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O papel da experimentação no ensino de ciências - QNEsc

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44<br />

observação natural, como um dos<br />

eixos estruturadores <strong>da</strong>s práticas escolares.<br />

A elaboração do conhecimento<br />

científico apresenta-se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

uma abor<strong>da</strong>gem experimental, não<br />

tanto pelos temas <strong>de</strong> seu objeto <strong>de</strong><br />

estudo, os fenôme<strong>no</strong>s naturais, mas<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente porque a organização<br />

<strong>de</strong>sse conhecimento ocorre<br />

preferencialmente <strong>no</strong>s entremeios <strong>da</strong><br />

investigação. Tomar a <strong>experimentação</strong><br />

como parte <strong>de</strong> um processo ple<strong>no</strong> <strong>de</strong><br />

investigacão é uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, reconheci<strong>da</strong><br />

entre aqueles que pensam<br />

e fazem o ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>ciências</strong>, pois a<br />

formação do pensamento e <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s<br />

do sujeito <strong>de</strong>ve se <strong>da</strong>r preferencialmente<br />

<strong>no</strong>s entremeios <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

investigativas.<br />

Contribuições positivistas: a<br />

<strong>experimentação</strong> como um fim<br />

em si mesma<br />

A <strong>experimentação</strong> ocupou um <strong>papel</strong><br />

essencial na consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s<br />

<strong>ciências</strong> naturais a partir do século XVII,<br />

na medi<strong>da</strong> em que as leis formula<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong>veriam passar pelo crivo <strong>da</strong>s situações<br />

empíricas propostas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma lógica seqüencial <strong>de</strong> formulação<br />

<strong>de</strong> hipóteses e verificação <strong>de</strong><br />

consistência. Ocorreu naquele período<br />

uma ruptura com as práticas <strong>de</strong> investigação<br />

vigentes, que consi<strong>de</strong>ravam<br />

ain<strong>da</strong> uma estreita relação <strong>da</strong> natureza<br />

e do homem com o divi<strong>no</strong>, e que estavam<br />

fortemente impregna<strong>da</strong>s pelo<br />

senso comum. A <strong>experimentação</strong> ocupou<br />

um lugar privilegiado na proposição<br />

<strong>de</strong> uma metodologia científica,<br />

que se pautava pela racionalização <strong>de</strong><br />

procedimentos, tendo assimilado<br />

formas <strong>de</strong> pensamento características,<br />

como a indução e a<br />

<strong>de</strong>dução.<br />

Estabelecido um<br />

problema, o cientista<br />

ocupa-se em efetuar<br />

alguns experimentos<br />

que o levem a fazer<br />

observações cui<strong>da</strong>dosas,<br />

coletar <strong>da</strong>dos,<br />

registrá-los e divulgálos<br />

entre outros membros<br />

<strong>de</strong> sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

numa tentativa <strong>de</strong> refinar as<br />

explicações para os fenôme<strong>no</strong>s subjacentes<br />

ao problema em estudo. O<br />

O acúmulo <strong>de</strong><br />

observações e <strong>da</strong>dos,<br />

ambos <strong>de</strong>rivados do<br />

estágio <strong>de</strong><br />

<strong>experimentação</strong>,<br />

permite a formulação<br />

<strong>de</strong> enunciados mais<br />

genéricos que po<strong>de</strong>m<br />

adquirir a força <strong>de</strong> leis<br />

ou teorias<br />

acúmulo <strong>de</strong> observações e <strong>da</strong>dos, ambos<br />

<strong>de</strong>rivados do estágio <strong>de</strong> <strong>experimentação</strong>,<br />

permite a formulação <strong>de</strong><br />

enunciados mais genéricos que po<strong>de</strong>m<br />

adquirir a força <strong>de</strong> leis ou teorias,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do grau <strong>de</strong> abrangência<br />

do problema em estudo e do número<br />

<strong>de</strong> experimentos concor<strong>da</strong>ntes. Esse<br />

processo <strong>de</strong> formular enunciados gerais<br />

à custa <strong>de</strong> observações e coleta<br />

<strong>de</strong> <strong>da</strong>dos sobre o particular, contextualizado<br />

<strong>no</strong> experimento, é conhecido<br />

como indução. O método <strong>de</strong>scrito por<br />

Francis Bacon fun<strong>da</strong>menta a chama<strong>da</strong><br />

ciência indutivista, que em suas palavras<br />

se resume a:<br />

Só há e só po<strong>de</strong> haver duas<br />

vias para a investigação e para<br />

a <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Uma<br />

que consiste em saltar <strong>da</strong>s sensações<br />

e <strong>da</strong>s coisas particulares<br />

aos axiomas mais gerais e, a<br />

seguir, em se <strong>de</strong>scobrirem os<br />

axiomas intermediários a partir<br />

<strong>de</strong>sses princípios e <strong>de</strong> sua inamovível<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. E outra, que<br />

recolhe os axiomas dos <strong>da</strong>dos<br />

dos sentidos e particulares,<br />

ascen<strong>de</strong>ndo contínua e gradualmente<br />

até alcançar, em último<br />

lugar, os princípios <strong>de</strong> máxima<br />

generali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse é o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />

caminho, porém ain<strong>da</strong> não<br />

instaurado. (BACON, 1989, p. 16.)<br />

Um exemplo simples <strong>de</strong> aplicação<br />

do método indutivo em situações <strong>de</strong><br />

ensi<strong>no</strong> po<strong>de</strong> ser analisado numa<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> laboratório na qual se<br />

pe<strong>de</strong> para vários alu<strong>no</strong>s registrarem<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente a temperatura <strong>de</strong><br />

ebulição <strong>da</strong> água. Supondo que esses<br />

alu<strong>no</strong>s façam seus experimentos numa<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> litorânea e que<br />

todos eles tenham<br />

registrado a temperatura<br />

<strong>de</strong> ebulição em<br />

100 °C, po<strong>de</strong>-se leválos<br />

à conclusão, pelo<br />

método indutivo baseado<br />

<strong>no</strong> acúmulo <strong>de</strong><br />

evidências experimentais,<br />

que a temperatura<br />

<strong>de</strong> ebulição <strong>da</strong><br />

água é 100 °C. No<br />

pensamento indutivista, não há lugar<br />

para a contradição, ou seja, as evidências<br />

empíricas <strong>de</strong>vem to<strong>da</strong>s concor<strong>da</strong>r<br />

com os enunciados genéricos.<br />

Ain<strong>da</strong> preocupado em formular<br />

uma metodologia científica precisa,<br />

René Descartes impôs à <strong>experimentação</strong><br />

um <strong>no</strong>vo <strong>papel</strong>, diverso do proposto<br />

por seu contemporâneo Bacon.<br />

Descartes consi<strong>de</strong>rava que o processo<br />

<strong>de</strong>dutivo —reconhecer a influência<br />

causal <strong>de</strong> pelo me<strong>no</strong>s um enunciado<br />

geral sobre um evento particular —<br />

ganharia mais força na medi<strong>da</strong> em que<br />

o percurso entre o enunciado geral e<br />

o evento particular fosse preenchido<br />

por eventos experimentais:<br />

Percebi (...), <strong>no</strong> que concerne<br />

às experiências, que estas são<br />

tanto mais necessárias quanto<br />

mais adiantado se está em conhecimentos.<br />

(...) Primeiramente,<br />

tentei <strong>de</strong>scobrir, em geral, os<br />

princípios ou causas primitivas<br />

<strong>de</strong> tudo o que é ou que po<strong>de</strong><br />

ser <strong>no</strong> mundo .(...) Depois, examinei<br />

quais eram os primeiros e<br />

mais comuns efeitos que podiam<br />

ser <strong>de</strong>duzidos <strong>de</strong> tais causas.<br />

(...) Após isso, quis <strong>de</strong>scer<br />

às mais particulares.<br />

Desse trecho retirado <strong>da</strong> sexta parte<br />

— “Que coisas são requeri<strong>da</strong>s para<br />

avançar na pesquisa <strong>da</strong> natureza” —<br />

do livro Discurso do método, percebese<br />

que há uma inversão na proposta<br />

<strong>de</strong> Descartes (1980) para o fazer ciência,<br />

comparando-se com aquela feita<br />

por Bacon, pois não é mais o acúmulo<br />

<strong>de</strong> evidências particulares que fortalece<br />

o enunciado geral, a lei, a teoria.<br />

Partindo-se <strong>de</strong> um enunciado geral,<br />

como “a temperatura <strong>de</strong> ebulição dos<br />

líquidos é função <strong>da</strong> pressão ambiente”<br />

e tendo como fato que ao nível do<br />

mar a água ferve a 100 °C e numa certa<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong> serrana a 96,5 °C, po<strong>de</strong>mos formular<br />

a hipótese <strong>de</strong> que a temperatura<br />

<strong>de</strong> ebulição <strong>da</strong> água em uma panela<br />

<strong>de</strong> pressão será maior que 100 °C. Como<br />

o enunciado apela para a variação<br />

<strong>da</strong> temperatura em função <strong>da</strong> pressão<br />

e os <strong>da</strong>dos revelam que essa taxa é<br />

positiva (maior pressão, maior temperatura),<br />

<strong>de</strong>duzimos que em um sistema<br />

semi-aberto como a panela <strong>de</strong> pressão<br />

a pressão ambiente será maior e,<br />

portanto, também será maior a temperatura<br />

<strong>de</strong> ebulição. Qual é o <strong>papel</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>experimentação</strong> aqui? Confirmar<br />

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Experimentação e Ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Ciências N° 10, NOVEMBRO 1999

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