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O papel da experimentação no ensino de ciências - QNEsc

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46<br />

obstáculos que se apresentam ao<br />

sujeito (o autor fala do espírito) quando<br />

em contato com o conhecimento científico,<br />

seja por meio <strong>de</strong> fenôme<strong>no</strong>s, seja<br />

<strong>no</strong> exercício <strong>da</strong> compreensão. Ao propor<br />

que a primeira experiência exigente<br />

é a experiência que ‘falha’ (itálico e<br />

aspas do autor), Bachelard <strong>de</strong>staca o<br />

<strong>papel</strong> do erro <strong>no</strong> progresso <strong>da</strong> ciência,<br />

tanto por se exigir um<br />

processo <strong>de</strong> freagem<br />

do estímulo, o que<br />

acalmaria os impulsos<br />

do sensível, como<br />

também por impulsionar<br />

o cientista à precisão<br />

discursiva e social,<br />

subsidiando o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

técnicas e teorias<br />

(Bachelard, 1996, p.<br />

295-297).<br />

Uma experiência imune a falhas<br />

mimetiza a a<strong>de</strong>são do pensamento do<br />

sujeito sensibilizado ao que supõe ser<br />

a causa explicativa do fenôme<strong>no</strong>, em<br />

lugar <strong>de</strong> promover uma reflexão racionaliza<strong>da</strong>.<br />

O erro em um experimento<br />

planta o inesperado em vista <strong>de</strong> uma<br />

trama explicativa fortemente arraiga<strong>da</strong><br />

<strong>no</strong> bem-estar assentado na previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

abrindo oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s para o<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio afetivo frente ao <strong>no</strong>vo.<br />

Rompe-se com a lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sucessão<br />

“fenôme<strong>no</strong> corretamente observado/medido<br />

⇒ interpretação inequívoca”,<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro obstrutor do pensamento<br />

reflexivo e incentivador <strong>da</strong>s<br />

explicações imediatas. A chama<strong>da</strong><br />

psicanálise do erro visa dosar o grau<br />

<strong>de</strong> satisfação íntima do sujeito, substrato<br />

indispensável para manter o alu<strong>no</strong><br />

engajado em processos investigativos.<br />

Numa dimensão psicológica, a <strong>experimentação</strong>,<br />

quando aberta às possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> erro e acerto, mantém o<br />

alu<strong>no</strong> comprometido com sua aprendizagem,<br />

pois ele a reconhece como<br />

estratégia para resolução <strong>de</strong> uma problemática<br />

<strong>da</strong> qual ele toma parte diretamente,<br />

formulando-a inclusive.<br />

O segundo argumento <strong>de</strong> Bachelard<br />

em favor do ‘experimento exigente’<br />

é igualmente aplicável às situações <strong>de</strong><br />

aprendizagem: a busca <strong>de</strong> uma precisão<br />

discursiva e social. Po<strong>de</strong>ríamos<br />

<strong>no</strong>s ater às questões dos instrumentos<br />

<strong>de</strong> observação/medição do fenôme<strong>no</strong>,<br />

Uma experiência imune<br />

a falhas mimetiza a<br />

a<strong>de</strong>são do pensamento<br />

do sujeito<br />

sensibilizado ao que<br />

supõe ser a causa<br />

explicativa do<br />

fenôme<strong>no</strong>, em lugar <strong>de</strong><br />

promover uma reflexão<br />

racionaliza<strong>da</strong><br />

mas estaríamos nesse caso fa<strong>da</strong>dos<br />

a permanecer em discussões tecnicistas<br />

sobre a medi<strong>da</strong> experimental.<br />

Importa, neste momento, <strong>de</strong>svelar a<br />

<strong>no</strong>ção <strong>de</strong> representação do conhecimento<br />

para os processos <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Em primeiro pla<strong>no</strong>, sendo a<br />

ciência uma construção humana, <strong>de</strong>ve-se<br />

reconhecer que <strong>no</strong> fazer ciência<br />

se <strong>de</strong>senvolve um pro-<br />

cesso <strong>de</strong> representação<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em<br />

que predominam acordos<br />

simbólicos e lingüísticos<br />

num exercício<br />

continuado <strong>de</strong> discursos<br />

mentais, íntimos<br />

ao sujeito, e<br />

discursos sociais,<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> do coletivo.<br />

A falha do experimento<br />

alimenta esse<br />

exercício, por mobilizar os esforços do<br />

grupo <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> corrigir as observações/medições;<br />

por <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />

uma sucessão <strong>de</strong> diálogos <strong>de</strong> natureza<br />

conflituosa entre o sujeito e o outro e<br />

com seus mo<strong>de</strong>los mentais, e por colocar<br />

em dúvi<strong>da</strong> a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo<br />

representativo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A <strong>de</strong>corrência<br />

possível <strong>de</strong>sse movimento é um<br />

<strong>no</strong>vo acordo para se ter acesso e para<br />

representar o fenôme<strong>no</strong>, que altera o<br />

quadro dialógico do sujeito com a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

O que se busca<br />

com o ‘experimento<br />

exigente’, e aqui o<br />

professor ocupa lugar<br />

estratégico, é um<br />

acordo na direção do<br />

que é cientificamente<br />

aceito e portanto dialogável<br />

com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

científica. Esse<br />

exercício social <strong>de</strong><br />

precisão discursiva<br />

não foi priorizado pelas<br />

propostas <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>ciências</strong><br />

quando se tentou aplicar o método <strong>da</strong><br />

re<strong>de</strong>scoberta, acreditando-se que o<br />

acesso ao fenôme<strong>no</strong> e a seus instrumentos<br />

<strong>de</strong> observação/medição cumpriria<br />

os objetivos do ensi<strong>no</strong>, meramente<br />

reprodutórios <strong>da</strong> ‘reali<strong>da</strong><strong>de</strong> positiva’.<br />

Ao se incentivar os alu<strong>no</strong>s a expor suas<br />

idéias acerca do fenôme<strong>no</strong>, que estão<br />

<strong>no</strong> pla<strong>no</strong> <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>senca-<br />

O que se busca com o<br />

‘experimento exigente’,<br />

e aqui o professor<br />

ocupa lugar<br />

estratégico, é um<br />

acordo na direção do<br />

que é cientificamente<br />

aceito e portanto<br />

dialogável com a<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica<br />

<strong>de</strong>ia-se um processo pautado na intersubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

do coletivo, cujo aprimoramento<br />

fun<strong>da</strong>menta o conhecimento<br />

objetivo. O processo <strong>de</strong> objetivação do<br />

conhecimento, por ser uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social, <strong>de</strong>ve ser um eixo central<br />

<strong>da</strong> prática educativa e aqui a <strong>experimentação</strong><br />

<strong>de</strong>sempenha um <strong>papel</strong> <strong>de</strong><br />

fórum para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa<br />

prática.<br />

Mais recentemente, o tema aprendizagem<br />

colaborativa vem sendo<br />

amplamente <strong>de</strong>batido na literatura <strong>de</strong><br />

ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> <strong>ciências</strong> (Nurrenbern e<br />

Robinson, 1997), a partir do que po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que é necessário criar<br />

oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s não somente para a<br />

realização <strong>de</strong> experimentos em equipe,<br />

mas também para a colaboração entre<br />

equipes. A formação <strong>de</strong> um espírito<br />

colaborativo <strong>de</strong> equipe pressupõe uma<br />

contextualização socialmente significativa<br />

para a aprendizagem, do ponto<br />

<strong>de</strong> vista tanto <strong>da</strong> problematização (temas<br />

socialmente relevantes) como <strong>da</strong><br />

organização do conhecimento científico<br />

(temas epistemologicamente significativos).<br />

Novamente, ao professor é<br />

atribuído o <strong>papel</strong> <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r e organizador<br />

do coletivo, arbitrando os conflitos<br />

naturalmente <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> aproximação<br />

entre as problematizações<br />

socialmente relevantes e os conteúdos<br />

do currículo <strong>de</strong> <strong>ciências</strong>. Estratégias<br />

negocia<strong>da</strong>s em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> temáticas<br />

ambientais po<strong>de</strong>m vir<br />

a contentar ambas as<br />

colunas reivindicatórias,<br />

que atuam tanto<br />

em sala <strong>de</strong> aula, como<br />

<strong>no</strong>s bancos acadêmicos.<br />

Apresentamos como<br />

exemplo o estudo<br />

<strong>da</strong> energética <strong>da</strong>s<br />

transformações químicas.<br />

Ao se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar<br />

a problematização<br />

dos combustíveis como fonte<br />

importante <strong>de</strong> energia para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

tem-se a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

examinar experimentalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

<strong>de</strong>rivados do petróleo até os combustíveis<br />

obtidos <strong>da</strong> biomassa, passando<br />

por aqueles reciclados, como o biodiesel,<br />

obtido pela transesterificação <strong>de</strong><br />

óleos usados em cozinhas industriais.<br />

Para que substâncias tão diversas<br />

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Experimentação e Ensi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Ciências N° 10, NOVEMBRO 1999

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