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A TERAPIA COMUNITÁRIA EM UM CENTRO DE ATENÇÃO ...

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232Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.ARTIGOORIGINALA <strong>TERAPIA</strong> COMUNITÁRIA <strong>EM</strong> <strong>UM</strong> <strong>CENTRO</strong> <strong>DE</strong> ATENÇÃO PSICOSSOCIAL:(des)atando pontos relevantes aMaria de Oliveira FERREIRA FILHA b , Mariana Albernaz Pinheiro de CARVALHO cRES<strong>UM</strong>OEste estudo objetiva descrever a implantação da Terapia Comunitária (TC) em um Centro de Atenção Psicossocial(CAPS), identificar problemas vivenciados por usuários e familiares e estratégias de enfrentamento, além de analisara contribuição da Terapia Comunitária para inclusão social do usuário. Consiste num estudo predominantementequalitativo desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial. O material foi produzido em 12 rodas deTerapia tendo sido utilizadas a técnica de entrevista semi-estruturada e as fichas de avaliação da TC. Os resultadosevidenciaram como problemas principais: conflitos familiares, insônia e abandono. Várias estratégias deenfrentamento foram mencionadas: apoio familiar, crença religiosa e ajuda profissional. Comprovou-se que a participaçãodos usuários tem contribuído para a inclusão social destes ao relatarem mudanças de comportamentonos relacionamentos interpessoais. A experiência tem mostrado ótimos resultados, pois o estudo trabalha umaabordagem que contempla aspectos sociais ainda negligenciados.Descritores: Serviços de saúde mental. Relações familiares. Apoio social.RES<strong>UM</strong>ENEste estudio tiene por objetivo describir la implantación de la Terapia Comunitaria (TC) en un Centro de Atención Psico-social(CAPS), identificar problemas vivenciados por los usuarios y sus familiares y las estrategias de enfrentamiento, además deanalizar la contribución de la Terapia Comunitaria para la inclusión social del usuario. Es un estudio predominantementecualitativo desarrollado en un Centro de Atención Psico-social. El material fue elaborado a partir de la realización de 12ruedas de Terapia, y se utilizaron la técnica de entrevista semi-estructurada y las fichas de evaluación de la Terapia Comunitaria.Los resultados evidenciaron problemas como: conflictos familiares, insomnio y abandono. Se mencionaron varias estrategias deenfrentamiento: apoyo familiar, fe religiosa, ayuda profesional. Se comprobó que la participación de los usuarios contribuyópara la inclusión social de los mismos, ya que relataron cambios de comportamiento en las relaciones interpersonales. Laexperiencia tuvo excelentes resultados, ya que el estudio trabajó con un abordaje que contempla aspectos sociales aún pocoinvestigados.Descriptores: Servicios de salud mental. Relaciones familiares. Apoyo social.Título: La Terapia Comunitaria en los Centros de Atención Psicosocial: (des)atando nudos relevantes.ABSTRACTThe objective of this study is to describe the implementation of community therapy (CT) at a mental health service (MHS); toidentify coping strategies and problems experienced by its users and their families; and to analyze CT’s contributions to user’ssocial inclusion. The technique of semi-structured interview and CT’s assessment sheets were used in this predominantlyqualitative study. Family conflicts, insomnia and abandonment were the major problems cited, and several coping strategieswere mentioned, such as: family support, religious belief, professional help, etc. It was proved that the user’s participation on CThave contributed to their social inclusion, as they reported behavioral changes in their interpersonal relationships. This experiencehas been showing excellent results, for it works with an approach that comprehends neglected social aspects.Descriptors: Mental health services. Family relations. Social support.Title: Community Therapy at Psychosocial Care Centers: (dis)connecting relevant points.aAdaptação do trabalho de conclusão do Curso de Enfermagem apresentado em 2010 ao Departamento de Enfermagem em Saúde Públicae Psiquiátrica (<strong>DE</strong>SPP) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).bDoutora em Enfermagem, Docente do <strong>DE</strong>SPP da UFPB, Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental Comunitária(GEPSMC) da UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil.cEnfermeira Residente do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Hospitalar do Hospital Universitário LauroWanderley, João Pessoa, Paraíba, Brasil.


Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.233INTRODUÇÃOA partir da segunda metade do século XX,iniciou-se uma radical crítica de transformação dosaber, do tratamento e das instituições psiquiátricas.Esse movimento teve diferentes iniciativas,oriundas da Inglaterra, França, Estados Unidos eItália e teve repercussão mundial, principalmenteno Brasil. Nesse sentido é que se iniciou o movimentoda Luta Antimanicomial nascendo profundamentemarcado pela idéia de defesa dos direitoshumanos e de resgate da cidadania dos que são consideradosportadores de transtornos mentais (1) .Aliado a essa luta, surgiu o movimento daReforma Psiquiátrica que, mais do que denunciaros manicômios como instituições de violências,propunha a construção de uma rede de serviços eestratégias territoriais e comunitárias, profundamentesolidárias, inclusivas e libertárias (1) .No Brasil, tal movimento iniciou-se no finalda década de 70 com a mobilização dos profissionaisda saúde mental e dos familiares de pacientescom transtornos mentais. Esse movimento inscreveu-seno contexto de redemocratização e namobilização político-social que ocorria na época(1,2) .Em 1990, o Brasil tornou-se signatário daDeclaração de Caracas a qual propunha a reestruturaçãoda assistência psiquiátrica, e, em 2001, foientão aprovada a Lei Federal 10.216 que tratavada proteção dos direitos das pessoas portadorasde transtornos mentais e redirecionando o modeloassistencial em saúde mental. Dessa lei origina-sea Política de Saúde Mental a qual, basicamente, visagarantir o cuidado ao paciente com transtornomental em serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos,superando assim a lógica das internaçõesde longa permanência que tratam o paciente isolando-odo convívio com a família e com a sociedade(2,3) .Não se trata mais de aperfeiçoar ou melhoraras estruturas existentes (ambulatórios e hospitaispsiquiátricos), mas de inventar novos dispositivose novas tecnologias de cuidado, exigindo, assim,uma rediscussão da clínica psiquiátrica em suasbases. Nesse momento de intensos debates que seiniciou uma série de reflexões que buscavam criarserviços de saúde mental que pudessem sersubstitutivos à internação psiquiátrica, a exemplodos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) quedesenvolvem diversas atividades, a exemplo daTerapia Comunitária (TC), que visam a reinserçãoe inclusão social dos usuários portadores de transtornosmentais (4) .Particularmente, o trabalho da saúde mentalcomunitária, desenvolvido no Estado do Ceará, vemse expandindo de forma progressiva para outrosEstados e municípios brasileiros, tendo sido incorporado,no ano de 2008, pelo Ministério da Saúdecomo uma estratégia de promoção da saúde e deprevenção do adoecimento, para os serviços da redebásica de saúde, especificamente para a estratégiasaúde da família. É importante ressaltar que a TerapiaComunitária já é conhecida internacionalmenteem países como França, Suíça, Portugal,México, Uruguai e Argentina.Nessa direção, a Terapia Comunitária, tem dadorespostas satisfatórias aos que dela se beneficiam,sendo mais um instrumento de trabalho, quepode ser utilizado pelos profissionais da saúde, áreasafins, e pela própria comunidade, como uma tecnologialeve de cuidado.A Terapia Comunitária é um encontro de pessoasque têm em comum, experiências de dor, sofrimentoe superação. Consiste na partilha de experiênciasde vida e sabedorias de forma horizontale circular onde cada pessoa torna-se terapeutade si mesmo, a partir da escuta das histórias devida (5,6) .A Terapia Comunitária está essencialmentefundamentada em cinco pilares fundamentais enorteadores: Teoria Sistêmica, Teoria da Comunicação,Antropologia Cultural, Pedagogia de PauloFreire e Resiliência. A Teoria Sistêmica enfatizaa questão de que as crises e os problemas individuaissó podem ser resolvidos se percebidos dentrode um contexto maior, que inclui o biológico, opsicológico e a sociedade; a Teoria da Comunicaçãoaponta para o fato de que a comunicação é oelemento que une os indivíduos no seu grupo social.Que todo comportamento é comunicação e queela pode se dar de forma verbal e não-verbal, indoalém das palavras; a Antropologia Cultural chamaa atenção para as diferentes culturas onde aspessoas estão inseridas, sendo um elemento de referênciafundamental na identidade pessoal egrupal. E é a partir dessa referência que os indivíduosse afirmam, se aceitam e assumem sua identidade;Pedagogia Freiriana que parte do princípiode que todos nós temos conteúdos e experiênciasa trocar, aprendendo e ensinando em sinergia constantee a Resiliência que consiste na superação de


234Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.uma dor profunda transformada em sabedoriapara lidar com esse tipo de sofrimento (6) .Atualmente, devido às propostas de mudançada Reforma Psiquiátrica, está em funcionamentouma rede ampla e diferenciada de serviços substitutivosdo modelo psiquiátrico tradicional, a exemplodos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).Um CAPS é um serviço de saúde aberto e comunitáriodo Sistema Único de Saúde (SUS). De maneirageral, eles se caracterizam pela utilização intensivade um conjunto amplo e complexo de tecnologiasterapêuticas e práticas psicossociais dirigidaspara manter o portador de transtorno mentalinserido na família e na comunidade (7) .Com a formação cada vez maior de novosterapeutas comunitários para atuarem na rede deserviços do município de João Pessoa, houve umadiversificação das rodas de terapia em distintas instituiçõescom diferentes grupos populacionais. Sabendo-seque a Terapia Comunitária pode ser desenvolvidaem qualquer espaço geográfico e comgrupos específicos, foi estimulada a aplicação destatecnologia com usuários dos Centros de AtençãoPsicossocial (CAPS), tendo em vista o processode reabilitação e inclusão social dos mesmos,além de ampliar para os familiares, fazendo comque os mesmos pudessem participar mais efetivamentedesse processo, relatando na terapia, dificuldadese inquietações no lidar cotidiano com oportador de transtorno mental. A necessidade dese investigar o impacto e as contribuições trazidaspela TC, bem como as inquietações e problemáticasimbutidas em seus participantes, impulsionouo desenvolvimento deste estudo na busca de umaanálise condizente com a realidade dos portadoresde transtornos mentais em consonância com o contextono qual estão inseridos.A relevância desse estudo consiste em abordarum tema ainda novo, que carece de investigaçãono sentido de alicerçar uma prática que vem seconsolidando como uma estratégia de cuidado coma saúde mental no nível comunitário, uma vez queé uma tecnologia de baixo custo, e também porquea partir do saber produzido novos conhecimentospoderão ser gerados, subsidiando a implantação daTC em espaços semelhantes, ao passo que impulsionaráreflexões acerca da aplicação de uma tecnologiade cuidado e seus resultados no campo daprática.Sendo assim, este estudo traz como objetivos:descrever o processo de implantação da TerapiaComunitária no CAPS, identificando obstáculose facilidades encontradas pelos terapeutas; identificaros principais problemas vivenciados pelosusuários e familiares e as estratégias de enfrentamentopor eles utilizadas para a superação dosmesmos, além de analisar a contribuição da TC paraa inclusão do usuário na família e na comunidade.PERCURSO METODOLÓGICOTrata-se de um estudo empírico, com abordagempredominantemente qualitativa, desenvolvidoem um Centro de Atenção Psicossocial tipoIII pertencente à rede do Sistema Único de Saúde(SUS) da Secretaria Municipal de João Pessoa noestado da Paraíba.Fizeram parte desta pesquisa 22 participantesdas rodas de TC, sendo 14 usuários do CAPS e8 familiares que semanalmente acompanhavam osencontros de TC, sendo estes de ambos os sexos,com idade entre 19 e 60 anos, que no momentoencontrava-se em atendimento no CAPS em estudo.O material empírico foi produzido em 12 rodasde TC, as quais variavam com uma média de 18 a48 pessoas. As fontes utilizadas para obtenção deinformações foram as fichas de organização dasrodas realizadas, depoimentos dos participantes,além do caderno de campo que serviu para registrarinformações não contidas nas fichas. Foi aplicadoainda um questionário aos dois terapeutas queno momento da pesquisa atuavam no CAPS e coordenavamas rodas de TC, buscando informaçõessobre o processo de implantação da TC naquelainstituição CAPS.Nos encontros ou rodas de Terapia Comunitáriaas pessoas sentam-se lado a lado, de modoque seja possível a visualização dos participantesentre si. Tais encontros se desenvolvem de acordocom cinco etapas, a saber: acolhimento, escolha dotema, contextualização, problematização e encerramento.Na fase de Acolhimento o terapeuta acomodaos participantes, de preferência, em grande círculopara que todos possam olhar para a pessoa que estáfalando. Em seguida, são informadas as regras daterapia: fazer silêncio, falar da própria experiência,não dar conselhos e nem julgar, sugerir uma música,piada, poesia, conto que tenha alguma ligaçãocom o tema.Na fase seguinte, Escolha do tema, o terapeutaestimula os participantes a falar sobre aquilo que os


Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.235está fazendo sofrer. Prosseguindo, ocorre a Contextualização.Nesse momento são obtidas maisinformações sobre o assunto escolhido. Para facilitara compreensão é permitido lançar perguntaspara maior esclarecimento do problema para quese possa compreendê-lo no seu contexto.Na etapa da Problematização o terapeuta comunitárioapresenta o mote, pergunta-chave quevai permitir a reflexão do grupo e a pessoa que expôso problema fica em silêncio. As pessoas quevivenciaram situações que tem a ver com o temado mote passam a refletir a experiência vivida ecomo superou tal situação, emergindo as estratégiasde enfrentamento usadas pelas pessoas evidenciandoo processo resiliente e a pessoa que teveseu problema escolhido elege as estratégias maisadequadas a serem utilizadas na resolução de seuproblema.Finalizando com a Conclusão/Encerramento,que se dá com todos dando-se as mãos em umgrande círculo com rituais próprios, orações, abraçose o relato de cada um da experiência adquiridanaquele encontro. É a partir desse momento quese constrói e solidifica as redes sociais, a teia queune cada indivíduo da comunidade.Os encontros de TC ocorriam semanalmentenas sextas-feiras e para cada dia era feito um registroconstando todos os aspectos trazidos naquelaroda, bem como as diferentes formas de enfrentamentoapresentadas, além da conotação positivabaseada na experiência adquirida por cada participantedurante o encontro. Assim foi possível identificaras principais situações inquietantes e conflitoscolocados pelos participantes atendendo a umdos objetivos da pesquisa.Depois de formado o vínculo com os terapeutasdo serviço, foi aplicado o roteiro de entrevistapara obtenção de informações sobre a implantaçãoda TC no CAPS. As entrevistas foram realizadas apartir do consentimento dos mesmos e ocorreramno próprio serviço.Para analisar os dados, utilizou-se a técnicada análise interpretativa (triangulação) a partir dasfalas dos participantes e dos registros feitos, usando-seliteratura pertinente e emitindo o juízo críticopor parte da pesquisadora. Esta técnica viabilizao entrelaçamento entre teoria e prática eagrega múltiplos pontos de vista, seja das variadasformulações teóricas utilizadas pelos pesquisadoresou a visão de mundo dos informantes da pesquisautilizados de modo articulado no estudo. Ouso da triangulação exige, também, a combinaçãode múltiplas estratégias de pesquisa capazes deapreender as dimensões qualitativas e quantitativasdo objeto, atendendo tanto os requisitos do métodoqualitativo, ao garantir a representatividadee a diversidade de posições dos grupos sociais queformam o universo da pesquisa, quanto às ambiçõesdo método quantitativo, ao propiciar o conhecimentoda magnitude e eficiência do conteúdo emestudo (8) .Este estudo atendeu aos requisitos propostospela Resolução 196/96 do Conselho Nacionalde Saúde (9) . A pesquisa de campo somente iniciouseapós o projeto ter sido apreciado e aprovado peloComitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro deCiências da Saúde (CCS) da Universidade Federalda Paraíba (UFPB) através do número de protocolo044 e os sujeitos da pesquisa terem assinadoo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido(TCL), constituindo estes um total de 22 participantes.RESULTADOS E DISCUSSÃOProcesso de implantação da TC no CAPS:obstáculos e facilidades encontradasA atenção em saúde mental vem passando portransformações em sua forma de assistir o indivíduoem sofrimento psíquico e sua família, na buscade consolidação de um novo modelo, fundamentadoem uma nova ética setorial que rompa com ostradicionais alicerces das atuais organizações deprestação de serviços, que se contraponha ao modeloasilar. Este novo modelo, denominado psicossocial,considera os fatores políticos e “biopsicossocioculturais”,e utiliza como meios as psicoterapias,socioterapias e mais um conjunto de dispositivosde reorientação sociocultural, onde o indivíduoé o participante principal do seu tratamento,enquanto pertencente a um grupo familiar e social(10) .Neste contexto, o trabalho de um Centro deAtenção Psicossocial (CAPS), enquanto serviçosubstitutivo ao modelo asilar, deverá ir ao encontrodesta nova proposta, que conduza à construçãode uma prática de atenção à saúde mental mais justa,democrática e solidária (10) .O CAPS em estudo foi fundado em abril de2001, surgiu como mais um aliado na luta para rompercom uma barreira social em relação à atenção


236Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.a loucura, criando novos paradigmas no modeloda assistência à saúde mental. Procura-se oferecerao usuário a maior heterogeneidade possível, sejanas pessoas com quem possa vincular-se, seja nasatividades em que possa engajar-se. Assim, osCAPS fundamentam-se na idéia de que o tratamentodos pacientes psiquiátricos graves exige condiçõesterapêuticas que inexistem nos ambulatóriose hospitais psiquiátricos (11) .O processo de implantação da TC no CAPSse deu em fevereiro de 2007 impulsionado pelocurso de formação em TC promovido pela SecretariaMunicipal de Saúde do município de JoãoPessoa, em parceria com a UFPB e o Programa dePós-Graduação em Enfermagem (PPGENF). Fizerama formação em TC dois profissionais doCAPS (uma psicóloga e um arte educador). A partirde então, as rodas de TC passaram a acontecersemanalmente.Como todo processo de mudanças é permeadopor crises, algumas dificuldades foram encontradaspara se implantar efetivamente a TerapiaComunitária na instituição. Dentre essas dificuldadespodemos citar: o espaço para acomodar osparticipantes que era inadequado e a dificuldadede adesão das famílias e usuários. Algumas facilidadestambém foram evidenciadas, como: o apoioda equipe que se mostrava firme no processo deimplantação da TC, a presença dos usuários que jáse encontravam no serviço e a cooperação e participaçãodos usuários nas dinâmicas de acolhimento,bem como as contribuições trazidas por eles(músicas, piadas e poemas) durante a etapa de problematizaçãoda TC.Principais problemas e estratégias de enfrentamentoapresentados pelos participantesOs principais problemas trazidos pelos participantespara as rodas de TC são oriundos de situaçõesbastante diversificadas, de ordem familiar,financeira, relacionamento pessoal e saúde. Foramcolocados como problemas principais: os conflitosfamiliares; insônia; o medo constante das crises quedificultava o desenvolvimento de suas atividadescotidianas; o abandono e rejeição fazendo-os seremvítimas de preconceitos; saudade de um ente queridoque falecera (muitos associavam seu transtornoa tal perda); preocupações financeiras (algunsusuários colocavam que haviam perdido seu empregoapós o estabelecimento de seu quadro psíquico)e tristeza por se sentirem prisioneiros deseus transtornos mentais.As problemáticas trazidas para as rodas de TCrefletem o cotidiano dos usuários do CAPS. Osparticipantes relatam na sua grande maioria insegurançaextrema no que concerne ao ambiente familiar,pois se sentem desamparados e abandonados,temendo a castigos e internações.Sabe-se que a família é o lugar onde acontecemas relações mais próximas e, em conseqüênciadisso, ela é geradora de conflitos. Os desentendimentose dificuldades, no ambiente familiar, vãoaparecer também como conseqüência do transtornomental. Por um lado, percebe-se a família comoo melhor ambiente para acolher e manejar o comportamentodo doente, mas por outro, vêm-se odespreparo e a sobrecarga agindo negativamentesobre o cotidiano e as relações intrafamiliares (12,13) .Muitas vezes, os familiares ocupam o lugarde “ignorantes”, destituídos de qualquer saber sobresi mesmos e sobre o doente, o que os impede dese reconhecerem como sujeitos autônomos. Dessamaneira, ocupam um lugar de alienação que nãopossibilita a realização de novas experiências, e quedificulta que assumam o papel de um grupo ativono processo de construção da vida. Nessa passividade,os familiares passam a organizar suas vidasem torno da doença mental, agravando a pressãoaplicada ao portador do transtorno, atribuindo-lheo sentimento de culpa e responsabilidade (13,14) .Para os familiares o surto psicótico representade certa forma, o colapso dos esforços, o atestadode incapacidade de cuidar adequadamente dooutro, o fracasso de um projeto de vida, o desperdíciode muitos anos de investimento e dedicação.A doença mental continua sendo, com freqüência,motivo de muita vergonha para os familiares, pormais que a concepção da loucura tenha sofridomudanças (15) .O modelo de atenção psicossocial ao investirem novas modalidades de tecnologia em saúde,apostando especialmente nas chamadas tecnologiasleves a exemplo da Terapia Comunitária, tem observadoresultados muito positivos em mudançasde padrões interativos, relações interpessoais maisdialógicas e sensíveis, abrindo uma possibilidadede aceitar e interagir com a diferença por parte dosmembros da sociedade (16) .Processos de estigmatização são referidos econcebidos como estando entre os maiores empecilhosno avanço da atribuição de outro lugar


Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.237social à loucura e do exercício de cidadania dosloucos, projetos centrais da Reforma Psiquiátrica (17) .Outra problemática levantada pelos portadoresde transtornos mentais que participam das rodasde TC trata-se da insônia que é bastante comumentre eles, pois estes geralmente fazem o usode doses elevadas de medicações para se obter oefeito desejado e/ou melhora dos sintomas, ou pelosfortes efeitos colaterais trazidos por estas. Ainsônia também se torna decorrente de vozes frequentementeescutadas por eles, deixando-os emestado de alerta e vigília constante.Ao longo das diversas rodas de TC, várias estratégiasde enfrentamento foram mencionadas,como sendo as principais: busca de apoio familiar,pois a grande maioria reconhece fortemente o valorde seus familiares e da família em si como umespaço de acolhida e proteção; ter fé em Deus efrequentar a Igreja; buscar ajuda profissional (médicos,psicólogos, etc.), pois muitos argumentamnão ter outra forma de apoio, principalmente emse tratando do ambiente familiar onde se sentemexcluídos e rejeitados; tentar preencher o tempocom afazeres domésticos; dedicar-se ao lazer (quandolhes era permitido, pois muito se consideravam“escravos” e “prisioneiros” de seu próprio lar); largaro ambiente familiar (quando este era permeadopor discórdia e desunião) e recorrer a diferentesalternativas para garantir seu sustento.A TC e a inclusão socialCom o tempo, o portador de transtorno mentalacaba introjetando o sentimento de inutilidadeque a sociedade lhe confere. O doente mental sofremais pela desvalorização como pessoa do que peladoença em si. Há quem, inclusive, confunda a doençamental com retardo mental. Esta visão contribuipara o sentimento de incapacidade e atitudesde dependência. Isso reflete no rebaixamentoda auto-estima do portador resultando em falta demotivação e retraimento social, afetando inexoravelmenteo seu processo de reabilitação. Por estarazão, a TC ao lançar um olhar afetivo sobre o portadorde sofrimento psíquico, contribui influenciandode maneira positiva o modo como esta pessoase percebe (18) .O grupo descobre que a saída é coletiva, apesarde não se desconsiderar o aspecto pessoal, íntimo,da resolução de suas próprias questões. Aspessoas apreendem um saber que advém da própriavivência, dividindo suas experiências com osoutros e descobrindo que todos são parte da construçãocoletiva. Na prática, os indivíduos começama agir e deixam de esperar por outro capaz de resolverseus problemas. A rede construída vai sendoo “cimento” para caminhada de todos e re-alimentaçãopara as conquistas. Desde então as pessoastomam outra cara, a cara da alegria de serjunto (6) .A pesquisa comprova que a participação dosusuários nas rodas de TC tem contribuído fundamentalmentepara a inclusão social destes, trazendoexcelentes repercussões ao passo que atravésde seus relatos, constatam mudanças de concepçãoe comportamento nos relacionamentos familiarese afetivos. Alguns afirmam estar convivendo harmoniosamentecom os demais, respeitando suasdiferenças aumentando com isso seu ciclo de amizadee fortalecendo a criação de vínculos. Foi possívelevidenciar a importância da Terapia Comunitária,no contexto do tratamento, quando a mesmaevocou nos participantes uma representaçãopositiva, relacionada ao bem-estar, à socializaçãoe à ressignificação possibilitando um novo modo depensar e agir frente as atitudes e práticas sociais.Geralmente, quando aparecem problemas estruturais,como a violência e a insegurança as pessoastendem a retrair-se da participação em atividadessociais, com medo de sofrer algum tipo deagressão. Todavia os participantes da TC discutemprocessos de mobilização para enfrentar o problema,formando-se uma rede invisível de apoiosolidário àqueles que se sentem mais ameaçados.Percebe-se que a ajuda mútua contribuiu para queos participantes construíssem um novo olhar paraa violência, onde não predomina o medo e o silêncio(19) .Outro aspecto fundamental a ser consideradorefere-se à cidadania, pois os participantes sentem-sevalorizados ao perceberem que estão inseridosnum grupo que dá importância a seu conhecimentoe a sua experiência de vida, dando-lhesoportunidade para escutarem e serem escutados.Por isso, ressaltam-se vários aspectos relevantesque foram relatados pelos usuários participantesao final das rodas de TC quando se refere aos benefíciosgerados pela Terapia Comunitária:Aqui eu me sinto importante, porque as pessoas me escutame me respeitam quando eu tenho uma coisa prafalar (Usuário 1).


238Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.Eu gosto de vir pra terapia porque eu saio daqui maisleve. Eu deixo tudo de ruim que eu trago de casa aqui(Usuário 2).Eu já sofri muito na minha vida e depois que eu fiqueidoente eu não tenho mais ninguém. Eu gosto de vir pracá porque aqui eu tenho amigos (Usuário 3).Quando eu chego aqui todo mundo faz uma festa. Issoaumenta minha auto-estima! (Usuário 4).Constata-se, pelas falas supracitadas, que houvemelhorias na vida destas pessoas, seja por sentirem-semais acolhidas pelo grupo e pelos colegas,seja por conseguirem externar as suas angústias,possibilitando minimizar sentimentos negativosque interferem diretamente no processo de recuperaçãoe reabilitação dos usuários. Tudo isso denotaos benefícios advindos da terapia; permitindo-seconcluir, que a TC exerce uma importanteinfluência na vida de seus participantes.Por fim, analisando-se as respostas obtidasquanto ao questionamento se houve mudança navida do participante da terapia comunitária, apóster participado das rodas de TC, destacam-se asseguintes falas:Depois que eu comecei a vir pra terapia eu fiquei maispaciente com meu marido. Eu parei de bater nele porqueeu aprendi a escutar as pessoas melhor (Usuário 8).A terapia me ajudou a tirar minha vergonha, porqueeu aprendi com os outros que a minha doença não fazvergonha pra ninguém e eu tinha até medo de sair decasa [...] (Usuário 11).A terapia me ajudou porque a médica diminuiu até meusremédios e eu tenho mais paz [...] (Usuário 6).Eu depois que comecei a vir pra cá me sinto uma pessoafeliz porque na terapia eu canto alto e danço e em casaminha mãe não deixa eu fazer isso (Usuário 10).O resultado terapêutico é atingido de formaindividual, mesmo diante de histórias e narrativascompartilhadas, pois todo participante sente e percebede acordo com suas experiências pessoais. Apresença e participação do outro é importante e éo referencial de apoio e das diferenças culturais. Acada encontro, é possível observar o crescimento eo resultado coletivo, através das construções, dasfalas e produções do grupo, durante o processo deterapia.Trata-se, portanto, de uma estratégia terapêuticanão mais centrada no modelo medicalizado,mas na potencialidade do indivíduo, buscandoo equilíbrio mental, físico e espiritual, através deuma abordagem sistêmica, aliada as suas crençase valores culturais (5) .CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAISOs usuários enxergam na TC o espaço acolhedor,onde todos compartilham sentimentos bonse/ou ruins, valorizando a história individual e aidentidade cultural de cada um, restaurando a autoestimae a autoconfiança, para que possam trabalharseus conflitos interiores e exteriores, dentroda sociedade, amenizando seus problemas, ao passoque a experiência da Terapia Comunitária é tambémestendida aos familiares.O desenvolvimento desta pesquisa foi bastanteenriquecedor, ao passo que se pôde constatar efetivamenteo impacto positivo trazido pela TerapiaComunitária. A experiência de desenvolver as rodasno CAPS tem mostrado bons resultados, poisem pouco mais de dois anos de implantação percebeu-seatravés dos relatos e evoluções satisfatóriasde diversos usuários, que esta tecnologia de cuidadocontempla de forma resolutiva aspectos sóciofamiliare mental muitas vezes negligenciados emoutras abordagens e que, se não valorizados comodevem, repercutem em agravos nas dimensões biopsicossocialdo indivíduo.REFERÊNCIAS1 Gonçalves AM, Sena RR. A reforma psiquiátrica noBrasil: contextualização e reflexos sobre o cuidado como doente mental na família. Rev Latino-Am Enfermagem.2001;9(2):48-55.2 Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da ReformaPsiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1998.3 Tenório F. A reforma psiquiátrica brasileira, da décadade 1980 aos dias atuais: história e conceito. HistCiênc Saúde Manguinhos. 2002;9(1):25-59.4 Pitta AMF. Os centros de atenção psicossocial: espaçosde reabilitação. J Bras Psiquiatr. 1994;43(12):647-8.5 Holanda VR, Dias MD, Ferreira Filha MO. Contribuiçõesda terapia comunitária para o enfrentamentodas inquietações de gestantes. Rev Eletrônica Enferm.2007;9(1):79-92.


Ferreira Filha MO, Carvalho MAP. A Terapia Comunitária em um Centro de Atenção Psicossocial:(des)atando pontos relevantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2010 jun;31(2):232-9.2396 Barreto AP. Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza:LCR; 2008. v. 1.7 Pimenta ES, Romagnoli RC. A relação com as famíliasno tratamento dos portadores de transtorno mentalrealizado no Centro de Atenção Psicossocial. RevBras Pesq Med Biol. 2008;3(1):75-84.8 Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadoras.Avaliação por triangulação de métodos: abordagemde programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz;2005.9 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde.Resolução 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizese normas regulamentadoras de pesquisa envolvendoseres humanos. Brasília (DF); 1996.10 Schneider JF, Camata MW, Nasi C. O trabalho emum Centro de Atenção Psicossocial. Rev GaúchaEnferm. 2007;28(4):520-6.11 Saraceno B. As concepções de reabilitação psicossocialcomo referencial para as intervenções terapêuticasem saúde mental. Rev Esc Enferm USP. 1998;9(1):26-31.12 Barreto AP. As dores da alma dos excluídos no Brasil.[S.l. S.n.]; 2008.13 Romagnoli RC. Famílias na rede de saúde mental: umbreve estudo esquizoanalítico. Psicol Estud. 2006;11(2):305-14.14 Furegato AR, Santos OS, Nievas AF, Silva EC.Ofardo e as estratégias da família na convivência como portador de doença mental. Texto Contexto Enferm.2002;11(3):51-6.15 Tsu T. A internação psiquiátrica e o drama das famílias.São Paulo: Vetor; 1993.16 Goffman E. Estigma: notas sobre a manipulaçãoda identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC;1988.17 Jorge MSB, Randemark NFR. Reabilitação psicossocial:visão da equipe de saúde mental. Rev BrasEnferm. 2006;59(6):734-9.18 Ferreira Filha MO, Guimarães FJ. Repercussõesda terapia comunitária no cotidiano de seus participantes.Rev Eletrônica Enferm. 2006;8(3):404-14.19 Carvalho MAP, Ferreira Filha MO. A terapia comunitárianos centros de atenção psicossocial [monografia].João Pessoa: Departamento de Enfermagemem Saúde Pública e Psiquiátrica, UniversidadeFederal da Paraíba; 2010.Endereço da autora / Dirección del autor /Author’s address:Mariana Albernaz Pinheiro de CarvalhoAv. João Câncio da Silva, 786, Manaíra58038-341, João Pessoa, PBE-mail: mary_albernaz@hotmail.com___________________________Recebido em: 29/12/2009Aprovado em: 08/05/2010

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