto, as feministas teremos que nos afastar de perspectivas exclusivamente hétero-normativas e<br />

situar nossas análises sobre bases mais plurais de ordem de gênero e sexuais e suas interações com<br />

forças econômicas e outras forças da sociedade que determinam historias pessoais e sociais. Estes<br />

questionamentos nos levarão a reconhecer diversas estruturas de reforço dos controles efetivos que<br />

permeiam dentro e através da acumulação das empresas na atual divisão do trabalho.<br />

O dito anteriormente constitui um argumento para promover a educação conjunta e a ação política<br />

entre feministas e militantes pelos direitos sexuais. Isto requer o apoio dos temas de umas e outras,<br />

por exemplo, lutar contra a homofobia ou exigir o acesso das mulheres a serviços de saúde<br />

reprodutiva, inclusive o aborto. Isto também significa um desafio político a todas as formas das<br />

forças neoconservadoras de todo o mundo que haviam condenado violentamente as feministas e as<br />

pessoas LGBT e se haviam oposto ferozmente aos direitos sexuais e reprodutivos, e aos princípios<br />

que já foram aprovados pelas Nações Unidas como parte de nossos direitos humanos universais.<br />

Hoje em dia vemos também a integração mais sistemática das questões de gênero na agenda política,<br />

discursiva e educativa dos diferentes movimentos de justiça social. Isto significa um


desenvolvimento positivo, uma vez que é um bom augúrio para as constantes transgressões das<br />

idéias e das alternativas feministas através de diferentes espaços progressistas. Entretanto,<br />

necessitamos saber mais sobre o que está acontecendo por trás da linguagem de gênero nos<br />

movimentos de justiça social. As pessoas perguntam-se quantas vezes os movimentos de justiça<br />

social poderiam ter-se expurgado das polêmicas chamadas questões de gênero que eram vistas como<br />

rompimento de consensos sobre posições “mais importantes” de justiça econômica. Quais são os<br />

significados de gênero nos movimentos sociais e quais as representações da realidade de mulheres e<br />

homens pobres e explorados projetam? No âmbito da dinâmica do comportamento, como a<br />

integração da linguagem de gênero em seu discurso fez uma diferença qualitativa na consecução de<br />

uma liderança mais compartilhada nas estruturas dos movimentos sociais? Embora haja resultados<br />

positivos destas interações, algumas das experiências que surgiram dos protestos mais recentes são<br />

preocupantes. Um exemplo foi o assédio às feministas egípcias e às pessoas LGBT por parte de<br />

companheiros manifestantes com os quais haviam marchado juntos no movimento pela democracia<br />

em seu país. Há sabedoria em buscar acontecimentos de tipo "cisne negro", por "muito improváveis",<br />

neste feroz novo mundo.<br />

Como movimentos feministas e outros movimentos sociais interconectados entre si, em oposição<br />

política e ideológica à avareza corporativa e as políticas de elite, temos que assegurar que o<br />

movimento feminista continue, para manter sua autonomia política, a produção do conhecimento<br />

dinâmico e a enérgica socialização das idéias.<br />

Não se deve deter o ativismo e a educação para o empoderamento e a liberdade. Temos que<br />

continuar lutando, ao mesmo tempo em que seguimos sonhando com alter-mundos.<br />

*********<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [34] Comentario/Comment/Commentaire/comentário<br />

******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [35] Síntesis/Synthesis/Synthèse/Síntese<br />

Síntese do terceiro Módulo<br />

“Movimento de educação y o Movimento da Sociedade Civil”<br />

Por Jorge Osorio<br />

1. A crise global é uma oportunidade para a configuração de novas formas de ações coletivas<br />

em todo o planeta. O discurso que cruza transversalmente essas mobilizações é a<br />

democratização do poder, da economia, da educação. Os educadores e educadoras não são<br />

atores ausentes, pelo contrário: junto aos estudantes conformam uma poderosa expressão<br />

cidadã de caráter global. A educação e suas instituições convencionais estão em discussão de<br />

maneira substantiva. Não apenas pelo tema de qualidade e acesso aos serviços escolares, mas<br />

pela incapacidade de entregar novas respostas às mudanças globais, e para orientar as pessoas<br />

e suas comunidades na direção de uma sociedade justa e sustentável.<br />

2. As mobilizações globais associam diversos tipos de sujeitos: jovens indignados; ativistas<br />

cidadãos de base; excluídos dos benefícios da globalização; endividados e hipotecados;<br />

consumidores abusados; mulheres “bóias frias” exploradas no trabalho; universitários sem<br />

emprego; desempregados crônicos vítimas de processos de deslocalização produtiva e<br />

degradação das economias regionais; comunidades afetadas pela depredação de seus recursos<br />

naturais; populações originárias que vêem fenecer os eco-sistemas nos quais se desenvolve<br />

sua microeconomia e sua cultura ancestral; emigrantes e deslocados; profissionais


conscientes da crise climática do planeta e muitos mais. Todo este mapa de sujeitos e<br />

conteúdos de mudança alude à necessidade de re-fundar modos de fazer política e educação.<br />

Não obstante, é muito mais que uma legítima indignação e resistência: é um apelo à ação,<br />

para trabalhar juntos por uma sociedade que produza e distribua os bens de maneira<br />

equitativa e justa, que desenvolva padrões de consumo sustentáveis e organize a convivência<br />

política com base em uma democracia de real participação cidadã.<br />

3. Neste contexto global, o que é próprio do “movimento de educação” está sendo configurado<br />

por alguns pontos fundamentais, tais como:<br />

- A crise nos leva a propor novas formas de entender o “desenvolvimento humano”: para<br />

isso, a educação é percebida como um processo de criação de capacidades das pessoas e<br />

suas comunidades que as habilitem para se organizar, expressar-se, associar-se, atuar em<br />

redes, entender as coordenadas da atual crise e participar na geração de uma “opinião<br />

pública global e local” crítica e deliberante<br />

- A educação deve ser colocada como tema crucial, com os conteúdos de uma<br />

transformação paradigmática do pensamento social, político e econômico, que imagine e<br />

crie as condições culturais de um novo modo de “configurar” o futuro<br />

- O futuro e a sustentabilidade social e planetária (eco-política) são núcleos vitais de uma<br />

proposta educativa nos atuais tempos de mobilização. Esta proposta implica desenvolver<br />

uma pedagogia cidadã que habilite os jovens e todas as pessoas a se manifestarem como<br />

sujeitos ativos; para isso as instituições escolares e comunitárias devem se abrir para a<br />

descoberta de novas modalidades de aprendizagem, de conceber as aulas e o papel dos e<br />

das docentes e da relação das escolas com suas comunidades e seus entornos eco-sociais<br />

- “Mover o futuro” é uma palavra de ordem global que impacta os educadores e as<br />

educadoras na medida em que passam a ser responsáveis pelas aprendizagens que as<br />

comunidades necessitam exercer para criar um capital cívico e um poder cidadão<br />

suficiente, que chegue a ser capaz de democratizar a política e distribuir socialmente o<br />

poder.<br />

- Existe uma capacidade virtuosa de educadores e educadoras para fazer emergir uma<br />

sociedade justa e sustentável; junto a outras profissões sociais e com o voluntariado e<br />

militantes, os educadores e educadoras produzem bens simbólicos e culturais<br />

invisibilizados em uma economia neoliberal, e que são as bases para o “bem viver”, tais<br />

como a educação dos afetos, da solidariedade, da reciprocidade, da confiança e do<br />

diálogo, do respeito à diversidade, da não discriminação e a aprendizagem dos direitos<br />

humanos. O trabalho educativo-comunitário deve ser valorizado e reconhecido nos<br />

parâmetros econômicos convencionais, e dessa maneira tornar evidente a contribuição do<br />

trabalho educativo de base para a convivência humana. Esta constatação deveria<br />

potencializar a autoconsciência do poder de transformação que têm os que trabalham com<br />

educação e colocá-lo à disposição dos movimentos sociais promovendo as aprendizagens<br />

necessárias para desenvolver sujeitos críticos e ativamente responsáveis com o presente e<br />

o futuro das sociedade e do planeta.<br />

- A educação é uma tarefa complexa pela diversidade dos contextos culturais nos quais se<br />

desenvolve, pelos tipos de instituições escolares e não-escolares que a implementam,<br />

pelos sujeitos sociais que participam e pela multiculturalidade de seus propósitos: por<br />

isso somos requeridos a desenvolver pedagogias plurais, críticas e multi-versas e<br />

acrescentar os contingentes docentes que estejam dispostos a potencializar suas práticas


profissionais, através de comunidades e movimentos que sistematizem seus saberes e<br />

seus desafios, ao mesmo tempo em que acentuem sua auto-convicção sobre seu<br />

fundamental papel na busca de novos paradigmas bio-civilizatórios, tal como os<br />

chamamos neste Seminário virtual.<br />

- A dimensão educativa das mobilizações globais, em todas as regiões do planeta, está<br />

deixando como aprendizagem, nos movimentos de educadores e educadoras, a<br />

necessidade de combinar o pensamento pedagógico e as práticas docentes com os<br />

movimentos de mudança que se expressam na sociedade. Neste seminário foram<br />

identificadas algumas tendências deste verdadeiro “giro epistêmico, político e<br />

pedagógico”:<br />

a) O entendimento da realidade como uma trama complexa na qual os sujeitos se<br />

constituem a partir de diversas matrizes culturais e de gênero diversos, para<br />

desenvolver uma educação para o bem-viver, para a justiça social e ecológica<br />

b) A valorização de uma ética do cuidado e de reconhecimento das demandas dos<br />

“invisibilizados” e “ausentes” pela dinâmica dos poderes do neoliberalismo:<br />

“cidadania-com-cidadania”<br />

c) Fortalecimento de instituições e políticas educativas capazes de responder às<br />

exigências de uma democracia participativa e de acesso aos bens do conhecimento<br />

distribuídos e socializados através das instituições educacionais e dos meios do<br />

“open-learning”<br />

*****<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [36]Moema Viezzer<br />

Quarto Módulo: “Aprendizagens necessárias para aprofundar a democracia nas<br />

diversidades e a sustentabilidade”<br />

“Somos Todos/as Aprendizes e Educadores(as)” Reflexões a caminho da <strong>Rio+20</strong><br />

Por Moema Viezzer (*)<br />

Brasil<br />

A mobilização dos Atores Sociais passa, em primeiro lugar, pelos princípios e valores que alimentam<br />

suas ações. Porque o ser humano investe naquilo que acredita. No contexto da mobilização<br />

planetária que vem ocorrendo rumo à <strong>Rio+20</strong> e depois, educadoras e educadores buscam aprofundar<br />

e dar visibilidade aos princípios e valores que orientam suas ações e que, no momento atual da<br />

história do planeta e da humanidade adquirem importância vital.<br />

Uma afirmação muito significativa nos vem da Universidade de Hiroshima-Japão: “Sem a educação<br />

ambiental, as leis não vingam e a tecnologia fica sem ter quem a desenvolva”, diz o professor<br />

Atsushi Asakura. Esta afirmação traz à tona a importância de educar líderes, educadores,<br />

legisladores, tecnólogos e planejadores para fazer frente aos desafios que as questões<br />

socioambientais atuais colocam para a humanidade.<br />

Os tempos em que o meio ambiente era assunto de especialistas e a educação ambiental reduto de<br />

escolas já estão ultrapassados. A educação ambiental, no sentido mais amplo que o termo foi<br />

adquirindo, é toda educação que tem como referencia o ambiente como um todo, entendido como


“comunidade dos seres vivos” conforme indica a Carta da Terra. É a educação que aponta para vida<br />

sustentável em todos os espaços em que circulamos e que podemos transformar em espaços<br />

educadores. O pano de fundo de toda educação em qualquer de suas modalidades é, então, a<br />

sustentabilidade entendida não como um horizonte que parece cada dia mais inacessível, mas como<br />

pratica cotidiana de princípios e valores que se refletem em nossas atitudes e práticas cotidianas.<br />

Este tipo de reflexão foi tornado visível na Carta dos Educadores e Educadoras rumo à <strong>Rio+20</strong> por<br />

um mundo feliz que transcrevemos abaixo, fruto de uma reflexão coletiva que já vem sendo<br />

socializada em vários países do planeta e que, no âmbito da 2ª Jornada de Educação para Sociedades<br />

Sustentáveis, nos pareceu adequado partilhar com os(as) participantes deste Intercambio <strong>Virtual</strong>.<br />

Carta dos Educadores e Educadoras rumo à <strong>Rio+20</strong><br />

“Nós, educadoras e educadores dos mais diversos lugares do Planeta, neste momento em que o<br />

mundo novamente coloca em pauta as grandes questões que foram tratadas na Rio 92, reafirmamos<br />

nossa adesão aos princípios e valores expressos em documentos planetários como o Tratado de<br />

Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, a Carta da Terra, a<br />

Carta das Responsabilidades Humanas, a Declaração do Rio, entre outras.<br />

Mas só reafirmar já não basta! Transbordamos de referenciais teóricos que nos iluminam, e com eles<br />

os princípios, valores, diretrizes e linhas de ações propostos nos documentos citados precisam<br />

verdadeiramente sair do papel, pois o tal "desenvolvimento" atingido ainda aparta 80% da<br />

humanidade das condições mínimas de vida na Cultura de Paz, com justiça ambiental e social.<br />

É inadmissível que ainda tenhamos guerras, gastos com armas, um bilhão de famintos e miseráveis,<br />

falta de água potável e saneamento para imensas parcelas da humanidade. É inadmissível a violação<br />

dos Direitos Humanos (diversidade de gênero, etnia, geracional, condição social e geográfica), a<br />

perda da diversidade de espécies, culturas, línguas e genética, o lucro mesquinho, a violência urbana<br />

e todas as formas de discriminação e projetos de poder opressivos.<br />

As manifestações humanas em vários países pela derrubada dos ditadores de todos os tipos são<br />

indicadores da necessidade de novas propostas de organização dos 7 bilhões de humanos. Já é uma<br />

evidencia que a governabilidade e a governança do Planeta precisam estar nas mãos das<br />

comunidades locais nas quais deve existir a responsabilidade global com o Bem Comum de humanos<br />

e não humanos e de todos os sistemas naturais e de suporte à vida.<br />

Precisamos aprender e exercitar outras formas de fazer políticas públicas a partir das comunidades, e<br />

exigir políticas estatais comprometidas com a qualidade de vida dos povos. Para tanto, faz-se urgente<br />

fortalecer os processos educadores comprometidos com a emancipação humana e a participação<br />

política na construção de Sociedades Sustentáveis, onde cada comunidade humana sinta-se<br />

comprometida, incluída e ativa no compartilhamento da abundância das riquezas e da Vida no nosso<br />

Planeta.<br />

A capacidade de suporte da Mãe Terra está chegando ao limite, fato decorrente do modo de<br />

ocupação, produção e consumo irresponsáveis do capitalismo vigente, que se tornou o modelo<br />

econômico global, e agora também apresenta o discurso de Economia Verde. Para nós, quaisquer<br />

que sejam os conceitos ou termos utilizados, o indispensável é que a visão socioambiental esteja<br />

sempre à frente. A construção de Sociedades Sustentáveis com Responsabilidade Global<br />

fundamenta-se nos valores da vida aos quais a economia deve servir.<br />

Sociedades Sustentáveis são constituídas de cidadãos e cidadãs educadas ambientalmente em suas<br />

comunidades, decidindo a cada passo desta caminhada o que significa Economia Verde,<br />

Sustentabilidade, Desenvolvimento Sustentável, Mudanças Climáticas e tantos outros conceitos que,


em muitos casos, se afastam de sua origem ou motivação que é a transição para um outro mundo<br />

possível, sendo cooptados ou cunhados já a serviço de uma racionalidade hegemônica e liberal.<br />

Cada comunidade pode ver e sentir além das palavras e da semântica, mantendo seu rumo em<br />

direção à união planetária, traçando sua própria História.<br />

Retomar e apropriar-se localmente destes conceitos sob a força da Identidade Planetária<br />

potencializará as comunidades aprendentes, a partir da prática dialógica, ao sentido de pertencimento<br />

e às mobilizações que se fazem necessárias para seu Bem Viver e Felicidade individual e coletiva.<br />

Neste exercício configura-se a essência da dimensão espiritual como prática radical da valoração<br />

ética da vida, do cuidado respeitoso a todas as formas viventes, unindo corações e mentes pelo amor.<br />

Trata-se de um processo que potencializa o indivíduo para a prática do diálogo consigo mesmo, com<br />

o outro, com a comunidade planetária como um todo, resgatando o senso de cidadania e superando a<br />

dissociação entre Sociedade e Natureza.<br />

Cabe, então, perguntar: onde se situa o papel da Educação para Sociedades Sustentáveis e<br />

Responsabilidade Global? A resposta, em pleno século XXI, só pode ser uma: no Centro. No centro<br />

da vida cotidiana, da gestão educacional, da gestão política, econômica e ambiental. Assim se<br />

consolida a Educação Ambiental para o outro mundo, com justiça ambiental e social, assegurando o<br />

desenvolvimento de uma democracia efetivamente participativa capaz de garantir o desenvolvimento<br />

social, cultural e espiritual dos povos, bem como seu controle social.<br />

Queremos então estabelecer e consolidar Planos de Ação Locais e Planetário, tendo como foco<br />

principal uma educação que leve a desvendar as estruturas de classe e de poder entre pessoas,<br />

instituições e nações que atualmente imperam em nosso planeta Terra. (10)<br />

Educar a nós mesmos para Sociedades Sustentáveis significa nos situarmos em relação ao sistema<br />

global vigente, para redesenharmos nossa presença no mundo, saindo de confortáveis posições de<br />

neutralidade. Porque a educação é sempre baseada em valores: nunca houve, não existe, nunca<br />

haverá neutralidade na educação, seja ela formal, não formal, informal, presencial ou à distância.<br />

Educadoras e educadores de todas as partes do mundo concordamos que o caminho para a real<br />

sustentabilidade pode ser feito por várias trilhas ou correntes que se pautam em valores e princípios<br />

que apontam para a sustentabilidade. Aprendizagem Transformadora, Alfabetização Ecológica,<br />

Educação Popular Ambiental, Ecopedagogia, educação Gaia, Educ-Ação Socioambiental são<br />

algumas delas. Todas estas correntes têm pontos em comum que trazem contribuições para a<br />

construção dos novos modelos de sociedade. E todas nos remetem à necessidade de desenvolver<br />

conhecimentos, consciência, atitudes e habilidades necessárias para participar na construção destes<br />

novos modelos, integrando-os em nossa forma de ser, de produzir, de consumir e de pertencer.<br />

Mais do que nunca apelamos por uma educação capaz de despertar admiração e respeito pela<br />

complexidade da sustentação da vida, tendo como utopia a construção de sociedades sustentáveis por<br />

meio da ética do cuidar e de proteger a bio e a sociodiversidade. Neste fazer educativo, a<br />

transdisplinariedade intrínseca à educação socioambiental, leva à interação entre as várias áreas da<br />

ciência e da tecnologia e as diferentes manifestações do saber popular e tradicional. É o que permite<br />

a integração de conhecimentos já existentes e a produção de novos conhecimentos e novas ações<br />

socioambientais, exercitando o diálogo entre saberes e cuidados socioambientais como Tecnologia<br />

de Ponta na Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global.”<br />

(*) Coordenadora da 2ª Jornada Internacional de Educação para Sociedades Sustentáveis - RIO +20<br />

www.tratadodeeducacaoambiental.net e-mail: jornadario20@gmail.com<br />

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[<strong>Rio+20</strong>education] [37] Alan Tuckett<br />

Contribuição de Alan Tuckett (*)<br />

Presidente do ICAE<br />

Os exercícios de Augusto Boal no Teatro do Oprimido estão elaborados para apoiar os participantes<br />

na análise do que está mal na situação atual, para animá-los a imaginar um resultado ideal e depois<br />

desenhar estratégias para sair da opressão e chegar ao resultado ideal. Uma vez que cada um é livre<br />

para propor medidas que mudem a situação de forma positiva, e todos podem participar na<br />

identificação de barreiras à mudança e de que forma elas devem ser superadas, os exercícios são uma<br />

poderosa forma de educação inclusiva para o empoderamento.<br />

Esta contribuição ao seminário virtual é oferecida com esse espírito. Em sua apresentação na<br />

Assembléia Mundial do ICAE em Malmö, e em sua contribuição ao seminário, Gita Sen tem razão<br />

quando diz que o contexto atual representa uma feroz ordem do novo mundo, no qual conquistas<br />

duramente obtidas estão em risco, particularmente no sul econômico, e onde o impacto negativo das<br />

crises bancária e ecológica afetam de forma desproporcional as mulheres. Também é certo para<br />

identificar os elementos de uma ordem mundial mais justa, o outro mundo ao que se aspira no<br />

trabalho do Fórum Social Mundial. No entanto, as angústias sentidas por todos os tipos de governo<br />

se refletem no plano do Canadá de retirar-se do protocolo de Kyoto, cujos signatários atuais só<br />

representam 30 por cento das emissões globais de carbono. Isso também se reflete no decidido foco<br />

político sobre como voltar ao crescimento econômico em todos os debates dos países<br />

industrializados. Isso é o que parecem, do ponto de vista desta pequena perspectiva, os acordos<br />

internacionais necessários para assegurar o compromisso com o desenvolvimento e a evolução de<br />

uma distribuição mais justa dos recursos, junto com as estratégias para limitar as emissões de<br />

carbono propostas em Durban. Espera-nos uma longa luta global para assegurar a mudança.<br />

Mas, em minha opinião, também devemos analisar seriamente nossa própria situação como<br />

educadores de pessoas adultas, enquanto nos preparamos para o fórum social temático de Porto<br />

Alegre sobre a educação para a sustentabilidade em um mundo em mudança climática, e para Rio +<br />

20, em junho de 2012. Uma olhada à agenda de Rio + 20 ilustra a magnitude do desafio que<br />

enfrentamos. Até agora temos fracassado em assegurar nessa agenda um enfoque educativo<br />

explícito, para não falar de um enfoque de educação de pessoas adultas. Então, de que forma vamos<br />

deixar claro o papel fundamental da educação de pessoas adultas na obtenção das mudanças políticas<br />

e culturais necessárias?<br />

Ao mesmo tempo, nosso êxito em alcançar a participação de educadores de pessoas jovens e adultas<br />

na revisão das práticas de ensino e aprendizagem para apoiar a conquista de um mundo sustentável<br />

em que valha a pena viver é, no melhor dos casos, irregular. Como resultado, existe o risco de que,<br />

embora bem intencionado, nosso trabalho possa ser facilmente marginalizado.<br />

Entretanto, não há metas mais importantes que o desenvolvimento e o intercâmbio de uma pedagogia<br />

que empodere os estudantes para fazer a diferença. Também é vital desenvolver um advocacy<br />

efetivo que persuada os tomadores de decisões, em todos os níveis, que a educação, e especialmente<br />

a educação para as pessoas adultas, tem um papel primordial na criação das condições necessárias<br />

para aliviar os efeitos negativos da mudança climática; e é um requisito prévio essencial e o<br />

componente fundamental das estratégias efetivas para conseguir a sustentabilidade.<br />

Então, qual a prioridade que devemos dar ao nosso trabalho? Raymond Williams sustentou que em<br />

um momento de rápida mudança social, as pessoas adultas se dedicam à aprendizagem por três<br />

razões: para entender o que está sucedendo, para adaptar-se à mudança, e para dar-lhe forma. A


educação para a sustentabilidade em um mundo em mudança climática deve abordar, sem dúvida, as<br />

três.<br />

Para a primeira seria bom se juntamente com nossa análise do contexto econômico e político mais<br />

amplo, pudéssemos dar conta do trabalho que tem compartilhado com êxito a compreensão das<br />

mudanças em processo, as adaptações que temos que fazer, os obstáculos encontrados em sua<br />

aplicação e como eles podem ser superados. Essa prestação de contas será, inevitavelmente,<br />

diferente para as pessoas que trabalham em estados insulares que correm o risco de sofrer aumentos<br />

do nível do mar, para aquelas que trabalham em climas afetados pela seca ou para as pessoas que<br />

trabalham em contextos onde o uso de energia necessita uma drástica redução. Será preciso incluir<br />

um enfoque sobre o impacto diferencial sobre a mulher, e como mulheres e homens reagem diante<br />

disso. Depois, na medida em que avancemos, após Rio +20, teremos que compartilhar materiais e<br />

boas práticas de formação para apoiar docentes e facilitadores.<br />

Ao pensar na resposta à preocupação das pessoas para se adaptarem às mudanças, creio que<br />

necessitamos refletir sobre a forma de nos relacionarmos com as suposições ideológicas comuns do<br />

tipo das que Kumi Naidoo destacou na contribuição ao nosso trabalho anterior assinalando que:<br />

• As pessoas foram educadas para crer que têm direito a consumir mais recursos para uma vida<br />

mais confortável, e que essa é uma ambição legítima<br />

• Os pobres não gostam que os ricos lhes digam que deveriam consumir menos ou fazer<br />

sacrifícios<br />

• A felicidade humana, na teoria econômica e nos manifestos dos partidos políticos, é definida<br />

em termos de aumento de renda, dos serviços públicos e do consumo privado – tudo o que<br />

implica em um maior uso de recursos e de energia.<br />

Temos práticas efetivas que podemos mostrar na mudança de atitudes e comportamentos através da<br />

educação? Quais são suas características, e como podem ser generalizadas? É claro que temos que<br />

ter uma análise clara, mas o desafio é demonstrar que a educação é vital para fazer diferença.<br />

O terceiro aspecto – apoiar as pessoas adultas na busca de dar forma à mudança parece-me, num<br />

primeiro momento, mais fácil e mais difícil ao mesmo tempo: mais fácil porque a educação exitosa<br />

para o empoderamento é o sangue vital do movimento de educação de pessoas adultas; mais difícil<br />

devido a que a combinação de complexos debates científicos e técnicos, juntamente com a falta<br />

generalizada de atenção daqueles que, em muitas partes do mundo, tomam as decisões sobre a<br />

dimensão educativa da questão significa que os locais de advocacy popular terão que estar muito<br />

dispersos.<br />

Creio que temos que abordar estes três focos com urgência, com a finalidade de fazer um lobby<br />

efetivo pelo papel da educação nas discussões de Rio +20. Dada a forma da agenda parece haver<br />

mais possibilidades no fluxo de trabalho centrado no impacto sobre as mulheres do que em outros<br />

aspectos. No entanto, nossos principais objetivos, em minha opinião, deveriam ser o estabelecimento<br />

de uma plataforma suficientemente convincente para levar adiante a discussão das prioridades da<br />

EPT depois de 2015 e também as estratégias educativas dos países da OCDE. Creio que isso nos<br />

ajudaria a mover-nos dos males atuais para outro mundo melhor, na forma em que Boal nos anima.<br />

(*) Presidente do ICAE - Conselho Internacional de Educação de Adultos(as)- UK<br />

********


[<strong>Rio+20</strong>education] [38] Astrid von Kotze<br />

Educação para o bem viver:<br />

ensaiando democracia, imaginação e suficiência em educação popular<br />

Por Astrid von Kotze (*)<br />

Um momento de democracia na diversidade<br />

Um grande ruído inunda a sala quando mais de 100 pessoas levam pedaços de tubo aos lábios e<br />

sopram. Algumas se esquecem de fechar o tubo com um dedo e se esforçam em produzir um som;<br />

outras morrem de rir quando sua concentração passa de soprar a escutar – mas todas estão totalmente<br />

absortas tentando "fazer música". Pedro "o homem-música" alerta de que este é um momento<br />

verdadeiramente democrático: todos participam - todos com diferentes notas, dependendo do<br />

comprimento do tubo - mas cada um tratando de produzir uma nota para contribuir com a cacofonia.<br />

Assim, demonstra que as notas sozinhas podem produzir um ritmo, mas não uma melodia, e que<br />

demandará o esforço de todos, de maneira coordenada, fazer com que o ruído se converta em<br />

melodia. Mas adverte: as pausas, os silêncios são tão importantes como o som e os participantes<br />

concordam: isso também é assim na vida. Se uma pessoa fala o tempo todo nada mais é que ruído e<br />

apenas a escuta nos permite criar o diálogo e chegar juntos a um sentido.<br />

Tocamos um ritmo, e depois? Podemos escutar que surge uma melodia? Ele faz essa pergunta e<br />

vários participantes cantarolam ou assobiam o que ouviram. Cada um tem sua própria versão e cada<br />

uma, como ele mesmo assinala, é igualmente válida: isto é o que ouviram do lugar onde tocaram a<br />

nota! Duas mulheres mais velhas se agarram enquanto se dobram de rir – nunca antes as havia visto<br />

tão relaxadas e felizes nas aulas. E as crianças deixaram suas brincadeiras e também se uniram.<br />

Pessoas que não se conheciam faziam gestos com a cabeça seguindo o ritmo, ou tamborilavam com<br />

os pés em uníssono.<br />

Todos gostariam de aportar suas notas e produzir melodias, música que seja agradável para o ouvido<br />

e o coração? Pedro pede aos "maestros" que o ajudem a orquestrar e assim começamos a fazer<br />

música de verdade juntos. É um momento mágico de criação, e na medida em que uma melodia<br />

segue à outra nos sentimos mais realizados – até que ficamos sem fôlego e cheios de alegria,<br />

encantados. Aplaudimos aos demais, a nós mesmos, ao maestro e estamos de acordo: vamos trazer os<br />

tubos na próxima reunião da “escola de educação popular” e ampliaremos esta experiência de<br />

produção democrática para ver que outros momentos e mensagens podem trazer.<br />

Educação Popular para a mudança<br />

A orquestra de tubos formou parte da celebração final da primeira “escola de educação popular”<br />

(PES, em inglês) deste ano. Em dois ciclos de 12 semanas, 10 grupos diferentes em zonas pobres da<br />

Cidade do Cabo e em zonas rurais de Drakenstein tinham se conhecido e aprendido juntos. As aulas<br />

eram gratuitas e aconteceram a cada semana durante 2 a 3 horas em lugares que iam desde centros<br />

comunitários até garagens particulares. A maioria dos aproximadamente 100 participantes eram<br />

mulheres: muitas levaram seus filhos ou netos, a maior parte delas estava desempregada e as<br />

primeiras reuniões consistiram em que encontrassem sua voz.<br />

O plano de estudos, baseado nas experiências cotidianas dos participantes, na opressão sócioeconômica,<br />

foi negociado com cada grupo durante sessões de "orientação". Em geral, centrou-se em<br />

temas sociais, como os altos níveis de abuso, incluindo o abuso de drogas, delinqüência e<br />

desemprego. Desde aprender a "nomear o mundo” e fazer conexões entre o local e as forças globais,<br />

os cursos se dirigiram para a adoção de medidas. E nas últimas sessões os participantes aprenderam<br />

sobre como fazer campanhas, mediante o planejamento e a execução de uma campanha em sua<br />

comunidade. Desta forma, assumiram a tarefa como cidadãos críticos e começaram a construir seu


sentido de poder em relação com as mudanças que os afetam. Mediante a geração de energia<br />

comunitária começaram a reconstruir aspectos de suas vidas através da ação coletiva.<br />

Ao ser-lhes perguntando o que fazia com que voltassem a cada semana, responderam que era<br />

interessante fazer conexões entre eles e com os demais, com as pessoas e seu mundo, com a<br />

economia local e a política global. Também desfrutaram o fato de serem respeitados e trabalharem<br />

juntos em novas idéias e afirmaram que sua participação os converteu em modelos para seus filhos,<br />

ao demonstrar-lhes a importância da educação e da aprendizagem ao longo de toda a vida fora das<br />

escolas. Nos momentos em que o capitalismo global só incide e valoriza a educação credenciada, a<br />

que está certificada em termos de escalas de qualificação, a escola de educação popular é contrahegemônica<br />

no que fornece e mais ainda na forma em que é valorizada pelas pessoas.<br />

Democracia, criatividade e suficiência.<br />

A celebração terminou com os participantes compartilhando uma nutritiva refeição. Todos nos<br />

sentíamos repletos e satisfeitos, tanto emocional como fisicamente: os sorrisos e os abraços, os<br />

ombros agora relaxados, o passo leve e saltitante, o calor da interação foram as provas. Havia<br />

abundância, mais que mera suficiência, o que demonstrou que se necessita muito pouco para<br />

conseguir “o suficiente”: uma idéia, atenção e cuidado de e com os demais, um convite a usar a<br />

imaginação e expressar-se de forma criativa, uma afirmação de valor em um mundo que sugere que<br />

você não vale nada se não contribuir ao crescimento econômico; e alimentos nutritivos de sobra para<br />

levar para casa. O espírito de “ubuntu” (ser através do outro) freqüentemente tem sido seqüestrado<br />

pelas grandes empresas e sua exploração deliberada das pessoas. Na educação popular se reconhece<br />

que a miséria ou o bem-estar de cada um estão ligados à satisfação ou à carência, que não se pode<br />

viver bem a menos que os demais também possam fazê-lo. Nas sessões de educação exploramos<br />

relações de poder, descobrimos os interesses ocultos atrás de uma linguagem que alega o contrario,<br />

afirmamos o bem comum local como base para forjar um mundo que sustenta as pessoas, bem como<br />

outros seres vivos.<br />

A oficina de música era uma metáfora viva dos princípios subjacentes que conformam este<br />

programa, a saber: a crença de que o que tem que ser sustentável não é uma idéia de<br />

desenvolvimento, senão uma sensação de segurança na capacidade de satisfazer necessidades básicas<br />

e viver bem. A educação popular sempre integrou processos criativos e artes para a produção de<br />

informação. Os tubos cortados são a versão "moderna" de instrumentos tradicionais fabricados de<br />

ossos ocos ou talo de folhas de mamoeiro e demonstram que é possível criar os meios para o bemestar<br />

comum a partir de quase qualquer coisa. É importante destacar que a oficina demonstrou que se<br />

necessitam pessoas com imaginação e compromisso para trabalhar juntos, para que possa surgir algo<br />

novo e bonito. Aqui os participantes foram produtores ativos, mais que consumidores de cultura e<br />

responderam de maneira previsível ao convite para criar com alegria e energia.<br />

A simples mensagem de que a democracia se trata de trabalhar juntos foi transmitida e tomada com<br />

força. O que necessitamos é uma educação que faça isso; que lembre às pessoas que a função social<br />

do trabalho é manter e reproduzir a vida, não acumular bens; uma educação que valorize a<br />

solidariedade e a coletividade nos processos de produção de conhecimento e que lembre as pessoas<br />

de reavaliar outras formas de saber e conhecimentos, além dos paradigmas ocidentais.<br />

A educação popular tem os meios para tornar a se centrar nos valores essenciais com raízes no bem<br />

comum; tem as ferramentas para criar processos democráticos e relações de poder horizontais que<br />

servem como modelos daquilo que deveria ser e que poderia ser; tem a integridade que diz que se os<br />

meios e o fim são contraditórios haverá conflito, e que o pensamento e o ser devem ser relacionais e<br />

integrais. As aulas de educação popular são um exemplo de como imaginar, construir e ensaiar a<br />

experiência de outro mundo.<br />

(*) Programa de Educação Popular, Cidade do Cabo, África do Sul


[<strong>Rio+20</strong>education] [39] Comments/Comentarios/Commentaires<br />

*******<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [40] Mats Ehn<br />

“Folkbildning”, cidadania ativa e desafios globais. O conceito de folkbildning<br />

Contribuição de Mats Ehn (*)<br />

Um dos quatro temas principais durante a Assembléia Mundial do ICAE em Malmö foi a tradição<br />

nórdica da "folkbildning" e sua relação com os atuais desafios globais. A tradição nórdica da<br />

folkbildning está estritamente conectada às lutas dos movimentos populares pela democracia no final<br />

do século XIX e daí em diante. Nessas lutas, os diferentes movimentos criaram suas próprias<br />

instituições de acordo com as suas necessidades educativas e políticas. Essas instituições, conhecidas<br />

como Universidades Populares e Associações de Círculos de Estudo, converteram-se em parte da<br />

infra-estrutura cultural e social dos países nórdicos e recebem o apoio financeiro dos estados.<br />

A folkbildning sueca é financiada principalmente através de subvenciones do estado, dos conselhos<br />

dos condados e dos municípios. Existe um amplo consenso político de que o Estado deve<br />

proporcionar apoio econômico à folkbildning. O Parlamento sueco estabeleceu objetivos gerais para<br />

as atividades que podem ser resumidos nas atividades da folkbildning que deverão:<br />

• fortalecer e desenvolver a democracia,<br />

• tornar possível que as pessoas tenham influência em sua situação de vida e se envolvam de forma<br />

participativa no desenvolvimento social,<br />

• estender pontes para transpor as brechas educativas e elevar o nível da educação e da consciência<br />

cultural na sociedade,<br />

• ampliar o interesse por una maior participação na vida cultural.<br />

Outras características da folkbildning nórdica são seu caráter participativo, que se refere às<br />

experiências dos participantes, é voluntária e tem fortes conexões com a sociedade civil e com os<br />

movimentos sociais.<br />

A folkbildning não é o único fio condutor na educação e na aprendizagem de pessoas adultas nos<br />

países nórdicos, mas dada a liberdade dos programas e o financiamento público estável, tem um<br />

enorme potencial de empoderamento das pessoas e de fazer com que a democracia seja mais<br />

participativa e informada. Infelizmente, nem sempre utilizamos essas possibilidades.<br />

Os conceitos são sempre contextuais. O uso do termo folkbildning em lugar de educação popular,<br />

educação liberal ou educação de pessoas adultas não se refere a uma metodologia ou uma visão do<br />

mundo especial, mas sim à experiência dos países nórdicos nesse terreno, ao financiamento público e<br />

à liberdade outorgada à sociedade civil para organizar esse tipo de educação.<br />

Desafios globais e respostas educativas<br />

A experiência nórdica da folkbildning e da cidadania ativa desenvolveu-se no marco do<br />

Estado/Nação. Agora que estamos diante de desafios globais, como vamos responder?<br />

O Conselho de Universidades Populares dos países nórdicos organizou um seminário durante a<br />

Assembléia Mundial do ICAE em Malmö com o título "É possível formar um cidadão global?<br />

Enfoques teóricos e pedagógicos das Universidades Populares Nórdicas".


Esse seminário foi parte de um projeto nórdico destinado a desenvolver a compreensão teórica do<br />

significado da cidadania global e para recopilar e difundir boas práticas.<br />

Foram identificados quatro desafios principais para nossas atividades educativas:<br />

• Intercâmbio cultural - como podemos enfrentar o etnocentrismo, o racismo e a xenofobia e<br />

criar relações interculturais baseadas na reciprocidade e no respeito?<br />

• Cidadania - Como podemos superar os sentimentos de apatia e impotência e infundir o<br />

compromisso e a participação no nível local, nacional e mundial?<br />

• Sustentabilidade- Como podemos mudar os padrões destrutivos da produção e do consumo e<br />

buscar soluções para a crise climática e do meio-ambiente?<br />

• Equidade - Como podemos enfrentar a discriminação baseada em gênero, classe, etnia,<br />

sexualidade, religião e deficiências e fazer com que os direitos humanos sejam uma realidade<br />

para todos?<br />

Estas são as perguntas e desafios que queremos compartilhar com a rede do ICAE. Algumas<br />

contribuições que queremos dividir como resposta são as seguintes:<br />

• Nossas atividades educativas devem se referir aos desafios globais que enfrentamos<br />

• Devemos ter uma perspectiva local e relacionar os acontecimentos de nossas comunidades no<br />

âmbito nacional, europeu e mundial. Necessitamos que a cidadania local ativa re-invente a<br />

democracia em diferentes níveis.<br />

• Nossa educação deve estar baseada em valores de solidariedade, igualdade e respeito e<br />

enfrentar toda forma de opressão. Devemos reclamar o direito a ter direitos para todos.<br />

• Podemos utilizar o conceito de "interseccionalidade" para pesquisar e aprender como estão<br />

relacionadas entre si as diferentes formas das estruturas de poder.<br />

• Podemos utilizar conceitos como "rastro ecológico" para visualizar o que pode significar a<br />

justiça ambiental e transformar nossas unidades educativas em oficinas práticas para a<br />

sustentabilidade com a participação de docentes, estudantes e a comunidade.<br />

• Podemos utilizar o concepto de "ir de visita", desenvolvido por Hanna Arendt como método<br />

pedagógico para desenvolver a capacidade intercultural.<br />

Este seminário virtual é uma grande oportunidade para aprender de outras experiências e refletir<br />

sobre a crítica e as idéias construtivas de diferentes perspectivas. Como contribuição final, gostaria<br />

de alegar que a educação de pessoas adultas críticas em suas diferentes formas e contextos é uma<br />

parte indispensável da infra-estrutura da sociedade se aspiramos a uma democracia participativa e,<br />

portanto, deve ter um financiamento adequado para desempenhar esse papel.<br />

(*) Mats Ehn - FOLAC: Folkbildning – Aprender para uma cidadania ativa<br />

Suécia<br />

********


[<strong>Rio+20</strong>education] [41] Eliane Cavalleiro<br />

“A ação individual como elemento incondicional para a concretização da<br />

democracia e para a valorização da diversidade”<br />

Contribuição de Eliane Cavalleiro (*)<br />

A questão que nos move hoje dialoga, em certa medida, com o desafio apresentado em 1963 pelo Dr.<br />

Matin Lutehr King Jr, no que se refere ao julgamento de cada individuo com base no conteúdo de<br />

seu caráter, na sua humanidade e não na cor de sua pele. E podemos na atualidade ampliar tal desafio<br />

para características relacionadas ao gênero, à orientação sexual, à nacionalidade etc., bem como a<br />

necessidade imperiosa da consolidação dos direitos humanos, da produção e distribuição igualitária<br />

dos bens materiais e imateriais.<br />

Assim, podemos compreender que a arquitetura de uma educação para uma concreta democracia -<br />

com participação quantitativa e qualitativa de pessoas pertencentes a grupos discriminados e<br />

socialmente excluídos - depende necessariamente de trazer para o centro dos processos de educação,<br />

de formação política e profissional as dificuldades praticas e também de ordem afetiva que nós<br />

ativistas, educadores, gestores em geral – homens e mulheres – enfrentamos, seja no calor da<br />

educação das futures gerações, seja na elaboração e implementação de políticas em órgãos públicos<br />

e/ou da administração das instituições em geral.<br />

Como resultado de nosso ativismo, podemos identificar importantes avanços no modo de entender e<br />

inserir a temática da diversidade na nossa agenda de trabalho. Também podemos identificar a<br />

inserção desse tema na agenda de alguns países da América Latina como, por exemplo, Equador,<br />

Peru e Brasil. Contudo, como a autocrítica constitui uma pratica necessária e positiva, devemos<br />

considerar que os avanços se mostram ainda bastante insatisfatórios na medida em que as populações<br />

discriminadas não gozam efetivamente dos avanços econômicos que são percebidos na sociedade<br />

ampla: permanecendo muitos em situação de baixa escolarização, baixa inserção profissional e<br />

principalmente com frágil perspectiva de crescimento educacional para as futuras gerações<br />

integrantes desses grupos.<br />

Diante disso, permanece a legitima e urgente necessidade de usarmos nosso tempo pessoal, político<br />

e profissional para conhecermos as demandas, para refletirmos sobre as questões e para nos<br />

encorajarmos a experimentar praticas sociais, profissionais e políticas que dialoguem com as<br />

reivindicações dos grupos discriminados.<br />

No que tange mais especificamente ao combate ao racismo e a discriminação racial, mesmo diante<br />

do reconhecimento do fato de que não nascemos racistas, é imperioso compreender que o racismo<br />

esta enraizado nas nossas mentes, na nossa formação social e educacional muito mais do que<br />

gostaríamos. Como nos ensina a psicóloga/pesquisadora Susan T. Fiske, necessitamos refletir sobre a<br />

existência de um racismo que não é o mesmo tipo de racismo e de preconceito que estavam presentes<br />

na época de nossos avós.<br />

Assim, nossa aprendizagem nos tempos atuais vai além de combater idéias estereotipadas e<br />

preconceituosas, e também praticas explicitas. Um processo qualitativo de educação passa<br />

necessariamente pela incorporação de praticas anti- discriminatórias em nossas diversas ações<br />

cotidianas – tanto individuais e sociais quanto profissionais. Valorizar a diversidade racial, de<br />

gênero, geracional, etc., implica necessariamente a inserção qualitativa de pessoas pertencentes a


esses grupo nas nossas instituições, nos nossos grupo de amigos/as; nas nossas próprias reflexões;<br />

nas reflexões que apresentamos/possibilitamos aos outros; nos processos educativos em geral – de<br />

forma consistente e permanente.<br />

Estudos recentes no campo da neurociência evidenciam que as pessoas são capazes de identificar o<br />

grupo de pertencimento racial das pessoas em apenas um milésimo de segundo. O que acaba com a<br />

famosa desculpa de que “eu não enxergo a cor das pessoas”. Sim, todos nós enxergamos e<br />

categorizamos as pessoas a partir dos grupos de pertencimentos sociais. Torna-se importante a<br />

reflexão sobre o que fazemos apos tais identificações – elas orientam nossas praticas? Positivamente<br />

ou negativamente?<br />

A psicóloga/pesquisadora Phyllis A. Katz evidencia em seus estudos que crianças antes dos 6 meses<br />

de idade já desenvolveram consciência sobre características raciais e também possuem habilidade de<br />

classificar as pessoas em diferentes aspectos. Portanto, para aqueles/as que buscam a concretização<br />

da democracia, educar-se e educar ao outro – adulto ou criança – para o respeito e valorização da<br />

diversidade não pode ser uma opção. Não pode se constituir em um frágil e descontinuo processo.<br />

A incorporação das dimensões de gênero, raça, orientação sexual e outros na gestão publica nem<br />

sempre está condicionada à necessidade de reserva de recurso financeiro e à elaboração de um novo<br />

programa; isso vale tanto para as instituições publicas quanto para as organizações da sociedade<br />

civil. Muitas instituições já possuem, em sua agenda de programas, ações que poderiam colaborar<br />

para o crescimento político, econômico e social de pessoas pertencentes aos grupos discriminados.<br />

Contudo, em muitas situações o profissional à frente da instituição, se prende, quando não ele<br />

próprio cria impossibilidades e promove erros empíricos que acabam por fragilizar e/ou aniquilar as<br />

praticas e políticas voltadas para a diversidade. Essa “cumplicidade” pode ser driblada por meio de<br />

permanente auto-reflexão por parte do profissional, somada a um consistente processo de avaliação<br />

institucional.<br />

Para promovers o progresso econômico para negros, mulheres, homossexuais e pessoas com<br />

deficiência devemos persistir nessa luta, considerando que ela é também uma luta com o “eu”, na<br />

qual necessitamos refletir diariamente sobre como nossas palavras e nossas práticas têm contribuído<br />

para um mundo diferente. Sem um permanente e sólido processo de educação e de formação<br />

profissional; sem um processo de avaliação institucional pautado na diversidade, dotado de critérios<br />

precisos de identificação dos beneficiados e dos benefícios pautados na diversidade, nosso trabalho<br />

sempre estará muito aquém das metas a ser alcançadas.<br />

O nosso compromisso pessoal com a construção da democracia deve defender da maneira mais<br />

forçosa possível a inserção de ações, de metas e outros elementos capazes de mensurar de modo<br />

crível os benefícios promovidos na vida dos indivíduos e grupos historicamente discriminados.<br />

(*)Instituto César E. Chávez, Universidade do Estado de San Franciso - USA<br />

*********<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [42] Comentario/Comment/Commentaire<br />

*********<br />

[<strong>Rio+20</strong>education] [43] Comentário/Comment/Commentaire<br />

*********


[<strong>Rio+20</strong>education] [44] Síntesis/Synthesis/Síntese/Synthèse<br />

Síntese do Módulo “Aprendizagens Necessárias para aprofundar uma<br />

democracia com diversidades e sustentabilidade”<br />

Por Jorge Osorio<br />

1. Usando a imagem do teatro do Boal dissemos que a educação necessita “mover-se” (moverse<br />

de velhos paradigmas a novos modos de educar)… aprender e gerar capacidades que<br />

permitam que as pessoas e suas comunidades tenham uma vida boa, justa e eco-responsável.<br />

Fazemos tal afirmação em tempos de significativos movimentos sociais em todo o planeta, de<br />

uma nova onda democrática que busca estabelecer as bases de uma (outra) maneira de sair da<br />

crise atual que não seja a dos financistas e das ditaduras dos mercados, para avançar para<br />

“outro mundo possível”. Acreditamos que vivemos não apenas uma nova crise do<br />

capitalismo, mas sim uma crise de civilização que tem raízes epistêmicas, éticas, políticas,<br />

econômicas e ecológicas.<br />

2. Entendemos que se trata de promover uma educação que contribua para uma redistribuição<br />

social dos conhecimentos e do poder, que potencialize o sentido de autonomia, solidariedade<br />

e diversidade expressado pelos novos movimentos sociais. Acreditamos que desta forma<br />

poderemos avançar na direção de novas arquiteturas democráticas, inclusivas e participativas.<br />

3. Qual o papel do movimento global dos educadores e educadoras neste contexto? Como<br />

potencializar as aprendizagens que são geradas nos mais diversos espaços de socialização?<br />

Que tipo de capacidades docentes deveremos desenvolver para tornar possível um “giro<br />

paradigmático” na educação local e global? Como desenvolver os recursos culturais e<br />

institucionais para mobilizar-nos pelo que acreditamos (como diz Moema Viezzer em sua<br />

contribuição), para visibilizar e empoderar nossos pensamentos e práticas transformadoras?<br />

4. Do desenvolvimento de todo o percurso de nosso intercâmbio virtual podemos sintetizar uma<br />

verdadeira agenda inspiradora de programas e mobilizações, construída a partir da identidade<br />

e das propostas das chamadas “novas educações”: comunitárias, populares, cidadãs, ecoreflexivas,<br />

“para toda a vida”. Dos conteúdos dessa agenda valorizamos especialmente os<br />

seguintes:<br />

- a educação crítica e transformadora deve se desenvolver em todos os espaços humanos de<br />

socialização, e por isso é preciso criar capacidades nos educadores e educadoras para gerar<br />

processos de aprendizagens em diferentes modalidades, com diversos tipos de sujeitos e<br />

comunidades, e em consonância com suas formas culturais.<br />

- este enfoque de educação como gestão comunitária ou social dos processos de aprendizagem,<br />

inclusão e participação das pessoas na sociedade tem uma justificativa estratégica pois facilita<br />

que esses sujeitos:<br />

a) entendam os complexos processos históricos atuais a partir de um olhar holístico,<br />

reflexivo, ecológico;<br />

b) desenvolvam seus recursos cívicos e cognitivos para que participem da vida pública e<br />

exerçam-defendam seus direitos humanos,<br />

c) dêem sentido à Vida e isso vai gerar uma consciência de pertencimento planetário (ecopertencimento)<br />

e de justiça ecológica, como fundamentos éticos do “desenvolvimento de um<br />

Bem Viver”.


5. Quais serão então os conteúdos de uma plataforma para uma mudança neo-paradigmática em<br />

educação que contribua para os debates da <strong>Rio+20</strong>? Acreditamos que podemos identificar os<br />

seguintes:<br />

a) As políticas educativas dos países e das regiões devem ser expressão de processos<br />

culturais e políticos de ampla participação cidadã. Por isso é preciso fortalecer os<br />

movimentos de cidadania de estudantes e docentes, que globalmente trabalham pela<br />

democratização da política e do reconhecimento do direito universal a uma educação<br />

inclusiva, sem exclusões nem discriminações.<br />

b) A prioridade dos recursos financeiros em educação deve estar dirigida à plena inclusão de<br />

crianças, jovens e pessoas adultas aos serviços educativos públicos, para assegurar desta<br />

maneira o direito universal à educação e à aprendizagem. Os movimentos sociais devem<br />

exigir processos participativos de accountability e a existência de conselhos cidadãos que<br />

velem pela orientação inclusiva das políticas educativas.<br />

c) A demanda social por educação na sociedade atual não pode se expressar apenas em<br />

referência aos serviços escolares; inclui o acesso às novas ferramentas e redes<br />

tecnológicas de comunicação, a alfabetização digital e o fortalecimento dos espaços<br />

comunitários como espaços de aprendizagens cognitivas, cívicas, ecológicas,<br />

humanitárias. Devemos perguntar-nos se por acaso a escola seguirá sendo, nos próximos<br />

tempos, a única agência educadora na sociedade.<br />

d) As ações educativas devem manifestar uma opção significativa pela formação integral<br />

dos e das jovens, que lhes fortaleça o sentido (a razão de ser) de aprender e participar<br />

civicamente, de intercambiar saberes e expressar-se culturalmente, especialmente,<br />

naqueles lugares onde se lhes submete muito cedo ao trabalho abusivo, à submissão<br />

sexista, ao desemprego ou ao poder dos cartéis criminosos e ao narcotráfico. Neste plano<br />

a educação comunitária e popular e os movimentos sociais têm um papel crucial a<br />

desempenhar para gerar redes de direitos humanos, de proteção e inclusão social, de<br />

participação cidadã e de entidades formativas pós-escolares.<br />

e) A mudança paradigmática em educação, como condição para avançar em direção a<br />

sociedades justas e eco-sustentáveis deve supor mudanças nos enfoques tecnicistas e<br />

economicistas das políticas educativas vigentes. Propriamente podemos dizer que se<br />

requer una “revolução educativa”, como sustentaram os movimentos estudantis chilenos<br />

ou colombianos: é preciso reivindicar o direito a aprender “de todas as pessoas durante<br />

toda a sua vida”. No entanto, esta palavra de ordem não deve ser entendida como a<br />

expressão de um tipo de capacitação permanente apenas para satisfazer as necessidades<br />

dos mercados e os requisitos das velhas e novas indústrias. Trata-se de desenvolver<br />

“educações” que desenvolvam capacidades humanas que permitam o “bem viver”,<br />

incluindo as capacidades cognitivas, de pertencimento e participação social, de<br />

convivência com outros e outras na diversidade e na diferença, o cuidado e planejamento<br />

da própria vida, com pleno apego solidário à vida dos ecossistemas nos quais se<br />

desenvolve a Vida. Outro currículo, outras instituições são possíveis.<br />

f) As organizações educativas e os movimentos globais dos educadores e educadoras têm<br />

uma tarefa comum, que é desenvolver itinerários pedagógico-políticos em função dos<br />

requisitos formativos de territórios concretos, a partir de suas próprias culturas, de suas<br />

economias locais e de sua relação com os mercados globais, de suas próprias estruturas de<br />

emprego, das capacidades de carga de seus eco-sistemas e das necessidades insatisfeitas<br />

de suas populações para desfrutar um bem-estar eco-humano. Isso supõe:


a) programar uma criatividade pedagógica em maior escala;<br />

b) desenvolver metodologias integradoras,<br />

c) produzir conhecimentos a partir das boas práticas e articular a produção de saberes<br />

sociais com as entidades formais de pesquisa e de formação de educadores e educadoras,<br />

d) gerar capacidades docentes polivalentes, criar ou recriar velhas e novas organizações<br />

educativas (escolares e não-escolares),<br />

e) democratizar o “open learning” através de comunidades de aprendizagem que<br />

amplifiquem as práticas transformadoras em educação, e<br />

f) conquistar a validação e o reconhecimento institucional destas políticas, o que implica<br />

uma participação ativa na política local e na geração de um poder de incidência suficiente<br />

para produzir as mudanças que são requeridas para que estas Outras educações sejam<br />

possíveis.<br />

********<br />

[45] Comentário/Comment/Commentaire<br />

******<br />

[46] Cierre/Closing/Encerramento/Clôture<br />

Encerramento do<br />

Intercâmbio <strong>Virtual</strong> Educação em um Mundo em Crise: Limites e Possibilidades<br />

frente à RIO + 20<br />

Grupo de Trabalho de Educação<br />

Queridos todos e todas,<br />

Obrigado a todos / as aqueles que contribuíram de uma forma ou de outra, no intercambio virtual!<br />

Há um mês e meio que começamos este intercambio virtual onde nós compartilhamos idéias e<br />

análise, como parte do processo preparatório para a Rio +20 e do tema do Fórum Social: Crise<br />

<strong>Capitalista</strong> e Justiça Social Ambiental (que será realizado em Porto Alegre entre 24 e 29 de janeiro,<br />

2012).<br />

Como parte deste processo, a partir do Grupo de Trabalho Educação(*) estamos promovendo este<br />

intercambio virtual com os seguintes objetivos:<br />

• Promover uma análise de "interligação" da educação de jovens e adultos aos principais temas<br />

a serem discutidos no âmbito do processo de Rio +20.<br />

• Repensar as necessidades de aprendizagem para um mundo em que valha a pena viver, no<br />

contexto de mudança de paradigmas.<br />

• Ampliando a oportunidade de alianças das redes e os movimentos que trabalham pelo direito<br />

à educação com outros movimentos e organizações da sociedade civil, para providenciar<br />

complementaridade e fazer ação coletiva para a transformação social.<br />

• Proporcionar um espaço virtual para socializar e fazer um intercâmbio como o grupo de<br />

educação para Rio +20 e permitir a participação de todas pessoas que não poderão estar<br />

presentes no Fórum Social Temático em Porto Alegre.


Nós compartilhamos 25 documentos que brindaros visões de diferentes realidades no mundo, e 45<br />

comentários e saudações de pessoas que se sentiram interessadas pelo intercambio virtual.<br />

O programa de intercâmbio virtual foi organizado com base em 4 módulos:<br />

- Contextos globais: diferentes visões.<br />

- <strong>Rio+20</strong> como oportunidade para aprofundar novos paradigmas<br />

- Movimento de educação y o Movimento da Sociedade Civil<br />

- Aprendizagens necessárias para aprofundar a democracia nas diversidades e a sustentabilidade<br />

Uma síntese de cada um dos módulos foi elaborada por Jorge Osorio, que esperamos que venha a<br />

servir de base para o diálogo que teremos em Porto Alegre, e que possa contribuir para projetarnos<br />

como GT de educação para Rio +20 e no futuro.<br />

Agradecemos a Beatriz Cannabrava, Magdalena Padron e Marcela Ballara pelas traduções que<br />

permitiram fazer a troca/o intercambio em 4 linguas.<br />

Hoje nós terminamos esta instância virtual, para continuar em uma sala de aula com outros colegas<br />

que tal vez não puderam participar neste espaço pero que vao ter a possibilidade de participar na<br />

reunião do GT de educação na UFRGS - Reitoria – Salao de Eventos, em Porto Alegre no dia 25 às<br />

14 horas.<br />

Aguardamos a sua presença e activa participaçao!<br />

Cecilia Fernández<br />

ICAE<br />

* Conselho Internacional pela Educação de Adultos (ICAE), Campanha Latino-Americana<br />

pelo Direito à Educação (CLADE), Jornada Internacional de Educação Ambiental para<br />

Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, Fórum Mundial de Educação (<strong>FME</strong>),<br />

Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), CEAAL (Conselho de Educação<br />

de Adultos de América Latina).<br />

*********

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