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Marcel Duchamp e o fim do gosto - Departamento de Artes Plásticas

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que consi<strong>de</strong>ravam como supremo <strong>fim</strong> moral. Há um magnífico texto crítico <strong>de</strong> RogerFry sobre a “Ma<strong>do</strong>na com Filho” <strong>de</strong> Mantegna: “A face ressequida, a tez rugosae macerada <strong>do</strong> bebê recém nasci<strong>do</strong>... toda a punição, humilhação, esquali<strong>de</strong>zque se seguiam <strong>de</strong> ter-se ‘feito carne’ estavam assim marcadas”. Fiz uma vez umcomentário sobre essa passagem <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>: “Deus terá que assumir asparticularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s gêneros, e sujeitar-se à <strong>do</strong>r passan<strong>do</strong> pelas agonias re<strong>de</strong>ntorasda narrativa cristã: como encarna<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>ve começar tão <strong>de</strong>sampara<strong>do</strong> como to<strong>do</strong>snós quan<strong>do</strong> nascemos – famintos, molha<strong>do</strong>s, sujos, confusos, contorci<strong>do</strong>s <strong>de</strong>cólica, choran<strong>do</strong>, balbucian<strong>do</strong>, baban<strong>do</strong>, e totalmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes” 6 . Ora, comas <strong>de</strong>vidas qualificações, e só raramente no espírito da vanitas cristã, os artistasque recorrem ao que Jean Clair estigmatiza como repulsivo hoje, o fazem, sobretu<strong>do</strong>,no interesse <strong>de</strong> um propósito moral mais eleva<strong>do</strong>, raramente se preocupamcom o repugnante por si mesmo.O fato da idéia da arte servir a um propósito mais eleva<strong>do</strong> que a produçãoda beleza não constituir parte <strong>de</strong> sua explicação, mostra o grau em que mesmo Kantera uma criatura <strong>do</strong> seu próprio momento cultural. Ele parece inteiramente satisfeitoem ter mostra<strong>do</strong> um paralelo lógico entre o juízo moral e o estético, sem se preocuparmuito se, e em que grau a produção da beleza serve a fins morais mais eleva<strong>do</strong>s. Écomo se a beleza fosse seu próprio <strong>fim</strong>, justifican<strong>do</strong> a prática da arte somente pela suaexistência. Kant nunca indaga qual po<strong>de</strong>ria ser o propósito <strong>do</strong> repulsivo na arte, ouporque o <strong>de</strong>sprezo da beleza não po<strong>de</strong>ria ser um meio <strong>de</strong> expressão moral. Eu suponhoque ele não po<strong>de</strong>ria ter visto as obras que <strong>de</strong>screvi, pois a iconoclastia que varreu aEuropa no século <strong>de</strong>zesseis talvez tenha lhe rouba<strong>do</strong> os exemplos. Na verda<strong>de</strong>, Kantsó pô<strong>de</strong> ver tais imagens enquanto <strong>de</strong>corações. “Po<strong>de</strong>mos adicionar muita coisa a umedifício”, escreve Kant, “que imediatamente comprazeriam o olhar, se não fosse emuma igreja” 7 . O fato <strong>de</strong> ser uma igreja em Königsberg impõe limites à ornamentação,como se ornamentos fossem inconsistentes com a importância da casa <strong>de</strong> Deus, eDeus, ele próprio, fosse um minimalista.Significativamente muita pouca atenção tem si<strong>do</strong> dada ao repulsivo nahistória da estética <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Kant até Jean Clair. Isso mostra que por mais sangrentaque a história da Europa tenha si<strong>do</strong>, particularmente no século vinte, nós aindapermanecemos muito como homens e mulheres <strong>do</strong> Iluminismo em nossas filosofiasda arte. A própria estética tem si<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>rada como parte <strong>do</strong> que Santayana<strong>de</strong>signa como a Tradição Gentil (Genteel Tradition) na qual o repulsivo, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>indizível (unmentionable), não era sequer menciona<strong>do</strong>, e a arte era logicamenteincapaz <strong>de</strong> ser ofensiva: se ofen<strong>de</strong>sse não era absolutamente arte. Assim a própriaarte continuava a conformar-se aos imperativos <strong>do</strong> Iluminismo <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> àprodução da beleza.O que inicialmente era repulsivo aos especta<strong>do</strong>res da arte mo<strong>de</strong>rna,quan<strong>do</strong> quer que tenha começa<strong>do</strong>, é que ela própria era ofensiva, não querepresentasse coisas ofensivas. No que diz respeito ao assunto, o Mo<strong>de</strong>rnismo era6. DANTO, Arthur.Beyond the Brillo Box.Nova Iorque: FarrarStraus and Giroux,1992, p. 61.7. KANT, Immanuel.Op. cit., § 16.Danto17

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