O papel da experimentação no ensino de ciências - QNEsc
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obstáculos que se apresentam ao<br />
sujeito (o autor fala do espírito) quando<br />
em contato com o conhecimento científico,<br />
seja por meio <strong>de</strong> fenôme<strong>no</strong>s, seja<br />
<strong>no</strong> exercício <strong>da</strong> compreensão. Ao propor<br />
que a primeira experiência exigente<br />
é a experiência que ‘falha’ (itálico e<br />
aspas do autor), Bachelard <strong>de</strong>staca o<br />
<strong>papel</strong> do erro <strong>no</strong> progresso <strong>da</strong> ciência,<br />
tanto por se exigir um<br />
processo <strong>de</strong> freagem<br />
do estímulo, o que<br />
acalmaria os impulsos<br />
do sensível, como<br />
também por impulsionar<br />
o cientista à precisão<br />
discursiva e social,<br />
subsidiando o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
técnicas e teorias<br />
(Bachelard, 1996, p.<br />
295-297).<br />
Uma experiência imune a falhas<br />
mimetiza a a<strong>de</strong>são do pensamento do<br />
sujeito sensibilizado ao que supõe ser<br />
a causa explicativa do fenôme<strong>no</strong>, em<br />
lugar <strong>de</strong> promover uma reflexão racionaliza<strong>da</strong>.<br />
O erro em um experimento<br />
planta o inesperado em vista <strong>de</strong> uma<br />
trama explicativa fortemente arraiga<strong>da</strong><br />
<strong>no</strong> bem-estar assentado na previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
abrindo oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s para o<br />
<strong>de</strong>sequilíbrio afetivo frente ao <strong>no</strong>vo.<br />
Rompe-se com a lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sucessão<br />
“fenôme<strong>no</strong> corretamente observado/medido<br />
⇒ interpretação inequívoca”,<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro obstrutor do pensamento<br />
reflexivo e incentivador <strong>da</strong>s<br />
explicações imediatas. A chama<strong>da</strong><br />
psicanálise do erro visa dosar o grau<br />
<strong>de</strong> satisfação íntima do sujeito, substrato<br />
indispensável para manter o alu<strong>no</strong><br />
engajado em processos investigativos.<br />
Numa dimensão psicológica, a <strong>experimentação</strong>,<br />
quando aberta às possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> erro e acerto, mantém o<br />
alu<strong>no</strong> comprometido com sua aprendizagem,<br />
pois ele a reconhece como<br />
estratégia para resolução <strong>de</strong> uma problemática<br />
<strong>da</strong> qual ele toma parte diretamente,<br />
formulando-a inclusive.<br />
O segundo argumento <strong>de</strong> Bachelard<br />
em favor do ‘experimento exigente’<br />
é igualmente aplicável às situações <strong>de</strong><br />
aprendizagem: a busca <strong>de</strong> uma precisão<br />
discursiva e social. Po<strong>de</strong>ríamos<br />
<strong>no</strong>s ater às questões dos instrumentos<br />
<strong>de</strong> observação/medição do fenôme<strong>no</strong>,<br />
Uma experiência imune<br />
a falhas mimetiza a<br />
a<strong>de</strong>são do pensamento<br />
do sujeito<br />
sensibilizado ao que<br />
supõe ser a causa<br />
explicativa do<br />
fenôme<strong>no</strong>, em lugar <strong>de</strong><br />
promover uma reflexão<br />
racionaliza<strong>da</strong><br />
mas estaríamos nesse caso fa<strong>da</strong>dos<br />
a permanecer em discussões tecnicistas<br />
sobre a medi<strong>da</strong> experimental.<br />
Importa, neste momento, <strong>de</strong>svelar a<br />
<strong>no</strong>ção <strong>de</strong> representação do conhecimento<br />
para os processos <strong>de</strong> aprendizagem.<br />
Em primeiro pla<strong>no</strong>, sendo a<br />
ciência uma construção humana, <strong>de</strong>ve-se<br />
reconhecer que <strong>no</strong> fazer ciência<br />
se <strong>de</strong>senvolve um pro-<br />
cesso <strong>de</strong> representação<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />
que predominam acordos<br />
simbólicos e lingüísticos<br />
num exercício<br />
continuado <strong>de</strong> discursos<br />
mentais, íntimos<br />
ao sujeito, e<br />
discursos sociais,<br />
proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> do coletivo.<br />
A falha do experimento<br />
alimenta esse<br />
exercício, por mobilizar os esforços do<br />
grupo <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> corrigir as observações/medições;<br />
por <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />
uma sucessão <strong>de</strong> diálogos <strong>de</strong> natureza<br />
conflituosa entre o sujeito e o outro e<br />
com seus mo<strong>de</strong>los mentais, e por colocar<br />
em dúvi<strong>da</strong> a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo<br />
representativo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A <strong>de</strong>corrência<br />
possível <strong>de</strong>sse movimento é um<br />
<strong>no</strong>vo acordo para se ter acesso e para<br />
representar o fenôme<strong>no</strong>, que altera o<br />
quadro dialógico do sujeito com a<br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
O que se busca<br />
com o ‘experimento<br />
exigente’, e aqui o<br />
professor ocupa lugar<br />
estratégico, é um<br />
acordo na direção do<br />
que é cientificamente<br />
aceito e portanto dialogável<br />
com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
científica. Esse<br />
exercício social <strong>de</strong><br />
precisão discursiva<br />
não foi priorizado pelas<br />
propostas <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>ciências</strong><br />
quando se tentou aplicar o método <strong>da</strong><br />
re<strong>de</strong>scoberta, acreditando-se que o<br />
acesso ao fenôme<strong>no</strong> e a seus instrumentos<br />
<strong>de</strong> observação/medição cumpriria<br />
os objetivos do ensi<strong>no</strong>, meramente<br />
reprodutórios <strong>da</strong> ‘reali<strong>da</strong><strong>de</strong> positiva’.<br />
Ao se incentivar os alu<strong>no</strong>s a expor suas<br />
idéias acerca do fenôme<strong>no</strong>, que estão<br />
<strong>no</strong> pla<strong>no</strong> <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>senca-<br />
O que se busca com o<br />
‘experimento exigente’,<br />
e aqui o professor<br />
ocupa lugar<br />
estratégico, é um<br />
acordo na direção do<br />
que é cientificamente<br />
aceito e portanto<br />
dialogável com a<br />
comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica<br />
<strong>de</strong>ia-se um processo pautado na intersubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
do coletivo, cujo aprimoramento<br />
fun<strong>da</strong>menta o conhecimento<br />
objetivo. O processo <strong>de</strong> objetivação do<br />
conhecimento, por ser uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
social, <strong>de</strong>ve ser um eixo central<br />
<strong>da</strong> prática educativa e aqui a <strong>experimentação</strong><br />
<strong>de</strong>sempenha um <strong>papel</strong> <strong>de</strong><br />
fórum para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa<br />
prática.<br />
Mais recentemente, o tema aprendizagem<br />
colaborativa vem sendo<br />
amplamente <strong>de</strong>batido na literatura <strong>de</strong><br />
ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>ciências</strong> (Nurrenbern e<br />
Robinson, 1997), a partir do que po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que é necessário criar<br />
oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s não somente para a<br />
realização <strong>de</strong> experimentos em equipe,<br />
mas também para a colaboração entre<br />
equipes. A formação <strong>de</strong> um espírito<br />
colaborativo <strong>de</strong> equipe pressupõe uma<br />
contextualização socialmente significativa<br />
para a aprendizagem, do ponto<br />
<strong>de</strong> vista tanto <strong>da</strong> problematização (temas<br />
socialmente relevantes) como <strong>da</strong><br />
organização do conhecimento científico<br />
(temas epistemologicamente significativos).<br />
Novamente, ao professor é<br />
atribuído o <strong>papel</strong> <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r e organizador<br />
do coletivo, arbitrando os conflitos<br />
naturalmente <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> aproximação<br />
entre as problematizações<br />
socialmente relevantes e os conteúdos<br />
do currículo <strong>de</strong> <strong>ciências</strong>. Estratégias<br />
negocia<strong>da</strong>s em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> temáticas<br />
ambientais po<strong>de</strong>m vir<br />
a contentar ambas as<br />
colunas reivindicatórias,<br />
que atuam tanto<br />
em sala <strong>de</strong> aula, como<br />
<strong>no</strong>s bancos acadêmicos.<br />
Apresentamos como<br />
exemplo o estudo<br />
<strong>da</strong> energética <strong>da</strong>s<br />
transformações químicas.<br />
Ao se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />
a problematização<br />
dos combustíveis como fonte<br />
importante <strong>de</strong> energia para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
tem-se a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
examinar experimentalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
<strong>de</strong>rivados do petróleo até os combustíveis<br />
obtidos <strong>da</strong> biomassa, passando<br />
por aqueles reciclados, como o biodiesel,<br />
obtido pela transesterificação <strong>de</strong><br />
óleos usados em cozinhas industriais.<br />
Para que substâncias tão diversas<br />
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Experimentação e Ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Ciências N° 10, NOVEMBRO 1999