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TRAJETÓRIA DO ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL 1 - Unifra

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Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 20011TRAJETÓRIA <strong>DO</strong> <strong>ENSI<strong>NO</strong></strong> <strong>DE</strong> <strong>FILOSOFIA</strong> <strong>NO</strong> <strong>BRASIL</strong> 1TRAJECTORY OF TEACHING PHILOSOPHY IN BRAZILRESUMONorberto Mazai 2Maria Alice Coelho Ribas 3No presente artigo, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica com oobjetivo de traçar, ainda que sucintamente, a trajetória do ensino de Filosofiano Brasil, desde a chegada dos jesuítas (séc XVI) até os nossos dias. Trazà tona, de certo modo, a polêmica sobre o retorno da disciplina de Filosofiano Ensino Médio, sua importância e o papel a ser por ela desempenhado naconstrução da consciência crítica no âmbito escolar. Dos dados obtidos,chegou-se às seguintes conclusões: a) o movimento pendular de inclusão eexclusão da disciplina de Ffilosofia dos currículos, no Brasil, foi fortementemarcado por razões ideológicas que inibiam o pensar crítico, b) faz-se necessáriorepensar a volta da disciplina de Filosofia no Ensino Médio, a fimde torná-la eficaz no processo de ensino-aprendizagem, bem como para oexercício consciente da cidadania.Palavras-chave: Filosofia, História, ensino.ABSTTRACTThe present article has been conducted by means of a bibliographicalresearch with the aim of tracing, even succinctly, the trajectory of thePhilosophy teaching in Brazil since the Jesuits’ arrival (16 th century) up tothe moment. It brings to light the controversial issue about the return ofPhilosophy as a subject in High School. From the data gathered, the followingconclusions were drawn: a) the pendulous movement of inclusion andexclusion of Philosophy in the school curriculums in Brazil was greatly markedby ideological reasons which inhibited the critical thinking; b) it is necessaryto rethink the return of Philosophy as a High School subject in order to makeit effective not only in the teaching-learning process, but also in the consciousexercise of citizenship.1PROPET.2Curso de Filosofia - UNIFRA3Orientadora - UNIFRA.


2Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 2001Key words: Philosophy; history; teachingINTRODUÇÃOPensar o exercício da Filosofia no Ensino Médio Brasileiro requer acontextualização do problema e uma retomada de sua história, tarefa cujarealização é proposta aqui. Desenvolver-se-á, nesta pesquisa, a questãorelativa ao papel que a Filosofia desempenhou ao longo da história da educaçãobrasileira, de modo a chamar a atenção para as razões ideológicas,ou seja, o processo que inibia o pensar crítico e ainda, seu movimentopendular nos currículos, desde o século XVI até nossos dias, bem como darpistas, sobre o papel que se entende que deva ser desempenhado por estadisciplina, no atual momento vivido pela educação brasileira. A pesquisa foielaborada em conformidade com as regras do trabalho monográfico, dodiscurso-filosófico-argumentativo e da investigação bibliográfica referenteao tema.O <strong>ENSI<strong>NO</strong></strong> <strong>DE</strong> <strong>FILOSOFIA</strong> <strong>NO</strong> <strong>BRASIL</strong>O ensino de Filosofia aportou, em nosso país, com os religiosos daCompanhia de Jesus, no século XVI (1553). Foram eles que exercerammaior influência na primeira fase da História da Educação no Brasil. Osjesuítas eram os responsáveis pela educação e catequese dos povos dascolônias procurando sempre propagar e fortalecer a fé cristã. Em uma cartaPe. Anchieta relatou as atividades exercidas no Brasil:“...Mas, embora o nosso principal cuidado fosse ensinare inculcar a eles os rudimentos da fé, também lhes ensinavamas letras; pois eram de tal modo aficionados aaprender a doutrina, que na mesma ocasião eram levadosa aprender a doutrina da salvação; davam conta daquiloque pertencia à fé, instruídos segundo algumasfórmulas de interrogações (catecismo), alguns até semelas...”(Lukács,I,1965:614-5 in SCHMITZ.1994. p.48).Como se pode observar, os jesuítas exerciam, de certa forma, umaespécie de teocracismo, que suscitava assim um monopólio do pensamentoe afastava Portugal das contribuições do movimento científico da época,com Descartes, Bacon, Galileu e outros.A educação estava, na época, segundo CARTOLA<strong>NO</strong> (1985), voltadapara os setores da elite dirigente, com conteúdo livresco, formalista, retórico,


Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 20013gramatical, sem base natural e nacional, que servia de deleite ao colono branco,rico e católico. A cultura filosófica passa a ser “mero comentário teológico,baseado, principalmente, na renovação da escolástica aristotélica”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985 p. 20). Era uma simples reprodução de idéias.“A filosofia era assim considerada uma disciplinalivresca. Da Europa ela nos vinha já feita. Era sinal degrande cultura o simples fato de saber reproduzir asidéias mais recentemente chegadas. A novidade supriao espírito de análise, a curiosidade supria a crítica”(COSTA., 1967:8).Todo esse contexto deixou traços marcantes no processo educativodo povo da colônia. No que diz respeito à Filosofia, ela se constitui maisprecisamente como assimilação, “registro, comentário, eco de escolas ecorrentes estrangeiras” (COSTA, 1967).A Ratio Studiorum foi a máxima expressão do esforço de sistematizaçãodo conhecimento, constitui-se na organização e no plano de estudosdos jesuítas. Subordinava o ensino superior à teologia e ao dogmatismo (filosofiada salvação), que se alicerçava, por sua vez, na procura de umaortodoxia definida pelos próprios jesuítas e que levava a expurgar os textosdos autores que se afastassem das idéias de Sto.Tomás de Aquino e Aristóteles.Lê-se na terceira regra:“os intérpretes de Aristóteles que desmerecem da religiãocristã não sejam lidos nem mencionados na escola,sem grande escolha; e acautele-se que os discípulosse lhes não afeiçoem” (COSTA, 1960).A Filosofia servia para incutir uma determinada doutrina, prevenirpossíveis desvios em relação a ela, bem como, defendê-la. Isto prova opapel militante e teológico da Filosofia na época. Destinava-se ao preparoda elite intelectual marcada pela maneira árida de pensar e de interpretar arealidade. Os estudos se compunham“de quatro séries de gramática(assegurar expressão clarae exata), uma de humanidades(assegurar expressãorica e elegante), e uma de retórica (assegurar expressãopoderosa e convincente)”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p. 22).Por motivos de ordem unicamente política, o Marquês de Pombalexpulsou os jesuítas da colônia, sob o pretexto de que o ensino deveria pre-


4Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 2001parar o cidadão para servir ao estado civil e não à igreja. Nesse momento,no Brasil começam, então, a chegar idéias modernas da França, tais como:de igualdade, de liberdade, defesa de um anticristianismo. A fé e as convicçõestradicionais são fortemente criticadas. A Filosofia procura ultrapassara questão do escolaticismo visando aos resultados da ciência aplicada. Opensamento era ao mesmo tempo racionalista e revolucionário.“Pretende pôr e resolver as questões de uma vez parasempre, matematicamente, sem tomar em consideraçãoas circunstâncias históricas; por outro lado, a teoriado conhecimento dominante é o empirismo sensualista”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985 p. 23).Essas idéias eram difundidas pela Enciclopédia (enciclopedismo) noperíodo de 1750-1780. O seu teor consistia na difusão das idéias iluministas,“com certa prudência e habilidade infiltrava os pensamentos críticos e atacavaa Igreja e todas as convicções vigentes” (CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.23). O enciclopedismo permeou assim, os meios intelectuais e religiosos daépoca. A razão é entendida como a única fonte do conhecimento, emcontraposição às orientações teológicas (filosofia da salvação).Devido a essas idéias, todo o movimento enciclopedista foi severamenteconsiderado como subversivo e com idéias totalmente contrárias àordem. Assim, em 1794, várias pessoas foram presas, principalmente, emMinas Gerais. Era considerado crime propagar esse movimento, crime sevoltar contra o despotismo da igreja. Continuava o intento de nos tornarempassivos diante da realidade, sem nenhuma autonomia de pensamento. Essemovimento causava o medo de que as pessoas vislumbrassem novos horizontesintelectuais.REFORMAS POMBALINASApós a expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal, ocorreu umareforma na Universidade, em função do surgimento de um espírito novo,moderno, que combateria a doutrina dos jesuítas. Surgem livros mais atuais.Cabe ressaltar que professores, em boa parte, eram selecionados e nomeadospor Pombal. A destruição da velha universidade, com seus colégiosjesuíticos, bem como, com seu ensino estático, tornou-se um fato“em consequência da profunda reforma pombalina naUniversidade de Coimbra algumas instituições eclesiásticasreformaram também os seus planos de estudo


Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 20015e, sobretudo, os métodos de ensino. Cumpria entãodar mostras do repúdio da metodologia silogística, darotina didática e das disputas tradicionais...”(VITA,1969.p.248-255).A nova universidade, por assim dizer, largamente aberta à luz quevinha dos países de Newton e Descartes, permaneceu atrelada a causasnacionais. Neste contexto, é preciso não esquecer a contribuição prestadapelos franciscanos, para o progresso do ensino de Filosofia no Brasil-Colônia.No ano de 1759, o Marquês de Pombal autoriza aos franciscanos aestabelecerem no Rio de Janeiro uma cátedra de filosofia.Mesmo tendo sido um passo de grande valia para o ensino, as reformasdo Marquês de Pombal não deixam de marcar, todavia, um retrocessona educação, pois,“...o ensino orientou-se ainda para os mesmosobjetivos religiosos e livrescos dos jesuítas; realizouseatravés dos mesmos métodos pedagógicos, comapelo à autoridade e à disciplina estreitas, tendendo aimpedir a criação individual a originalidade. Quanto aoensino de filosofia, continuou também no mesmo estilolivresco e escolástico” (CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.25).Com a vinda de Dom João VI para o Brasil, com toda a sua corte em1808, abriram-se às portas para o comércio mundial, o que contribuiu também,para a introdução de novas idéias na vida da colônia. Nesse período,chegaram a realizar-se conferências filosóficas. Nasceram novos colégiospara a preparação da nova classe que iria administrar e governar a colônia.Os negócios aumentavam e exigiam uma expansão da educação. Nesseclima de transformação, a Filosofia no Brasil e o seu ensino estavam voltadospara a formação profissional e não mais para um ensino propedêuticovisando à formação sacerdotal e a propagação da fé cristã.Em 1834, começaram a ser criados os primeiros cursos superioresprofissionalizantes e o secundário passa a ser preparatório para o ingressonesses cursos. Em 1838, a Filosofia passa a ser obrigatória e continua arbitrária,retórica e enciclopédica. “... nas províncias, a Filosofia já era incluídaobrigatoriamente no currículo dos liceus e dos ginásios do curso secundário,desde o início do século...”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.28).A Filosofia no Brasil, no século XIX, foi marcada pelo setor econômico:“... companhias anônimas, comerciais e industriais, oBanco do Brasil transforma-se em banco de emissão,


6Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 2001inaugura-se a linha do telégrafo elétrico e finalmenteabre-se ao tráfego a Estrada Central do Brasil”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.29).Essas relevantes mudanças vieram acompanhadas de novas idéias,as quais invadiram o meio cultural da época.O POSITIVISMO <strong>NO</strong> <strong>BRASIL</strong>Entre as correntes filosóficas em ascensão, nas últimas décadas doséculo XIX, por volta de 1870, o Positivismo foi a que mais repercussãoteve no seio do pensamento brasileiro e na educação que aqui se ministrava.A razão fundamental desse fato radica-se na preexistente tradição cientificistaque se iniciou com as reformas pombalinas, à luz das quais se estruturoutodo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a ciênciaaplicada e a instrução estritamente profissional. Ainda,“a filosofia européia desse século está toda ela impregnadade romantismo. O próprio positivismo apresentaesse caráter romântico”(COSTA, 1967, p.69).Esse caráter foi muito acentuado na época, e foi neste mesmo clima, que“... a inteligência brasileira vai expressar idéias que noschegam de uma Europa em que se travava ainda a lutaentre as idéias tradicionais e aquelas que derivavam dafilosofia do século XVIII” (COSTA, 1967, p.70).Segundo Cruz Costa, o Romantismo trouxe o meio de expressão, oinstrumento para a autonomia mental e uma primeira manifestação de espíritoverdadeiramente crítico.O certo é que, cansadas do ensino verbalístico e estéril da escolástica,as mentes mais abertas abraçaram com entusiasmo o Positivismo. As idéiaspositivistas se faziam sentir nas escolas e notava-se o interesse pela ciência.A ciência era encarada como uma panacéia para a humanidade, poiscontinha solução para todos os problemas levantados. No método positivista,buscava-se renovação dos padrões da nossa cultura e libertar a inteligênciabrasileira da tutela eclesiástica.Em 1891, Benjamin Constant decretou uma reforma, que consistia nagratuidade do ensino primário, na liberdade e laicidade do ensino. Na escolaprimária, notava-se a influência das idéias Positivistas. Para BenjaminConstant, o ensino dever-se-ia tornar formador e não apenas preparador


Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 20017das escolas superiores. Mas o que ocorreu verdadeiramente, em vez deuma reforma, em toda a extensão do termo, foi apenas um acréscimo dedisciplinas científicas às tradicionais, propiciando assim, um ensino mais enciclopédico.O Evolucionismo também deixou suas marcas na História da EducaçãoBrasileira, pois, estava ligado ao Positivismo. Ele acentuava a relevânciadas ciências no pensamento europeu e nacional.“Negando a metafísica e afirmando que todo o conhecimentoestá contido nas ciências positivas, oevolucionismo,como o positivismo, declaravam que ohomem pode apenas investigar o mundo dos fenômenos.Esta filosofia positiva, naturalista, condizia com amentalidade das elites brasileiras” (Costa, 1967, p.279in CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.35).Foi uma expressiva luta contra a metafísica!Uma obra de grande valor na época e que hoje também pode suscitarum pensar crítico sobre o ensino de Filosofia no Brasil foi a de PereiraBarreto, na qual ele afirmava:“são as idéias que governam o mundo. Ora, para nossoinfortúnio são as idéias do outro mundo que, precisamenteneste momento se procura entronizar nadireção suprema dos espíritos. Não é bastante que meiadúzia de cidadãos emancipados deseje uma pátria grande:é preciso que toda a massa nacional, unida, compacta,concorra para a efetividade do intento” ( COS-TA, 1969).Com isso, começa a solidificar-se a priori, o papel importante dafilosofia na construção teórico-crítica do conhecimento, libertando-nos assim,de uma ideologia dominante, que intenta aprisionar as mentes na menoridade.É possível uma inteligência aberta, arejada e possuidora de sua maioridade.Como disse Kant: esclarecida (aufklärung)!O Positivismo, no Brasil, teve, ainda, mais algumas manifestações, asaber: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. Vale ainda ressaltar, queele foi, vigorosamente criticado, pela corrente denominada “Escola de Recife”,os germanistas.. O fundador e maior representante dessa escola foiTobias Barreto, bem como outras figuras dignas de menção, foram: SílvioRomero, Clóvis Beviláqua, Graça Aranha e outros... Os pensadores dessaescola protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensa-


8Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 2001mento que dominavam o panorama filosófico nacional no final do séculoXIX: O Ecletismo Espiritualista e o Positivismo. Na “Escola de Recife”,buscava-se uma fundamentação de tipo transcendental, não só para o conhecimentoem geral, mas também, para toda a ação humana.A <strong>FILOSOFIA</strong> <strong>BRASIL</strong>EIRA <strong>DO</strong> SÉCULO XXCom a queda do império e com a instauração da República em 1889, apreocupação com a busca de uma sociedade racional tornou-se meta prioritáriada elite intelectual brasileira. Surgiram novos centros urbano- industriais e umforte processo de desarmonia entre campo e cidade. No ano de 1908, fundavasea Faculdade Livre de Filosofia e Letras que possuía uma orientação puramenteneotomista. Nesse período também apareceram novos livros de ensinoda filosofia e quase todos possuíam uma orientação católica.A partir de 1914, com a primeira grande Guerra, acentuou-se o amorà terra e às coisas tipicamente nacionais o que até então não se pensava,pois as portas estavam sempre escancaradas a todas as idéias provenientesde fora. É nesse momento que outras modalidades do pensamento europeurepresentado no Brasil entram a concorrer mais seriamente, com a até entãorelevante Filosofia de Augusto Comte. É a Sociologia que, aos poucos,toma conta do meio cultural. Começam a surgir obras e trabalhos que revelampreocupações sociológicas. Disso,“verifica-se que a inteligência brasileira se dá melhor,se assim podemos dizer, melhor condiz, com o trato deproblemas concretos. Isto é assim, porque as questõesmais gerais estão contidas em problemas concretose vivos, porque tal tarefa se nos impõem com insistência,antes de nos lançarmos a elucubrações maislargas e profundas... E não se diga que essa tarefa éinglória... ”(COSTA, 1967, p.353).Uma outra contribuição importante foi a formulação do métodoculturalista na abordagem dos autores, ou seja, antes de identificá-los comomembros dessa ou de outra corrente, era necessário ver qual a problemáticaque os preocupava, a fim de construir a trilha seguida pelo seu pensamento.Isso permitiu ao pensamento brasileiro compreender-se a si mesmo,superando o vício da Filosofia Apologética.O MOVIMENTO PENDULAR DA <strong>FILOSOFIA</strong> <strong>NO</strong>S CURRÍCULOSAté o início do século XX, inúmeras legislações no campo da educaçãoforam editadas, porém, nenhuma delas aproximou a disciplina de Filoso-


Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 20019fia da realidade brasileira, apesar dos grandes apelos, reivindicações e doempenho de professores e intelectuais partidários aos movimentosreivindicatórios.Em 1915, a nova reforma educacional, com o decreto n° 11.530, colocoua Filosofia como disciplina facultativa. Ressurgiu, então a disciplina de“Filosofia” nos currículos, embora não exercesse ainda o seu verdadeiropapel. Essa reforma surgiu num ambiente de mudanças políticas, econômicase sociais. Mesmo assim a Filosofia despertava pouco ou nenhum interesse,pois, a ciência e as pesquisas, em moda na Europa, eram incompreensíveise de nenhuma importância no Brasil, já que havia uma ciência a combater.As novas doutrinas estavam ligadas com o novo contexto da época, ou seja,“... as doutrinas filosóficas, no entanto, não surgempor acaso, mas emergem de um determinado nível dedesenvolvimento material; correspondem aos interessesdas classes sociais e a um certo estágio das relaçõesde produção. Neste sentido, as novas doutrinasfilosóficas também em nosso país surgiram à medidaque passaram a corresponder aos interesses das classesmédias em ascensão, já descrentes das respostasdadas pelo positivismo e pelo materialismo vulgar aosproblemas do homem e da sociedade. Fez-se sentir,naquele momento, a presença da Igreja modernizadaque aderiu entusiasticamente à República”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.50).A partir do ano de 1930, houve mais duas reformas que despertaramuma mudança na educação do Ensino Médio brasileiro. A primeira se deu em1931 e determinava que a educação visasse, não somente à matrícula nos cursossuperiores, mas também, à formação do homem para todos os setores davida,isto é, uma formação integral que lhe possibilitasse tomar decisões claras eseguras em qualquer situação de sua existência. A segunda de 1942, decreto n°4.244, intitulada Lei Orgânica do Ensino Secundário, dividiu o ensino em doisciclos: o ginásio que era cursado em quatro anos e o colegial em três. Ainda ocolegial subdividia-se em científico e clássico. O científico visava ao ensino dasciências, já o clássico, por sua vez, previa uma carga horária de quatro horassemanais para a Filosofia. Seria a formação intelectual.“A filosofia era disciplina comum aos cursos clássico ecientifica e deveria ser ensinada de acordo com ummesmo programa para ambos os cursos, apenas commaior amplitude no curso clássico” (CARTOLA<strong>NO</strong>,1985, p.59).


10Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 2001Com o passar do tempo, reduziram-se as horas-aula da disciplina e asséries que davam um espaço para os conteúdos filosóficos.No ano de 1961, um marco de grande valia foi a edição da primeiraLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n°. 4024. Essa Lei foio resultado de inúmeros debates e lutas ideológicas entre os educadores epolíticos da época. A Filosofia foi sugerida como disciplina complementar,perdendo, assim, a sua obrigatoriedade no sistema federal de ensino.“A filosofia constitui o complemento necessário à formaçãodo espírito, como instrumento, que é, da grandearte do raciocínio. Desenvolvendo o espírito crítico, acapacidade de reflexão pessoal, o senso de liberdadeintelectual e o respeito ao pensamento alheio, a Filosofianão apenas abre, para o espírito, uma visão queultrapassa os limites exíguos dos conhecimentos adquiridosatravés do estudo de uma ou de outra disciplina,como lhe permite, ainda, descobrir, acima dosproblemas decisivos, que surgem no plano das indagaçõesmetafísicas” (CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.65).Já no ano de 1964, com o golpe militar, a Filosofia foi banida doscurrículos, tornando-se facultativa. Algumas disciplinas de ciências humanastambém sofreram restrições. A educação estava, marcadamente, voltadaao serviço dos interesses econômicos. Abre-se aí o espaço para a entradado domínio norte-americano em nossa economia, política e educação.A expansão econômica, impulsionada pela chegada do capital estrangeiro,bem como a proteção do governo militar e os investimentos dados àeducação contribuíram para a extinção da filosofia do currículo das escolas.A educação acabou exercendo um papel ideológico, pois foram impostosvalores culturais estrangeiros, como modelos a serem seguidos pela educaçãono Brasil. O modelo educacional a ser seguido era totalmente técnicoe burocrático.“O ensino de filosofia não atendendo a essas solicitaçõestecnoburocráticas e político-ideológicas, já nãoservia aos objetivos das reformas que se pretendiaminstituir na estrutura do ensino brasileiro. A sua extinçãocomo disciplina, já optativa no currículo, em 1968, foipensadamente preparada através de uma série de leis edecretos, pareceres e resoluções do Conselho Federalde Educação e do Conselho Estadual de São Paulo,que, neste caso, centralizavam as decisões da áreaeducacional.”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, P.72).


Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 200111O intuito era de formar pessoas que executassem as idéias vindas defora e não pessoas capazes de serem pesquisadoras e que se constituíssemem cidadãos conscientes e críticos.A educação, nesse momento, passou a ser tratada como uma questãodo desenvolvimento do país e da segurança nacional. A Filosofia foi aospoucos desaparecendo, considerada desnecessária às novas diretrizes dadaspelo sistema.No ano de 1968, quando regime militar tornou-se mais rígido, muitosprofessores foram cassados e presenciaram-se freqüentes perseguições aassociações e instituições e inúmeras outras arbitrariedades contra os adeptosda Filosofia.Em 1971, com a lei n° 5692, a Filosofia é expulsa por completo doscurrículos para, somente no ano de 1986, voltar a ter a sua inclusão recomendadanos currículos.Ainda, a reforma de 1971 conseguiu conduzir o ensino público denível médio a uma profunda crise de identidade que se prolonga até hoje:pouco profissionaliza, não prepara adequadamente para o ingresso na universidadee não possibilita uma formação humana e social integrada aoaluno. Pela Lei de Diretrizes e Bases, LDB 5692/72, imposta verticalmente,o ensino de Filosofia tornou-se facultativo no Brasil, sendo substituído porcomponentes doutrinários como: Moral e cívica e Organização Social ePolitica do Brasil, OSPB. Investiu-se no ensino profissionalizante, como jáfoi anteriormante citado e com conceitos tecnicistas.“Ficou muito claro, a partir daí, que o pensar crítico etransformador característico da atividade filosóficaconstituía uma ameaça ao poder e à ordem vigentes, àmedida que se propunha a formar consciências querefletissem sobre os problemas reais da sociedade.Nesse sentido, procurou-se aniquilar essa atividadereflexiva, substituindo-a por outra de caráter maiscatequista e ideológico, a nível político. A educaçãomoral e cívica, sendo também “moral”, estava atendendoao que se queria que fosse o ensino da filosofia,num período de grandes agitações estudantis e operárias:apenas vinculadora de uma ideologia que perpetuaa ordem estabelecida e defende o status quo”(CARTOLA<strong>NO</strong>, 1985, p.74).Até então, o ensino da disciplina de Filosofia, no Brasil, revestira-sesempre com a roupagem da alienação e do dogmaticismo. Jamais a Filoso-


12Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 2001fia visou à formação do espírito crítico, pois assumiu o papel de geradora destatus social com pensamentos vindos do estrangeiro, com idéias já prontas,ou seja, tinha função meramente ideológica. A Filosofia constituiu-se comoacrítica e ornamental, ou seja, como teoria longínqua da prática, uma repetiçãode doutrinas obscuras.Com o final da ditadura militar e a redemocratização do país, conseqüentemente,despontaram “novas luzes” para o ensino de Filosofia. A disciplinafoi aos poucos retornando aos currículos das escolas de maneiraoptativa. É o começo de um grande passo! Renovava-se a esperança deprofessores, alunos e entidades pela inclusão do ensino da disciplina de filosofiadentro da LDB.Surge depois de um longo período de espera e discussão, no âmbitoda educação brasileira, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aLDB 9394/96, e, na seqüência, em 1999, os Parâmetros Curriculares Nacionais,para o ensino brasileiro que, para a decepção de muitos, apenas recomendaque a disciplina de Filosofia complemente os Temas Transversaisdos PCNs. A Filosofia é recomendada, nos PCNs, como conteúdo e nãocomo uma disciplina. A idéia norteadora dos PCNs é de organizar os currículospor competêmcias.Outro marco de grande valia à implantação da disciplina de Filosofiano Ensino Médio foi o recente projeto de lei complementar 9/00, do então,Deputado Pe.Roque Zimmermann, que visava a garantir a presença obrigatóriada disciplina de Filosofia no currículo do Ensino Médio. O projeto foivetado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma das alegaçõespara o veto é que não dispomos de mão de obra qualificada em númerosuficiente para atender à demanda do projeto. Este argumento é falacioso,pois, o fato de não ter pessoal preparado não significa banir a Filosofia doEnsino Médio.CONCLUSÕESApós se percorrer, ainda que sucintamente, a trajetória do ensino deFilosofia no Brasil, constata-se que o movimento pendular da disciplina deFilosofia, no contexto educacional brasileiro, foi causado por razões ideológicasque inibiam o pensar crítico, e que, quando se defende a obrigatoriedadedo retorno da disciplina de filosofia no Ensino Médio, faz-se necessário pensarque Filosofia aplicar, para que e para quem, tarefa esta que vem sendotema de pesquisas e debates em nosso país.Nesse sentido, acreditamos que o processo de ensino-aprendizagemda Filosofia deve ser crítico-construtivo! Ele deve orientar o indivíduo a umapostura consciente, a uma visão ampla e crítica da realidade em que se


Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p.1-13, 200113encontra inserido, pois só assim, poderá assumir a sua cidadania com dignidade,liberdade e criticidade. Então o que representa a Filosofia? Ela é umaciência radical, ou seja, “no sentido em que ela vai às raizes das questõesmuito mais profundamente que qualquer outra ciência; la onde as outras sedão por satisfeitas, ela continua a indagar e a perscrutar” (BOCHENSKI,1977).A Filosofia,é, portanto, uma prática, um cultivo, um modo de aprender,de conhecer e pensar que, em sua autonomia, em sua radicalidade críticaconstitui, na verdade, o vigor e a própria essência de todo aprender, detodo conhecer, de todo pensar. Quando se defende a obrigatoriedade doretorno da disciplina de Filosofia nos currículos, quer-se justamente, que elavenhe despertar, em cada cidadão, o desejo de pensar a realidade comcriticidade e vislumbrar, na totalidade, os diferentes aspectos que a compõeme, assim, olhar para a sua existência de uma maneira mais reflexiva.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBOCHENSKI, J. M. 1977. Deretrizes do pensamento filosófico. SãoPaulo, ed. Pedagógica e Universitária Ltda.CARTOLA<strong>NO</strong>, Maria Teresa Penteado. 1985. Filosofia no ensino de2?Grau. São Paulo: Cortez: Autores Associados.COSTA, Cruz. 1960. Panorama da História da Filosofia no Brasil. SãoPaulo: Cultrix._____. 1967. Contribuição á História das Idéias no Brasil. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira.SCHMITZ, Egídio.1994. Os Jesuítas e a Educação. São Leopoldo - RS:Unisinos.VITA, Luís Washington. 1969. Panorama da Filosofia no Brasil. PortoAlegre: Globo.

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