O papel da experimentação no ensino de ciências - QNEsc
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observação natural, como um dos<br />
eixos estruturadores <strong>da</strong>s práticas escolares.<br />
A elaboração do conhecimento<br />
científico apresenta-se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
uma abor<strong>da</strong>gem experimental, não<br />
tanto pelos temas <strong>de</strong> seu objeto <strong>de</strong><br />
estudo, os fenôme<strong>no</strong>s naturais, mas<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente porque a organização<br />
<strong>de</strong>sse conhecimento ocorre<br />
preferencialmente <strong>no</strong>s entremeios <strong>da</strong><br />
investigação. Tomar a <strong>experimentação</strong><br />
como parte <strong>de</strong> um processo ple<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />
investigacão é uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, reconheci<strong>da</strong><br />
entre aqueles que pensam<br />
e fazem o ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>ciências</strong>, pois a<br />
formação do pensamento e <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s<br />
do sujeito <strong>de</strong>ve se <strong>da</strong>r preferencialmente<br />
<strong>no</strong>s entremeios <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
investigativas.<br />
Contribuições positivistas: a<br />
<strong>experimentação</strong> como um fim<br />
em si mesma<br />
A <strong>experimentação</strong> ocupou um <strong>papel</strong><br />
essencial na consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s<br />
<strong>ciências</strong> naturais a partir do século XVII,<br />
na medi<strong>da</strong> em que as leis formula<strong>da</strong>s<br />
<strong>de</strong>veriam passar pelo crivo <strong>da</strong>s situações<br />
empíricas propostas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
uma lógica seqüencial <strong>de</strong> formulação<br />
<strong>de</strong> hipóteses e verificação <strong>de</strong><br />
consistência. Ocorreu naquele período<br />
uma ruptura com as práticas <strong>de</strong> investigação<br />
vigentes, que consi<strong>de</strong>ravam<br />
ain<strong>da</strong> uma estreita relação <strong>da</strong> natureza<br />
e do homem com o divi<strong>no</strong>, e que estavam<br />
fortemente impregna<strong>da</strong>s pelo<br />
senso comum. A <strong>experimentação</strong> ocupou<br />
um lugar privilegiado na proposição<br />
<strong>de</strong> uma metodologia científica,<br />
que se pautava pela racionalização <strong>de</strong><br />
procedimentos, tendo assimilado<br />
formas <strong>de</strong> pensamento características,<br />
como a indução e a<br />
<strong>de</strong>dução.<br />
Estabelecido um<br />
problema, o cientista<br />
ocupa-se em efetuar<br />
alguns experimentos<br />
que o levem a fazer<br />
observações cui<strong>da</strong>dosas,<br />
coletar <strong>da</strong>dos,<br />
registrá-los e divulgálos<br />
entre outros membros<br />
<strong>de</strong> sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
numa tentativa <strong>de</strong> refinar as<br />
explicações para os fenôme<strong>no</strong>s subjacentes<br />
ao problema em estudo. O<br />
O acúmulo <strong>de</strong><br />
observações e <strong>da</strong>dos,<br />
ambos <strong>de</strong>rivados do<br />
estágio <strong>de</strong><br />
<strong>experimentação</strong>,<br />
permite a formulação<br />
<strong>de</strong> enunciados mais<br />
genéricos que po<strong>de</strong>m<br />
adquirir a força <strong>de</strong> leis<br />
ou teorias<br />
acúmulo <strong>de</strong> observações e <strong>da</strong>dos, ambos<br />
<strong>de</strong>rivados do estágio <strong>de</strong> <strong>experimentação</strong>,<br />
permite a formulação <strong>de</strong><br />
enunciados mais genéricos que po<strong>de</strong>m<br />
adquirir a força <strong>de</strong> leis ou teorias,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do grau <strong>de</strong> abrangência<br />
do problema em estudo e do número<br />
<strong>de</strong> experimentos concor<strong>da</strong>ntes. Esse<br />
processo <strong>de</strong> formular enunciados gerais<br />
à custa <strong>de</strong> observações e coleta<br />
<strong>de</strong> <strong>da</strong>dos sobre o particular, contextualizado<br />
<strong>no</strong> experimento, é conhecido<br />
como indução. O método <strong>de</strong>scrito por<br />
Francis Bacon fun<strong>da</strong>menta a chama<strong>da</strong><br />
ciência indutivista, que em suas palavras<br />
se resume a:<br />
Só há e só po<strong>de</strong> haver duas<br />
vias para a investigação e para<br />
a <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Uma<br />
que consiste em saltar <strong>da</strong>s sensações<br />
e <strong>da</strong>s coisas particulares<br />
aos axiomas mais gerais e, a<br />
seguir, em se <strong>de</strong>scobrirem os<br />
axiomas intermediários a partir<br />
<strong>de</strong>sses princípios e <strong>de</strong> sua inamovível<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. E outra, que<br />
recolhe os axiomas dos <strong>da</strong>dos<br />
dos sentidos e particulares,<br />
ascen<strong>de</strong>ndo contínua e gradualmente<br />
até alcançar, em último<br />
lugar, os princípios <strong>de</strong> máxima<br />
generali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse é o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />
caminho, porém ain<strong>da</strong> não<br />
instaurado. (BACON, 1989, p. 16.)<br />
Um exemplo simples <strong>de</strong> aplicação<br />
do método indutivo em situações <strong>de</strong><br />
ensi<strong>no</strong> po<strong>de</strong> ser analisado numa<br />
ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> laboratório na qual se<br />
pe<strong>de</strong> para vários alu<strong>no</strong>s registrarem<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente a temperatura <strong>de</strong><br />
ebulição <strong>da</strong> água. Supondo que esses<br />
alu<strong>no</strong>s façam seus experimentos numa<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> litorânea e que<br />
todos eles tenham<br />
registrado a temperatura<br />
<strong>de</strong> ebulição em<br />
100 °C, po<strong>de</strong>-se leválos<br />
à conclusão, pelo<br />
método indutivo baseado<br />
<strong>no</strong> acúmulo <strong>de</strong><br />
evidências experimentais,<br />
que a temperatura<br />
<strong>de</strong> ebulição <strong>da</strong><br />
água é 100 °C. No<br />
pensamento indutivista, não há lugar<br />
para a contradição, ou seja, as evidências<br />
empíricas <strong>de</strong>vem to<strong>da</strong>s concor<strong>da</strong>r<br />
com os enunciados genéricos.<br />
Ain<strong>da</strong> preocupado em formular<br />
uma metodologia científica precisa,<br />
René Descartes impôs à <strong>experimentação</strong><br />
um <strong>no</strong>vo <strong>papel</strong>, diverso do proposto<br />
por seu contemporâneo Bacon.<br />
Descartes consi<strong>de</strong>rava que o processo<br />
<strong>de</strong>dutivo —reconhecer a influência<br />
causal <strong>de</strong> pelo me<strong>no</strong>s um enunciado<br />
geral sobre um evento particular —<br />
ganharia mais força na medi<strong>da</strong> em que<br />
o percurso entre o enunciado geral e<br />
o evento particular fosse preenchido<br />
por eventos experimentais:<br />
Percebi (...), <strong>no</strong> que concerne<br />
às experiências, que estas são<br />
tanto mais necessárias quanto<br />
mais adiantado se está em conhecimentos.<br />
(...) Primeiramente,<br />
tentei <strong>de</strong>scobrir, em geral, os<br />
princípios ou causas primitivas<br />
<strong>de</strong> tudo o que é ou que po<strong>de</strong><br />
ser <strong>no</strong> mundo .(...) Depois, examinei<br />
quais eram os primeiros e<br />
mais comuns efeitos que podiam<br />
ser <strong>de</strong>duzidos <strong>de</strong> tais causas.<br />
(...) Após isso, quis <strong>de</strong>scer<br />
às mais particulares.<br />
Desse trecho retirado <strong>da</strong> sexta parte<br />
— “Que coisas são requeri<strong>da</strong>s para<br />
avançar na pesquisa <strong>da</strong> natureza” —<br />
do livro Discurso do método, percebese<br />
que há uma inversão na proposta<br />
<strong>de</strong> Descartes (1980) para o fazer ciência,<br />
comparando-se com aquela feita<br />
por Bacon, pois não é mais o acúmulo<br />
<strong>de</strong> evidências particulares que fortalece<br />
o enunciado geral, a lei, a teoria.<br />
Partindo-se <strong>de</strong> um enunciado geral,<br />
como “a temperatura <strong>de</strong> ebulição dos<br />
líquidos é função <strong>da</strong> pressão ambiente”<br />
e tendo como fato que ao nível do<br />
mar a água ferve a 100 °C e numa certa<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> serrana a 96,5 °C, po<strong>de</strong>mos formular<br />
a hipótese <strong>de</strong> que a temperatura<br />
<strong>de</strong> ebulição <strong>da</strong> água em uma panela<br />
<strong>de</strong> pressão será maior que 100 °C. Como<br />
o enunciado apela para a variação<br />
<strong>da</strong> temperatura em função <strong>da</strong> pressão<br />
e os <strong>da</strong>dos revelam que essa taxa é<br />
positiva (maior pressão, maior temperatura),<br />
<strong>de</strong>duzimos que em um sistema<br />
semi-aberto como a panela <strong>de</strong> pressão<br />
a pressão ambiente será maior e,<br />
portanto, também será maior a temperatura<br />
<strong>de</strong> ebulição. Qual é o <strong>papel</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>experimentação</strong> aqui? Confirmar<br />
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Experimentação e Ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Ciências N° 10, NOVEMBRO 1999