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Marcel Duchamp e o fim do gosto - Departamento de Artes Plásticas

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28. KOERNER,Joseph Leo. TheAbject of Art History.Res, n. 31, primavera1997, p. 07.29. HEGEL, G.W.F.Op. cit.30. WITTKOWER,Ru<strong>do</strong>lph. Art andArchitecture in Italy:1600-1750. Londres:Pelican History of Art,1958, p. 02.porque abriu para sempre as fronteiras entre arte e vida, e por conseguinte entrearte e arte abjeta como parte da vida. Contu<strong>do</strong>, é simplesmente uma questão <strong>de</strong>peso interpretativo afirmar que os artistas da abjeção <strong>de</strong>rivaram em alguma medidaseu conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>Duchamp</strong>. É uma característica <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res da arte imaginarque a arte possa ser explicada unicamente pela arte – que se os artistas <strong>de</strong>vemusar excrementos em seus trabalhos, isso tem que ser explica<strong>do</strong> com referênciaaos artistas pre<strong>de</strong>cessores que assim o fizeram. Mas há explicações na arte quenada tem a ver com a arte prece<strong>de</strong>nte. Não há qualquer narrativa interessante queconecte o escatologista Tuchlauben, através <strong>de</strong> <strong>Duchamp</strong>, a Chris Offili cujo uso <strong>de</strong>excremento <strong>de</strong> elefante provocou a censura da exposição “Sensation” pelo prefeito<strong>de</strong> Nova Iorque. O apelo à abjeção <strong>de</strong>ve-se a uma política <strong>do</strong> corpo que emerge noscentros <strong>de</strong> arte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, na década em que a abjeção passou a ser tematizada. Oque se po<strong>de</strong> dizer que a conexão com <strong>Duchamp</strong> explica, se é que explicação é aquio conceito apropria<strong>do</strong>, é o fato <strong>de</strong> ter torna<strong>do</strong> artisticamente legítimo o recurso acertos materiais através <strong>do</strong>s quais certos artistas impelem suas intenções.“O abjeto”, insiste o historia<strong>do</strong>r Joseph Koerner, “não é uma novida<strong>de</strong>nem na história da arte, nem na tentativa <strong>de</strong> escrever essa história” 28 . Koerner cita,entre outras fontes, o profun<strong>do</strong> insight <strong>de</strong> Hegel: “A novida<strong>de</strong> da arte cristã eromântica consistia em tomar o abjeto como seu objeto privilegia<strong>do</strong>.Especificamente o Cristo, tortura<strong>do</strong> e crucifica<strong>do</strong>, a mais horrenda das criaturas,em que a beleza divina tornou-se, por meio da malda<strong>de</strong> humana, a mais vil abjeção” 29 .Ru<strong>do</strong>lph Wittkower começa seu excepcional texto sobre arte e arquiteturana Itália após o Concílio <strong>de</strong> Trento 30 recordan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>cisão daquele concílio <strong>de</strong> exibiros ferimentos e as agonias <strong>do</strong>s mártires, visan<strong>do</strong>, através <strong>de</strong>ssa exteriorizaçãoda comoção, atrair a simpatia <strong>do</strong>s especta<strong>do</strong>res e reforçar sua fé ameaçada”.“Até mesmo o Cristo <strong>de</strong>ve ser mostra<strong>do</strong> ‘aflito, sangran<strong>do</strong>, abati<strong>do</strong>, com sua pelelacerada, feri<strong>do</strong>, <strong>de</strong>forma<strong>do</strong>, páli<strong>do</strong> e me<strong>do</strong>nho’ se o assunto assim requer”. Atendência da Renascença <strong>de</strong> embelezar o Cristo crucifica<strong>do</strong> era, com efeito, ummovimento no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> classicizar o cristianismo ao converter o corpo tortura<strong>do</strong>em uma espécie <strong>de</strong> graça atlética, negan<strong>do</strong> a mensagem básica <strong>do</strong> ensinamento cristãoque a salvação é obtida através <strong>do</strong> sofrimento abjeto. O esteticismo <strong>do</strong> século <strong>de</strong>zoitoera um corolário <strong>do</strong> racionalismo da religião natural. E foi uma formidável conquista<strong>de</strong> Kant situar a estética na arquitetônica crítica como uma forma <strong>de</strong> juízo, a poucospassos da razão pura. O Romantismo, assim como a filosofia <strong>de</strong> Hegel, era umareafirmação <strong>do</strong>s valores barrocos da Contra-Reforma. O problema da arte, como Hegelo via, residia na sua inerradicável <strong>de</strong>pendência da apresentação sensível/ sensorial.Assim como o sangue, a carne dilacerada, os ossos parti<strong>do</strong>s, o corpo abati<strong>do</strong>, eram aredução da consciência à <strong>do</strong>r e à agonia na representação barroca.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a história <strong>do</strong> sofrimento humano tem si<strong>do</strong> o principalproduto cultural <strong>do</strong> século vinte, é assombroso o quão impassível, racional, distanciadae abstrata a arte <strong>do</strong> século vinte realmente foi. E quão inocente foi26 Danto

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