SuiGeneris

{ utopias}
havia-o deixado praticamente irreconhecível, aliás, facto pouco importante, pois
que todos aí presentes apresentavam alguma deformidade.
Porém, numa noite de breu, julgou ter-se livrado das alucinações e afirmou ter visto
um grande clarão, onde estaria a Santíssima Trindade, em majestade, rodeada de
santos, anjos, serafins, querubins e todos os divinos seres, qual Céu, Olimpo ou
Panteão. Esta aparição foi a primeira de uma série, na qual lhe apareciam os
filósofos gregos e romanos, entre os quais Sócrates, Platão, discursando na Pnix e
no Fórum Imperial, os escritores da Humanidade como Virgílio, Cícero e Tácito, os
imperadores romanos do Oriente e Ocidente, de Augusto a Constantino XI,
sentados todos em redor de uma enorme mesa, comendo e bebendo, tocando e
dançando, discursando e deleitando-se; enfim, entregando-se aos prazeres
mundanos.
Passado algum tempo, outra quimera lhe surgiu. A sua visão pareceu ver um vulto
que se afastava daquele patamar e que nele despertou um desejo de curiosidade.
Abandonou a multidão deicida e foi-se dirigindo, inconscientemente, gritando e
esbracejando, para a caverna do hediondo ser, que prontamente lhe arrancou uma
perna, o que o deixou num estado visceral. De forma a poder voltar a andar, atraiu
um outro condenado e arrancou-lhe a perna, atarraxando-a, de seguida, no seu
corpo.
Assim permaneceu demorados anos, ao longo dos quais ninguém o desejou
recolher. Esta existência cruel e impiedosa fê-lo invejar todos os que ali chegavam,
independentemente do que haviam sido no plano terreno. Políticos e usurários
esquartejou sem piedade. Aos que chegavam mancos, causou-lhes tanto pavor, que
pouco lhes importava a bandeira, mas sim serem seus servidores. A cada um foi
ditado destino mais cruel que o anterior.
Certo dia, viu surgir, ao longe, dois vultos. Prontamente, qual Dom Quixote de la
Mancha, arremessou as pedras que, no momento, conseguiu juntar. Sem sucesso;
conseguiram ambos aproximarem-se e falarem-lhe. Não eram estes, como sabem,
senão Dante e seu cicerone, Virgílio. Primeiro lhe falou o autor da Eneida,
inquirindo-o acerca da razão de tão violento acolhimento, tendo Mendo devolvido a
questão e inquirindo-os sobre o motivo que os ali trouxera. Dante olhava-o,
espavorido e incrédulo, interrogando-se sobre a existência de algum ser, quiçá
guerreiro, mais carniceiro que aquele. Prontamente o poeta romano lhe replicou
que conduziria o florentino pelos oito círculos do Inferno, após os quais o guiaria
Beatrice Portinari pelo Paraíso.
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